The Road Behind Us escrita por Ethereal Serenade


Capítulo 2
Capítulo 2 —Little things


Notas iniciais do capítulo

Acho que esses foi um dos capítulos mais rápidos de se escrever. Começo de história, vida em Jackson e aquela readaptação toda trazem acontecimentos mundanos. É gostoso de se escrever essas coisas, dá pra destrinchar muita coisa útil pro enredo e preparar terreno pra ação de verdade =)

Boa leitura.



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O fim da tarde se arrastava vagarosamente, e o sol já se ocultava entre as montanhas de Jackson. Ellie desfrutou do tempo de sua primeira tarde na cidade arrumando algumas mudas de roupas limpas que Maria havia lhe dado pela manhã, e feito isso resolveu reler algumas das coisas que carregava consigo. Estava relendo uma das edições de Savage Starlight, e encontrava certa dificuldade nisso. A calmaria da casa era algo com a qual não estava habituada, e ao menor ruído era praticamente inevitável seus instintos se porem em alerta. Um costume que talvez levasse semanas, ou até mesmo meses para se dissolver por completo.

Ouviu o barulho da porta sendo destrancada, e percebeu que Joel havia voltado. Deixou o quadrinho de lado e se levantou da cama, descendo as escadas e foi em direção a cozinha. Havia uma caixa enorme sobre o balcão, e Joel retirava embalagens e embrulhos de tamanhos variados e colocava sobre o balcão.

— Parece que Tommy nos mandou algumas para abastecer a casa. Temos enlatados — Disse, manuseando uma pequena compota de metal retangular. Depois, retirou um embrulho circular volumoso. — Alguns pratos, talhe––

— Mercadorias civis? — Ellie inquiriu com empolgação. Não aguardou uma resposta, indo até o balcão em passos rápidos. — Olha isso aqui! — Pegou uma embalagem de vidro que continha pêssegos em conserva. — Eu não vejo isso desde que tinha chegado em Boston!

— Isso é horrível.

— Não é, não. — Retorquiu, enquanto girava a tampa e retirava uma das frutas. — Ah cara... Como icho é bom. — Murmurou enquanto mastigava, e enfiou mais duas bolotas de pêssego na boca.

Joel sorriu. Retirou mais alguns pacotes, um contendo sachês de chá e outro com frutas secas. Fechou a caixa vazia e a afastou para um canto. Colocou alguns dos enlatados um sobre os outros, guardou os talheres em uma das gavetas e os pratos nos armários. Ellie colocou o pote de vidro vazio no balcão, se dirigindo ao outro lado, onde Joel estava.

— Ei, o que é isso? — Perguntou curiosa.

— É um micro-ondas.

— Ah, então é isso que é um micro-ondas? — Ela parecia fascinada. Observava o utensilio com intensidade. — Podemos experimentar? — Não esperou resposta. — Por favoooor!

— Vai ter que ficar para a próxima. Tommy nos convidou para uma comemoração.

Ela ergueu as sobrancelhas.

— Comemoração? De quê?

— Bom... Acho que é para nós.

— Quê? ‘Tá falando sério?

Joel assentiu.

Instantes depois, alguém bateu na porta. Era Tommy, que viera busca-los para a comemoração.

— Prontos?

Ellie e Joel se entreolharam, e ambos compartilhavam um sentimento de ansiedade e expectativa. Fora Ellie que se precipitou para responder:

— Com certeza!

Os três começaram a caminhar noite adentro. Fazia um pouco de frio, e a noite estava repleta de nuvens. Tommy observava os dois contemplarem a cidade.

— Sei que essa... transição de vida pode ser um pouco difícil no começo. — Ele iniciou. — Muitas famílias chegaram aqui e levaram semanas para se ajustarem a nova rotina. A maioria de nós largou a ideia de ter uma vida normal, e isso é o mais próximo que tivemos.

Chegaram a frente de um enorme prédio. Pela construção que contava com uma abobada sustentada por pilares e uma pequena bandeira dos Estados Unidos no topo, tratava-se da antiga prefeitura da cidade. Embora não tivessem sequer adentrado no lugar, era possível ouvir ruídos de conversas animadas.

