Diário de uma Bruxa escrita por Lola Andrade


Capítulo 1
Capítulo único


Notas iniciais do capítulo

Bem vindos a minha primeira One shot.
Espero que gostem, pois deu trabalho!
Boa leitura!



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A noite na floresta estava calma, não havia nenhum barulho, o vento estava batendo forte contra as árvores. Havia perdido minha mãe, fomos cercadas, haviam muitas pessoas ao redor de nossa casa, elas carregavam tochas e tridentes, repetiam várias vezes ''Morra, morra, morra''.

Eu nunca saía de casa, minha mãe não queria que soubessem que ela estava gravida, mas não por vergonha e sim por medo. Quando a barriga começou a ficar mais visível ela recebeu a ajuda de Aline, uma amiga de infância. Ela era a única que aceitava que minha mãe era diferente e dava todo o apoio que ela precisava. Como sei de tudo isso? Minha mãe escrevia um diário contando o seu cotidiano, eu sei apenas por essas palavras que uma pessoa maravilhosa foi morta, a pessoa que eu mais amo nesse mundo.

Agora eu estou aqui, sozinha. No meio de um monte de animais selvagens, apenas esperando minha hora de morrer chegar. Caminhei um pouco mais pela floresta tentando achar um abrigo, uma caverna já estaria de bom tamanho.

Eu estava toda machucada, corri muito para que não me pegassem. Não sabiam da minha existência, apenas continuei escondida em casa, mas sabia que precisava sair dali em um horário que não houvesse ninguém vagando pelas ruas. Mas tinha, e ele gritou bem alto ''Bruxa, matem!''. O que obviamente fez com que parte da vila acordasse.

Minhas pernas já estavam fracas, eu não comia já havia algumas horas, minhas pálpebras já estavam pesadas, aos poucos meus olhos fechavam, até que caí no chão em meio a algumas flores, adormeci ali mesmo.

No dia seguinte tinha um veado filhote ao meu lado, ele me encarava. Me afastei assustada mas ele não fez nada, se deitou ao meu lado fazendo eu sorrir um pouco.

–Está perdido? -Passei a mão nele fazendo um carinho.

–Não acho meus pais.

Espere, o que foi isso? Ele me entendeu? Quero dizer, eu entendi ele? Isso é possível?

–Você falou? Estou ficando louca não estou?

–É a primeira vez que entendo um humano também.

–Você não vai me comer né? Desculpa se você é vegetariano, nunca pude estudar.

–Claro que não, me alimento de frutas, alguns cogumelos, plantas e vegetais.

–Frutas? Tem frutas aqui? -Meu estômago roncou.

–Tem um animal na sua barriga? -Ele aproximou a orelha da minha barriga.

–É fome, eu não comi nada até agora.

–Ah sim, eu conheço um rapaz, ele é parecido com você, talvez ele possa te alimentar.

–Um humano na floresta, sério?! -Comecei a segui-lo surpresa.

–Ele é um bom animal, você não mata seres como nós, certo?

–Claro que não, sou apenas uma garotinha, tenho sete anos.

–Você fala muito certo para quem tem sete anos.

–Eu já conseguia ler desde os dois anos, acho que pessoas como eu são mais desenvolvidas.

–O que é ler? -Ele demonstrava interesse.

–É o ato de ler um livro cheio de palavras que te levam a lugares mágicos através da sua mente, apesar de que alguns prefiram jornais com notícias.

–Jack já falou sobre isso uma vez, ele me ensinou algumas palavras.

–Ele também consegue se comunicar com você?

–As vezes, outras eu não entendo a língua que ele fala.

–Humanos não falam fluentemente nosso idioma.

–Nosso? -Perguntei confusa

–Digo nós os animais,bem chegamos.

Olhei para a casa era pequena mas tinha até chaminé, ela era feita de madeira, tinham flores exóticas na frente.

–Vai entrar também? -Perguntei chegando próxima a porta.

–Sim, perdi meus pais. -Ele pareceu meio triste.

–Mas é só encontra-los não é? -Sorri.

–Foi um caçador. -Ele fez uma pausa. -Apenas eu consegui fugir.

–Sinto muito. -Abracei ele.

–Eu também perdi os meus. -Tentei conter o choro.

–Sinto muito pela sua perda... Mas bem chega de coisas tristes. -Ele bateu com a pata na porta.

