Capítulo 020

Primeiros Passos (Parte 3)

Os dias se passaram e já estavam em uma bela noite de verão quando três magos decidiram se reunir em uma mesa da taverna de Drugstrein. Os três observavam enquanto uma taberneira nova e muito bonita passava por eles.

– Estou falando, acho que vou ir falar com ela.

– Esse é o Spaak de sempre, o mulherengo da ordem – Arthuro comentou pouco antes de tomar um gole de seu rum.

O outro mestre deixou uma breve risada lhe escapar pouco antes de também tomar sua bebida: vinho.

– Acho que é você quem deveria ir atrás de algumas mulheres.

– Até parece que alguma iria se interessar por um velho mago com uma cicatriz enorme no meio do rosto.

– Sua cicatriz não é assim tão grande, e o senhor não tem nada de velho, mestre.

Kayan entrou na conversa. Ele tinha uma taça com hidromel à sua frente, mas não bebia com tanta frequência.

– Não adianta me bajular que não vou te ensinar nenhum feitiço novo de magia negra enquanto você não aprender a se defender da mesma.

– Mas eu já sei fazer isso – o garoto protestou – sei maneiras de inibir o durhan crisis e de parar o meu próprio feitiço, caso necessário.

– Você sabe, mas ainda não dominou a técnica. Terá que praticar mais.

A conversa cessou novamente quando a nova taberneira passou por eles novamente. Algum tempo depois disso, Arthuro alterou o assunto.

– Daqui a oito dias é o dia de aprovação dos novos magos, você pretende promover sua equipe, Spaak?

O mestre pediu mais um pouco de vinho e uma porção de carne antes de responder.

– Sim, falando nisso, Kayan, você gostaria de liderar sua própria equipe?

O rapaz surpreendeu-se com a pergunta, mas terminou de tomar sua bebida calmamente antes de tirar as dúvidas que surgiram após o que o mestre lhe falou.

– Isso é possível? Mesmo eu tendo pouca experiência?

– Sim – respondeu Spaak. – Você tem capacidade para isso, basta que eu lhe indique e você ira liderar Mathen e Sarah.

– Então eu aceito sim. Ia ser muito bom, pois assim não seremos obrigados a nos separarmos. Além do mais, acho que isso irritaria o meu tio.

– Não sei qual é essa aversão que os dois têm contra o granmestre Radamanthys. Ele é uma nobre pessoa.

– No meu caso foi ele quem escolheu ter antipatia por mim, apenas retribuo-lhe o favor – Kayan apressou-se em responder.

– E eu o acho extremamente arrogante – foi a vez de Spaak dar seus motivos.

– É, isso você deve ter herdado de seu mestre, o granmestre Aikos Fixue.

Mais uma grande revelação para Kayan naquela noite, ele teria muito a conversar com os amigos na manhã seguinte.

– Spaak, você aprendeu com um granmestre?

– Sim, Aikos foi o mestre referencial de minha equipe. Depois que eu assumi minha própria equipe ele tornou-se um mestre de elite, mas como ele é do mesmo elemento que eu, continuei aprendendo com ele por algum tempo. Depois veio a Rebelião Negra e seu pai, o granmestre Kattus Atreius, me ajudou em um momento muito difícil.

– Que momento? – perguntou, curioso.

– Olha, lá vem ela novamente.

Spaak apressou-se em mudar de assunto, ele havia relembrado partes de seu passado que não queria dividir com Kayan naquele momento. O rapaz teve tato em perceber isto e não insistiu no assunto.

* * *

O salão principal do castelo de Drugstrein estava sendo utilizado novamente. Daquela vez a ocasião exigia poucos magos, pois seria a promoção de apenas três das nove equipes que iniciaram sua atuação sob a tutela de um mestre naquele semestre.

Cada uma das equipes mantinha-se próxima a seu mestre referencial. Afastado de todos estavam os três irmãos Wigg, acompanhados do mestre Luen Gastler.

Thays, Bren e Ellien estavam acompanhadas de Aghata Willis e mais próximos da equipe de Spaak, que demonstrava um pouco de impaciência. Sarah estava sentada sobre a elevação de madeira, que não seria utilizada na ocasião.

– O que estamos esperando? – perguntou.

– Algum granmestre tem que vir aqui para aceitar as novas equipes oficialmente – o mestre de cabelos ruivos explicou.

– E quem será? – indagou Mathen.

– Nunca se sabe, pode ser qualquer um dos quatro, embora geralmente seja o granmestre Greendolow – foi Aghata quem lhes respondeu.

– Só espero que não seja o seu tio, Kayan. Lamento pela sinceridade, mas achamos ele meio antipático.

Aghata dispensou um olhar de censura para Thays assim que ela fez seu comentário. A garota deu de ombros, ato que foi seguido por abafadas risadas.

– Entendo o que você quer dizer – respondeu-lhe Kayan. – Gostaria que fosse o seu primo. O granmestre Sakuro é muito legal.

O rapaz achou meio estranho se referir ao amigo com tanta polidez, mas como estava cercado de pessoas, resolveu manter a postura.

