Perdida em Crepúsculo escrita por Andy Sousa


Capítulo 44
Cabelos longos e pele morena.


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura :)



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Trailer

"Me encontrei em um lugar muito longe da luz,
O que vi eu não pude encarar então fechei meus olhos.
Gostaria de poder voltar a página,
Reescrever meu ponto de vista,
Poupar todo o tempo que você gastou,
Não há mais nada para dizer,
Meu coração não vai se quebrar.
Eu não estou mais com medo
E se não me livrar disto agora posso jamais escapar,
Seu poder está sumindo
E eu estou ficando muito presa ao lugar a que pertenço.
O para sempre acabou!"

Forever Is Over – The Saturdays

~*~

Comecei pelo começo. Já que havia acordado mais cedo, antes de me aprontar para a escola arrumei a pequena bagunça que fizera na sala e lavei rapidamente o tapete. Pendurei-o na cerca do fundo do quintal e torci para que a chuva continuasse ausente e desse chance dele secar. Depois voltei para o interior, arrumei meu material escolar e parti para o banho.

Eu só notara o quanto gostava da presença de Charlie agora que ela não existia, mesmo com seu jeito silencioso era bom saber que tinha mais alguém aqui.

Já no quarto escolhi usar jeans claros, uma bata de mangas longas e um casaco leve, prendi os cabelos em um rabo-de-cavalo e estava pronta. Desci para o café e por causa de minhas pequenas tarefas matinais estava com fome, preparei ovos temperados e torradas e aproveitei o último copo de suco de laranja que restara no frasco. Depois de escovar meus dentes eu estava pronta para ir, uma checada rápida no relógio me informou que tinha tempo de sobra. Era melhor assim, poderia dirigir com o dobro de cautela, uma pessoa acidentada na família já era suficiente.

Ainda não chovia e o céu nublado sem brisas de vento deixava o tempo abafado, pude dispensar o casaco sem problemas. Mesmo pilotando a caminhonete vagarosamente logo atingi a escola, antes de manobrar para o estacionamento notei que fora a primeira aluna a chegar, eu devia ter saído mesmo cedo e tive a ideia de aproveitar os minutos para ir à biblioteca. Não era longe, já que a maioria dos estabelecimentos se encontrava no centro da cidade, quando alcancei o grande prédio notei contente que já estava funcionando.

Alcancei a recepção e a jovem que sempre me atendia sorriu para mim.

– Aneliese, olá!

Fiquei sem jeito por ela saber meu nome, e tive que perguntar o seu, se chamava Aubrey.

– Vim devolver o filme, está com um dia de atraso, sinto muito, só me dei conta quando já era bem tarde e não havia como ter vindo devolver. Será que pode me informar quanto é a multa?

Ela checou um grande livro de anotações e balançou a cabeça.

– Sim, está correto, a data era ontem... – Me olhou de uma maneira estranha. – Mas sabe, está tudo bem, você não precisa pagar, sei o que houve com o xerife e sinto muito.

Ergui as sobrancelhas, não porque estivesse surpresa de que ela soubesse, afinal estávamos em Forks, mas sim porque eu não esperava que este assunto viesse à tona. Sem dizer nada eu apenas abri a mochila e peguei minha carteira.

– Obrigada Aubrey, mas, por favor, eu quero pagar, o que aconteceu não é desculpa para que eu escape de minhas responsabilidades – sem querer que minha frase soasse mal-educada eu a enfeitei com um sorriso.

Não era para ela que eu dizia aquilo, era para mim mesma. As pessoas sabiam de parte dos acontecimentos e pensei de uma maneira obscura que o desastre de Charlie viera em uma boa hora, assim eu tinha uma forma de ocultar as outras razões de minha tristeza. De qualquer modo não iria usar os acontecimentos como pretexto para fugir das implicações.