Um homem de aparentemente 28 anos abriu a porta, usava trajes simples. Seus cabelos eram brancos e seus olhos eram um tom de azul muito vivo. Ele lembrava ela...

–Eu perdi meus pais, e trouxe essa garota aqui encontrei ela perdida, perdeu os pais também. -O pequeno veado tentava se comunicar com ele, mas o homem não parecia entender.

–Hoje ele não está respondendo, converse com ele? -Ele me olhou fixamente.

–Desculpe incomodar, mas ele me trouxe aqui, estou perdida e preciso comer. Se você tiver a gentileza de me oferecer algo ficarei grata. Ah, já ia me esquecendo. esse pequenino perdeu os pais para caçadores.

O homem permaneceu em silêncio me encarando. Uma de suas mãos tocaram uma mecha do meu cabelo.

–É dourado, lindo e macio.-Ele soltou a mecha depois de elogia-lo.

–Obrigada, podemos entrar então? -Não havia gostado muito do modo que ele falou comigo.

–Claro. - Ele deu espaço para entrarmos.

A casa era simples, parecia ter apenas três cômodos,cozinha, sala e quarto, quase não tinha móveis, os que tinham pareciam ser artesanais alguns tinham até mesmo folha de bananeira.

–Como se chama garotinha? -Ele me deu uma cesta de fruta para que eu dividisse com o pequenino.

–Me chamo Claire, você é Jack, certo? -Sorri começando a comer uma maçã.

–Lê mentes ou é uma boa adivinha? -Ele franziu a sobrancelha.

–Esse filhote me contou.

Ele por um segundo me olhou surpreso, mas disfarçou desviando o olhar. Será que eu falei de mais? E se ele descobrir que sou uma bruxa? Me queimaria?!

Comecei a comer tentando não demonstrar o medo que senti ao pensar nisso.

–Você está bem? Está pálida. -O filhote me olhou confuso.

–Estou ótima, obrigada.

–Falou comigo? -Jack perguntou.

–Não, foi com ele. A propósito, ele tem nome?

–Se quiser dar algum nome, fique a vontade. -Ele pegou uma fruta.

–Vai ser Corbie, o que acha? -Olhei para o veado.

–Gostei do nome, avise para Jack que irei dormir aqui hoje?

–Jack o Corbie disse que vai dormir aqui hoje.

–Por mim tudo bem, durma aqui também. Sozinha você não irá sobreviver já que é apenas uma criança. -Ele pegou a cesta já vazia e guardou.

–Pede para ele sair, preciso conversar com você. -Ele se sentou a mesa.

–Corbie ele quer conversar comigo em particular, se importa?

–Tudo bem, vou brincar com algumas borboletas. -Ele saiu da casa assim que abri a porta.

Eu estava suando frio, o que seria? E por que sozinha? Ao sentar fiquei inquieta balançando minhas pernas.

–Se acalme, não farei nada de ruim para você. Ele passou a mão em meus cabelos.

–Diga. -Respirei fundo.

–Você é uma bruxa, não é? -Ele parecia sério agora, o modo que me encarava era assustador.

–Por favor não me queime, eu sou uma boa bruxa. -Me afastei com os olhos aguados, estava tremendo com muito medo, esse seria meu fim então?

Ele se aproximou lentamente, eu estava de joelhos no chão, não consegui segurar meu choro.

–Se levante pequenina. -Ele disse calmamente.

Devagar sem olhar para seu rosto me levantei com dificuldade, minhas pernas tremiam muito.

–Eu irei te proteger, eu prometo. -Ele me abraçou forte.

O que era aquilo? Ele ia me proteger? Ele gosta de bruxas? Seria ele um bruxo? Muitas perguntas em minha mente, é um jogo, só pode...

–Você é um bruxo? Eu o abracei soluçando um pouco.

–Não, sou apenas um humano.

–E por que não quer matar bruxas? Eu o olhei.

–Porque... -Ele falou e então fez uma leve pausa. -Minha mulher era uma bruxa, ela era linda.

–Você se casou com uma bruxa? -Sorri com minhas bochechas ainda úmidas.

–Me casei, me casaria de novo, eu amo ela. -Ele sorriu.

–Ela mora aqui?

–Não, eu deixei ela depois que soube que ela estava gravida. Devia ter apoiado ela.

–Nunca conheci meu pai, minha mãe dizia que ele se matou.

–Tinha algum motivo? -Se sentou no chão para conversar comigo.

–Minha mãe dizia que eu era nova para entender, mas foi por coisas de adultos.