A porta lateral de madeira se abriu assim que o jovem mago se expressou. Vestido em um costume totalmente preto, exceto os detalhes em dourado na capa, Radamanthys entrou no recinto, imponente. Dispensou uma olhada rápida à todos os presentes antes de dizer qualquer coisa.

– Vamos logo com isso, pois sou um homem ocupado.

O mestre Luen foi o primeiro a se apresentar e a ele seguiram os irmãos Wigg, todos fizeram uma breve reverência ao granmestre antes de dizer alguma coisa.

– Eu, mestre Luen Gastler, indico Karion Wigg, Anion Wigg e Arion Wigg como magos oficiais da Ordem de Drugstrein. Eles formarão uma equipe sob a liderança de Karion.

O Atreius recebeu a carta de indicação que era portada pelo outro mago, a leu de forma rápida e silenciosa.

– Eu, granmestre Radamanthys Atreius, aceito sua indicação. De agora em diante nomeio essa equipe como uma equipe oficial da ordem, liderada por Karion Wigg.

Ele assinou o documento e assinalou para que a próxima equipe se aproximasse.

– Eu, mestra Aghata Willis, indico Thays Cyren, Ellien Iker e Bren Markken como magos oficiais da Ordem de Drugstrein. Eles formarão uma equipe sob a liderança de Thays.

Após ler os documentos ele estudou a garota em questão com muito cuidado. Ela demonstrou um pouco de constrangimento, mas manteve seu olhar firme.

– Eu, granmestre Radamanthys Atreius, aceito sua indicação. De agora em diante nomeio essa equipe como uma equipe oficial da ordem, liderada por Thays Cyren.

Os quatro respiraram um pouco mais aliviados assim que ele assinou o documento e colocou-o sobre o outro na pequena mesa de madeira que havia ao seu lado. A última equipe se aproximou.

– Eu, mestre Spaak Firyn, indico Kayan Atreius, Sarah Harppon e Mathen Muscort como magos oficiais da Ordem de Drugstrein. Eles formarão uma equipe sob a liderança de Kayan.

O granmestre fixou seu olhar em Kayan e mal leu o documento em sua mão. Após algum tempo em que os dois estudaram-se sem expressar qualquer emoção, ele resolveu falar.

– Eu granmestre Radamanthys Atreius aceito parcialmente sua indicação. Os três se tornarão magos, mas a equipe será desfeita, Kayan não será um líder.

– Não entendo os motivos para não aceitar minha indicação, granmestre Radamanthys – Spaak disse em um tom polido.

– Tenho meus motivos e decidi que não irei discuti-los aqui.

– Então o senhor não pode recusar a decisão do mestre Spaak. Quem esteve conosco esse tempo todo foi ele, e não o senhor, granmestre Radamanthys.

Kayan interveio no diálogo entre os dois magos. O granmestre não ficou nem um pouco satisfeito com a intromissão e um lampejo de raiva passou por seus olhos. Ao menos foi isso o que o Atreius mais jovem identificou.

– E o que a opinião de um reles e insolente mago tem de importante nesta questão? Por acaso quer desafiar a decisão de um granmestre?

– Granmestre Radamanthys, peço que reconsidere...

Kayan não deixou que Spaak continuasse a falar, pois aumentou seu tom de voz para que fosse ouvido muito bem pelo seu tio.

– Minha intenção não é desafiá-lo, mas todos sabem que mesmo um granmestre não tem o poder final de decisão, por isso temos quatro em nossa ordem. Neste caso, acho que a opinião do mestre Spaak Firyn é extremamente relevante para esta decisão, não estou certo, granmestre?

O jovem Atreius proferia cada palavra com calma e, ao mesmo tempo, autoridade. Ele não se alterou sequer uma vez, mas todos podiam sentir um leve tom de desafio em sua entonação. E foi isso que deixou Radamanthys irritado.

– Não seja insolente, criança. Respeite a decisão de um granmestre se quiser continuar nesta ordem.

– Não seja injusto, Radamanthys Atreius.

A voz calma de Sakuro ecoou pelo salão enquanto ele atravessava a mesma porta pela qual o outro granmestre havia entrado.

– Quando você insistiu para vir no lugar de Greendolow eu desconfiei que você pretendia algo como isto. Por que motivo você quer impedir que seu sobrinho exerça o cargo de líder de equipe?

– Não o julgo preparado para isso – o Atreius respondeu, simplesmente.

– Pois eu o vejo tão capacitado quanto aos outros dois novos lideres. O que você acha, mestre Spaak Firyn?

– Como meu relatório afirma, Kayan é perfeitamente capaz de liderar em missões de rank D.

– Pois bem, então, eu, granmestre Sakuro Cyren, aceito sua indicação. De agora em diante nomeio essa equipe como uma equipe oficial da ordem, liderada por Kayan Atreius.

Antes que Radamanthys pudesse protestar, Sakuro assinou o documento que nomeava a nova equipe. O outro granmestre, contrariado, deixou o ambiente sem qualquer outra palavra.