Frente a minha determinação ela não teve escolha senão aceitar, antes que eu saísse expressou seus desejos de melhoras para o xerife e eu tornei a sorrir em agradecimento, não era um sorriso falso, eu me alegrei de ver que ainda havia bondade no mundo.

Com mais uma tarefa cumprida refiz o caminho para a Forks High School e ao entrar no estacionamento eu já não era mais a única presente. Mal terminei de desligar a picape e Mike e Tyler já estavam me esperando.

Não vou dizer que eles não mencionaram o assunto do momento, claro que suas perguntas haviam sido apenas sobre o que houvera com Charlie, mas ao menos seu interesse era puramente técnico.

– Essa é a adrenalina de ser policial, cara, eu te disse que essa profissão tem dessas!

– Sim, mas atirar em si mesmo? Será que ao menos há uma cláusula de seguro para isto?

Eu ri.

– Seria bom se houvesse, tenho certeza que faríamos bom uso dela – meu tom foi sarcástico, mas por sorte nenhum dos dois notou. O fato era que não havia como ser protegido de algo ilegítimo.

– E havia muito sangue Liese?

– Tyler...

– Não, Liese, nem responda a pergunta desse panaca – ralhou Mike, foi bom que alguém tivesse se dado conta de que não era agradável tocar nesse ponto.

– Desculpe, eu não pensei.

– Está tudo bem, talvez eu também tivesse ficado curiosa, mas quando a coisa é com a gente, quando você vê alguém que ama ferido você simplesmente não quer mais pensar naquilo.

– Claro que sim. Mas diga Liese, o xerife vai logo melhorar, não vai?

– Espero que sim – respondi curtamente.

Por sorte neste exato instante Jessica e Angela chegaram e apesar de também me questionarem elas ao menos foram breves. Entretanto Jess compensou um acerto com uma falha.

– Os Cullen foram mesmo embora? Quero dizer, é só o que se fala na cidade... O doutor abandonou o emprego, não foi? Porque ele fez isso?

Todos os olhares estavam em mim, tentei pensar em uma explicação que pudesse lhes dar, mas eu não tinha nenhuma e não iria mentir ou aliviar seu lado, eles não mereciam.

– Eu não sei – falei por fim dando de ombros.

– Mas você estava namorando Edward, não estava? Como pode não saber?

Angela lançou um olhar de censura à amiga, mas apesar de ser claramente indiscreta eu não fiquei com raiva de Jessica, seria melhor encerrar aquele tópico de uma vez por todas.

– Edward e eu estávamos juntos, mas não estamos mais e acho que isto está claro, já que ele nem mais sequer mora na cidade.

Apesar de ter lhe dado a resposta que queria meu tom foi definitivo o que significava que a conversa estava encerrada.

Pensei que por causa das faltas estaria com uma pilha de tarefas, mas foi o contrário, consegui colocar os atrasos em dia ainda durante a primeira aula e por sorte no segundo período tivemos algo diferente para fazer. O senhor Banner anunciara que teríamos a oportunidade de colher amostras de sangue para a cruz vermelha - assim como Jacob fizera - e isto nos deu algo com que se distrair.

Minha carteira agora era ocupada apenas por mim, o espaço vazio me incomodou um pouco no início, mas todos os outros estudantes conversavam animadamente comigo e logo deixei de me sentir excluída. Eu não costumava fazer parte dos diálogos quando estava com Edward e percebi que era porque as pessoas se sentiam intimidadas por ele. Fiquei aliviada de que tivessem me aceitado de volta.

Colher sangue, mesmo que em pouca quantidade não era exatamente aprazível, eu não gostava nem do cheiro, nem da sensação ruim do machucado, mas o fiz mesmo assim. Devaneei sobre como seria se os vampiros ainda estivessem aqui, tendo imediata certeza de que a esta aula eles não compareceriam; Edward sempre falara tanto sobre o cheiro de meu sangue, quanto tempo teria de se manter distante de mim em uma situação como essa?

