Let Me Go escrita por Rosalie Potter


Capítulo 9
Capítulo Nove


Notas iniciais do capítulo

E aí, quem ficou com o coração na mão com o final anterior?
(Felipe tomando na fuça com a notícia, impagável).
Espero que gostem desse daqui, foi um dos que eu mais gostei de escrever e foi de longe o que eu mais tive trabalho.



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Por Felipe:

Agora eu entendia a expressão divertida de Gabriel. Meu mundo girou de uma vez. Quer dizer que a dona daquela voz incrível que povoava meus sonhos, a única coisa que conseguia me acalmar, era Atena Mercer?

–Está de brincadeira? –Perguntei olhando Nelly. –Não é possível que seja aquela... –Eu iria dizer “fedelha ruiva”, mas eu sabia que Gabriel era irmão dela e não seria adequado.

–Mas é. Eu sei, a voz dela é linda. Pedi que ela cantasse hoje, para alegrar o trabalho. –A chefe falou com um sorriso no rosto, como se tivesse orgulho de sua filha. Vi que ela já tinha apadrinhado aquela menina. –Por quê? Algum problema?

–Não, não é nada não Nelly. Obrigado. –Disse ainda atordoado com a notícia. –Eu vou voltar. Vamos Gabriel.

O moreno veio para o meu lado e quando subimos alguns degraus de escada, eu pensei que desmontaria. Pelo visto a vida tinha decidido que me odiava e que eu não iria dormir nessa vida porque eu jamais pediria que ela cantasse pra mim e confessaria que só aquela voz me acalmava. O que eu faria agora em nome de Deus?

–Você deve estar se divertindo á minha custa. –Falei para Gabriel.

–O senhor não tem noção de como. –Ele acabou soltando uma risada baixa. –Minha irmã me contou de suas... Desavenças. É uma coincidência feliz do destino que ela seja a garota que o senhor estava procurando.

–Uma coincidência infeliz, você quer dizer não é? –Bufei quase em desespero. –Como vou contar para o Ian que a cantora misteriosa é a fed... Sua irmã? Ele vai rir da minha cara para o resto da vida.

–Como eu disso, uma feliz coincidência do destino.

–Inf... –Não terminei a frase porque de repente tudo escureceu e eu caí na inconsciência.

~X~

O castelo estava num rebuliço imenso desde que o príncipe desmaiou. O rei correu para chamar o médico e o castelo inteiro não se falava de outra coisa. Quando o médico chegou, foi mais uma correria e quando ele saiu também. O príncipe estava com a febre do sul, a doença que tinha pegado minha mãe e ironicamente me jogado aqui nesse castelo. Mas espera que essa não é a melhor parte, ela vem agora. Como eu era a única empregada com experiência no tratamento dessa doença tanto com a minha mãe quanto no hospital, eu teria que cuidar do príncipe por esse tempo. Fui dispensada de todas as minhas obrigações para ficar os dias cuidando dele, mas eu juro que preferia lavar todo o castelo cinqüenta vezes.

Mas lá estava eu, no quarto do príncipe. Se isso daria o que falar, uma mulher sozinha no quarto de Felipe? O pior é que não porque o castelo provavelmente inteiro sabia da birra que tínhamos um com o outro. Chegava a ser irônico. Acho que essa maldita doença só existia para complicar ainda mais a minha vida.

Entrei no local e me surpreendi. O quarto era enorme e quando eu digo era enorme mesmo e muito bem organizado, claro, com a quantidade de empregadas que o castelo tinha, eu não duvidava. As paredes tinham um belo tom dourado, tinham candelabros espalhados pelo quarto, alguns espelhos, um lustre. A cama era de casal com rico acolchoamento e não vou nem falar das roupas de cama. Um guarda-roupa de madeira ricamente entalhado tomava uma parede inteira, alguns sofás na cor vinho estavam espalhados e havia estantes repletas de livros.

Tinha uma cadeira ao lado da cama que me serviria muito bem. Eu sabia que ninguém estava confortável com a situação. Eu e Felipe tínhamos birra e o rei deveria estar terrivelmente mal em confiar seu filho á criada mais nova do palácio e que ainda não tinha conquistado confiança como as outras, mas todos tivemos que nos conformar.

