Um Toque do Destino escrita por Ninna Leite


Capítulo 13
Capítulo 12




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   As vezes aquela noite parece um borrão em minha memória; como se fosse meu sistema de autoproteção querendo me poupar de ficar relembrando aquela sensação de angústia.

   Chegamos na minha casa em silêncio, às 4h da manhã. Deixei a Prim no quarto e mandei mensagem para Johanna, avisando que estávamos seguras. Eu iimaginara que a morena ficaria preocupada e me surpreendi com o tom de diferença que seu texto transmitiu.

Por volta das quatro e meia, Annie perguntou se poderia comer alguma coisa na cozinh. Eu assenti com a cabeça, pedindo somente para que ela não fizesse barulho. Prim e eu ficamos a sós após a descida de Annie.

— Hey... - chamei-a. Na altura do campeonato eu já podia distinguir muito bem os momentos em que ela fingia estar dormindo.

— Agora não, Katniss. - resmungou ela, afagando ainda mais o rosto no travesseiro.

   Eu não sabia muito bem o que falar com ela; na verdade, esse é um dos maiores problemas que acometem a adolecencia: nós sabemos o que queremos dizer, mas não como dizer. Tudo que sai de nossas bocas parece algo idiota.

— Você podia ter me contado. - eu disse, por fim; em seguida me senti estúpida demais. Entre tantas coisas que poderia ter falado, fui escolher justamente aquela frase clichê.

   Ela se sentou em sua cama e me encarou por alguns segundos. A luz do luar, que cortava pela janela, contribuía para a expressão de mistério que seu rosto adquiriu.

— Mesmo se você acreditasse, não poderia fazer nada. - respondeu Prim, esboçando um sorriso tímido.

   Realmente, o que eu teria feito? Poderia ir diretamente até Effie e falar o que estava acontecendo, ou poderia convencer a Prim de ir até a delegacia denunciar Gloss; mas será que teria mesmo efeito? Será que eu só não estaria piorando drasticamente o emocional e psicológico da Prim?

— Mas eu iria tentar. - concluí em baixo tom. - Teria tentado pelo menos fazer com que você se sentisse bem.

   Os minutos iam se passando e Annie não subia. Prim havia se calado e voltado ao seu falso sono. Eu decidi me deitar também e esperar que o raiar do dia iluminasse minhas ideias. Em questão de segundos meus olhos se fecharam e eu fui consumida pela escuridão.

— Katniss... Katniss. - senti algo me sacudindo levemente.

— O que? O que foi? - perguntei, um pouco assustada enquanto esfregava a mão em meus olhos para que minha visão focasse na pessoa sentada ao meu lado.

— Pode vir até aqui? - perguntou Prim, sinalizando sua cama.

   Concordei com a cabeça e levantei cautelosamente para não acordar Annie, que dormia ao meu lado. Estremeci com o contato dos meus pés descalços com o chão frio; segui lentamente Prim até o seu lado do quarto.

— O que houve? - perguntei assim que sentei em sua cama, ainda me sentindo um pouco atordoada.

   Ela hesitou em falar.

— Por que você se preocupa comigo? - perguntou Prim num sussuro. - Quero dizer, eu sempre achei que era fingimento só pra agradar a minha mãe, mas agora...

— Você percebeu que é real. - completei sua frase; não conseguia olha-la nos olhos, talvez porque eles estavam extremamente penetrantes naquele breu.

— É... - afirmou ela, abaixando a cabeça.

   Aquele era o momento que eu tinha para ser sincera com Prim e comigo mesma; mas como eu teria resposta para a pergunta que eu me fazia frequentemente desde o dia em que aquela pirralha entrou em minha vida?

— Prim, eu não sei... - admiti, com um suspiro. - Eu queria saber também, te juro. Mas é algo que eu não consigo explicar. Quando você ta por perto eu sinto algo que nunca tinha sentido com nenhuma amiga minha. É como se eu fosse capaz de fazer qualquer coisa pra te proteger... e não saber o motivo disso acaba comigo. Eu fico tão perdida quanto você.

   As palavras saíram de minha boca com certa dificuldade, como se eu não tivesse a coragem de pronunciá-las em voz alta. Talvez fosse o medo de aceitar que meus pensamentos poderiam ser, de fato, verdade.

