Save me escrita por Vany Myuki


Capítulo 16
Tributo


Notas iniciais do capítulo

Boa tarde, povo de luz!
Com toda certeza vocês devem estar se perguntando: "por que demorou tanto, mulher?".
E certamente, alguns, estão chateados com isso. E acreditem: vocês tem toda razão.
Mas eu tive meus motivos, os quais não vou me aprofundar muito, pois creio que o que estão realmente ansiosos é pelo novo capítulo.
Bom..., nos últimos meses sofri uma perda realmente muito valiosa.
Digamos que ainda estou me recuperando.
Nada que o tempo não cicatrize, mas algo difícil de esquecer.
Espero que vocês entendam e me perdoem pela demora.
Eu simplesmente não tive condições.
Mas acredito que tudo está se encaminhando novamente.
Dessa maneira eu agradeço à todos os últimos comentários, as diversas visualizações durante esse tempo, pelos favoritos e acompanhamentos e pelas, principalmente, MP's durante esse tempo.
Vocês podem não entender mas o que me tirou do "fundo do poço" foi a confiança de vocês em mim que estava visível a cada comentário e MP.
O meu muito obrigada, à todas ♥
Enfim, agora vamos ao capítulo?
Pois bem, espero que vocês gostem, não é um dos capítulos mais "agitados" mas é um que eu, especialmente, gostei de escrever.
Um grande abraço e bora' ler ;)



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P.O.V Raven

A caixinha fez um ruído alto.

Finn levou as mãos aos ouvidos, um sorriso brincalhão no rosto.

_Isso machuca, Rae.

Sorri para ele, minhas mãos manuseando a chave de fenda com exatidão, sabendo corretamente cada lado a ser apertado.

_O que eu vou fazer com você, Finn? Somos um casal e você parece a mulher!_reclamei, embora não me importasse nem um pouco por estar no controle da situação.

O rosto de Finn adquiriu um sorriso maroto, o mesmo sorriso que há anos me cativara e continuava exercendo sua fascinação com maestria.

_Como se você não gostasse dessa posição._retrucou ele, os braços entrelaçados na frente do peito, enquanto uma sobrancelha se erguia estrategicamente.

Eu podia sentir cada fibra do meu corpo reagir à ele. Foi inevitável não me apaixonar no passado e, agora, era impossível continuar seguindo o mesmo caminho.

Eu simplesmente o amava, com tudo o que eu tinha.

A caixa fez um chiado estridente e por três segundos seguiu-se um silêncio fúnebre sendo interrompido por uma junção de palavras num ritmo entusiasmado.

Pude sentir meus lábios se repuxarem num sorriso extasiado.

Finn estava com uma expressão de puro fascínio, os olhos concentrados na caixinha que emitia uma melodia agitada.

_Isso é...

_Sim. É fantástico!_vibrei de alegria.

Olhei para a figura de Finn e não pude evitar gargalhar com a cena de seu corpo tentando se misturar ao ritmo da música.

_Você, definitivamente, tem muitos talentos.

_Mas...?_perguntou ele sugestivo, um sorriso brincando em sua expressão a cada balanço.

_Mas dançar não é um deles._ironizei, vendo sua dança desengonçada se transformar em algo ainda mais complexo, totalmente descontrolado e incompreensível.

Gargalhei ainda mais quando suas mãos me puxaram delicadamente para junto de si, fazendo meus membros se moverem no mesmo ritmo maluco.

Não sei quanto tempo passou, nem sei quantas músicas se foram ou quantas lesões Finn causou aos meus pobres pés, mas sei que no fim, quando já nos faltava fôlego e nossos membros ardiam de exaustão, só restara risadas e uma alegria excessiva.

Com os braços de Finn ao meu redor, enquanto uma última música ecoava pela caixinha, eu percebi que, fosse no espaço ou em terra firme, não havia outro lugar o qual eu gostaria de estar.

A lembrança se dissolveu tão rápido que, por alguns segundos, senti meus pés ficarem sem estabilidade.

Forcei meus olhos a se concentrarem na cena que estava se desenrolando, enquanto meu corpo submetia-se a tontura repentina.

_Octavia, pare já com isso!_grunhia Lincoln, enquanto a namorada debatia-se contra as algemas que lhe foram impostas.