Um arrepio perpassou minha espinha ao concluir que não estaria a salvo, andei na companhia do perigo durante muito tempo, não me dera conta do que estava enfrentando.

Logo que terminamos o professor recolheu as cartelas e anunciou que teríamos os resultados na semana que vem, se retirou da sala para entregar o material na secretaria e o burburinho começou de imediato. Fiquei quieta observando a floresta, desta vez me parecia incrivelmente comum, não havia sombras escondidas na escuridão, era apenas o verde inofensivo.

– Liese, você vai se sentar conosco para o almoço? Não vai ficar sozinha em uma das outras mesas já que o Cullen não está mais aqui.

Muito obrigada Mike, eu nem havia me dado conta disto.

– Claro – tentei sorrir.

Sim, Edward não estava mais aqui, nem Alice, nem nenhum dos outros. De uma só vez eu perdera o homem que amava e minha melhor amiga, era um buraco bem grande para ser ignorado, mas ainda assim respirei profundamente e segurei as lágrimas que queriam se formar.

Meu lugar no refeitório estaria livre de todo o jeito então assim que o sinal para o intervalo soou fui para o banheiro e me tranquei em uma das cabines, trouxera comigo meu celular e ao tirá-lo da mochila vi que já estava ligado, esperando por mim. Eu não poderia fazer uma ligação se quisesse passar despercebida, então optei por enviar uma mensagem.

Quando fora a última vez que falara com Bella? Levei considerável tempo para recordar e me lembrei de que havia sido semana passada, ela havia me mandado uma mensagem pedindo desculpas por seu relacionamento com Alex e eu a dissera que estava tudo bem.

– Interessante – murmurei com amargura.

Naquele dia eu ainda podia ter algum remorso por estar com Edward, mas quaisquer explicações que eu tivesse dado a ela no final haviam sido em vão. Não tinha se passado nem uma semana e tudo já estava completamente mudado.

Em público eu era sempre forte, risonha, faladeira, mas aqui neste pequeno cubículo não havia porque fingir e de qualquer jeito a única pessoa que precisava se convencer de que tudo ficaria melhor era eu. Talvez até tivesse direito de curtir o abatimento por alguns minutos, Bella ficara muito pior e em comparação eu sentia que estava indo bem. Vi-me com saudades de meus pais e amigos e da vida simples que um dia conhecera.

No momento o único contato que tinha era ela, será que me entenderia? Quem sabe não tivesse algum conselho brilhante para me ajudar a superar a fase ruim?

Pelo sim, pelo não, eu digitei.

“Oi Bella, tudo bem? Peço desculpas por ter estado ausente durante tanto tempo, as coisas por aqui ficaram meio... Doidas. Não se preocupe, não é nada grave – eu estava mentindo, o que acontecera com Charlie fora sim muito grave, mas eu não tinha coragem de contar a ela, então pulei para a próxima parte. – Forks é legal, mas também pode ser melancólica. Bem, você vai concordar com isso, com certeza. Ás vezes eu apenas sinto falta do sol, São Paulo não é o que pode se chamar de cidade ensolarada, mas ainda tem um índice maior de raios dourados do que aqui. E como estão todos? Meus pais, Rafaela, Alex. Tenho saudades de meu país. Aqui estou me sentindo um tanto sozinha... Alguma dica para isto? Algum passatempo eficaz? Mande notícias. L.”

Soara um tanto patético, mas a tristeza em geral era assim, não sentíamos porque gostávamos e sim porque tínhamos de sentir. Sem obstáculos ninguém evolui.

E foi com esse pensamento encorajador que saí de meu esconderijo e voltei para o mundo dos vivos.

O dia por sorte passou rápido, mas desde a primeira aula não parei de quicar no lugar, estava muito ansiosa para ir ao hospital e só o que me manteve calma foi pensar que se de fato houvesse alguma notícia ruim ela já teria chegado a mim.