— Eu sinto algo estranho em relação a você também. Mas achei que era mais fácil não me aproximar. A gente é tão diferente, e eu não precisava de mais problemas com pessoas.

   Prim começou a brincar com o anel que estava em seu dedo; eu nunca a vira sem ele. Era de prata, com um pequeno cristal verde acoplado no meio.

— Era do meu pai... - comentou ela, após ter percebido que eu a encarava. - É a única coisa que tenho dele. Não é uma foto, não é um presente... é um anel. Achei escondido nas coisas da Effie.

— Sabe, ele não estar aqui não significa que não tenha te amado. - comentei, ao perceber o brilho fugir de seus olhos ao mencionar o pai.

— Mas significa que eu não fui importante o suficiente pra fazer ele ficar. - retrucou Prim. Pude perceber o esforço que ela fazia para segurar as lágrimas.

   Abracei-a de imediato; foi um movimento involuntário que surgiu e surpreendeu tanto a Prim quanto a mim. Eu nunca tivera uma conversa tão sincera com ela.

— Se eu te contar uma coisa promete não contar pra ninguém? - perguntou Prim, se afastando.

— Prometo. - disse, esboçando um leve sorriso, me contendo para esconder o nervosismo que me dominava na medida em que eu imaginava os possíveis assuntos que ela poderia abordar.

   Naquele momento pude perceber o quanto ela ainda era ingênua; ás vezes esquecia que ela era nova, por conta das atitudes inconsequentes que ela tomava. No fundo, Prim ainda estava em transição, no início do ensino méio, na aventura de conhecer quem realmente era, e sua impulsividade dificultava ao máximo seu momento de descoberta.  

— Quando eu era mais nova, não lembro quantos anos, eu bati em um menino que ficava me perturbando. - contou Prim. - Minha mãe me deixou de castigo por uma semana. Mas eu percebi que ela me dava mais atenção do que o normal; não importava se era esporro. Então eu decidi fazer cada vez mais coisas desse tipo... Não sei, acho que sempre esperei que minha mãe surtasse a ponto de ligar pro meu pai e fazer com que ele viesse ter uma conversa séria comigo... Mas ele nunca apareceu. - sua voz falhou por um segundo e ela teve que dar uma pausa para respirar. - Do nada eu fiquei assim... não consigo mudar.

— Prim...

   Mais uma vez não conseguia parar de me perguntar o porque de não termos nos conhecido antes. Tudo bem, eu passara meses desejando que Prim não fosse a menina que conviveria comigo pelo resto da vida; mas acho que no fundo sempre senti que estávamos conectadas.

— Sabe, minha mãe também não foi uma das melhores. - falei, me deitando; Prim copiou meu movimento, afogando a cabeça no travesseiro. - Ela largou a mim e a meu pai quando eu era mais nova. Eu não entendi o motivo. Mas acho que com o tempo minha ficha foi caindo. Eu aposto que ela não pretendia me abandonar quando me teve, mas aconteceu. As vezes as pessoas começam algo sem estarem realmente preparadas. Ela não estava preparada para ser mãe, ou ter uma vida estável.

   Prim deitou sua cabeça em meu peito.

— Ela nunca mais falou com você?

— Algumas vezes ela manda mensagem. Diz que vai marcar de me levar para viajar, mas eu sempre recuso. - explico, sentindo um leve incômodo por lembrar de minha mãe. - A verdade é que você não pode se culpar pra sempre. Tenta pensar nas coisas boas que tem na sua vida agora, e que não seriam possíveis se seu pai tivesse ficado...

— A minha vida ta uma zona, Katniss. - retrucou ela, suspirando pesadamente.

— Por causa do Gloss?

  Prim confirmou com a cabeça.

— Eu posso te ajudar. E você sabe que eu quero. É só me dizer o que ta acontecendo. Desde o início...

   Annie se remexeu na cama, sussurando alguma coisa parecida com jujubas de ouro.

— Promete que não conta pra ninguém? - pediu ela, olhando profundamente em meus olhos.

— Prometo, sua boba. - respondi, dando um aperto forte em sua mão.

   No primeiro momento achei que nada ia sair de sua boca; mas em questão de segundos as palavras surgiram, como se suplicassem há eras para ganhar notoriedade.