A Blake bufou, repentinamente exausta para discutir ou continuar.

_Não acredito que estão fazendo isso conosco!

_Continua sendo a Arca, Octavia. Só que agora presa à terra._suscintou Miller, um olhar contrariado expondo sua raiva pelos líderes.

_Se ao menos Clarke estivesse aqui..._lamentou Monty, o rosto afetado.

_Acorda, Monty! Estamos presos por culpa dela!

_Você deveria parar de falar tanta besteira, Octavia._me manifestei, sem forças e nem ânimo para continuar a ouvir as acusações lançadas à Griffin.

_Vocês são doentes._ironizou ela.

_Ou você é muito amarga._contradizi.

A Blake se calou.

_É hora de perdoar a Clarke, não acha?_questionou Lincoln amavelmente, ciente que estava pisando em campo minado.

Os olhos de Octavia pareciam mais escuros do que o normal e, por um segundo, vi a profunda amargura escondida por trás de tanto ódio.

_Não comece._alertou, virando o rosto.

_Concordo com o Lincoln. Você não pode sustentar essa aversão por muito mais tempo._intrometeu-se Monty cautelosamente, a voz tão baixa quanto um murmúrio.

_E porque não?_desafiou ela.

Miller soltou uma gargalhada.

_Pelo simples fato de ela entrar para a sua família._tentei não rir, mas a ironia de Miller era justificável.

_Minha família é o Bellamy, e só!_rugiu a Blake.

Miller deu de ombros, enquanto os demais se concentravam no próprio colo, evitando manter contato visual com Octavia.

Lincoln era um dos poucos que se atreveu e, quando o fez, não se acanhou pelo olhar voraz dela.

Existia uma conexão infinita entre eles.

Lincoln era o equilíbrio que muitas vezes faltava à Octavia e ela era o desafio que o fazia se superar a cada aventura.

Um supria o outro em todas as necessidades.

Assim como eu sabia que Bellamy e Clarke se encaixariam num futuro próximo.

A lembrança de Finn me atingiu como uma faca de várias pontas.

Eu o amara por longos anos.

Me dedicara à ele tanto quanto ele o fizera à mim.

Mas o amor, que parecia tão forte e incólume, não fora de todo suficiente.

Pensar naquilo era terrível e doentio.

Finn estava morto, mas sua presença ainda impregnava cada memória em minha cabeça.

Era como se a história a qual partilhamos fosse um lembrete decretando que era melhor eu aprisionar muito bem meu coração a qualquer um que ousasse se aproximar.

O que me levava a Wick.

Certamente ele era algo para mim.

Sempre fora um ser desprezível o qual eu amava odiar.

Mas agora, quando nada mais era certo e preciso, agora que Finn havia partido e deixado uma grande cicatriz, eu percebia o erro que era me apaixonar novamente.

Talvez Wick fosse alguém legal, talvez nunca me machucasse..., mas, ainda assim, era alguém significativo demais para confiar um coração.

Eu sabia que minha cabeça estava uma bagunça desordenada e que meu coração tentava colocar obstáculos onde parecia haver apenas caminhos.

Antes que eu pudesse pensar em algo para me afastar do caminho, me afastar de uma felicidade certa, a porta de metal se abriu e revelou a figura afobada de Harper.

Seus cabelos loiros se iluminaram pela luz ofuscante que vinha do corredor, enquanto seus olhos expressavam o alívio por ver à todos.

Eu não consegui acompanhar os acontecimentos, não quando um par de olhos pregara-se nos meus, atravessando a pequena distância que nos mantinha separados.

Kyle, usando toda a lógica que um engenheiro pode reunir, desatou minhas algemas com uma simplicidade incrível.

Seu sorriso iluminou todo o meu corpo e, por meros segundos, me desliguei do aqui e do agora.

Não haviam mais obstáculos.

Não havia mais medo.

Apenas a visão dele me libertando.

Dele lutando por mim e pelo vínculo que passamos a compartilhar.

As mãos de Finn, embora amigas e conhecidas, se desprenderam de minhas lembranças e foram substituídas pela presença irreverente de Wick.