–Entendo, se quiser ir brincar com Corbie no quintal acho que vai se distrair um pouco.

Que homem gentil, ele foi a segunda pessoa que conheci no mundo que aceitava as bruxas como eram, agora eu tinha dois amigos, Corbie e Jack. Nunca tive amigos, é realmente algo maravilhoso.

Mas algo me intrigou, o pequenino disse que as vezes ele o entendia, e as vezes o compreendia, se isso é um dom apenas de bruxos por que ele tem isso?

Deixando isso de lado, Corbie me mostrou a floresta e todos os animais que tinham lá. Conheci raposas, grilos, borboletas, corujas, tatus, aves, era tão divertido. É como se eu tivesse descoberto um outro mundo dentro de uma floresta. Os humanos deveriam ser todos como Jack, afinal a única diferença entre nós e os humanos é que possuímos poderes mágicos, não é errado, não temos culpa de nascer assim.

Já era noite Corbie e eu voltamos para casa, como o dia anterior a floresta era calma e silenciosa. Quando voltamos Jack estava na porta a nossa espera, a iluminação da casa era feita por tochas e uma fogueira do lado de fora.

Entramos na casa e agora tinha salada, arroz e alguns outros vegetais cozidos sobre a mesa, sentamos e começamos a comer.

–Jack como você sobrevive aqui? Digo nós precisamos de carne para sobreviver, não?

–Ai que você se engana pequena, é possível sobreviver apenas de vegetais e frutas.

–Você mesmo planta o que come?

–Sim, mas algumas coisas você consegue encontrar por aqui. -Ele sorriu.

Depois do almoço comemos uma fruta de sobremesa. Na hora de deitar o Corbie ficou ao lado da cama no chão, mas não havia outros móveis para que eu pudesse dormir, também não tinha um pijama.

–Você não trouxe nenhum traje? -Jack me perguntou mexendo numa pilha de roupas.

–Não, afinal eu estava sendo perseguida e não pensei em sair com uma mala.

–Entendo, acho que uma blusa minha lhe servirá por enquanto. Ele me deu uma blusa branca.

–Pode ir em outro cômodo se trocar.

Fui até a cozinha e consegui me trocar com facilidade, não era complicado de usar igual os vestidos que minha mãe fazia para mim. A blusa ficou enorme indo até um pouco abaixo dos meus joelhos, bem folgada e confortável.

–Onde vou dormir? -Perguntei assim que cheguei no quarto.

–Pode dormir na cama. -Se levantou da cama indo para uma cadeira.

–Mas e você? -Sentei na cama.

–A cadeira é confortável. -Ele fechou os olhos.

–Durma comigo, eu sou pequena. Posso ficar no pé da cama de cabeça para baixo.

–Seria desconfortável e além disso não poderia dormir abraçado com você, afinal você é uma criança e eu te respeito.

–Mas...

–Nada de mas, assim está ótimo. -Ele me interrompeu.

Eu havia perdido uma coisa, meu livro! Me lembrei disso justamente na hora de dormir, era o único pertence da minha mãe, a única coisa que eu tinha dela, precisava achar. Comecei a chorar baixinho pensando ter perdido pela floresta quando fui conhecer os animais.

–O que foi Claire? -Perguntou Corbie.

–O diário da minha mãe, eu o perdi.

–Foi quando saímos? -Ele pareceu preocupado.

–Pro...Provavelmente. -Estava soluçando por conta do choro.

–Algum dos nossos amigos devem ter achado e guardado, não se preocupe.

Eu limpei meus olhos mas eu queria o livro agora. Comecei a chorar mais alto, fazendo Jack acordar.

–Qual o problema? -Ele me abraçou tentando me confortar.

–O diário da minha mãe, o diário. Eu o perdi. -Comecei a chorar mais alto agora demonstrando meu desespero.

–Hey, shhh... Calma. -Ele secou minhas lágrimas beijando minha testa.

–Você deixou ele na mesa mais cedo, eu o guardei. - Jack pegou o livro dentro de um armarinho minúsculo.

–Aqui, desculpe não avisar. -Ele colocou o livro em minhas mãos.

–Obrigada, foi tudo o que me sobrou dela. - Eu olhava para o livro sorridente.

–Já que está tudo bem, voltarei a dormir. -Corbie fechou os olhos.

–Venha comigo por um minuto. -Jack pegou minha mão me levando até a sala.

–O que quer a essa hora? -Bocejei.