   Ela contou que conheceu Gloss em uma festa no ano passado. Eu ouvia falar dele; era o típico cara que arrancava suspiros de todas as meninas do colégio. Na época ela estava com sentimentos estranhos em relação ao Rory; mas tudo mudou quando ela o viu com outra garota. Na intenção de causar ciúmes no Rory ela ficou com o Gloss. Com o tempo os dois passaram a se ver com mais frequência, e Prim já não sabia mais distinguir seus sentimentos pelo garoto. À medida que Prim se aproximava de Gloss e seus amigos, Rory se afastava, até que os dois deixaram de ser amigos. Gloss ficara mais agressivo após a separação dos pais; Prim achava que de algum modo isso afetara completamente a percepção de realidade dele. Muitas pessoas passam por situações difíceis, e existem várias maneiras para lidar com elas. Algumas pessoas enfrentam de cabeça erguida, outras decidem se afundar em seus problemas, e por fim há aquelas que involuntariamente arrastam as mais próximas para o fundo do poço. A vida de Prim se resumia aquilo: Gloss estava afunando num vasto oceano, e ela, ao tentar salvá-lo, estava se afogando também.

   Eu tentei raciocinar rapidamente sobre o que poderia dizer. A última coisa que queria era magoar Prim, ou fazê-la pensar que eu era apenas mais uma que jogaria a culpa inteira nela.

— Eu imagino como deve ser difícil pra você... - falei, por fim.

   Ela me analisou por alguns segundos, talvez estranhando minha escolha de palavras.

— Eu amo ele. - afirmou ela, deitando-se em meu colo.

— Você tem 14 anos, Prim. Ainda tem muito tempo pra descobrir o que é amor.

   Ela pareceu pensativa, mas me olhou em seguida com um sorriso sacana; típico de Prim.

— Então me cont aí a sua experiência com o amor.

   Prim se sentou, recolheu as pernas para perto do seu peito e envolveu os joelhos com os braços.

— Eu aco que nunca amei ninguém. - afirmei, questionando a mim mesma se aquela era a verdade. - Mas eu gosto de um garoto...

— É o Peeta. - exclamou ela, esboçando um falso tom de surpresa.

   Eu não me sentia pronta para falar sobre tudo o que estava sentindo. Eu me acostumei a guardar todas as coisas amargas da minha vida dentro de mim. Eu era como um oceno, agradável para aqueles que estavam de viagem, mas um pesadelo para aqueles que navegavam na minha tempestade. 

   Eu devo ter permanecido alguns segundos com o olhar vago, pois a Prim logo tratou de falar:

— Katniss, ta tudo bem. Se você quiser a gente finge que nunca conversou sobre isso. Eu sei me virar...

— Você acha mesmo que depois de tudo isso eu não vou te ajudar? - perguntei, tentando não deixar o nervoso escapar pela minha voz.

   Ela permaneceu me olhando, como se duvidasse de mim; muitas coisas poderiam estar passando pela cabeça dela. Àquela altura Prim já devia ter experenciado diversos problemas relaconados a confinça. Lembrei-me do dia em que Prim disse que nós não iríamos acreditar nela.

— Não faz isso, por favor... - pediu ela, levantando-se, sem ao menos hesitar ao encarar minha expressão de dúvida.

   E foi assim que o clima ficou desconfortável.

— O que?

— Katniss, a minha mãe nunca me preparou pra esse tipo de situação. Eu achava que lidaria bem com qualquer coisa que acontecesse comigo, mas me enganei. Eu já não sei mais o que fazer. A última coisa que eu preciso agora é acreditar de novo em alguém.

   Novamente eu pude sentir algo pesado dentro dela.

— Eu não to te pedindo pra confiar em mim. Só quero que você fique tranquila. Você não precisa acreditar. - falei, me levantando. - Vai dar tudo certo, pirralha.

   Voltei para minha cama silenciosamente; Prim permaneceu sentada e, mesmo na escuridão, pude sentir a intensidade de seu olhar me acompanhando. Em seguida ela se deu por vencida e decidiu tentar dormir. Não era como se fosse possível pegar no sono após o ocorrido, mas não pude resisir; em menos de dois minutos já havia apagado.

