inCOMPLETO escrita por Lorenzo


Capítulo 6
O controverso cinema a três




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Qui. 24.05.2012

Os meus braços foram brinde de uma gestação conturbada e um quase aborto espontâneo por parte da minha mãe. Nasci prematuro e mal formado, um belo brinde da natureza, não bastasse o acidente que eu iria sofrer alguns anos depois de nascido. Sempre precisei de ajuda para fazer coisas simples, como tomar banho ou comer comida, mas o tratamento ajudou um pouco me dando significativa melhora, pera eu ter de pará-lo após o acontecido e tempos depois por falta de dinheiro. Hoje eu posso comer sozinho e mover a Mandy com certo esforço. Já é alguma coisa, acredito.

Hoje Juan ficou de passar aqui em casa. Não estou muito animado, confesso, mas acredito que ter companhia possa me tirar desse marasmo. Ainda estou com a mente um pouco conturbada desde o dia catorze. Algumas coisas vem e vão a minha mente o tempo todo. Imagens, sons, o cheiro de sangue, a dor e a escuridão da consciência ausente de estímulos externos. Vagando por alguns instantes no escuro antes de perder a consciência e acordar enfim no hospital.

A campainha toca.

– Bosta, bosta, bosta, bosta... - começo a dizer tentando mover a Mandy o mais rápido que meus braços conseguem.

Ela toca novamente.

Eu ainda uso pijamas e não queria que ele me visse assim, mas me esconder não adiantaria de nada. Tia Jaque não está aqui para me ajudar a me trocar e o máximo que posso fazer é me esconder. E essa não é uma boa ideia.

– Espera! - grito me movendo do caminho da garagem (meu quarto) até a porta da frente, que não é muito longe, mas pra mim parece uma eternidade.

– Está tudo bem? - uma voz feminina me fala do outro lado. Não é a voz de Juan, mas eu sinto que já a conheço.

– Sim. - digo pegando o molho de chaves reserva - Você se importaria de pegar as chaves que eu vou jogar por debaixo da porta e abri-la? - é um pouco constrangedor fazer esta pergunta, mas é menos constrangedor deixá-la do lado de fora enquanto demoro um milênio fazendo movimentos tão complexos quanto girar uma chave na fechadura. É sério. São muito complexos.

– Nem um pouquinho. - ela diz em tom afável e em seguida dá uma risadinha doce como os morangos da minha tia - Avisa quando for jogar!

Movimentos para baixo são muito fáceis. A gravidade dá uma forcinha bacana e isso ajuda bastante, uso meu braço apenas como um pêndulo e jogo a chave. Já estou virando expert nisso.

– Aí está - digo e vou movendo a Mandy para trás para que a porta não bata na minha perna. Não sentiria nada, eu sei, mas tia Jaque diz que não é porque eu não as sinto que elas não estão ali, e que devo ser grato por ter um par de pernas mesmo que sem função alguma.

A porta abre com cuidado e logo vejo seu olhar e seus cabelos ruivos.

– Oi. - ela diz meio sem jeito.

– Oi. - digo em resposta e igualmente sem jeito.

– Hei, magrelo! - Juan empurra a porta e vejo em seu colo alguns DVDs, guloseimas e um embrulho, que logo em seguida Emilly pega e tenta esconder. Finjo não perceber.

– Oi! - digo tentando parecer animado, mas a verdade é que Emilly ter pego o tal embrulho no colo de Juan me deixou curioso.

– Que tal um filme a três pra você sair desse tédio? - ele parece super animado e feliz.

– Temos alguns morangos na geladeira. Tem tangerina e alguns limões, a gente pode tentar fazer algo, sei lá. - estou meio sem jeito. "Tem tangerina e alguns limões." Isso não é coisa que se diga. Nunca tive visitas, então não tenho um bom senso para isso. Aparentemente eles não se importaram, Emilly até brinca:

– Que tal uma limonada gelada? - ela se coloca atrás da minha cadeira e me empurra pela casa em busca da cozinha. Em geral detesto que me ajudem a andar dentro da minha própria casa, mas com ela eu não me incomodo. Eu iria até marte só para vê-la sorrir assim. Eu iria até a galáxia mais distante por metade deste sorriso.

Juan vem logo atrás de nós. Vejo pelo rosto dele que esta alegria de Emilly é algo completamente incomum. Ele aparenta estar surpreso.

– A esquerda - digo após ela dar algumas voltas e quase me deixar tonto -, não. A direita! - rio.

– Vamos com calma, milly! - Ele direciona a sua irmã.

– A vida é muito curta para a gente respeitar o limite de velocidade dentro de casa! - ela sorri enquanto tira seus cabelos ruivos e cacheados do rosto.