— Tem um refeitório lá dentro. — Tommy informou, enquanto subiam o pequeno lance de escadas em direção ao portão. — É como os das zonas de quarentena; a comida não é tão boa, mas pelo menos as pessoas não tentam roubar sua comida e podemos repetir o prato.

Andaram pelo corredor, passando por várias portas, muitas das quais se encontravam vedadas com tábuas. Chegaram, enfim, a uma enorme porta de duas folhas metálica, e o barulho algazarra pareceu ter sido amplificada inúmeras vezes.

Ao entrarem, Ellie ficou realmente surpresa em ver a quantidade de pessoas que residia em Jackson: deveria haver, em média, cento e cinquenta pessoas ali. Várias e várias mesas apinhadas de pessoas que conversavam, riam, como se o mundo lá fora fosse uma mera trivialidade a ser considerada em outra ocasião. Havia também muitas crianças, e outras inclusive de sua idade. Nunca tinha visto tantas pessoas em um único lugar desde as zonas, e diferente de quando ela estava em uma, ela se sentiu feliz de estar ali.

— Você costuma trazer a cidade toda para cá? — Joel perguntou, e como Ellie, ele estava estupefato com a quantidade de gente ali dentro.

— Na maioria das vezes. Exceto os que estão vigiando o perímetro. As torres, e alguns pontos afastados na floresta. — Tommy virou a cabeça para uma mesa em especial. Maria acenava para ele, chamando-os. — Vamos nos sentar.

Além de Maria, na mesa se encontrava o homem que estava na torre a qual Joel e Ellie haviam se dirigido no dia anterior. Ele parecia ter adquirido uma repentina desenvoltura; sorria constantemente, e seu rosto estava corado por conta da bebida que tinha em mãos. Ele conversava com outro animadamente, e Joel se recordou vagamente deste: era um dos homens que trabalhavam na usina. Lembrava-se dele quando veio pela primeira a Jackson, quando estavam consertando as turbinas.

Sobre a mesa, havia várias bandejas com comidas que Ellie achou que jamais tornaria a ver na vida. Carnes, arroz, e até mesmo as verduras que ela tanto detestava pareceram repentinamente apetitosas. Enquanto manuseava os talheres, servindo a comida em seu prato, não pode deixar de se lembrar dos refeitórios das escolas militares de Boston. Diferia apenas no fato de que ali havia famílias, pessoas que, como ela, realmente queriam estar ali.

— Houser, Earl — Tommy os chamou. — Estes aqui são Joel e Ellie.

Quando os três se sentaram, os dois homens os cumprimentaram, estendendo as mãos para um aperto energético. Houser, o vigia do dia anterior deu mais um gole em sua garrafa e se dirigiu a Joel e Ellie.

— Então são vocês dois mesmo? — Sorriu. — É bom conhecer os dois de quem esse aí sempre falava.

Alguém em uma mesa próxima começara a entoar uma canção, e todos nela se juntaram para acompanhar a letra. Ellie espiou, erguendo um pouco a cabeça, e viu que eram vários homens e mulheres, e enquanto erguiam seus copos de garrafas de bebida, cantarolavam:

And all I've done for want of wit

To memory now I can't recall

Uma mulher ergueu sua garrafa mais alto que os demais, cantando mais alto, e os outros seguiram sua animação.

So fill to me the parting glass

Good night and joy be with you all

Ellie voltou sua atenção a Tommy, que se levantara. Algumas conversas cessaram, e a cantoria morreu gradativamente. Ainda assim, havia bastante barulho.

— Todo mundo, por favor, escutem! — E então todos se voltaram para ele. — Bem — Ele pigarreou rapidamente. — Essa noite é... bem, é uma noite. — Algumas pessoas riram. — Sinceramente, achei que nunca mais teríamos uma noite como essa. Para aqueles que não sabem, este é meu irmão mais velho, Joel e... E Ellie. Eles estavam em uma longa viagem, desde Boston, para se contentarem conosco. Quero que todos deem a eles boas-vindas!

