inCOMPLETO escrita por Lorenzo


Capítulo 13
Três coisas que Joaquim não conhece




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Qui. 21.06.2012

O calor é quase insuportável. O ambiente lúgubre e o bipe constante me dão vontade de desconectar todos aqueles equipamentos de mim e sair dali. Um ventilador tenta – em vão – trazer algum conforto mas seu ranger me faz apenas sentir ainda mais nojo daquele lugar. Estranhamente me recordo de sentir frio em algum momento do último dia, porém creio que esse ventilador não consiga me fazer sentir nada além de nojo.

– Olá, meu bem. – tia Jaque parece um pouco sem graça.

– Oi tia. – tento levantar meu braço para tocar minha cabeça e descobrir o que realmente aconteceu percebo que estou ainda mais fraco que o comum.

– Foi bastante feio... – ela termina de fechar a porta e me ajuda a levantar meu braço para que eu toque os curativos – Eles tiveram bastante trabalho para tirar o vidro da região.

Fico um pouco confuso. Não sei como haveria vidro na minha cabeça.

– Vidro?

– Meu bem, um simples tombo de cabeça no chão não te faria ficar três dias no hospital.

TRÊS DIAS? – repito mentalmente, indignado. Aquilo não fazia sentido. Minha expressão com certeza acompanha meus pensamentos.

– Acho que você ainda está um pouco confuso. Quer descansar um pouco?

– O pingente! – grito – O que aconteceu com o pingente? – eu imagino a resposta que virá a seguir, porém preciso perguntar.

– Oh meu amor... Depois a gente conversa melhor sobre isso. Você precisa descansar e eu ainda tenho algumas pendências para resolver.

Ela entrou na defensiva. Sei que não é só o pingente. Sei bem quando tia Jaque tenta me esconder algo.

– Tia... – digo quando ela está quase atravessando a porta – Preciso de perguntar algo.

Ela para e me encara, como se me inquirisse algo.

– Quem era aquele homem que estava com a senhora? – noto que sua expressão muda radicalmente.

– Homem? – pergunta incrédula. Creio que ela pense que eu não me recordaria nada daquilo. Mas, para sua surpresa e azar, eu ainda me lembro.

– Sim. O do sapato social sujo. Que ajudou a senhora... Sabe? Quando tudo aconteceu.

Ela entra em estado de negação.

– Não havia homem algum, meu bem. Isso deve ser coisa da sua cabeça. Tudo aconteceu muito rápido. – ela fecha a porta e sai do quarto. Ouço o som dos seus passos se distanciando.

Para a minha infelicidade o ventilador para.

Sei bem que havia alguém lá. Se ela quis que eu tirasse isso da minha cabeça, acaba de conseguir exatamente o oposto.

. . .

Juan está comigo a alguns minutos e eu ainda não consegui falar sequer uma palavra. Sinto pena dele por estar nesse lugar nojento e ao mesmo tempo sinto orgulho por ter um amigo capaz de estar neste mesmo lugar nojento por mim. A verdadeira amizade é estranha demais para ser entendida em sua plenitude, porém é uma posse inefável.

– Não quer me falar nada? – ele se aproxima lentamente.

– Desculpa. – fito seus olhos cansados.

– Pelo quê, Quin? – Juan passa os olhos por todo o quarto e então fixa o olhar na janela que há atrás de mim.

– Eu gostaria de dizer “Por tudo”, mas sei que você me repreenderia por isso... – ele dá uma pequena risada pelo canto da boca, sei disso pois sempre que uso alguma palavra muito rebuscada ele acaba rindo.

– Eu não consigo dormir a dias. – ele volta a me olhar enquanto começa um assunto novo sem qualquer motivo.

Sei que sou o culpado por isso também, mas se eu começar a me desculpar por todas as coisas que tenho culpa eu terei de usar o resto dos meus dias para isso.

– E não precisa pedir desculpas por isso também. – ele me diz se aproximando ainda mais, como que lendo minha mente. – Alguém pediu para te entregar isso aqui. – Juan coloca um pequeno quadrado de papel amarrotado e dobrado em meu peito.

– Quem? – pergunto incrédulo, já imaginando como seria a letra de Emilly e o que ela poderia ter escrito pra mim.

– Eu mesmo. – ele sorri, levando sua cadeira em direção a porta.

. . .

TRÊS COISAS QUE JOAQUIN NÃO CONHECE;

POR SEÑOR JUAN T.

O papel tinha muitos rabiscos confusos, marcas de corretivo e estranhas marcas de lágrimas. Estava todo amassado, como se tivesse sido tirado da lixeira e viesse parar em minhas mãos.

COISA NÚMERO UM: A amizade. Joaquim passou sua vida criando e cultivando seu próprio mundinho. Joaquim esqueceu de viver no mundo de verdade na tentativa de se isolar da dor e assim, então, ele conheceu a dor e a amargura e esqueceu de experimentar a amizade.

COISA NÚMERO DOIS: O carinho. Joaquim sempre teve carinho de sua tia, mas ele próprio nunca retribuiu. Ele não experimentou o carinho por medo ou por aversão? Não importa, a verdade é: Carinho é outra via de mão dupla (a primeira sendo a amizade) e não é completo se não se dá o mesmo tanto que se recebe.

COISA NÚMERO TRÊS: O amor. Quem não se abre a amizades nunca estará aberto ao amor. É como andar de bicicleta: Você nunca será capaz de se mover se não tirar os pés do chão. A amizade tira seus pés do chão, o carinho te dá o impulso inicial. O amor é a caminhada, o movimento que te faz percorrer as mais áridas estradas acreditando estar no paraíso.”

Esse é o momento em que me sinto sem coração. A única coisa na qual consigo fixar meus pensamentos é na minha incapacidade. Se o amor é uma caminhada, eu sou um aleijado. E o que é mais curioso? Eu realmente sou.


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