Acordei às sete da manhã como o braço da Annie batendo em meu rosto. Minha visão estavacompletamente pesada e não pude impedir de tapar os olhos com a mão. A luz do sol entrava por uma fresta da janela que não fora coberta pela cortina. Sacudi Annie cautelosamente.

— O que foi? - perguntou a ruiva, como se estivesse sonhando. - A gente já vai se formar?

— Estamos atrasadas. - resmunguei, me espreguiçando.

   Olhei ao redor; Prim não estava em sua cama.

— Não acredito que você ainda pensa em aula depois de ontem.

— Não acredito que você um dia na sua vida não ta pensando na aula. - observei.

   Annie pareceu ponderar um pouco, mas se deu por vencida e enterrou a cabeça no travesseiro.

— Eu odeio não conseguir ser rebelde. - murmurou ela, após ter se levantdado da cama em miléssimos de segundos. - Vou logo avisando que se a Coin ficar torrando nossa paciência não vou nem tentar entrar.

— Quem é você e o que fez com Annie Cresta? - debochei, dando um empurrão de leve em minha amiga.

— Olha quem fala... Não fui eu quem perdi completamente a linha ontem a noite.

   Mordi os lábios e sorri para ela. Aquela era uma fase nova para a minha amizade com a Annie. Provavelmente muitas das nossas escolhas seriam diferentes se não houvesse a aproximação de nossos novos amigos. Eu me pegava contando os minutos para vê-los no colégio. Felizmente minha ressaca não tentou me matar pela manhã, como acontecia de costume.

   Desci as escadas com Annie silenciosamente após termos nos arrumado. Para nossa sorte meu pai e Effie não estavam em casa, muito menos Prim. Um frio correu pela minha espinha quando vi um bilhete pendurado na geladeira, assinado por meu pai. "Quando eu chegar vamos conversar, mocinha". Sim, meu pai deixava bilhetes ao invés de mensagens quando queria fazer um drama. Mas eu sabia que ele deveria estar chateado comigo. Minha postura mudara completamente em menos de seis meses. Com certeza ele estava assustado.

— Nossa que bad ass você. - zombou Annie, pegando uma maçã na fruteira. - Quanto tempo até você começar a ficar de castigo que nem a Prim?

— Nem começa. - falei, roubando sua maçã.

   Eu conhecia Annie. Ela estava evitando tocar no assunto da noite passada por simples medo de me magoar. Havia tanto para falarmos... o garoto que conheci, Clove e Cato, ela e Finnick, Madge, Glimmer e Marvel... Tudo aquilo estava quase borbulhando dentro de nós, mas a insegurança de tocar no assunto "Gloss e Prim" fazia com que um desconforto surgisse. Rezei para que pudéssemos falar sobre isso quando estivéssemos todos reunidos.

Ao chegarmos no colégio me surpreendi com o fato de que ninguém faltara. Mas a situação não era a que eu desejava encontrar. Todos estavam sentados na mesa do pátio principal, com clima de luto. Eu não reconhecia aquela sensação, pelo menos não associada com aquelas pessoas. Aproximei-me com cautela.

— Bom dia. - falei timidamente; fui respondida apenas com alguns muxoxos.

— Bom dia, linda. - falou Finnick para Annie quando ela se sentou ao seu lado.

   Olhei para minha amiga intimidadoramente.

— Por que a Prim não veio contigo? - perguntou Johanna, brincando com o resto de sanduíche que estava segurando.

   Todos olharam para mim.

— Eu acordei e ela já não tava em casa.

— Bom, espero que ela esteja viva por aí. E que não seja idiota o suficiente pra ficar com vergonha da gente. - falou Glimmer, tirando seus óculos escuros.

   Talvez aquele fosse o real motivo. Como ela conseguiria reunir coragem para encarar seus amigos? Ela já me falara que uma das questões mais difícies era lidar com a falta de credibilidade.

— Ela deve estar perdida em algum canto. - resmungou Marvel.

   O moreno estava afastado de Glimmer. Parando para analisar a situação estávamos bem destruídos. Cato e Madge afastados; eu e Peeta afastados; Marvel e Glimmer afastados. A única que parecia um pouco a parte da situação era Clove.

   Decidi permanecer na minha, pelo menos até o segundo sinal de aula, que soou mais rápido do que eu imaginava; ou talez eu só tivesse ficado perdida em meus pensamentos por tempo demais. Segurei na mão de Annie, ela se levantou, e me acompanhou até a sala.