Olhei para Felipe. Ele parecia estar ardendo em febre, suava, estava pálido e seus lábios e unhas estavam roxos. Como a minha mãe. Era estranho. A pessoa estava bem num momento, depois desmaiava e ficava daquela forma. Mas geralmente as pessoas estavam constantemente dormindo porque era o único jeito de escapar da dor então qual foi a minha surpresa a encontrar um Felipe acordado.

–Eu não acredito que você está acordado. –Recusava-me terminantemente á chamá-lo de senhor.

Medi a temperatura dele com as costas da mão, ele queimava. A primeira dose do remédio o médico já tinha dado e eu não poderia dar outra num curto espaço de tempo. O doutor indicara quatro doses por dia, mas eu já sabia por que cuidei da minha mãe do começo ao fim e lembrava de cada detalhe, acreditem.

–Acha que eu queria estar acordado? –Ele perguntou debilmente, mas até doente ele tinha aquele tom irritante que me deixava furiosa.

–Então durma Felipe Augustus. –Falei com uma autoridade que eu sabia que não poderia ter com o príncipe. Mas que se dane, ele precisava dormir, descansar o máximo que poderia.

–Cante pra mim. –A voz dele era débil e sua careta parecia que as palavras machucavam mais do que a doença. –Eu só consigo dormir com a voz misteriosa de uma garota que canta á noite nos jardins. Eu sei que é você. É uma infeliz coincidência, mas não vou conseguir dormir se você não cantar.

Pisquei atordoada pela nova revelação. Como assim ele só conseguia dormir com a minha voz? Desde quando isso? Como assim produção, isso está certo?

–Foi você... Que me perseguiu aquele dia no jardim. Ontem, foi você quem me perseguiu ontem. -Disse, levando a mão á testa dando uma leve batidinha. Uou, fortes revelações.

–Foi. –Ele confessou com um pequeno sorriso. –Quando eu ia pensar que seria essa fedelha ruiva?

–Fedelha ruiva que vai ter que cuidar de você, então se eu fosse você seria bonzinho. –Disse revirando os olhos e medindo a febre dele, tinha aumentado. Se continuasse acordado logo começaria a ter alucinações.

–At...

Remember those walls I built?
Well, baby they're tumbling down
And they didn't even put up a fight
They didn't even make a sound
I found a way to let you in
But, I never really had a doubt
Standing in the light of your halo
I got my angel now “

It's like I've been awakened
Every rule I had you breakin'
It's the risk that I'm taking
I ain't never gonna shut you out! “

Vi que ele fechou os olhos, mas ainda estava acordado. Minha voz estava baixa, para ser delicada e fazer com que ele dormisse e para que o som não passasse do quarto.

“Everywhere I'm looking now
I'm surrounded by your embrace
Baby, I can see your halo
You know you're my saving grace
You're everything I need and more
It's written all over your face
Baby, I can feel your halo
Pray it won't fade away

I can feel your halo, halo, halo
I can see your halo, halo, halo
I can feel your halo, halo, halo
I can see your halo, halo...
Halo, ooh ooh...”

Ele adormeceu e eu me acomodei ao encosto da cadeira. Seriam longos dias.

~X~

Acordei Felipe para comer ou tentar fazer com que ele comesse antes da última dose. Eu sabia por experiência que ele provavelmente iria vomitar, mas eu tinha tentar. Se ele conseguisse manter no estômago qualquer coisa que não fosse o remédio já seria bom.

–Eu não consigo comer. –Ele fez birra, mas a voz saiu tão débil que nem dei bola.

–Felipe, você precisa comer. Ou pelo menos tentar. Faça uma forcinha. E agora vamos lá, abra a boca. Nelly cozinha bem.

O príncipe odiava essa minha mania de mandar nele, mas era algo que eu não podia evitar, principalmente se estava cuidando dele.

–Você deve estar amando isso.

–Não quero o seu mal. –Falei com um sorriso doce. –Se você morrer, eu morro junto porque seu pai vai me matar. Então seja bonzinho. Vamos lá, abra a boca.