_Espero não tê-la feito esperar muito._brincou levantando-me do chão.

Sorri e fiquei mortificada ao receber um beijo rápido, mas mais cheio de sentimentos do que qualquer um dos longos beijos que já dera.

Wick se afastou rápido demais.

Seus olhos diziam o quão sacrificioso era se afastar, mas também anunciavam que teríamos tempo futuramente.

Com um aceno e um sorriso me afastei dele e comecei a ajudar com as algemas dos demais.

Em algum lugar do passado Finn se despedia, seu sorriso contagiante concedendo permissão para que eu seguisse meu caminho e encontrasse a felicidade.

***

P.O.V Harper

_Belo soco, Harper!_parabenizou-me Wick, enquanto um dos guardas desabafa ao chão, se juntando aos seus dois outros amigos.

Wick era, certamente, o engenheiro mais brilhante que eu já conheci, além de um ótimo lutador.

Derrubou dois soldados com tanta impetuosidade que tive vontade de abraçá-lo pelo feito.

O terceiro havia sido cortesia à mim.

Eu sentia meu punho arder com o impacto, mas o fato de ter derrotado alguém me trazia um entusiasmo contagiante.

A porta se abriu e revelou as cinco figuras acorrentadas.

Corri no auxílio delas, mas meus olhos estavam pregados no asiático à esquerda.

Eu sabia que Monty me observava, tão surpreso quanto eu mesma.

Se algum dia ele sonhara que eu podia burlar as regras, decididamente não havia se preparado para o impacto do ato.

_Ei!_falei me aproximando e ajudando Raven a desatar as algemas dele.

_Oi._os olhos de Monty pareciam me ver pela primeira vez e aquilo, pelos céus!, era instigante.

_Achei que seria legal inverter os papéis e te salvar, dessa vez._confessei, não conseguindo evitar sorrir.

As mãos, já libertas de Monty, encontraram as minhas.

_Achou certo._confidenciou com um sorriso.

Ao nosso redor os prisioneiros se levantavam, ávidos por sair do enclausuramento.

Monty era o único que parecia não ter pressa. E eu, decididamente, também aprovava sua tranquilidade, embora soubesse que devíamos sair dali rápido.

_Detesto atrapalhar_irrompeu Raven entre nós_Mas precisamos ir. Agora._enfatizou, nos empurrando para a abertura da porta.

Talvez fosse a adrenalina de socar alguém.

Ou, provavelmente, a ideia de estar indo contra a Chanceler e os líderes do Acampamento Jaha.

Mas, ainda que todos os motivos acima fossem justificáveis para fazer meu coração disparar, o que me mantinha com a energia a mil, sentido que meus pés estavam prontos para correr uma maratona infinita, era o fato do calor da mão de Monty ainda envolver a minha com veemência. Seu olhar compenetrado dizia muita coisa e, pela primeira vez na terra, senti que já não era mais dona de mim mesma.

O rapaz ao meu lado sorriu uma última vez, antes de engatarmos numa corrida frenética em busca da liberdade.

Juntos partimos.

Não como os cem.

Não como sobreviventes.

Mas como humanos em busca de um lugar melhor.

Em busca da esperança há tanto perdida.

***

P.O.V Clarke

Meus dedos percorreram os fios negros dos cabelos de Bellamy.

Seus machucados agora eram múltiplos, muitos causados pela perca de controle de Tristan, mas o que mais se destacava entre todos, era sua ferida no ombro. Estava claro que a infecção estava muito avançada, causando espasmos e febre em todo o corpo.

Já havia anoitecido e ninguém havia aparecido para nos fornecer água ou algo para comer. E agora que Bellamy havia conseguido pregar os olhos eu finalmente podia demonstrar minha preocupação para com ele.

_Está ruim._não era uma pergunta. Jasper havia viajado com Bellamy durante as últimas semanas. Ele, mais do que ninguém, sabia o estado do mesmo.

_Vocês não deveriam ter vindo.

Jasper bufou e, nas sombras, pude ver um sorriso se apoderar de seu rosto.

_Como se fosse fácil mudar a decisão dele._resmungou.

Eu sabia que ele estava certo.

Bellamy sempre foi bastante convincente quando necessário.