   O segundo tempo era de matemática; isso acontecia o com uma certa constancia. O inspetor apareceu por volta de uma hora para fazer um anúncio. Teríamos as olimpíedas de verão em Agosto. A notícia até que deu um ânimo para a gente. Era um assunto completamente novo entrando para alegrar nosso momento de caos. Seria um pouquinho depois do meu aniversário.

   Eu não ligava muito para as comemorações, pelo menos desde os meus 13 anos. Mas, pela primeira vez em muito tempo, eu estava animada. A ideia de fazer uma festa em minha casa, somente com meus amigos, me invadiu rapidamente. Há muito tempo tinha sido somente eu, meu pai, Clove, Annie e um bolinho, feito pelas meninas.

   Olhei ao redor para comemorar a notícia. Annie estava bem animada, levando em consideração que ela é péssima em esportes. Nós conversamos animadamente sobre todos os esportes que poderiam entrar na disputa, e em quais nosso colégio poderia levar o ouro. Virei-me para trás, na esperança de introduzir Madge na conversa, mas ela estava com a cabeça apoiada na carteira, dormindo. Aquilo era algo inédito. Madge era uma das alunas mais aplicadas que eu conhecia, lógico, depois de mim e Annie. A loira nunca tirara uma nota abaixo da média estipulada pelo colégio, planejava continuamente a faculdade que iria tentar ingressar, e, o mais importante, nunca deixava de se concentrar em uma aula. Pensei seriamente em acordá-la, mas um flash da noite anterior veio em minha cabeça, então deixe Madge descansar.

   O sinal declarando o final da aula bateu; Annie saiu correndo para pegar alguma declaração na diretoria e acabou esquecendo sua garrafa azul cintilante; eu guardei-a para entregá-la depois. Peguei meus livros em minha mesa e me levantei. Andei pelo corredor um pouco perdida, sem objetivo. Foi então que avistei Prim, com o uniforme de líder de torcida colado no corpo, conversando com algumas garotas, provavelmente de sua turma. Seus olhos foram magneticamente ao encontro dos meus; um pequeno sorriso brotou no canto de sua boca. Prim se despediu das meninas e veio em minha direção; as garotas olhavam indiscretamente para mim, enojadas.

— Quer dizer que você ta viva então? - perguntou Prim, se apoiando com o ombro direito na parede.  

— Talvez. Dizem por aí que eu sou um fantasma, sempre vagando desapercebida pelo colégio. Mas pelo menos eu não fiquei sumida o dia inteiro.

   Prim me olhou, mordendo os lábios sutilmente, pensando na melhor forma de responder.

— Katniss, não são nem dez da manhã. - constatou Prim.

— É, eu sei, só tinha ficado preocupada, porque depois de ontem...

   Prim ficou desconfortável, o que me incentivou a cortar minha frase no final. Ela olhou para o chão e criou coragem para falar.

— Será que a gente pode não conversar sobre ontem? Tipo, nunca mais. E não conta pra ninguém, ou eu juro que morro.

   Novamente fiquei em estado de choque; obviamente eu teria que aceitar as condições de Prim, somente para não ter nenhum conflito com ela, mas era incabível eu saber que ela estava passando por uma situação tão dolorosa quanto aquela e não fazer nada a respeito.

   Assenti com a cabeça e a chamei para me acompanhar pela cantina. Prim atraía muitos olhares, e eu não estava nada acostumada com aquilo. Algumas pessoas a cumprimentavam, e, pela primeira vez, eu desejei encontrar um rosto familiar pelo caminho. Alguns garotos olhavam para ela por mais tempo do que deveriam, e meu sangue fervia com isso. Na terceira vez, Prim percebeu minha insatisfação e segurou minha mão, em um impulso; ela se sentiu sem graça com o gesto imediatamente, e me soltou.

— São só garotos babcas. - comentou ela, com certa indiferença.

— Isso não ta certo. A gente ta em dois mil e treze, eles não podem te tratar assim.