Finalmente ele cedeu e abriu. Coloquei uma colher de sopa e a sopa de Nelly era boa, mesmo sendo tão rala. Cada um tem o dom e do mesmo jeito que Katrina fazia maravilhas com tecido, a minha chefe fazia com fogões. Chegava a ser assustador.

Não deu outra. No momento em que ele engoliu a sopa, ela voltou. Puxei o balde para que ele vomitasse ali e suspirei. O príncipe, assim como minha mãe e meus pacientes, ainda não conseguia comer. Está bem que eu e Felipe tínhamos nossas diferenças, mas ver ele daquele jeito meio que cortava o meu coração, assim como ver qualquer um doente. Talvez por isso eu realmente devesse ser curandeira.

–Está bem, está bem. –Acariciei o braço dele com cuidado. –É melhor você tomar o remédio e ir dormir, tudo bem? Esse é o pior estágio. Vai passar com o tempo. Vou cantar pra ver se você consegue dormir.

~X~

Eu dormia em algumas mantas no chão, ao lado da cama do príncipe, para que se algo acontecesse no meio da madrugada eu pudesse estar ali. E pelo visto serviu de alguma coisa porque eu acordei com Felipe se remexendo. Coloquei-me de pé no mesmo momento. Ele estava dormindo, mas pelo que eu percebi tendo pesadelos e eu sabia que a febre pelo qual passava só servia para deixar os pesadelos mais reais.

Segurei-o pelos ombros pra tentar acordar ele e entrei em desespero quando vi que ele não despertava de forma alguma. Sacudi-o mais uma vez:

–Felipe! –Ele continuava dormindo e murmurando coisas desconexas. –Felipe Augustus acorda! Por favor, acorda!

–Atena? –A voz fraca do rapaz me fez suspirar aliviada. –Atena Mercer me pedindo, por favor?

–Cale a boca. –Falei aliviada, num tom brincalhão. –Você me deu um baita susto. Como está se sentindo?

–Estou com frio.

–É compreensível. –Falo e levo a mão á sua cabeça. Essa febre tinha que abaixar logo ou ele acabaria tendo uma convulsão e com convulsões eu realmente não sabia lidar. Só sabia que a pessoa tinha grandes riscos de chegar a arrancar a língua com uma mordida.

Eu já tinha colocado literalmente cinco cobertores nele. Mas era febre, eu entendia não estar ajudando muito. O príncipe tremia sem parar e eu estava sinceramente preocupada.

–Já são cinco cobertas...

Suspiro e olho nos olhos dele. O brilho da doença estava ali. Tentei me convencer que Felipe era jovem e que se a minha mãe, que bem, era a minha mãe com sua idade conseguiu vencer, ele também conseguiria. E era sempre um tormento naquela fase, tanto para quem sofria quanto para quem cuidava.

–Isso é a febre. Você terá que ser forte Felipe. –Segurei sua mão. –Estarei aqui, para o que precisar.

~X~

Pela manhã a febre tinha abaixado para a graça divina. Eu não tinha conseguido dormir naquela noite, temendo que a febre subisse demais ou que ele tivesse mais pesadelos. Mas depois daquilo a madrugada só serviu para que a febre abaixasse. Agora ele não corria mais risco de convulsões.

Dormia serenamente. Logo eu o acordaria para tentar fazer com que ele comesse, mas eu reconhecia aquele abaixamento de temperatura como à melhora. Ele estava passando da pior fase e isso era um alivio enorme. Mas eu sabia que só estaria aliviada mesmo quando ele estivesse bem.

Ouvi batidas na porta e franzi o cenho. Levantei da cadeira imaginando ser a Nelly com alguma comida ou até mesmo uma nova visita do médico. Qual é a minha enorme surpresa a ver o rei na minha frente. Quase dei um infarto fulminante ali mesmo.

–Vossa Majestade. –Fiz uma reverência breve e dei espaço para ele entrar.

–Como ele está? –O rei nunca me parecera tão frágil. Mas é claro. Felipe era seu único filho e numa cama daquela forma... Quando foi a minha mãe eu me lembro do medo e de todo o desespero que eu senti.