Quando saí da última aula fui surpreendida por Mike Newton.

– Vai ao hospital?

– Vou, com certeza.

Eu andava rapidamente e ele não tinha dificuldade em me alcançar, de repente quis poder ser ainda mais veloz, eu tinha pressa para chegar até Charlie e me afastar dele.

– Quer companhia?

Parei de andar de súbito e olhei sobressaltada, isto o fez perder um pouco da ousadia.

– Me desculpe se estou sendo intrometido.

Eu sabia bem o quanto ele podia ser intrometido e irritante e também de sua capacidade de deixar garotas para trás quando elas estavam sozinhas e indefesas em uma cidade que não conheciam.

– Tudo bem Mike, agradeço por ter se oferecido, mas, se não se importa eu prefiro ir sozinha.

Recomecei a andar e constatei satisfeita que ele não me seguia.

– Pode contar comigo Liese – falou um pouco alto às minhas costas, muitos estudantes em volta de nós nos olharam.

Eu não perdi tempo parando para lhe agradecer formalmente, não tinha a mínima vontade de participar de seus joguinhos então apenas lhe dei um breve aceno com a mão. Claro que Edward não estando por perto significava que eu voltara a ser solteira e ao que parecia para alguns isto era alguma coisa.

Foi quase um trunfo finalmente chegar à picape, logo que me dei conta estava disparando pela estrada principal e em menos de dez minutos alcancei o hospital. A recepcionista me informou que ainda faltava cerca de meia hora para o horário de visitas e isto me obrigou a esperar na mesma salinha em que estivera na véspera.

– Acho que vai gostar de saber que o xerife saiu da UTI, vai poder visitá-lo em seu quarto e terá mais tempo – informou a moça procurando atenuar a tensão.

– Isto é realmente uma boa notícia – agradeci.

Pedi licença e segui para a sala de espera, estava quase vazia e encontrei um inofensivo lugar ao fundo. Me acomodei e esperei, contando os minutos. Depois de uma eternidade eu já imaginava que ao menos tivesse atingido a metade do tempo. Um movimento mínimo em minha bolsa chamou minha atenção e abri o zíper, retirando meu celular do interior, ele piscava anunciando que eu tinha uma nova mensagem.

Bella havia escrito o seguinte:

“Oi Liese, eu estou muito bem. Maravilhosamente bem, na verdade, Alex é um doce. Eu jamais poderia pensar em encontrar alguém como ele, é engraçado, romântico, cavalheiro, gentil... Desculpe, pareço uma boba apaixonada, mas acho que é isto mesmo que sou. Não se preocupe de ter estado ausente, eu estou muito feliz Liese, e quero que você sinta essa felicidade também. Por isso que acho que você deveria voltar, já pensou nisso? Eu odeio o pensamento de você largada nessa cidade melancólica, realmente não me surpreende que esteja triste ou se sentindo sozinha, eu me sentia desse mesmo jeito cada vez que tinha de ir à Forks. Apesar da presença de Charlie isto era inevitável já que além de ser homem ele trabalhava demais e mal ficava comigo e imagino que aconteça o mesmo com você. Todos aqui sentem sua falta, garanto que seus pais comprariam sua passagem de regresso ainda hoje. Então, por favor, volte!”

A cada palavra que li senti coisas diferentes, mas nenhuma das emoções era fácil de interpretar. De que se tratava? Alívio? Alegria? Temor? O que eu sentira ao ler o pedido de Bella? Voltar... Será que esta era a resposta? E se fosse? Não havia nada mais para mim em Forks, eu sabia disso, é claro que tinha outros personagens e eu poderia conhecer melhor cada um deles, mas a quem eu queria enganar? Só havia uma pessoa que me interessava e ela não estava mais aqui. Eu dissera desde o início que não me deixaria vencer, mas será que junto com Edward havia ido toda minha vontade de ficar? Todo o propósito dessa viagem?