–Queria saber um pouco sobre sua mãe sei que é recente, desculpe tocar no assunto, mas se importa?

–Claro que não. -Me sentei no chão e ele fez o mesmo.

–Bem minha mãe antes de me ter vivia como uma mulher normal, ela frequentava a igreja mesmo sendo herege, pois não queria levantar suspeitas. Ela era bem conhecida na vila pela sua gentileza e beleza. Minha mãe possuía cabelos brancos, o que não é muito comum afinal ela não é velha. Mas por ser tão gentil e estar no padrão da sociedade ninguém suspeitava.

–Com o tempo as coisas foram piorando e bem, só por uma mulher ser estranha já é considerada bruxa. E foi isso que aconteceu com minha mãe, o cabelo branco e a aparência jovem dela fez com que ela fosse vigiada por todos os cantos que fosse.

–Nesse meio tempo ela conheceu meu pai, minha mãe dizia que ele era maravilhoso, possuía cabelos da mesma cor que o dela, porém ele não era perseguido. Foi uma paixão muito intensa, então se casaram e me tiveram. Não tenho recordações dele, afinal ele se matou antes.

–Os quadros que tinham retratando os dois foram quebrados e queimados, minha mãe estava triste, se sentindo abandonada e totalmente iludida. Meu pai provavelmente tinha medo.

–Minha infância tem sido bem complicada, não posso ir a escola por não saber exatamente que poderes tenho, se alguém descobrisse seria ruim. Minha mãe sempre escondeu minha existência, ninguém sabe que ela tem filhos, mesmo agora.

–Mas e quando ela estava gravida, não saía de casa?

–Não, ela tinha a ajuda de uma amiga, ela comprava as coisas para minha mãe.

–Mas ninguém desconfiava? Afinal sua mãe não saiu de casa por nove meses.

–A amiga dela disse que ela foi para a Alemanha e voltaria depois de muito tempo, falou que conheceu um homem lá e que ela cuidaria da casa até sua volta.

–Você nunca teve amigos então? Nunca se divertiu? Nem ao menos estudou?

–Não, não e não. Estudar eu lia alguns livros da minha mãe por curiosidade mas não compreendia a grande maioria. Algumas vezes eu queria sair de casa respirar o ar, ver o céu, sentir o vento, mas não podia.

–Isso vai mudar de agora em diante, eu e Corbie somos seus amigos. Iremos nos divertir muito juntos! -Ele sorriu me pegando no colo e me levando de volta para a cama.

Ao fechar os olhos, a primeira coisa que vi foi ela. Minha mãe sorria, me abraçava, estava sempre cuidando de mim. Por que bruxas têm que sofrer tanto?...

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No dia seguinte acordei com um cheiro maravilhoso, já se passava do meio dia. Senti o cheiro de peixe, acho que já era almoço afinal eu acordei tarde.

–Bom dia, o almoço logo vai estar pronto. -Ele me recebeu com um sorriso ao eu abrir a porta do quarto.

–Peixe? Mas você disse que não comia carne. -Me sentei na mesa.

–Peixe eu como, esqueci de mencionar. Você gosta?

–Sim. Dormiu bem? -Sorri.

–Não dormi para ser sincero, passei a noite trabalhando em algo. -Ele me trouxe uma caixa.

Dentro dela tinha um vestido preto bem simples, feito com vários retalhos de tecidos diferentes, não eram lindos iguais os que minha mãe faziam, mas ele se esforçou para fazer isso. Eu estava feliz, muito feliz. Pensei que ficaria sozinha, pensei que morreria enquanto dormisse, mas não! Eu encontrei ele, o homem que se importava comigo sem ao menos me conhecer direito! Eu sou muito boba, estava com vontade de chorar apenas de ver aquele vestido, eu nunca me senti assim.

–Ficou feio? Você está quase chorando, desculpa se fiz algo errado, as medidas foram feitas a olho já que era uma surpresa. -Ele me olhou preocupado.

–Pulei nele dando um forte abraço e um beijo em seu rosto. -Obrigada, de verdade.

Corri até o quarto tirando a blusa e colocando o vestido, ficou um pouco largo, mas pouca coisa. Eu sorria ao me observar no espelho e depois voltei para a cozinha cheia de fome.

–Ficou bom em você. -Ele colocou minha comida na mesa.

–Obrigada. -Comecei a comer.

Notei uma coisa, Corbie tinha sumido, não veio para almoçar.