   Eu ia terminar de dizer tudo que penso em relação àquele tipo de garoto, mas minha mente me levou imediatamente para Peeta. Eu nunca o imaginaria fazendo algo do tipo, mas talvez ele já tenha feito. Seja para impressionar os amigos, ou para elevar seu ego, ou talvez até mesmo por conta da criação que tiveram, homens costumam ser babacas, na verdade, adolescentes costumam ser babacas. Foi aí que eu me perguntei até onde eu poderia considerar uma atitude machista normal, seguindo do princípio "são só garotos".  

— Você chegou a ver o Peeta? Eu preciso falar com ele sobre ontem. - questionei Prim, parando subtamente.

— Por que? Espera, ontem à noite? Não vai me dizer que vocês...

   Prim começou a se exaltar, demostrando uma certa incredulidade do meu possível relacionamento com Peeta.

— Ta legal, já entendi que você está chocada. Agora para de fazer escânda-lo. - Eu já sentia minhas bochechas coradas; tampei rapidamente a boca de Prim na tentativa de contê-la.

— Você tem noção de que o Peeta é tipo meu irmão mais velho não é? Então você vai ser a minha cunhada. Exijo respeito. - acrescentou Prim, com um ânimo extremamente surreal para o início do dia; ela nem mesmo demostrava ter passado por tudo que passou na noite anterior.

   Um grupo de garotos se aproximou de nós duas, devido a atenção que Prim chamava. Quando me dei conta os dois loiros estavam ao nosso lado. Prim fechou a cara imediatamente e cruzou os braços; eu tentei imitar sua pose, mas não deve ter ficado tão intimidadora; ela estava mais treinada do qeue eu.

— E aí, Trinket. A Rue contou pra gente o que aconteceu ontem. Tu fodeu com um cara no meio da festa, tipo na areia né. Deve ter sido gostoso demais. O que acha de chegar na esquina da Flaver mais tarde?

   O outro garoto cumprimentou ele e os dois sorriram, como se tivesse falado a coisa mais incrível do mundo. Eu fiquei chocada; senti meu lábio inferior cair involuntariamente. Olhei de Prim para os garotos, e percebi que ela não iria responder, somente fuzilava o mais alto com o olhar.

— Vem, Katniss, deixa eles pra lá... - chamou Prim, tentando me puxar pelo braço.

— Isso é um sim? Depois me diz quanto você cobra.

   Foi instintivo, me pus na frente do garoto e lhe dei um soco na cara. Uma gritaria invadiu meus ouvidos; eu sentia os braços de Prim fazendo esforço para me segurar pela cintura. Pela primeira vez eu havia cedido à uma provocação, que nem ao menos tinha sido feita para mim. O atrito de meu punho com o rosto irritantemente perfeito do garoto tinha aberto o canto de seus lábios. Uma roda se formou ao redor de nós no momento em que consegui me controlar. Prim tentou me tirar de lá, mas era tarde de mais; Beete tinha chegado ao local do conflito.

Sala da direção, 11:40 da manhã, saco de gelo no punho direito. Era assim que eu me encontrava; quase nada se passava em minha cabeça. Olhei para o meu lado direito, somente para confirmar que Prim ainda estava lá. Era só o que me faltava, uma advertência por agressão no meu currículo. Levei a mão esquerda na boca e comecei a roer a unha; Prim me impediu.

   Fiquei tensa por mais vinte minutos, até o diretor me chamar. Meu estômago já estava dando sinais de fome; tudo que eu queria era ir para casa.

   Entrei na sala do chefão com a cabeça abaixada, me sentindo envergonhada por estar ali. Sentei-me na cadeira cuidadosamente, e olhei para o Sr.Seneca firmemente. Percebi o quanto ele estava decepcionado. Eu sempre me acomodava de frente para ele no intuito de ser aconselhada sobre cursos, campeonatos estaduais e futuras faculdades.

— Bom, senhorita Everdeen, serei breve e claro. O seu currículo é muito importante para essa instituição, e eu não gostaria de mudar isso, principalmente no final de sua carreira escolar. - ele ajeitou uma caneta que estava largada em sua mesa. - Você sairá daqui com um aviso, e deverá um pedido de desculpas para o rapaz que agrediu.

   Eu não esperava que fosse ser tão fácil; assenti com a cabeça e me levantei cuidadosamente, sem dizer nada. Tinha a ideia de qe se eu conseguisse sair de lá correndo, poderia evitar alguma consequência maior.