Eu mesma já havia perdido inúmeras batalhas para ele.

Mas agora, enquanto sua respiração era inconstante, eu percebia que nada mais importava. Perder Bellamy não era uma opção e, com toda certeza, uma batalha a qual eu abriria mão tão facilmente.

_Não há nada que você possa fazer?_Jasper não olhava para mim, mas sim para Bellamy, o olhar preocupado focado na figura que repousava em meu colo.

_Vocês passaram por muitas coisas juntos, né?

Jasper assentiu, mas manteve-se em silêncio. Seu olhar dizia muito.

_Eu precisaria de suprimentos. Remédios para a desinfecção, primeiramente. Não vejo como fazer nada disso aqui._confessei, fazendo um gesto abrangente para os arredores de nossa cela, tão frustrada quanto ele parecia estar.

_Por que você se foi?

A pergunta me pegou de surpresa, assim como a inquisição nos olhos do menino-homem à minha frente.

_Acho que você sabe o por quê.

Maya...

As centenas de inocentes...

As crianças...

Era muita coisa para aguentar.

_Você não teve culpa. Sabe que não.

O alívio e a dor em meu peito eram demasiadamente grandes para serem descritos.

_Talvez não, talvez sim... Eu realmente ainda não consegui chegar a um consenso._assegurei, a garganta apertada pelas lágrimas não soltas.

Jasper olhou para além das grandes que nos mantinham presos. Seus olhos percorreram o lado de fora sem nenhum interesse, tão opacos e vazios que me faziam sentir-me ainda mais diminuída pela sua superioridade em olhar para a assassina de sua amada e, ainda assim, não repudiá-la com todas as forças possíveis.

_Maya..._o nome foi pronunciado com certo sacrifício_ela entenderia. Ela era boa demais para não entender.

O ar ficou mais denso. Era quase impossível respirar.

_Eu sei. E é por esse motivo que eu me odeio ainda mais._havia dor, muita dor em cada palavra proferida. Jasper estava ciente da minha dor, mas eu sabia que a minha não alcançava nem um terço da dele, de tão incomensurável que era.

A cabeça de Jasper virou-se em minha direção. Seu rosto, sempre tão alegre e sorridente em minhas memórias, agora se tornara cinzento. Isento de qualquer resquício de felicidade. A responsabilidade de viver havia matado o melhor de Jasper. A morte de Maya não era nada comparada a perda da essência de Jasper.

Os olhos dele foram de Bellamy para mim e pareciam sinceros quando falaram:

_Ele vai curar cada ferida sua. Não se preocupe._assegurou com serenidade.

Uma lágrima fugitiva correu pelo meu rosto.

Tive de reprimir a vontade de levantar-me e dar-lhe um abraço.

Jasper já não era Jasper.

Eu teria de aprender a viver com o que restara de meu amigo.

Mas, mais do que isso: Jasper teria de aprender a viver com as sombras que consumiam sua existência.

Eu queria poder lhe falar mais.

Poder lhe confortar ou apenas observá-lo.

Mas fui interrompida pela entrada abrupta de Lars.

Os olhos castanhos, tão familiares com os de Finn, surgiram como um bote salva-vidas, prestes a nos retirar da tempestade certa.

_Precisamos ser rápidos._anunciou com urgência, olhando de soslaio por sobre o ombro.

Ao seu lado a pequena figura de Milah se fez presente.

_Eu disse para parecer vulnerável!_ralhou ela.

Em meio ao caos, ao desespero de Jasper e a instabilidade de Bellamy percebi que eu poderia sorrir.

Era fácil.

Era real.

Era humano.

No final das contas erámos um só.

Erámos o resquício da esperança.

Erámos a humanidade viva e latente, pulsando em cada fibra.

Erámos o todo.

***

P.O.V Murphy

_Por que sinto que ainda não o convenci sobre minhas intenções?

Senti os pelos da minha nuca se eriçarem ao som da voz melodiosa.

_Eu costumo refletir bastante sobre minhas opções. Espero que isso não seja um problema.

A risada de Alie parecia revestida de gelo: sólido e rasgante. Perfurando meus ouvidos com uma simplicidade assustadora.