–Onde está o Corbie? -O encarei.

–Foi almoçar com uma amiga, mas cá entre nós estão mais para namorados. -Ele riu.

–Ele namora? Ah que fofo, imagino ele com vários ''mines corbies''. -Ri um pouco.

–Certamente seria adorável. -Jack Sorriu.

Depois de almoçarmos comemos uma fruta. Em seguida fomos em frente a casa e nos deitamos na grama, o vento estava forte, o sol estava fraco, era possível escutar o canto de alguns pássaros e os barulhos sobre as folhas das árvores.

–Posso te fazer uma pergunta? -Me virei olhando diretamente nos olhos dele.

–Claro. -Ele fez o mesmo.

–Por que me trata tão bem? Eu sou uma estranha.

–Sabe, estar com você faz eu ver o que eu perdi na minha vida, afinal deixei minha filha. E você é como se fosse minha, eu sinto necessidade de cuidar e proteger sua inocência, te dar uma infância cheia de magia. -Ele sorriu.

–Então você me vê como filha? Em tão pouco tempo? -Eu estava me segurando para não dar um sorriso largo e exagerado.

–É estranho como me apeguei rápido. Mas sim, você é como uma filha para mim, entendo porquê sua mãe queria te proteger.

–Obrigada, por tudo. Você também é como o pai que nunca tive. -Segurei sua mão.

–Fico feliz com isso, de verdade. -Ele apertou minha mão mais forte.

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A noite Corbie voltou e estava animado, alegre e cheio de energia, estava feliz pois seus chifres começaram a crescer, ele os exibia com orgulho para nós.

–Agora com certeza você vai arrumar uma namorada. -Jack piscou fazendo carinho nele.

–Jack, não me diga que está se referindo a minha amiga. -Ele pareceu sem jeito.

–Então gosta mesmo dela? -Sorri curiosa, o que deixou ele mais sem jeito ainda.

–Consideramos isso um sim. -Jack e eu falamos juntos e rimos. Hoje ele entendia algumas palavras de Corbie, mas não sabia se deveria perguntar o porquê ele entendia-o só as vezes.

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Todas as noites eu lia um pouco o diário da minha mãe, ainda tinha algumas páginas em branco, decidi contar sobre meus dias nelas, escrevia sempre antes de dormir, como meus últimos dois dias têm sido cheio de alegria.

E foi assim durante três semanas, eu almoçava com Jack, as vezes Corbie comparecia. Durante a tarde brincava no jardim com aquele homem gigantesco, algumas vezes ele lia para mim, me ensinou algumas coisas que se aprende na escola, outras vezes eu brincava com Corbie e os outros animais na floresta.

Na quarta semana comecei a chamar Jack de Papai, Corbie estava quase namorando oficialmente, eu estava tão feliz, minha vida era perfeita. Não podia reclamar, sentia saudade da minha mãe as vezes. Mas já não chorava com tanta frequência.

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Era uma quarta feira a tarde, depois do almoço saí com Corbie para brincar, fomos até a toca dos coelhos, era uma família com três irmãos, sendo dois machos e uma fêmea. Brincávamos de nos esconder, de pegar um ao outro e nisso descobri que fora me comunicar com animais, eu conseguia levitar um pouco se mantivesse a concentração.

O sol estava muito forte nesse dia, para nos refrescarmos íamos até um riacho e nos banhávamos, era divertido. Tinha algumas partes da floresta que não íamos, afinal havia muitos predadores carnívoros lá e caçadores.

O dia passou rápido, como sempre, Corbie eu e Elizabeth fomos para casa. Elizabeth foi o nome que dei para a namorada dele, sim namorada! Eles pretendem se casar logo também, me pergunto como funciona o casamento para eles. Quando perguntei ele disse que eles acasalam, mas não sei bem o que é isso.

No meio daquela escuridão ele pediu para que nos escondêssemos, suas orelhas se mexiam muito rápido, ele estava ouvindo algo, isso era óbvio.

Eu estava assustada, não tinha um bom pressentimento sobre o que era esse barulho, pareciam passos. Ouvi um tiro, olhei para Corbie assustada. Era um caçador, mas nessa área? Aqui não era seguro? Ele errou, Corbie correu rapidamente. Elizabeth estava com muito medo, eu apenas acalmei ela, precisava fazer algo, mas o que?

Eu sou meio bruxa já que possuo o sangue de humano também, não sei controlar meus poderes direito, nem sei que poderes tenho para ser mais exata, mesmo assim escondida e quieta persegui o caçador.