A amalgama de pessoas ovacionou. Ellie observou cada um daqueles rostos, que sorriam para ela e Joel. Era uma sensação estranha, de repente se tornar o centro das atenções. Embora não pudesse negar que havia certo calor naquela receptividade que era reconfortante, de uma maneira muito peculiar.

— Agora — Tommy continuou, elevando a voz para sobrepô-la sobre os aplausos e assobios. — O grupo de caça nos trouxe ontem um casal de alces. E, com esforço, nossos cozinheiros deram seu melhor para tornar essa noite real. — Ele fez uma pausa. — Hoje, nós temos uma nova família. Vamos usar deste momento para refletir sobre o que temos e sermos gratos, apesar de tudo e de todos que nós perdemos. — Tommy olhou para Joel por alguns instantes com empatia condescendente. E então ergueu seu copo. — Para uma segunda chance!

— Para uma segunda chance! — Os demais responderam. Joel e Ellie fizeram o mesmo.

Todos estavam juntos ali, e cada um deveria ter suas histórias, suas perdas, suas intempéries que tiveram que enfrentar para chegar onde estavam. Joel se pegou pensando nas palavras de Tommy, ao se referir as pessoas que foram perdidas. E tão logo a imagem de Sarah lhe veio a mente. Em silêncio, reviveu as memórias daquele dia em que ela morrera...

Ellie notou a expressão de Joel, e colocou a mão em seu braço em um gesto de conforto. Murmurou perguntando se ele estava bem, e ele acenou, e sorriu. Ela correspondeu ao sorriso, e se dirigiu a sua comida. Embora tivesse perdido Sarah, ele se sentia grato por ter Ellie ao seu lado.

Todos os aromas e sabores eram inebriantes. Não entendia o porquê de Tommy te alegando antes que a comida não era boa. Ela tinha que admitir, aquela comida superava a de Joel em vários aspectos. Porém não se importou muito com esse detalhe. Ele a manteve viva, e ela seria sempre grata por isso.

Tommy explicou que nas áreas mais distantes da cidade, um pouco próximo da floresta, algumas famílias haviam conseguido desenvolver uma pequena criação de gado e de cabras, além de haver plantações e cultivo de algumas frutas. Isso dava certa liberdade para que muitos viventes da cidade pudessem comer além do suficiente.

Sequer percebera o quão vorazmente comera tudo o que havia em seu prato. Quando Tommy solicitou uma bandeja com pães, Ellie, enquanto engolia o segundo pão, percebeu o quanto estava cheia como jamais esteve.

— Uh, cara, eu estou realmente cheia. — Ela murmurou para Joel.

— Isso por que você ainda queria comer algo lá em casa... — Lembrou-lhe.

“Casa”. Quando Joel falou aquela palavra, era como se tornasse real tudo aquilo ao seu redor. Nunca, nem mesmo nos seus mais profundos sonhos, pensou que se encontraria em um lugar como a cidade de Jackson.

Maria, por sua vez, observava os dois em silêncio. Quando os viu pela primeira vez, na usina, era perceptível que ambos não tinham um relacionamento nada agradável. Era nítido que estavam juntos naquela jornada por circunstâncias impostas, e não por opção. Todavia, ao vê-los ali, não pode deixar de se sentir aliviada ao perceber que a situação entre eles havia mudado ao longo do tempo.

— E então — Maria começou. — Vocês encontraram o que queriam na Universidade?

A postura de Ellie se tornou tão logo retraída, passando a encarar com veemência os talheres sobre seu prato vazio. Joel percebeu o repentino desconcerto da garota diante daquela questão, e ele mesmo não deixou de sentir um sentimento desconfortável de amargura quanto aquilo. Portanto tratou de responder:

— Bem... Não. — Disse. — Nós queríamos deixar isso de lado, por hora. Seria bom descansar em relação a isso por algum tempo.

Joel achou que Maria se sentiria, no mínimo, ofendida com sua resposta. Entretanto, ela o olhou com um ar condescendente e assentiu.