_Eu confesso que esperava mais de você, Sr. Murphy._a expressão de Alie era de um fingimento profundo, tangível até._Mas devo salientar que também já contava com sua aversão. Um homem como o senhor, sempre tão cauteloso quanto às pessoas, deveria mesmo levantar uma parede de desconfiança. Isso é a regra básica.

O holograma se colocou à minha frente, um sorriso de canto contrastando com o brilho feroz de seus olhos.

_É a regra básica de sobrevivência._enfatizei, os braços cruzados entre o peito, um modo instintivo de defesa que adquiri durante a tortura imposta pelos terras-firmes.

O sorriso sutil se estendeu, constatando o veneno preso ali.

_Mas agora não há mais o que temer, Sr. Murphy. O senhor está seguro.

Aquela afirmação, tão solene e concreta, deveria pôr um fim aos meus medos, minhas dúvidas e toda a redoma de proteção que coloquei ao meu redor, a mesma que me fazia dormir com uma faca embaixo do travesseiro toda noite. Mas, ao invés disso, a afirmação só avivava ainda mais meus receios. Alie não era confiável, minha pequena parcela de vida na terra havia me moldado contra os inimigos e, sem a menor sombra de dúvida, Alie era uma inimiga. E pior: uma inimiga que sabia jogar.

_Espero que esteja certa._falei com a voz firme, sem desviar o olhar daqueles olhos monstruosos e sem vida.

O holograma inclinou a cabeça e exibiu a fileira estonteante de dentes.

Uma presa.

Ela estava avaliando sua caçada.

_Vai perceber que sempre estou certa. É uma das poucas coisas que a maioria das pessoas aprendeu a aceitar._havia ironia em sua voz, uma torrente de sugestões as quais preferi deixar no anonimato, pelo menos por enquanto.

Alie se despediu com um aceno leve de cabeça e seguiu para seu escritório.

Observei sua partida com calma, mas não demorou para que eu percebesse que estava prendendo o ar, tamanho o medo que a "coisa" fazia irradiar de mim.

Naquele momento eu desejava, mais do que tudo, ter Bellamy, Clarke e os demais ali. Eles saberiam como proceder, tomariam a frente do problema sem hesitação.

Eu odiava admitir mas, no fim das contas, eu precisava deles.

Mesmo que descobrisse os planos de Alie, ainda assim não conseguiria agir sozinha contra a super inteligência artificial.

Eu precisava de reforços.

E com urgência.

***

P.O.V Tristan

A porta da cela se abriu, mas minha visão estava turva demais para conseguir discernir a figura à minha frente.

_Deixe-me à sós com ele._a voz estava calma. Tão serena que nem parecia Callen.

Conforme minha visão se normalizava a expressão de Callen ganhava foco. Ele estava furioso, isso era de se esperar, principalmente levando em consideração a linha reta que traçava sua bochecha esquerda. Resquício de minha perca de controle na noite anterior, quando joguei minha lealdade para os céus e parti para cima de meu irmão, sangue do meu sangue.

_Você perdeu seriamente a noção do que é certo, Tristan!_esbravejou ele se aproximando com brusquidão.

Ele estava certo, mas, ao mesmo tempo, também encontrava-se enganado.

_Você não me deixou escolha, Callen. Eu precisava libertá-los.

A chama de raiva ardeu nos olhos azuis de Callen. Era como ver meu reflexo, só que consumido por um ódio colossal.

_Eles não são seu povo!_apontou ele, inconformado.

_Eu sei.

_Essa é sua única defesa? Pretende usar essas duas palavras para livrá-lo de um povo ensandecido? Porque é isso que você irá encontrar em seu julgamento: seu povo clamando por sua morte, Tristan!

Callen fez questão de cuspir todas as palavras com uma dose a mais de raiva. Eu o compreendia. Entendia que para ele seria difícil ter de desempenhar o papel de irmão e líder, principalmente quando a tortura tivesse início.

_Eu sinto muito. Não queria colocá-lo nessa situação.

Os olhos de Callen me fitaram.

Não com raiva, mas na mais profunda angústia.

_Sou seu irmão mais velho. Meu dever era protegê-lo._sussurrou para si, as mãos atadas ao fardo de ser um líder.