Meu coração batia rápido, eu sentia meu sangue ferver, desespero, desespero, agonia. Eu precisava salvar um dos melhores e únicos amigos que tive minha vida toda.

Ele conseguiu encurralar Corbie, ele não estava sozinho, haviam outros dois homens com eles, os três carregavam uma espingarda consigo.

–Parem, parem, parem! -Corri ficando em frente ao Corbie.

–Quem é essa pirralha estúpida? -Um dos caçadores disse com sua voz grossa.

–Deve ser uma selvagem, tire ela daqui. Um dos homens me puxou pelos cabelos e me jogou com muita força contra uma árvore.

Minhas costas doíam, coloquei a mão nela e doía, vermelho, vermelho puro, vermelho sangue. Eles machucaram a mim e pretendiam matar meu amigo. Eu via o desespero em seus olhos, o jeito que ele me olhava é como se gritasse socorro, o que eu poderia fazer? Não posso perdê-lo.

Me levantei devagar indo até um dos caçadores, agarrei sua calça e implorei para que me matassem no lugar de Corbie. Mas nada adiantou, ele apenas me chutou com força para longe, me pisoteou.

Dor, dor, sangue, desespero. Essas palavras estavam na minha cabeça e se repetiam sem parar, me deixando louca. Novamente tentei ir até meu amigo, mas não consegui chegar, agora os três me batiam, cuspiam em mim, puxaram meus cabelos. Doía mas eu não chorava, eu ficaria triste, eu ficaria solitária, eu não...

Meus olhos se arregalaram, ouvi os tiros. Ah sim... ele estava morto, e eu também, por dentro. Raiva, ódio, vingança, matar, revidar.

–Vocês mataram ele, não é? -Me levantei devagar rindo.

–Ela ainda está viva? Que garota irritante. -Os três vieram em minha direção.

Com minhas mãos mesmo a distância os joguei contra o chão e bati eles diversas vezes. Era pouco, o que eu estava sentindo era maior, mais doloroso.

–Quem está rindo agora? Vou mandar vocês todos para o inferno.. Está tudo bem, vocês só irão queimar em chamas pela eternidade.

Continuava batendo eles contra o chão com força até que todos seus ossos estivessem quebrados.

Depois de mortos, eu percebi... eu percebi o que havia feito, eu.. eu era um monstro, desonrei as boas bruxas, matei, sangue, muito sangue...

Estava tudo ficando muito bagunçado minha mente, meus olhos... -Caí no chão.

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Quando acordei estava sobre os cuidados do meu pai. Ele limpava meus machucados e Elizabeth estava ali.

–O que aconteceu?... -Me levantei olhando os dois.

–Cadê o Corbie? -Sorri ainda tonta.

–Ele foi morto por caçadores. -Ela disse com uma voz triste.

–Estou tendo um pesadelo? Papai.. Diga a verdade, onde ele está? -Olhei para ele quase gritando de desespero, eu não me sentia bem.

–Ele morreu, caçadores estão cada vez mais invadindo a floresta. -Ele me abraçou.

–Não, não... -Chorei em seus braços. A mesma dor, a mesma dor. Doía tanto quanto perder minha mãe, por que tinha que ser assim? Eu estava tão feliz levando essa vida, tão feliz...

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Alguns dias se passavam, eu já não tinha vontade de sair da cama, não queria me alimentar, eu não sorria, eu me tornei... infeliz e mais infeliz ainda depois de lembrar que matei, eu sou um monstro.

–Não quer mesmo comer? -Jack abriu a porta do meu quarto, já era hora do jantar.

–Sem fome. -Respondi voltando a escrever.

–Olha, eu ainda estou aqui. Eu quero cuidar de você, me dói te ver assim. -Ele parecia tentar conter as lágrimas.

–Não chore, eu apenas... -O abracei.

–Papai, eu sou um monstro?

–Não, você é minha filha, minha adorável filha. -Ele me abraçou mais forte.

–Mas eu tenho sangue em minhas mãos, matei. Fui igual a eles.

–Você não é igual a eles, não diga isso... Não seja tão dura consigo mesma.

–Então se eu não sou uma assassina, o que sou? -Olhei em seus olhos.

Ele não sabia o que responder, estava triste, queria me acalmar, mas todos nós sabíamos que eu não era mais a mesma garota de antes, agora carregava essa culpa comigo por toda minha vida, me vingar não valeu a pena.