–Acho que ele está evoluindo. A febre abaixou nessa madrugada, significa que ele está indo para o segundo estágio. Logo vai começar á conseguir comer e eu vou poder diminuir a dose do remédio. É um sinal de que está dando certo.

–Ele vai conseguir menina?

–Vai. –Afirmei com certeza. –Agora que ele melhorou, não vou deixar que decaia.

–Você é muito jovem para ter experiência com esse tipo de coisa, não?

–Não. –Digo com um sorriso meigo enquanto subia uma coberta para Felipe. –Idade é um só um número Vossa Majestade. Eu cuidei da minha mãe dessa mesma doença e depois, quando começou á se espalhar, eu trabalhava num hospital. Eu e meu chefe conseguimos uma versão alternativa do remédio, mais barata, porque o senhor sabe como esse é caro. Muitas pessoas sem condições morreram por isso.

–Você ajudou á fazer um remédio alternativo? –Ele perguntou com pura descrença.

–Ele já tinha boa parte da pesquisa pronta, eu só ajudei para que ela se terminasse. Não agüentava mais ver pessoas morrendo sem poder fazer nada porque o bendito remédio causa dívidas imensas. –Dei de ombros. –Não foi fácil, mas no fim conseguimos.

Felipe então abriu os olhos e deu um sorriso cansado, mas lindo quando viu o pai a beira da cama. Era uma presença familiar afinal e era o pai dele. Aposto que foi a alegria de seus dias:

–Eu vou deixar os senhores á sós. Vossa Majestade, Vossa Alteza, com licença. –Fiz uma reverência e saí do quarto.

~X~

–E acabou. –Mostrei a tigela vazia de sopa pra ele com um sorriso no rosto. –Estou orgulhosa.

E realmente estava. Significava que ele realmente estava melhorando, o fato de estar conseguindo finalmente comer. E eu estava bem mais aliviada. Aumentaria a imunidade e defesas dele.

–Está agindo como se fosse minha babá. –Ele dissera, a voz um pouco mais forte do que antes. Aquilo tudo me deixou feliz embora eu não admitisse em voz alta. Não só por significar que meus esforços estavam dando certo, mas também porque ele ficaria bem.

–E é o que eu sou. A culpa não é minha se você precisa. –Minhas respostas continuavam as mesmas e até fiquei contente por poder utilizar elas em alguém. Já era tão habitual aquilo que ele nem parecia mais tão surpreso como antes.

–Aposto que está adorando isso.

–Já é a segunda vez que fala isso e eu já disse que não quero o seu mal. Se você morreu, o seu pai me mata junto. –Repeti a frase mais uma vez e peguei a tigela de remédio.

–Não. Eu não vou tomar isso de novo fedelha ruiva.

–Isso é o que está mantendo sua vida. –Digo revirando os olhos. –E custa os olhos da cara, já avisando. Então é melhor tomar.

–Mate-me. - Ele fez uma careta de angústia com a possibilidade de ter que provar aquilo novamente.

–Façamos assim: Você toma tudo sem reclamar e quando eu for levar a tigela, pego um doce pra você. Mas isso vai morrer aqui, se a Nelly sonhar ou o seu pai, eles me matam.

–Feito.

~X~

Felipe voltara a dormir. Algumas vezes eu nem precisava cantar, bastava sentar ao lado dele e segurar sua mão. A febre estava quase nula e logo não existiria. Aí eu teria que ficar só mais um pouco para que me certificar que ele ficaria bem e comeria bem. Então logo estaria liberada e voltaria ao “trabalho pesado” do palácio. Mas cuidar de um doente poderia ser tão pesado quanto lavar aquele castelo de cima á baixo. Eu nem lembrava quando dormi uma noite inteira desde que peguei aquele trabalho. Sem contar que tinha que dormir praticamente no chão, mas tudo bem. Não confiaria em mais ninguém pra fazer aquele trabalho de qualquer forma.

Enquanto ele dormia eu comecei á olhar aqueles livros. Sabia que ele dormiria bastante então eu poderia pegar um para ler e devolver á estante sem que ele acordasse. E fazia tempo que eu não lia e estava sedenta por um livro. Corri para a estante dele, selecionando um aleatório. Estava em italiano o que era ótimo, eu poderia treinar a língua, me divertir lendo e me distrair um pouco.