– Aproveite as duas pernas que tem! - me viro enquanto digo e noto uma brusca mudança em seu olhar. Seu semblante decai imediatamente. Seu rosto era sol de meio dia e agora aparentava ser um crepúsculo sem vida.

– Eu vou indo. - ela solta minha cadeira e se vira de costas, procurando o caminho para a saída. Imediatamente encaro Juan, que já está virado para ela buscando algo a falar.

– Hey, milly! Não é pra tanto, vai! - Juan protesta.

– Peço para papai te buscar mais tarde. Ligue pra ele.

– Okay. - ele direciona o olhar para o chão.

. . .

Já vimos quase todos os filmes. Tia Jaque está sentada na beira do sofá e com a cabeça apoiada de leve no meu ombro enquanto Juan está do outro lado em sua cadeira apoiando sua cabeça no meu ombro. Não sei em que momento viramos amigos tão próximos, mas hoje nada parece me incomodar.

– Por quê ela saiu daquela forma? - pergunto sussurrando pra não acordar a tia Jaque.

– Ela tem seus motivos. - ele começa a tocar a ponta de seus indicadores freneticamente. Acho que já li livros de psicologia o suficiente pra saber o que isso significa, mas não sei.

– Eu falei algo errado? - começo a ficar constrangido. Sei que se a luz da sala estivesse ligada minhas bochechas seriam, provavelmente, o que há de mais vermelho na sala.

– Milly é um pouco sensível demais, okay? Ela já tem bastante problemas, e às vezes acha que tudo no mundo é direcionado a ela. Ela se fere por coisas pequenas, entende?

A realidade é que não entendo, mas mesmo assim meneio a cabeça em sinal positivo.

– Só não repita nada similar, está bem?

Novamente meneio a cabeça, mas dessa vez digo um sim baixinho.

– Ah! - ele começa a fuçar os compartimentos de sua cadeira de rodas que parece recém saída de um firme nerd de ficção científica - Ela comprou isso pra você! - ele me entrega o pequeno embrulho. Emilly deve tê-lo colocado ali em algum momento e eu não percebi.

– Puxa! - digo em êxtase.

– Foi ela quem escolheu. Essa minha irmã é tão fofa! - ele começa a rir.

– Se importa se eu abrir depois? - digo - Eu quero saborear este momento sozinho. - minhas bochechas já devem estar incandescentes de tão vermelhas.

– Você é mesmo um bobalhão! - ele me dá uma cutucada e volta a colocar a cabeça em meu ombro para terminarmos de ver o filme. Tia Jaque continua dormindo e provavelmente vai continuar por bastante tempo, seus dias são cansativos.

. . .

Juan já foi embora a algum tempo. Tia Jaque já me preparou para dormir, me ajudou com o banho (eu pude lavar a cabeça e passar o condicionador hoje, e ela me elogiou e falou que estou muito cheiroso!) e me colocou na cama. Estou olhando para o embrulho a algum tempo, quero saborear esta curiosidade que me consome. Quero aproveitar cada momento único com esse embrulho tão bem feito. Quero me deliciar e me inspirar com o secreto, com o infindável sabor do desconhecido. Se o homem se contentasse com o sabor do cacau ele jamais teria tentado fazer o chocolate. A curiosidade de tentar fazer algo novo o fez experimentar até descobrir tal delícia. Quero experimentar essa sensação de possuir e não possuir. O embrulho é meu, o que há dentro também, mas tudo não passa de um grande desconhecido, uma incógnita, uma interrogação em neon que pulsa.

Então eu abro.

O embrulho é pequeno, cabe na palma da minha mão: uma pequena caixinha vermelha laminada com uma fita em um tom de salmão que a circunda.

Então eu vejo.

Uma pequena - e linda! - cereja de vidro. Vermelha e brilhosa. Um pequeno cabinho e uma folhinha muito bem detalhada. Um pingente!

Eu. Ganhei. Um. Pingente!

Eu ganhei um pingente!

Eu ganhei um pingente de cereja! Eu! Eu que ganhei! Ninguém mais no mundo!

Me sinto tão animado que tenho vontade de sair pulando por todo esse quarto. Mas me lembro que não posso por enquanto. Não nesse mundo podre. Mas nem isso reduz a minha felicidade! Nada pode reduzi-la! Nada!

Por enquanto...


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Notas finais do capítulo

Peço desculpas por ter demorado tanto para postar este capítulo! Aconteceu que na semana passada tive um compromisso (incrível e inadiável) que meio que me havia esquecido... Então tive de arcar com o mesmo e me esqueci de postar o capítulo do fim de semana. E eu gostaria de avisar que após o próximo capítulo a fic vai ser postada semanalmente ao invés de duas vezes na semana... A menos que meus leitores peçam que não. ( *-* )



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