– Liese.

Ergui meu rosto de imediato, Jacob estava perto de mim e sorria.

– Jake? Há quanto tempo você está aí?

– Não muito, mas você parecia muito distraída, duvido que me notasse se não tivesse chamado seu nome.

Quando dei por mim eu estava sorrindo e me levantando para abraçá-lo, ele retribui calorosamente.

– Eu não esperava que viesse.

– Billy queria vir de todo jeito, ele ficou bem preocupado e na verdade ainda está, não quis obedecer a ordem da enfermeira e vir para cá, então basicamente ficou de guarda em frente ao quarto esperando o horário de visitas começar – revirou os olhos.

Eu gargalhei.

– Então você veio com Billy – franzi o cenho.

– Sim – ele respondeu como quem dizia ‘de que outra maneira eu teria vindo?’

Obviamente que pegar carona com seu pai era o meio mais provável dele fazer uma viagem, contudo eu me distraíra considerando que pudesse ter vindo correndo como um lobo. Mas ele ainda não era lobisomem, não havia se transformado, era somente um garoto comum da reserva. Isto se confirmava por seus longos cabelos e pelas vestes de frio, o Jacob que eu conhecia jamais usava algo mais que bermuda e camiseta, pois não precisava.

O garoto à minha frente combinava perfeitamente com a idade, era descontraído, jovial, despreocupado. Quando sorria era natural e não havia uma parte obscura de seu ser, ele era puro. Tive inveja disso, dessa época em que nossa maior preocupação são os deveres da escola, mas será que eu já havia mesmo passado por essa fase? Só o que me lembrava era de um amadurecimento precoce e fugas recorrentes da realidade.

– Eu tirei você de algo importante? – Sondou ele apontando o celular em minha mão, eu havia me esquecido completamente disto.

– Oh não.

Por mais perturbador que aquele assunto pudesse ser eu não queria pensar nele agora, deliberadamente desliguei o aparelho e o guardei de volta na mochila.

– Não sabia que tinha um celular.

– E não tenho – dei de ombros. – Ele não funciona – não para ligações habituais pelo menos.

– Gostaria de ter um, mas Billy costuma sempre vir com o discurso de ‘dinheiro não dá em árvore’ e ‘você ainda é muito novo para estas coisas’. Acho que ele pensa que devo crescer assim como ele, mandando sinais de fumaça.

Tornei a rir e percebi que estava sendo inoportuna tendo em vista que estávamos em um hospital, Jake me chamou para sentar e ocupou a cadeira ao meu lado.

– Já tem alguma notícia sobre Charlie?

– Ele já saiu da UTI – anunciei feliz.

– Isto é ótimo.

– Sim é. Acho que devo tornar a te agradecer, talvez ele não tivesse melhorado se não houvesse conseguido um doador.

– Está tudo bem, como eu disse qualquer um faria o mesmo e talvez eu esteja levando os créditos no lugar de outra pessoa. – Ele viu em meu rosto que eu não havia entendido. – Se seu namorado estivesse aqui talvez fosse ele que merecesse os cumprimentos.

Porque Edward sempre dava um jeito de ser lembrado?

– Não. Ele não mereceria.

– Sei que está brava com ele, mas se tivesse sido o doador não acha que lhe caberiam os devidos agradecimentos?

– Não, eu não acho. Edward jamais... – Como eu poderia dizer aquilo? Ele não é do tipo que doa sangue, mas sim que recebe. – Ele não serviria para isto – respondi brevemente.

– O tipo sanguíneo dele seria incompatível?

Ele não tem mais sangue, Jacob.

– É, isso mesmo – menti.

– Nossa.

O encarei curiosa com seu tom.

– O que foi?

– Nada. – Meu olhar especulador deve tê-lo forçado a se explicar. – Me parece que eram muito próximos, só assim para você saber uma informação tão pessoal, quero dizer, não é algo que a gente simplesmente compartilha com os amigos.