Sentei na cadeira e comecei á ler. Enfiei-me na história que a propósito era um romance, muito bonitinho. O meu italiano era ótimo porque eu achava uma língua deliciosa e a única que conseguia empatar era o francês. Enfiei-me na história de um jeito que eu não fazia faz tempo e acabei perdendo a noção do tempo.

–Você lê? –A pergunta me fez dar um pulo da cadeira. Abaixei o livro olhando Felipe. Ele tinha acordado mais cedo do que eu previ e provavelmente me esganaria por mexer nas coisas dele, embora não parecesse muito bravo.

–Não, peguei esse livro para tentar decifrar. –Falo ironicamente. –Sim, eu leio.

–Mas esse livro está em italiano.

–Eu aprendi italiano. A propósito, sou fluente em quatro línguas tirando a nossa. Aprendi muito com o meu padrasto e lendo mesmo. –Dou de ombros. –Italiano, latim, francês e grego.

–Nossa. Nem eu sei falar tudo isso. –Ele parecia espantado. –Por isso sabe tanto dos significados dos nomes. É as meninas me contaram. O irônico é que eu sei o seu Atena, que é a deusa da sabedoria e da guerra, mas não sei o significado do meu.

–Eu sei. Deriva do grego, “amigo dos cavalos”.

–Sirius não concorda.

Ri com o comentário enquanto media a febre dele com as costas das mãos. Febril. Talvez por isso ele estivesse conversando tão normalmente comigo.

–E Augustus, ironicamente, era um título real. Significa “sagrado”, “consagrado”. Foi usado como título para dizer que o dito cujo era escolhido dos deuses.

–Sagrado amigo de cavalos. Realmente, prefiro o seu.

Mais uma vez eu rio com o comentário dele:

–Não é cansativo aprender tudo isso? –Perguntou. –Digo, eu que sou príncipe sou obrigado á ter todas essas aulas chatas que às vezes me enfadonha, mas você não tem que aprender.

–Na verdade eu tenho. Eu prezo muito a sabedoria Felipe. –Eu o chamava pelo primeiro nome geralmente para irritar, mas daquela vez foi porque fluiu realmente da minha boca. –Eu gosto de saber. Adoro aprender coisas novas e acho que isso enriquece muito. Você consegue resolver praticamente qualquer coisa com inteligência, sabedoria e raciocínio lógico.

–É um pensamento ousado, dificilmente conheci alguém que pensasse assim. Conheci pessoas que prezavam força, habilidade, rapidez. Mas sabedoria só conheço duas pessoas. Você... E o meu pai.

–Isso explica porque ele foi um dos melhores reis de todo o nosso reino. –Dei um sorriso.

–Quem te ensinou tudo isso?

–Meu pai me ensinou á ler e sabendo ler eu aprendi vários tipos de coisa, bastou ler os livros certos. Os idiomas meu padrasto ensinou, mas eu me aperfeiçoei mais uma vez nos livros. Eu nunca pedia para ele trazer nada pra mim, mas ele sempre trazia livros. E eu dava um jeito de visitar bibliotecas na cidade.

–Seu padrasto, é o pai de Gabriel não é?

–Ele mesmo. –Rio. –Robert. Meu pai morreu quando eu tinha seis anos e eu fiquei sozinha com a minha mãe. Mamãe tinha que trabalhar pra cuidar da casa então eu passei boa parte do tempo sozinha, até que seis meses atrás ela casou novamente. Então eu ganhei um padrasto e três irmãos maravilhosos. Foi uma espécie de sonho, mas eu acabei perdendo tudo.

–Por que você e Gabriel têm que pagar a divida do Duque?

–Minha mãe adoeceu, assim como você, ela foi minha primeira experiência para a febre do sul. O remédio é muito caro e tivemos que pedir um empréstimo do Duque. E quando ela melhorou nós tínhamos um mês para ou pagar a dívida, ou mandar Gabriel e eu para cá para pagar a dívida dele ou entregar nossas terras. As terras são onde a mãe deles está enterrada e pra onde iríamos se fôssemos expulsos? Todos nós nos juntamos e trabalhamos, trabalhamos muito, todos nós, com exceção da minha mãe que estava se recuperando. Mas acabou não dando e então eu e Gabriel viemos. Aceitamos e pronto, não havia outra opção.