— Ah, e teremos que comunicar seu pai. - falou Seneca, assim que eu pûs a mão na maçaneta da porta.

   Meu corpo gelou por inteiro. Finalmente chegara a hora, meu pai me botaria de castigo. Haymitch já devia estar exausto de tanta preocupação. Mudei de ideia drasticamente, tudo que eu mais queria era não voltar para casa. Talvez seria mais fácil tentar uma vida independente, morar com os monges, ou talvez pedir para Annie ou Clove me adotarem.

Prim me esperava do lado de fora, com a cabeça encostada na parede. Eu expliquei para ela a situação, após a loira ter me perguntado como foi. Ela pediu para que eu nunca mais fizesse algo tão estúpido assim. Eu me culpava por aquela atitude tão infantil, e queria apagar aquilo do meu dia. Fomos até o armário para buscar minha mochila e as coisas que havia deixado por lá, e me deparei com a garrafa de Annie. Perguntei se Prim se importaria de passar na casa de Annie comigo para devolvê-la, mas ela declarou estar cansada, e foi direto para casa.

   O sol estava forte, e minha mão ardia. A casa de Annie ficava um pouco longe da minha, era quase meia hora de caminhada, mas, no meu passo, levava somente vinte minutos. As ruas estavam movimentasdas, pois era horário de almoço. Pensei em mandar mensagem para Annie avisando que eu estava indo para lá, mas por preguiça acabei desistindo.

   Eu bati na porta da Annie com minha mão machucada e abafei um gemido, e em seguida me critiquei por ter sido tão burra. Aguardei por alguns minutos para bater novamente. Não seria possível Annie estar fora de casa; sua mãe sempre exigia que ela voltasse assim que as aulas acabassem; isso quando não estava em minha casa. Tentei olhar por uma fresta da janela que não estava coberta pela cortina, e notei algumas luzes acesas. Bati novamente na madeira dura, dessa vez com a minha mão boa e com mais força.

   Assustei-me ao me deparar com uma mulher alta, com cabelos castanhos e um nariz empinado abrinado a porta. Ela me olhou como se eu fosse o maior problema de sua vida. Ela vestia um roupão azul e tinha uma expressão sonolenta.

— Bom dia, a Annie está aí? - perguntei timidamente, escondendo minha mão machucada.

— Annie? - perguntou a mulher, abaixando a guarda e saindo de casa para ficar mais próxima de mim.

— Sim, Annie. A filha da Lúcia. É minha amiga. Ela esqueceu essa garrafa na sala hoje.

— Ah, essa menina. Ela não mora mais aqui. Já faz um tempo. Mas eu tenho contato com a mãe dela. Você pode encontrá-la neste endereço.

   A mulher pediu um minuto e entrou rapidamente na casa; ela voltou segurando um papelzinho, com um endereço escrito.

— Espera, como assim não mora mais aqui? Ela não me falou que tinha alugado a casa.

   A mulher me oulhou preocupada. Ela suspirou pesadamente.

— Ela não te contou então? Vocês realmente são amigas? - perguntou ela desconfiada, mas eu estava chocada demais para responder algo. - Acho que você deveria fazê-la uma visita.

   Eu fiquei parada enquanto olhava a mulher adentrar na escuridaão da casa e fechar a porta em minha cara. Minha ficha não havia caído por completo; eu cheguei a cogitar que toda informação que me atingiu era uma pegadinha, e que em algum lugar Annie estaria rindo sobre isso.

   Peguei meu celular, e liguei para Annie; ela não atendia. Decidi então ligar para Clove, e pedi para que ela dormisse lá em casa, deixando explícita a urgência do assunto; a morena nem hesitou.

Encontrei a Clove na esquina da minha casa; não era muito próximo do endereço que a tal mulher me passara, mas Clove havia se encarregado de levar uma bicileta.

   Montei na bicicleta e Clove ficou sentada na barra entre o banco e o guidom. Pedalei rapidamente na direção do endereço escrito no papel. Clove tentava, inutilmente, me questionar sobre o que estava acontecendo. Mas eu estava fora de mim, sem também entender o que eatava acontecendo.

   Annie sempre me contava tudo, desde o início de nossa amizade. Logicamente eu imaginava que nem tudo se enquadrava nesse "tudo", mas pelo menos as coisas importantes, tanto da minha vida, quanto da dela, não eram deixadas de lado.