Earl começou a contar algumas histórias que haviam acontecido nos últimos meses, sobre buscas que realizavam em algumas cidades pequenas e sobre os ataques que aconteceram. Após a partida de Joel, no ano passado, houvera apenas dois ataques; consideravelmente fracos se comparados ao que houvera no dia em que Joel e Ellie estiveram na usina pela primeira vez, nenhum deles causou vítimas. Houser acrescentou em seguida que, dentro de um mês, provavelmente um grupo de buscas se aventuraria no aeroporto de Jackson Hole, um dos lugares que eles ainda não tinham ido. De acordo com o vigilante, vários artefatos militares se encontravam lá, já que, na época em que a infecção começara, houveram inúmeros incidentes envolvendo civis, infectados e militares. Muitos, como ele e Earl, consideravam haver armas, munições de armas potentes e baterias de carro, bem como itens de uso pessoal.

Earl contava uma história sobre um vigilante chamado Dean que matara um corredor enquanto estava no banheiro, quando Joel olhou de relance para Ellie e percebeu o quanto ela continha bocejos. Embora a comemoração estivesse incrível, ele também se encontrava cansado.

— Tommy — Chamou o irmão, de modo que apenas ele ouvisse. — Está tudo ótimo, mas eu realmente preciso de descanso. — E indicou Ellie, que apoiava sua cabeça em umas das mãos. — E ela também.

— Tudo bem. Tenham uma boa noite.

Chamou Ellie, e ela se levantou sem pestanejar. Todos da mesa se despediram igualmente.

Joel e Ellie saíram do prédio, para a noite estrelada e ligeiramente fria que pairava sobre Jackson. As ruas se encontravam iluminadas por postes e pelas próprias casas. Já fazia tanto tempo que Joel tinha andando por um lugar iluminado, que por um instante era capaz de ter a impressão de que o mundo havia voltado a ser como era antes.

Chegaram a casa deles dada por Tommy. O alpendre encontrava-se iluminado, e era a única casa daquela rua que contava com luz, a exceção dos postes bruxuleantes. Ellie entrou primeiro, e Joel foi em seguida, trancando a porta. Subiu as escadas logo atrás dela.

Joel entrou em seu quarto, e notou que Ellie fez o mesmo.

— Ei, você tem seu próprio quarto agora.

Ela parou um pouco depois da porta.

— Ah, claro. Tinha esquecido.

Um pouco hesitante, Ellie foi em direção ao seu quarto. Ainda não estava acostumada com aquela ideia. De certa forma, lhe dava uma desagradável sensação de solidão, e enquanto se sentava na cama para tirar seus tênis, sentiu como se o quarto tivesse se tornado muito maior, aumentando o sentimento de estar sozinha.

Quando retirou suas meias, Joel apareceu na porta.

— Olha, uh... Sei que você tem seu quarto agora e tudo, mas... — Ele não sabia como dizer aquilo sem se sentir incrivelmente tolo. — Se você se sentir sozinha, e tudo mais... bem, meu quarto é aqui ao lado. Não é como se eu quisesse me intrometer, é só que se você––

Ellie sorriu.

— Obrigada, Joel.

— Bom, boa noite, garota.

— ‘Noite.

Meia hora havia se passado, e Ellie não conseguia manter os olhos fechados e permanecer quieta para dormir por mais do que alguns segundos. Virava-se de um lado para o outro, agitada. Levantou-se, pegou seu travesseiro e caminhou até o quarto ao lado. Não era muito diferente do seu, com exceção de que havia um enorme quadro com uma pintura das montanhas de Jackson Hole na parede onde se encostava a cama, e a janela era menor e a vidraçaria estava cheia de rachaduras.

Ele dormia virado para a parede, e era possível ouvir o som de sua respiração. Com cuidado, Ellie colocou seu travesseiro ao lado do dele e se deitou, sempre atenta para que seus movimentos não o acordassem. Virou-se para o lado oposto, e assim que fechou os olhos, mergulhou em um profundo sono.

Joel despertou assim que ela se sentou em sua cama, mas se manteve quieto até ter certeza de que ela estava dormindo. Quando começou a ouvir profundos suspiros, se levantou e foi até a cômoda, e de uma das gavetas retirou um pequeno lençol. Cobriu Ellie com cuidado, e voltou a se deitar.


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Notas finais do capítulo

Até mais o/