inCOMPLETO escrita por Lorenzo


Capítulo 8
O quebra-cabeças maldito




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Sex. 01.06.2012

Confesso que ainda não tive coragem de inquirir a tia Jaque. Coragem é uma das muitas coisas que me falta, a começar por boas pernas. Ela andava muito estranha ultimamente, esperei que ela conversasse comigo em algum momento mas ela simplesmente age como se nada tivesse acontecido e eu realmente não sei se aconteceu ou se não foi uma fantasia da minha cabeça.

Emily trouxe Juan a minha casa esta tarde. Ela me tratou como se nada houvesse acontecido, mas eu sei que algo realmente aconteceu e preciso descobrir.

– Você não acha que pode ser ELE? – Juan põe uma ênfase assustadora na palavra “ele”.

– Eu não sei. Eu não tenho como afirmar, eu apenas acho que pode ser e...

Tia Jaque entra no meu quarto e Juan cora imediatamente.

– Interrompo? – ela me encara esperando uma resposta.

– Na verdade não, tia. – Juan permanece calado, não esboça reação alguma.

– O que os dois rapazes estão fazendo aqui trancado com um dia tão bonito lá fora? – ela encara Juan por alguns segundos em sua cadeira ao lado da minha cama e em seguida me olha com um questionamento no olhar. Indico que não sei com minha expressão. – Juan, querido, importa de esperar um pouco lá fora enquanto eu troco a roupa do Quin? – ele não responde e começa a mover sua cadeira.

– Não precisa ir. – meio que me surpreendo com a minha resposta e tia Jaque me encara esboçando certo estranhamento. – Digo.. Só irá trocar minha camisa e calça, certo? Então, nada que ele não tenha visto.

– Tudo bem, meu amor? – ela se dirige a Juan e ele apenas indica que sim com a cabeça, ainda sem falar nada.

Tia Jaque me colocou uma camisa polo verde e um suéter grafite. Juan assistiu a tudo calado, alternando olhares para mim e minha tia. Ele tentava me dizer algo, mas prefiro deixar pra depois.

. . .

Estamos no pomar conversando enquanto comemos algumas frutas que tia Jaque nos deu. Juan rabisca no diário de capa de couro que ganhei de presente a quase umas duas semanas atrás. Ele ainda está calado e eu resolvo cutuca-lo.

– Que houve? – mexo de leve no ombro dele.

– Você... Você não notou? – ele não me olha nos olhos, apenas escreve.

– Eu deveria ter notado algo?

– Quin... – ele para de escrever e apoia meu diário na lateral direita da cadeira e me encara. – A sua tia... Você não notou?

Começo a passar mentalmente tudo o que aconteceu enquanto tia Jaque estava no quarto. Suas atitudes, se ela estava segurando algo, seu cabelo... Nada me ocorre. Não lembro de nada estranho senão a maldita terça-feira passada.

– Não. – digo com a máxima firmeza, mesmo sabendo que essa firmeza pode não ser nada. – Não lembro de nada.

– Bem... – ele parece tentar buscar uma forma de me falar seja lá o que ele tenha visto. – A blusa dela tinha uma mancha. Uma mancha...

Não sei até onde observar uma mancha pode ser algo importante ou digno de tanto mistério, mas deduzo que ele tenha pensado algo a respeito dessa suposta mancha, algo que realmente o assustasse e realmente justificasse sua mudez durante aquele período que não fosse tão somente o fato de tia Jaque ter entrado no quarto enquanto falávamos dela.

– Que tipo de mancha? – aquilo já não estava fazendo sentido algum.

– De sangue. – ele diz em tom austero. – De sangue. – e então abaixa seu olhar e prossegue num tom melancólico que chega a me deprimir: - E estava também em sua boca.

Por um segundo o chão desaparece e em seguida a gravidade também e me sinto planando por um universo ausente de chão e da presença de outras pessoas. Uma realidade minha. Uma fuga de quaisquer pensamentos. Uma armadilha da minha mente.

– E o que você acha? – digo enquanto habito meu universo, tentando projetar minha voz de lá para que Juan me escute.

Ele me encara de forma doce e empática. Nesse momento sinto que posso dividir qualquer carga com ele que ela não virá a ser pesada para nenhum de nós, mas não percebo isso da parte dele. Ele ainda me parece fechado em sua própria prisão mental, em seu labirinto de regras e leis intransponíveis. Em seu fosso onde sei que não conseguiria salvá-lo a menos que ele queira.

– Pensei num mundo de probabilidades, mas nenhuma delas me parece plausível ou palpável. É como se tudo fosse muito trágico ou muito fantástico,, entende? Como num livro de ficção para adolescentes.

– Se importaria de dividir? – coloco minha mão sobre seu braço. Eu preciso sentir que do outro lado há um humano com um coração pulsante, não a figura distante de um menino ruivo de cabelos desgrenhados.

– Não quero te deixar triste, tudo bem? A gente tem tanta coisa pra falar e essas conjeturas e hipóteses não nos levariam a lug... – ele encara seus rabiscos e o acompanho por um segundo com o olhar e observo por tempo suficiente para perceber que aquilo é um desenho e não um texto em si.

– Eu me considerava digno do mínimo da sua confiança. – eu o encaro embora meu desejo seja sair correndo dali, mesmo que eu não consiga. Ele retribui com um olhar pesado e profundo e naquele instante sinto que o que ele carrega consigo já é demasiado pesado para apenas um.

– Eu não quero te preocupar.

– E acha deixando esse assunto pela metade você está fazendo o que?

Ele parece analisar por alguns segundos e então começa:

– Você não acha estranho? Essa mancha de sangue que parece ter vindo da boca dela, talvez de uma tosse, e o homem que ela estava conversando ontem? Ele não poderia ser um médico ou algo assim? Digo... Você disse que ela estava estranha, não acha que ela pode estar escondendo alguma doença de você? Algo realmente sério?

“Ele não poderia ser um médico ou...” – As palavras de Juan ecoam em mim e faço uma breve nota mental.

– Acho plausível... – então uma pergunta completamente egoísta invade a minha mente. Se algo acontece a tia Jaque o que aconteceria comigo? – chacoalho a cabeça e me desfaço deste pensamento egocêntrico. Eu não sou assim. – repito para mim.

– Eu preciso pensar nisso. – é o que consigo dizer. Como que por mágica as peças deste maldito quebra-cabeças que é a minha vida parecem se encaixar e como uma criança eu me surpreendo com a imagem formada. Sinto algo como se o quebra cabeças que montei apresentasse uma imagem diferente da que está na embalagem do mesmo. Sinto como se eu estivesse vivendo uma vida que não é minha.

– Ei. – Juan diz apoiando a cabeça no meu ombro. – Sabia que eu nunca vi um pôr-do-sol por completo? – ele aponta para a lateral do pomar, onde é possível ver algo que não sejam as nossas árvores.

– Você não sabe o que está perdendo. – apoio minha cabeça por cima da dele e contemplo a imensidão do universo que começa ali, bem aos nossos pés.


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Notas finais do capítulo

Olá, gente! Tudo bom? Se você leu este capítulo e gostou eu gostaria de pedir que comentem! Comentários são uma ótima fonte de motivação e me ajudam a prosseguir com mais entusiasmo e alegria! É legal saber que tem gente gostando (ou não) do que escrevo. Críticas construtivas são super bem-vindas!



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