Seria uma surpresa boa vê-lo diante de mim, se não fosse pelo fato dele saber onde eu resido – isso só fizera aumentar minha ideia de que ele era um psicopata - levando em consideração o fato deu nunca ter comentado nada próximo a isso com ele. Mas como na vez do celular, era provável que Sol lhe dera a informação. Ele estava sentado em um dos sofás que tínhamos no cômodo, próximo a janela, e que dava para a porta do meu quarto, onde agora eu estava parada. Não demorou muito para a conversa iniciar.

“Desculpa, Pedro. Mas por que precisamos conversar?” reforcei a parte do por que “E melhor, o que teríamos para conversar?” permaneci em minha posição, fitando-o.

“Olha, eu não deveria vir aqui me explicar” ele olhava para baixo enquanto falava “Mas isso não significa que eu não queira. Você não precisa falar nada, eu vou me explicar e no final, se quiser, eu vou embora.” Terminou e olhava para mim esperando uma resposta. Eu nada disse, apenas caminhei até o sofá próximo ao que ele estava, sentei-me e fiz para que começasse. Pedro respirou fundo, olhou no fundo dos meus olhos – fazendo meu corpo estremecer – e iniciou.

“A pior coisa que alguém pode fazer é namorar quando se está carente. Quando eu entrei na faculdade, todos os meus amigos namoravam ou tinham alguém, e eu não ligava para isso, até chegar um ponto em que eu, ou saia para ficar de vela para eles, ou nem saia. Aquilo foi me deixando triste, o que era bom para o meu lado poeta, porque me deixou inspirado e acabei por escrever algumas músicas. Mas por outro lado, eu sentia um vazio enorme aqui dentro e uma carência absurda nasceu em mim.” Essa conversa estava mais profunda do que eu imaginei, olhei-o e ele prontificou-se a recomeçar “Numa dessas calouradas típicas de universidades, eu havia bebido um pouco mais, o que me deixou com um déficit mental – riu – e foi então que ela apareceu. Linda, doce e prontificou-se a curar minha carência – suspirou – e depois da festa, ficamos algumas vezes. Depois de ficadas e saídas, eu acreditei que ela era a mulher perfeita para mim, e rapidamente a pedi em namoro. Meu erro, confesso. Ela não esperou nem o primeiro mês de namoro para se mostrar verdadeiramente. Brigamos por várias vezes mas eu nunca tive coragem de terminar, por puro medo de permanecer sozinho.” Pausou.

“Você não precisa me contar isso, Pedro. Se você não se sente bem...” confortei-o, mas ele quis continuar.

“Lembra do dia em que nos conhecemos? Que eu estava procurando uma vocalista para a banda porque a anterior havia ido embora?” fiz que sim, então ele concluiu “A vocalista era ela. O pai dela é um empresário famoso no mundo da música e conseguiu um contrato para ela gravar um CD lá fora.” Interrompi.

“Mas por que ela não levou a banda?” minha indignação era visível.

“Eu não disse que a conheci de verdade? Ela só pensa nela mesma. Se está bom para ela, danem-se os outros...” ele não dizia com raiva, estranhei, porque eu estaria pronta para matá-la. Traíra, pensei. “Mas isso não importa agora. Parece que ela quer se redimir.” Sua voz era de puro deboche.

“Que bom, eu acho.” Minha cabeça estava cheia de dúvidas, o que deixei transparecer na fala.

“Eu ia terminar com ela, juro que ia” como assim, ia? “Tomei coragem depois que conheci uma certa garota.” me encarou “E ela é incrível, sabe? De verdade...” interrompi, de novo.

“Pedro, não...” supliquei.

“Sim, Karina. Ela é tão incrível e especial, e por isso eu to aqui hoje, me explicando para ela.” Seus olhos estavam cheios de lágrimas, o que me partia o coração. “Ela não merece um cara como eu por perto. Um cara medroso. Ela merece alguém muito melhor.” Uma lágrima despencou daqueles olhos castanhos, fazendo com que um nó se formasse em minha garganta.

“O que aconteceu?” minha voz falhou e ele percebera.

“Eu fiz algo que me envergonho até agora. Sou tão medroso que nem consigo falar pra você, me desculpe.” Ele levantara e já caminhava para a saída, corri tentando impedi-lo.

“E foi por isso que você sumiu.” Sua cabeça abaixou, respirou pesado e virou-se para mim, sem nada dizer. “Você disse que ia terminar. Ia – reforcei – Por que não terminou?” E isso foi o gatilho para que um cachoeira despencasse de seus olhos.

“Ela não deixou – parou – Preciso ir, Karina...” Sua voz era baixa, aquilo me cortava o coração, e num ato de cuidado, segurei seu rosto, acarinhando-o.

“Como assim ela NÃO deixou?” Era algo tão inacreditável que parecia brincadeira.

“Preciso ir...” e saiu. Deixando-me parada na porta, com a cabeça transbordando dúvidas e meu coração precisando de um remendo depois do que acontecera. Fui tirada dos pensamentos com o barulho do celular, alguém estava me ligando. Corri para atender. Uma voz masculina do outro lado da linha.

“Ei, K. Hoje é a festa da minha formatura, não tá afim de ir não? A Sol vai cantar, ela não te contou?” Era Zé, meu amigo da academia.

“Ah, então é sua formatura? Vou sim...” Talvez lá eu pudesse continuar a conversa com Pedro. Aceitei o convite, conversamos um pouco mais e logo desligamos. Voltei para minha cama e me perdi em questionamentos, o maior deles era, sem dúvidas: Por que ela não havia deixado ele terminar?