   Fizemos uma curva assim que avistei o nome da rua escrito em uma placa. Clove reclamou algo, mas não dei atenção. Paramos na frente do número 124 escrito no muro. "Motel quatro luzes" era o que estava escrito em um visor azul.

   Colve desceu da bicicleta, e eu usei a corrente de ferro para prendê-la em um poste.

— Por que você me trouxe aqui? - perguntou Clove, arqueando a sobrancelha enquanto caminhávamos até a portaria.

— Sinceramente, eu não sei. - respondi, analisando melhor o local.

   Senti um aperto no coração após minha ficha ter caído de que Annie poderia estar em um motel. Eu não podia nem imaginar o que poderia estar acontecendo com ela, mas tinha certeza de que algo bom não era.

   Andamos até a guarita do segurança, perto de onde os carros entravam. O homem estava sentado, assistindo algo na TV.

— Boa tarde... - cumprimentou Clove.

   O homem se esticou e olhou para nós, de cima à baixo. Esse ato me fez pensar o quanto devia ser estranho para ele ver duas adolescentes, com uniforme colegial, paradas na porta de um motel.

— Não permitimos a entrada de menores de idade. - avisou o segurança, voltando sua atenção para o noticiário.

— Não, nós não... - Clove tentou se explicar, completamente corada.

— Nós viemos procurar uma pessoa. - informei, chamando a atenção do segurança novamente.

   Ele olhou a redor, indeciso, mas nos deu uma resposta bem rígida.

— Também não permitimos adolescentes neuróticas dando showzinho de ciúmes dentro das nossas instalações.

   A raiva começou a tomar conta de meu corpo. Parecia até que ele estava falando com meninas de 12 anos.

— Olha, estou procurando por uma garota chamada Annie Cresta. Ruiva, cheia de sardas, um pouqiho avoada. Ela ta por aqui? - perguntei, um pouco desesperada, talvez com medo da resposta.

— Ela é nossa amiga. - completou Clove, tentando acalmar a situação.

   O segurança pareceu indeciso. Ele se esticou e olhou para os lados, checando se alguém estava por perto. Ele não sabia se acreditava na gente ou não, mas sua expressão mudou completamente ao citarmos as características da Annie.

— Ela está no quarto 204. Subam o primeiro lance de escada e virem à direita.

— Muito orbigada. - agradeuceu Clove, enquanto era puxada bruscamente por mim.

   Eu não tinha tempo para ficar perdendo com aquele homem.

Dei três batidas na porta. Olhei para Clove; minha mente não estava preparada para o que eu poderia ver quando a visão do interior do quarto estivesse na minha frente. Eu já havia até deixado a história da garrafa de lado.

   A porta foi aberta sutilmente, uma gritaria ocupou meus ouvido, e em questão de segundos, lá estava ela, Annie Cresta passou pela fresta e rapidamente a fechou; sua cara de choque demonstrava que a última coisa que ela queria era nos ver ali.

— Oi... - murmurou Clove, em baixo tom.

   Annie estava com a boca entreaberta, olhando de mim para Clove.

— O que vocês estão fazendo aqui? - perguntou ela, nos puxando rapidamente para um canto.

— Quem ta aí dentro? - perguntei, rispidamente.

   Annie franziu o cenho, olhou na direção do seu quarto e abaixou a cabeça.

— Quem ta com você? - perguntei novamente, tentando soar mais calma.

   Os segundos de silêncio pareciam uma eternidade. Era como se a Annie tivesse perdido a capacidde de fala. A tensão no ar foi aumentndo. Entõ decidi fazer a única coisa que me restava. encaminhei-me até a porta do quarto 204.

   Clove me seguia, dizendo algumas coisas que eu não conseguia processar muito bem. Infelizmente, Annie foi mais rápida; ela se colocou entre mim e a porta na velocidade de um raio. Seus olhos diziam nitidamente "não entre aí".

— Vamos conversar na sua casa, por favor. - pediu Annie, deixando os ombros caírem.

   Troquei olhares com a Clove, tentando decidir se era uma boa ideia ou não.

— Tudo bem. - afirmou Clove, sem ao menos eperar minha opinião. - Mas vou logo avisando que não cabem três na minha bicicleta.


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