– Não sei se éramos assim tão próximos, de qualquer modo não estamos nada próximos agora.

– Ele foi mesmo embora.

– Sim.

– Você está triste por isso.

– O que? Eu não... – Como ele sabia? Eu pensava que minha máscara estivesse perfeitamente composta, mas para ele era como se ela sequer existisse. – Eu estou bem – disse de forma ríspida, tentando de todo jeito ainda me esconder por trás da fachada.

– Me desculpe Liese. Sei que não quer falar disso.

– Não, eu não quero.

– Mas devia.

Me virei para lhe olhar, o que ele queria com aquilo afinal?

– Eu não acho que isso lhe diga respeito.

Com essas palavras ele se calou e eu suspirei, não queria ser rude, nem brigar com ele, mas o dia todo pessoas me fizeram perguntas sobre minha fracassada vida amorosa e eu apenas não podia mais continuar pensando nisso.

– Você está certa. Não diz. – Depois de uma pausa, continuou – diz somente a você. E enquanto se recusar a falar sobre o assunto ele será apenas de sua conta, mas eu não quero que isso aconteça. Acho que somos amigos, não somos? Está claro que essa situação a deixou arrasada e quero ajudá-la a passar por ela. Acredite em mim, evitar o problema não o ajuda a se resolver.

Fechei os olhos. Eu não pensei que as emoções iriam me encontrar aqui em uma simplória sala de hospital, depois de desencadeadas era extremamente difícil contê-las, mas eu havia prometido a mim mesma não chorar e não me deixar abater pelas circunstâncias. Esperei até que toda a pressão amenizasse e só então tornei a focalizar o pequeno aposento.

– Sei que suas intenções são boas e sim, você é meu amigo, um dos poucos. Mas você não sabe como é perder alguém que ama.

Ele deu uma risada desanimada.

– Na verdade eu sei.

O olhei, mas ele fitava os próprios pés, a expressão vazia. Pisquei enquanto refletia. E só então me dei conta do que dissera.

– Jacob, me desculpe.

– Está tudo bem – cortou-me.

Droga. Não estava tudo bem.

– Não, Jake, por favor, me desculpe.

Timidamente coloquei minha mão sobre a sua e isto o fez me olhar, eu não disse mais uma palavra, mas quis que ele pudesse ver em meu rosto o quanto sentia. Ele havia se referido a sua mãe, ele perdera alguém que amava, alguém que amava muito.

– Pelo menos você sempre terá a certeza de que ela te amava de volta.

Seu rosto se tornou triste, espelhando o meu.

– Liese...

Eu apoiei minha cabeça em seu ombro e ele se recostou a mim, naquele instante éramos dois corações quebrados, presos às mágoas do passado.

Uma movimentação das pessoas ao canto nos informou que o horário de visitas começara.

– Vamos lá?

Me aprumei e procurei sorrir ao menos de leve.

– Vamos.

Ele se levantou e ofereceu a mão para mim, eu a peguei como se fosse meu porto seguro. Era incrível a diferença entre meu amigo e meu ex-namorado, não era somente o calor, eram também as atitudes, o jeito de ser. Com Jacob eu me sentia em casa, era como se não houvesse pressão, eu não tinha porque me explicar ou desejar ser bem recebida; quando encontramos Billy ele sorriu e me cumprimentou com energia. Não pareceu falsidade, não pareceu que me repreendesse de algum modo, apenas ficara feliz em me ver, sendo quase como uma filha para seu melhor amigo.

Eu me sentia bem assim.

O quarto estava silencioso e covardemente deixei que os outros passassem à minha frente, pensei que seria mais fácil lidar com o que me esperava lá dentro depois de ver suas reações. Assim que Billy e Jacob deram mais alguns passos ouviu-se uma risada abafada.