–Mas você é obrigada á ficar aqui por seis anos seguidos?

–Sem receber e sem poder sair do palácio. Só voltarei á ver minha mãe, meu padrasto e minhas irmãs daqui a seis anos quando isso acabar.

Ele parecia um tanto surpreso e horrorizado, mas provavelmente deveria ser impressão minha. Pra ele, eu era só mais uma serviçal, inferior e completamente sujeita á coisas do tipo.

–Eu sinto muito Atena. De verdade.

–Seis anos vão ter que passar em algum momento não é?

~X~

Com a melhora de Felipe eu pude relaxar. Três dias se passaram rapidamente. Ele já conseguia comer bem, a febre tinha ido embora e agora eu só ficava ali por precaução. O príncipe tinha ordenado que colocassem uma cama de solteiro no quarto. De acordo com ele era uma afronta que uma dama (sim, ele usou essa palavra, pensem na surpresa da “fedelha ruiva” aqui) dormisse no chão. Passávamos bastante tempo conversando pra minha surpresa. Na maior parte do tempo sobre amenidades. Músicas que gostávamos, livros que já tínhamos lido, coisas engraçadas da nossa vida. Ás vezes entrávamos em coisas mais sérias. Eu contava da minha família, do meu pai, de Katrina, de Iara, de Robert, da minha mãe. De como foi o tempo sozinha na infância, de como foi lindo quando descobri aquela família, de como eu me senti acolhida e amada. Como foi assustador ver a minha mãe doente e como doeu ter que vir para o palácio. Cheguei até a contar como foi horrível quando meu pai morreu, coisa que eu nunca tinha contado á ninguém. Contei das minhas idéias feministas e de como era injusto que as mulheres fossem vistas como inferiores e incapazes e que só serviam se fossem casadas e em como eu queria que comigo não fosse assim.

Ele por sua vez contou dos medos de quando viessem vinte e um anos e tivesse que pegar a coroa. De que ele não queria um casamento arranjado e que não sabia se conseguiria cuidar sozinho de um reino e que jamais chegaria aos pés do rei que o seu pai foi. Contou que sentia falta da mãe, mesmo não tendo tido a chance de conhecer a rainha Ágape. Ela morreu no nascimento dele. Eu ainda não era viva quando aconteceu, mas ouvi histórias sobre o dia que foi triste e feliz ao mesmo tempo.

Naquele momento a conversa era um tanto mais descontraída. Ele contava como foi quando descobriu que era eu a cantora do jardim.

–Foi um choque. –Ele confessou. –Eu deveria ter desconfiado daquela expressão do seu irmão, mas quando a Nelly falou que era você eu pensei que desmaiaria.

–E quem você pensava que fosse?

–Eu não sei. Na verdade, acho que minha mente sabia, mas se recusou á acreditar. Afinal, tudo começou quando você chegou ao palácio. Mas minha consciência não podia admitir que era uma fedelha ruiva que estava povoando meus sonhos.

–Eu não sabia que estava me procurando, não sou muito atenta aos boatos do castelo. E quando eu fui perseguida no jardim eu fiquei muito brava com quem quer que fosse a pessoa porque pra mim cantar lá também era a única forma de fazer dormir.

–Sério?

–É. No meu primeiro dia eu acordei sem ar, completamente sufocada por esse lugar estranho e desconhecido. Eu saí do quarto em busca de ar livre, mas a única forma de colocar pra fora de uma vez foi cantando. É a forma que eu conheço de me expressar.

–Pelo visto sua voz é um remédio de insônia para os dois lados. –Nós dois rimos. –Fedelha, você tem uma voz bonita, gosta de cansar e é totalmente á frente do seu tempo em questão de idéias. Nunca pensou em sair por aí vivendo de apresentações de canto?

–Sou idealista, não louca. –Ri. –Já, já pensei sim. Mas eu teria que abandonar completamente a minha família, sem contar que obviamente seria tomada por uma meretriz o que é terrivelmente preconceituoso, mas dificultaria ainda mais minha vida de solteira. Claro que se fosse diferente eu não hesitaria em viver da música.