_Não confronte a si mesmo, irmão. Faça o que tem que fazer. Apenas o faça._era um pedido, Callen teria de ter a decência de honrá-lo.

Vi a luta ser travada nos olhos dele.

Ele era um bom homem, pelo menos na maioria das vezes.

Saberia como proceder quando chegasse a hora.

_Por que?_sua voz estava derrotada, os ombros haviam sucumbido ao peso da espada em suas mãos_Por que salvá-la?

Era uma pergunta supostamente simples.

Talvez uma paixonite fosse a única justificativa válida para a resposta.

Mas, quando os oceanos de Clarke apareciam em minha memória, quando suas mãos, firmes e suaves, encostavam acidentalmente em minha pele..., tudo parecia fazer sentido.

Talvez fosse o que Lars chamaria de loucura.

Talvez fosse a dominação de Callen para obsessão.

Mas para mim, que nunca havia tido o coração partido, era simples e puramente a definição de amor.

Eu me apaixonei de forma inconsciente.

Sua personalidade esbarrou na minha e houve faíscas.

Foi algo prematuro, com toda certeza foi, mas foi o que nossos ancestrais chamariam de conexão simultânea.

Meu único pesar era saber que essa conexão não fora recíproca.

Clarke já havia entregado seu coração.

Não cabia à mim quebrar seu vínculo.

Mas isso não mudava o fato de que eu a amava e que faria tudo outra vez para protegê-la de si mesma e de seus inimigos.

_Pela mesma razão que Milah continua a protegê-lo.

A perplexidade no rosto de Callen seria cômica, se ambos não estivéssemos cientes que aquela era nossa última conversa. Nosso último momento juntos antes do inevitável desfecho.

_Eu...

_Não precisa dizer nada. Não é necessário._garanti_Apenas me prometa que fará o possível para ajudá-la quando estiver ao seu alcance.

Callen riu, sua risada era de escárnio.

_Quer continuar a protegê-la mesmo depois de morto?_haviam facas afiadas em cada palavra que proferia.

_É um bom modo de morrer._abri um dos meus sorrisos mais preguiçosos.

_Você é um filho da mãe imprestável mesmo._Callen riu, mas seus olhos estavam marejados, contrariando a aura calma que ainda lhe cabia.

_Não vai chorar, não é mesmo?_pressionei, o peito apertado, enquanto era colocado de pé e sentia os braços de meu irmão circundarem meu corpo pela última vez.

As lágrimas vieram num ímpeto.

Se nosso pai estivesse vivo estaria grunhindo e nos chamando de donzelas.

Mas a verdade era que ele não estava ali.

Durante os anos de nossa juventude até a idade adulta nossa família se resumia à mim e Callen. Dois guerreiros temidos e respeitados pela aldeia, tão em sintonia um com outro que o vínculo tornara-se visível.

E agora estávamos aqui desfrutando o fim.

_Não tenha medo._sussurrou Callen em meu ouvido com firmeza.

Não demonstrar medo era um sinal de força.

Uma última característica que eu não abriria mão.

_Não terei._prometi, vislumbrando uma última vez a imagem de Callen, meu irmão, enquanto ele sumia do lado de fora, adotando a imagem impetuosa de líder fiel.

Não demorou para que os guardas pessoais de Callen viessem me buscar. Seus rostos mantinham-se impenetráveis, embora um ou dois transmitissem o pesar daquela ocasião.

Lá fora a multidão estava silenciosa, poucos eram os que esbravejavam por sangue.

Aquilo foi como um bálsamo para mim.

Era gratificante saber que, embora os acontecimentos recentes tenham me conferido o título de traidor, ainda assim, o povo de Condor não esquecera do verdadeiro Tristan. O mesmo guerreiro que lutara ao lado deles e que lhes tinha na mais alta conta.

Eles me respeitavam, apesar das leis.

Foi com esse pensamento que senti a primeira chibatada.

A última coisa que me lembro ter visto foi Callen se aproximar e investir contra o meu crânio.

Um último favor antes dos procedimentos de tortura: a inconsciência.


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Notas finais do capítulo

Comentem!
Recomendem!
Critiquem!
Fiquem a vontade para falar o que desejarem.
A participação de vocês é importantíssima.
Grande abraço ;D



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