–Não pense muito nisso. -Ele fez carinho em minha cabeça.

Ele se deitou ao meu lado me abraçando, ele fazia isso todas as noites antes de dormimos para me acalmar, evitava que eu chorasse ou tivesse pesadelos revivendo aquela cena.

Assim que ele dormiu eu fui até em frente a nossa casa, me deitei na grama respirando fundo.

–Mãe, esse é o destino das bruxas?... Ser infeliz? -Eu segurei o choro.

''Desculpe por não estar aí para poder fazer você se sentir melhor, eu fico feliz que você esteja viva, tenha encontrado alguém para te amar.'' -Escutava a voz dela em minha mente, o que me dava saudades, eu conseguia escuta-la as vezes em meus sonhos e pensamentos. Provavelmente algum feitiço.

–Mãe eu perdi você, perdi meu amigo, não posso perder o papai agora, ele é tudo o que tenho.

''Eu tenho algo para te contar, desculpe por nunca contar antes e desculpa por contar apenas agora depois de morta. Seu pai não morreu, ele apenas fugiu para a floresta e nunca mais voltou. Por isso pensei que ele tivesse morrido, me perdoe por isso...''.

–Sério? Essa floresta? Meu pai está vivo então? Quem é ele? -Disse esperançosa.

''O homem que você considera seu pai, ele é seu pai de sangue. Não é a toa que vocês tiveram tanta facilidade em se gostarem, sentirem carinho e afeto um pelo outro. Fico feliz que você o ame.''

Então eu soube que eu não havia perdido toda minha família, eu ainda tinha um homem que estaria sempre ao meu lado, um homem gigante que me protegeria de tudo e todos. Eu ficar de cabeça baixa não vai mudar nada, além disso eu não preciso fingir que sou feliz para vê-lo sorrir, eu posso ser feliz, desde que tenha ele ao meu lado.

–Obrigada mãe. Eu sorri olhando para aquele céu escuro e com poucas estrelas.

Me levantei voltando para o quarto. Estava feliz, eu poderia ser feliz, mesmo sendo uma bruxa, mesmo tendo feito o que fiz. ''E quando eu achava que estava perdida me lembrava que era possível recomeçar.'' Essa é uma das frases que minha mãe escreveu em seu diário, faria as palavras dela minha força agora.

Deitei novamente abraçando bem forte meu pai, estava feliz, beijei o rosto dele e disse baixinho ''Eu te amo''.

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Na manhã seguinte por um milagre acordei cedo, meu pai parecia ter acordado a pouco tempo. Ele estava sentado olhando meu diário. Ele estava com uma expressão muito surpresa.

–Pai? O que faz com meu diário? -Bocejei.

–Essa é sua mãe? Ele mostrou uma pintura dela em uma das páginas. -Seus olhos demonstravam o quão surpreso ele estava.

–É sim, a conheceu? -Perguntei como quem não sabia de nada.

–Ela era... Minha mulher. -Ele sorriu e uma lágrima escorreu em seu rosto.

Ele me abraçou muito forte me dando vários beijos no rosto.

–Você é minha filha de verdade, Claire eu te amo.

–Também te amo papai. -Beijei o seu rosto sorrindo.

–Por que não parece surpresa? -Ele me olhou confuso.

–Converso com minha mãe, ela me contou...

–Ela está aqui agora? -Ele olhou desesperado para os lados.

–Ela está aqui.. -Apontei minha cabeça.

–Mas também em meu coração, provavelmente alguma magia me permite a comunicação com ela.

Ele sorriu, ele deu um sorriso como nunca havia visto antes. Meu pai parecia satisfeito com a vida, satisfeito por estar comigo. E eu sorri, eu pude sorrir novamente.

O resto da semana voltou a ser como antes, estudávamos juntos, ele lia livros para mim, brincávamos em frente a casa, era tudo tão... Perfeito.

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Duas semanas se passaram, eu estava feliz por ter de volta minha rotina, mesmo sem Corbie eu soube que a vida havia me dado uma segunda chance, na verdade eu apenas precisava abrir meus olhos e superar.

Nós estávamos indo dormir, meu pai havia feito um pijama para mim com alguns retalhos que achou, era rosa e muito fofo, uma camisola.

Fomos para o quarto mas bateram na porta, meu pai abriu era um homem alto, parecia ter dois metros de altura. Ele tinha cabelos negros, uma barba grande e olhos verdes, porém já era de idade, ele disse que estava perdido e precisava de ajuda.