–Imagino porque precisou cantar nos jardins. Você tem um espírito tão livre, deve se sentir um passarinho numa gaiola nesse palácio.

–Uma gaiola gigante, mas ainda assim uma gaiola. –Disse com um pequeno sorriso. –Eu não me importo com o lugar, contanto que eu esteja feliz e com pessoas que eu gosto. Então a minha casa podia ser pequena, mas por ora eu estava satisfeita. Claro, em algum momento levantariam a idéia de um casamento e aí essa satisfação seria quebrada porque eu não casarei por encomenda nem morta. Mas eu estava em casa, com as pessoas que eu amava, trabalhando em coisas que eu gostava. Seria perfeito se não fosse à maldita dívida.

–Eu realmente sinto muito, ruiva. –Ele deu um sorriso frágil. –Mas pelo menos você surgiu pra me fazer dormir.

–Mesmo sendo uma fedelha, como você mesmo diz.

–Você é uma fedelha. Uma fedelhinha irritante que eu detestei muito. –Não deixei de me atentar para o verbo sendo conjugado no passado.

–Eu só pedi um pouco de educação e por isso nós começamos uma guerra fria nesse castelo.

–Você desafiou o príncipe.

–O príncipe estava errado. O que queria que eu fizesse?

–Realmente, você tem razão, naquele momento eu estava errado. Mas você ter me desafiado, aquilo era novo pra mim e foi terrivelmente incômodo e irritante, ter alguém que todos consideram menor, me vencendo em argumentação. Sabe, aquele projeto de gnomo anão ruivo dando respostas afiadas, não era algo que eu estava acostumado.

–Ei, projeto de gnomo anão ruivo? Acho que eu prefiro fedelha. –Revirei os olhos. –Foi algo automático. Eu sou assim, eu gosto de perguntar, contestar, rebater... É algo fora do meu controle e não é só você que reclama. Eu tenho dezesseis anos apenas, sou mulher e apenas uma criada, acha que as pessoas em geral aceitam eu querer me expor dessa forma?

–Mas é exatamente isso que te faz ser diferente. –Ele sorriu de um jeito muito fofo. –O que a Nelly te disse?

–Deu um sermão sobre como devemos nos portar perante autoridades. Eu disse “Mas ele é só um garoto mimado e arrogante” e ela “Mas é o seu príncipe”. Então eu meio que tive que engolir.

–Garoto mimado e arrogante?

–O que, me desculpe Vossa Alteza. –Ergui as mãos em sinal de rendição. –Mas era o que eu pensava. Como eu disse, eu pedi educação e começamos uma guerra fria por isso, o que queria que eu imaginasse?

–Mudei seus conceitos?

–Bastante. –Admiti revirando os olhos.

–É, você também me surpreendeu. Mas no fundo, no fundo, sempre tive altas expectativas sobre você.

–Oh Deus, tem certeza que você não está com febre de novo? –Brinquei e ele riu. Depois tocou o próprio rosto e acabou franzido o cenho. –Felipe, o que houve?

–Sem brincadeira, acho que realmente estou com febre. –O cenho franzido e olhar amedrontado me deixou em alerta.

Coloquei as costas da mão em sua pele, parecia normal pra mim. Mas ainda assim encostei os lábios na sua testa, para ter certeza. E antes que eu pensasse, ele subiu o rosto fazendo com que nossos lábios se tocassem. Senti suas mãos tocando minha face, segurando, como se eu fosse fugir á qualquer momento. Mas algo acordou em mim. Chame de extinto ou que quiser, só sei que fechei os olhos e levei minha mão á seus cabelos enquanto ele iniciava um beijo lento, carinhoso, gostoso. Sem língua e algo que durou poucos segundos, quando minha mente voltou á mim e eu me afastei como se tivesse queimado.

–Atena... –Ele murmurou.

–Não! –Exclamei, com raiva, magoada, surpresa e com o gosto maravilhoso dele na boca. –Vou avisar a Nelly que chame um médico. Acho que você já está curado.


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Notas finais do capítulo

Música do capítulo: Halo-Beyoncé



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