– Ei chefe, você não está nada bem hein? Ah, mas é a idade, com certeza – brincou Billy.

Então eu fiz o mesmo caminho que eles e surgi à vista. O olhar de Charlie recaiu sobre mim e ele acenou minimamente com a cabeça, estava deitado na cama, ligado a aparelhos médicos, mas parecia bem, apesar da clara fragilidade por causa da cirurgia.

– Oi Charlie – minha voz soou muito baixa e embargada. Quando ele esboçou um mínimo sorriso eu já estava chorando e correndo para mais perto. – Me desculpe – lamentei.

Parecia que ultimamente eu não falhava em magoar as pessoas que amava e pareceu-me mais ainda que isto fosse tudo culpa do sentimento remanescente que sentia por Edward. Me afastar do passado era muito mais que apenas conveniente, era necessário.

– O que foi Liese? Eu estou bem – ele riu roucamente.

– Eu sei, eu sei que está. Estou chorando porque estou contente – tentei soar convincente.

Passado o momento inicial foi mais fácil me acalmar, Charlie podia ainda não estar completamente curado, mas logo estaria. Billy estava próximo ao leito e Jacob e eu nos sentamos num banco próximo à parede. A conversa se seguiu leve e bem humorada, era divertido ver os amigos se desafiando nas palavras com uma confiança cega. Falamos sobre pescaria e esportes e La Push e a cada minuto passado eu me sentia completamente bem.

Faltava pouco para o horário de visitas terminar quando o assunto se tornou inoportuno.

– Então você perdeu o controle da arma, não foi xerife? Você que tem quase uma vida de prática – não foi difícil notar o pouco crédito que Billy dava à história.

Meus olhos chicotearam na direção de Charlie esperando que à menção de tal fato ele ficasse irritado, mas ao invés disso estava quieto.

– O que foi? – Indagou Jacob.

Charlie resmungou como fazia quando era encurralado ou estava pouco à vontade.

– Talvez achem engraçado saber que eu não me lembro de nada.

O homem na cadeira de rodas balançou a cabeça decepcionado, ele esperava pelo momento de desmascarar e acusar os Cullen, mas parecia que isto não aconteceria.

– Você não se lembra Charlie? – Sondei.

– Não. O doutor disse que isto é comum em casos como o meu e para falar a verdade se fui burro o suficiente para atirar em mim mesmo eu não quero me lembrar.

– Bem, você não era o único por lá, não é mesmo? – Billy olhou-me de esgoela.

– Sei que Carlisle estava lá justificando sua saída da cidade, mas em que isto muda a situação? O importante é ficar bem, não é? Mal vejo a hora de sair desse hospital, me sinto um velho inútil pregado a essa cama.

A enfermeira apareceu à porta anunciando que tínhamos de ir e pude respirar aliviada pelo fim forçado da conversa.

– Fique tranquilo, os caras estão dando conta do serviço lá na delegacia, não deve se preocupar com isso. Sabe, como eu já disse a idade não te favorece muito.

– Olha quem fala: o velho decrépito – replicou Charlie.

– Eu ainda manjo da galera, eu ainda manjo.

– Claro que manja pai.

E nós rimos.

Dei um abraço meio desengonçado no xerife antes de sair.

– Você quer que eu venha no horário noturno?

– Claro que não mocinha, trate de ficar em casa! Você está indo à escola, não está?

– Mas é claro que sim!

– Eu estou de olho nela Charlie, fique tranquilo – caçoou Jacob.

Eu mostrei a língua para ele e então os acompanhei até o lado de fora.

– Cuide-se Aneliese – falou Billy com o tom grave. – Agora você tem chance de realmente ficar segura.

Jacob revirou os olhos e murmurou um pedido de desculpas, eu apenas aquiesci e comecei a me distanciar, voltando para a picape.


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Notas finais do capítulo

Volto em breve (de verdade) beijos!