inCOMPLETO escrita por Lorenzo


Capítulo 14
Don Juan, o detetive




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Ter. 26.06.2012

Confesso estar um pouco indignado. São quase três da madrugada e ainda não fechei os olhos. Reconhecer para mim mesmo que não sei o que é o amor não tem sido muito simples. Meus pais me amaram, eu sei disso; mas não lembro. Sei que tia Jaque me ama, que tio Alfredo me amou. Mas a maior dificuldade para mim sempre foi retribuir. Desperdicei grande parte do meu tempo e energias me concentrando no lado amargo da vida, deixei de experimentar o doce e o sublime me concentrando apenas nas dificuldades, nunca em superá-las ou nas pessoas. Sei que preciso mudar isso, mas tenho que descobrir apenas por onde começar.

Se minhas suspeitas sobre o estado de saúde de Tia Jaque forem verdadeiras preciso tomar providências urgentes. Aquele homem deve estar ajudando de alguma forma, preciso descobrir quem ele é e buscar ajudar de alguma forma. Meus pais devem ter deixado algum dinheiro para mim e acho que, caso tenham deixado, este seria o momento ideal para aplica-lo, mas não comigo; com tia Jaque.

Minha cabeça ainda dói, principalmente quanto o efeito dos analgésicos está passando.

Uma enfermeira entra no quarto. Seu rosto carrancudo reforça sua aparência austera, seus traços são brutos e ela não me parece nada simpática. Um engano.

– Olá, garotão! – ela abre um enorme sorriso – Finalmente posso ver esses seus olhos abertos! Como se sente?

Aquela moça enorme e sorridente, que antes me parecia dura e má, senta na cadeira ao lado da minha cama com sua prancheta em mãos. Agora vejo o quanto os preconceitos são inúteis. Não temos qualquer razão para julgar a qualquer um antes de conhecer. Acho que eu gostaria que todos pensassem assim. Não que o mundo fosse virar um paraíso se todos compartilhassem esse ponto de vista, não ia. Mas seria um pouco mais confortável esperar aqui até que o verdadeiro paraíso fosse estabelecido.

– Um pouco tonto, e com dor de cabeça. – digo a ela.

– Que falta de educação a minha! – ela sorri novamente e me estende a mão, e prossegue: - Sou Lúcia!

Sei que ela espera um aperto de mão, mas ainda estou um pouco desconfortável com meus movimentos. Mas ainda assim eu tento. Lúcia parece o tipo de pessoa que vale o esforço. Com dificuldade chego até a sua mão, e digo:

– Sou Joaquim.

Ela dá um breve sorriso como que travando a risada que viria a seguir, olha para a prancheta e me encara, então diz:

– Seria estranho se a enfermeira que cuida de você não soubesse seu nome, não é? – ela ri.

– Acho que você sabe muito mais que meu nome, não é?

– Tipo sanguíneo A+, asma, um corte profundo na testa, uma tia um tanto coruja, um melhor amigo super-protetor, uma namorada linda... É, acho que eu sei o bastante, Joaquim.

Uma observação mental: Ela não mencionou minha paraplegia em momento algum. Ela ganhou um ponto a mais comigo... NAMORADA?

– Namorada? – aquilo soou um pouco estranho.

– Sim, aquela ruivinha linda! Como se chama? Mara... Milena... Melissa... Mati...

– Emilly? – digo tomando a palavra. Eu não iria aguentar mais uma série de nomes com “M”.

– Isso! – ela quase surta em êxtase! – Que menina linda! Você é um rapaz de sorte, garotão! – Lúcia se levanta, coloca um termômetro debaixo do meu braço e recomenda: - Fique paradinho aí. Volto num instante!

Eu sorrio em retribuição. Não tenho um vasto leque de opções senão ficar paradinho.

Ela se dirige a porta num caminhar engraçado e de repente, ao olhar para o chão, dá um sorriso e pega algo no chão.

– Acho que a equipe da limpeza ainda não passou aqui, não é? – ela estende um cartão amassado e sujo. Neste momento me falta saltar da cama.

– Isso é meu! – grito e sacudo breve e ineficientemente meus braços.

Ela me encara um tanto desconfiada.

– Não quer que eu... – a porta abre a atinge pelas costas. – Ai! – Lúcia diz, ainda sorridente. Um homem bem vestido se desculpa e em seguida Juan entra em sua cadeira, a Lala.

Não me deixo distrair.

– Não precisa! Só me dê aqui! – ela traz aquele cartão sujo e deixa sobre minhas mãos, e em seguida levanta um pouco a cama para que eu possa fazer algum contato visual com Juan.

– Já volto, garotão!

Juan dá um sorriso maldoso. Sei que vou virar o foco das suas brincadeiras.

A porta bate e agora só estamos eu e Juan.

– Garotão, é? – ele se aproxima da minha cama e me dá um soquinho no ombro.

– Bem, acho que agora sou o garotão da Lúcia. – revido a brincadeira. Tenho a teoria de que as pessoas pegam mais pesado se nos importamos com o que dizem. Resolvo ser um pouco mais normal e apenas brincar com a situação. Que mal há nisso, afinal?

– Como você está, Quin? – ele gira a sua cadeira e fica de lado a minha cama.

– Um pouco atordoado. – rio – Acabo de descobrir que tenho uma namorada. – rio um pouco mais. Isso soa divertido.

Juan ri.

– Emilly quase me matou quando falei isso para a enfermeira.

. . .

Lúcia já tirou o termômetro e fez mais algumas verificações de rotina. Aparentemente sou apenas um menino paraplégico que se recupera dum corte profundo na testa. O Raio X não revelou nada mais grave e, segundo minha mais nova amiga e enfermeira, devo receber alta logo logo.

Juan passou todo o dia comigo. Depois que Lúcia me colocou como que sentado na cama e abaixou o nível da mesma nós almoçamos juntos. O constrangedor foi não conseguir colocar sequer uma colher na boca, mas Juan cuidou disso. Orei para que ninguém entrasse no quarto e visse aquela cena bizarra: Meu melhor amigo me dando comida na boca. O restante ocorreu bem na medida do possível.

– Preciso de um favor, Don Juan.

Ele me encara sorrindo.

– Diga? – ele olha rapidamente para o relógio. Sei que está chegando a hora dele ir.

– Preciso saber tudo sobre isso aqui. – reviro debilmente as cobertas ao meu redor e então pego o cartão imundo. Ele me encara com um olhar jocoso.

– Agora eu sou um detetive? – ele brinca.

– Um detetive sobre rodas, eu acho. Mas o louco sou eu por contratar os seus serviços, Don Juan. – rimos um pouco.

. . .

Naquela madrugada tive um sonho louco e completamente sem sentido. Confesso ter tido um pouco de medo daquele quarto escuro e daquela janela atrás de mim. Até agora não vi o que há além dela.


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