–Ah que menininha fofa. Ele passou a mão em meus cabelos. -Bati em sua mão.

–Ela é meio estressada, não? -Ele riu.

–Não confio nele papai, mande-o embora! -Eu realmente não sentia coisa boa vindo dele.

–Claire! Mais educação com o senhor. -Ele chamou minha atenção, até mesmo me chamou pelo nome!

–Desculpe... -Me escondi atrás do meu pai.

–Tudo bem, você deveria mesmo me temer. -Ele socou meu pai e me puxou pelos cabelos até fora da casa. Havia uma multidão, essa cena, descobriram que sou uma bruxa... Mas como?

–Acha que sairia dessa?! Até parece que nossos melhores caçadores seriam mortos por meros animais! O homem me tacou com força no chão.

–CLAIRE! -Jack veio em direção ao homem o socando. Me pegou no colo junto com o livro e tentou sair pelas portas do fundo, mas estávamos cercados, essa cena de novo... Era bom de mais para ser verdade.

–O que faremos?! -Ele parecia desesperado.

–Jack, cuide bem desse livro e nunca o perca. -Sorri o abraçando.

–O que pretende?! -Jack aumentou o tom de voz.

–Te salvar por favor, fuja e viva, mude de país se necessário, mas não morra!

–Claire... O que vai fazer? -Seus olhos pareciam que iam transbordar.

–Isso... Comecei a pensar em todas as angústias e sofrimentos que passei, uma garota de sete anos com uma vida dessa, trágico,triste,miserável.

Apenas de olhar para aquelas pessoas eu conseguia quebrar seus ossos, eu tinha um desejo muito grande de vingança, era o que me dominava no momento.

–Por favor, fuja! Eu sorri para meu pai deixando uma lágrima cair.

Ele não queria sair dali, mas ele correu, correu rápido. ''Isso, seja livre'', era isso que desejava.

Um pouco esgotada cuspi sangue, usar magia gastava meu físico, acho que isso é por eu ser uma meia bruxa...

–Peguem ela, agora que está fraca! -Um dos homens da multidão gritou e fui amarrada, me bateram muito, cuspiram em mim, mas tudo bem. Eu era uma bruxa afinal.

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No dia seguinte eram duas da tarde, hora que foi marcada minha execução, toda a vila assistiria eu ser queimada até o fim. Mas eu merecia, já não era uma boa bruxa, matei. Sou uma assassina, é justo.

Estava amarrada naquele poste, pronta para ser queimada.

''Mãe estou indo, por favor me espere.'' Era o que estava em minha cabeça.

Mas sabe.. Meu final não será trágico, a minha vida toda eu tive pessoas que me amavam. E tive pessoas para amar, até mesmo um animalzinho. Eu sorri, não estava com medo.

''Vadia, morra e queime no inferno, e ainda tem coragem de sorrir''. Escutava todos revoltados. Eu matei seu povo e vocês mataram o meu, estamos quites, não é?!

Eles acenderam, aos poucos eu sentia o fogo, doía, mas lágrimas já não escorriam, eu não me arrependo de nada do que fiz, de nada! Talvez por isso eu vá mesmo para o inferno, mas isso existe? Bem, se existir estarei lá.

Ardia, queimava, tinha vermelho, muito vermelho, vermelho puro. Meu sangue escorria, eu não chorava, mas gritava, era agonizante.

No meio da multidão surgiu um homem de capa preta, reparei bem em seu rosto, era Jack. Ele veio... Nesse momento comecei a chorar, como nunca chorei antes.

''Eu te amo, sempre amarei''. Foi o que pareceu sair da boca dele.

Eu sorri, eu agora poderia ir embora em paz, mas antes desejei com toda força que todos morressem exceto meu pai e os animais, e que aquela vila virasse uma grande floresta, e esse foi meu último pedido.

Dizem que depois da morte dessa bruxa, não demorou até que uma grande epidemia se espelhasse pelo povoado. Houve muitas mortes, dizem que todo aquele povoado desapareceu. No lugar das casas surgiu uma grande floresta.

Algumas flores exóticas também apareçam, como uma grande oferenda à garota. Agora ela estava em paz, em um sono profundo ao lado de seus pais em seus sonhos.

Mas essa é uma história que faz muito, muito tempo.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenha gostado ♥Comente se quiser, se tiver erros avise e bem é isso ♥