– Acho que acabei de comprar uma briga com Radamanthys. Tenho a impressão de que ele se tornará um pouco mais ácido a partir de agora – Sakuro comentou em tom informal. – Não se preocupe, Kayan, todos os granmestres te apoiam em sua nova empreitada. Lidere sua equipe com sabedoria.

O jovem sorriu enquanto se tornava o centro da atenção. Aquele dia seria comentado por toda a ordem, pois ele havia enfrentado o granmestre Radamanthys sem qualquer temor.

A última instrução que Spaak deu à Kayan antes dele assumir a equipe oficialmente foi muito simples: como pegar uma missão para cumprir.

Na primeira hora após o sol nascer eles seguiram pelo andar térreo do castelo, rumando até partes bem distantes dos portões de entrada. Ali, em um amplo salão, havia certo número de magos e uns dez balcões, cada qual com uma moça bem vestida atrás de si.

– Como estava lhe explicando, você vem até um dos balcões de recepção e fala com uma dessas moças bonitas.

O mestre falou alto o suficiente para que a garota responsável pelo atendimento o ouvisse. Piscou para ela, que sorriu-lhe sem qualquer acanhamento.

– Você tem mesmo que flertar com todas as moças que encontramos? – Kayan o repreendeu em um sussurro.

– Não. Apenas com as mais bonitas – a resposta teve o mesmo tom de voz.

– Bom dia, posso ajudá-los?

Kayan pode reparar no que havia por detrás da moça e viu que era a outra extensão do salão, tão grande quanto a metade na qual os magos estavam. Ela tinha uma enorme mesa com vários documentos organizados minuciosamente. Nas paredes, posicionados entre as grandes janelas, havia vários armários de arquivos confeccionados de uma madeira resistente.

– Sim, vim retirar minha primeira missão.

O jovem disse com naturalidade enquanto a moça verificava um pergaminho em suas mãos.

– O senhor deve ser Kayan Atreius, não é?

– Sim. Mas peço que não me chame de senhor, me sinto um velho desse jeito.

A recepcionista riu com o comentário do rapaz.

– Aprendeu essa com Spaak, foi?

O mestre deu de ombros enquanto o garoto dispensava uma breve risada. Após isso, a moça pegou um pergaminho lacrado e entregou-lhe.

– Recebemos ordens para lhe passar esta missão quando você viesse. Foi o próprio granmestre Radamanthys quem ordenou isto.

Os dois amigos se entreolharam e o mago negro apressou-se em abrir o pergaminho. Eles leram seu conteúdo rapidamente e constaram que a missão era a de capturar ou neutralizar uma equipe de magos desertores.

– O Radamanthys só pode estar de brincadeira. É a sua primeira missão e ele quer lhe passar uma de grau S.

– Aqui está escrito que é grau C – Kayan respondeu à Spaak.

– O granmestre Radamanthys contratou essa missão pessoalmente. Ele está pagando com o próprio ouro – esclareceu a moça atrás do balcão.

O Firyn estava visivelmente irritado, o que chegou a deixar a recepcionista um pouco acuada.

– Ela tem a dificuldade de uma grau C, mas é uma S, pois é fundamental para manter o status da ordem. Esses magos pertenciam a Drugstrein há um ano, mas sumiram há três luas. Até aí não teria nenhum problema grave, mas eles começaram a cometer diversos crimes e é nossa responsabilidade pará-los. Entretanto, um mestre de elite deveria fazer isso. Você deve devolver a missão, nenhum mago precisa aceitar a missão se prever um risco muito elevado para sua equipe.

– Spaak, você não está entendendo a jogada de Radamanthys – os dois tinham se afastado de todos os presentes enquanto conversavam, pois queriam certa privacidade. – Ele quer que eu faça justamente isso, recuse a primeira missão. Mas ele não vai ganhar essa, pois eu vou executar essa missão com êxito.

– Pense nos riscos, Kayan. Eles são magos mais experientes e a Sarah e o Mathen ainda não são tão bons em combate.

– Mas nós temos informações sobre eles e eles não sabem nada sobre nós. Além disso, se a coisa realmente apertar, ainda posso utilizar um último recurso.

O mestre entendeu imediatamente o que o rapaz quis dizer e isso o deixou um pouco apreensivo.

– Kayan, você está disposto a matar um outro ser humano? Porque se você usar as chamas negras...

– Não se preocupe com isso. As aulas do mestre Arthuro Magnum estão me sendo muito úteis. Posso controlar o durhan crisis a um nível de evitar a morte de meu alvo.

– Você aprendeu a argumentar muito bem, garoto. Mas tome muito cuidado e proteja os seus amigos, eles são as coisas mais importantes que você tem.

O mestre deixou o jovem mago sozinho e direcionou-se para a saída. Antes, porém, de sair de vista, virou-se para umas últimas palavras.

– Boa sorte. Eu sei que vocês são capazes.

O incentivo do amigo funcionou muito bem para o animo de Kayan, que apressou-se em efetivar o andamento da missão que ele acabara de aceitar.