Um Toque do Destino escrita por Ninna Leite


Capítulo 11
Capítulo 10




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   Estava agoniada sentada no banco traseiro do carro, louca para estar no aconchego de meu quarto; no caminho Annie me disse que havia mandado mensagem para Haymitch, dizendo que estávamos numa festa e que ela dormiria na minha casa. Isso explicava o motivo da falta de mensagens e ligações perdidas no meu celular.

    O táxi parou na porta de nossa casa. Entrei correndo para buscar o dinheiro que guardava em meu cofre; Annie disse que não teria para pagar no momento. Paguei o moço e acordei Prim, que havia cochilado no meio do percurso.

 – Já chegamos? - perguntou Prim, meio desacordada ainda.

 – Chegamos... - disse, impaciente. -, vem logo.

    Acendi a luz da sala, deixando a claridade incomodar um pouco meus olhos. O ambiente até que ficava mais atraente banhado na escuridão. Subimos até o quarto após alguns minutos. Prim disse que iria tomar banho logo; ela queria desesperadamente dormir.

 – Será que aquele cara... - começou Annie, quando nos encontrávamos sozinhas no quarto. -, o Gloss, tentou forçar algo com ela?

 – Acho que não. - respondi, enquanto pegava um colchão para Annie dormir. - Pelo visto eles tão juntos faz um tempo, né. Acho que ela ficou chateada mesmo é com a situação do Rory. - completei, pensando melhor na noite.

 – É... - concordou Annie, calmamente. -, deve ter sido isso. Que noite hein.

    Uma memória me veio rapidamente; algo que eu tinha jurado perguntar a Annie assim que a visse.

 – Me diz uma coisa... - comecei, largando o travesseiro em cima do colchão. -, o que houve entre você e o Finnick?

    Ela corou instintivamente; desviou o olhar para a janela e relutou em me responder.

 – Ele me beijou. - disse ela, sem graça. - Quero dizer, nós nos beijamos.

 – Isso eu vi... - afirmei, com um sorriso largo no rosto. -, mas por que você o afastou?

 – Porque eu to com medo, Kat. - disse ela, enterrando o rosto no travesseiro da minha cama. - O Finnick é o típico cara que nenhuma garota devia se envolver. E eu to realmente evitando mais problemas na minha vida.

 – Annie... - eu buscava as palavras certas para expor minha opinião. -, eu acho que não custa você tentar. Você é uma garota forte, não é um relacionamento que vai te abalar.

 – Eu vou pensar nisso. - disse ela, se jogando de lado na cama. - Ficar nervosa agora não adiantaria de nada.

    Prim saiu do banheiro com os cabelos molhados; mudamos o assunto imediatamente. Não sei se ela percebeu; não faria diferença mesmo.

    Deixei Annie tomar banho antes de mim, o que levou uns quinze minutos. Apaguei as luzes e fui em direção ao banheiro. Pude ficar revivendo os melhores momentos da festa na minha cabeça, antes que eles se tornassem mais nublados.

    Pensei no momento em que cheguei e encontrei Prim chapada, e em como fiquei furiosa e sem palavras. Lembrei também do momento em que pude participar de um grupo de amigas tão peculiar quanto aquele; de fato, não tínhamos quase nada em comum. E me lembrei do momento em que resolvi, talvez pelo efeito do álcool, esquecer de tudo e ficar com Peeta. Com álcool ou sem álcool, aquele era o meu desejo mais profundo.

    Infelizmente não poderia ficar relembrando por muito tempo; não sou o tipo de pessoa que acha legal ficar gastando tanta água durante o banho. Me sequei e coloquei meu pijama, para, logo em seguida, escovar os dentes. Meu corpo pedia por descanso. Caminhei com os pés descalços até o quarto; abri a porta silenciosamente e me joguei na cama. O silêncio reinou no quarto por alguns minutos, até Annie quebrá-lo com um sussurro:

 – Kat, ta acordada?

 – To sim, o que houve? - perguntei, curiosa.

 – Você não me disse porque estava sem camisa. - concluiu ela; podia imaginar o sorriso brotando em seu rosto.

    Prim se remexeu na cama.

 – Eu tenho quase certeza de que fiquei com o Peeta...

    Contei à Annie tudo o que aconteceu, desde o momento em que decidi não me preocupar com Prim, até o momento em que Cashmare chegou. Foi como se todos os pensamentos que tivessem presos dentro de mim ganhassem vida. A sensação de poder dizer tudo em voz alta era inigualável.

 – Essa garota deve ser uma manipuladora, isso sim. - comentou Annie. - Afinal, olha de quem ela é irmã.

 – Sei lá. Eu fiquei em dúvida, sabe? Conheço o Peeta há tanto tempo... Mas não estive presente durante anos decisivos da vida dele. Não tenho certeza se ele foi verdadeiro ou não. - expliquei, receosa.

— Sinceramente, o conselho que eu tenho para te dar é o mesmo que você me deu. - disse Annie, se virando na cama. - Agora vamos dormir, porque não quero chegar virada no colégio.

    O amanhecer bateu nos cumprimentou pela janela mais cedo do que eu esperava; não me liguei em checar as horas quando nós chegamos na noite anterior. Tapei os olhos com o braço; minha vista estava completamente pesada.

    Me forcei a levantar; acordei Annie logo em seguida. Nos arrumamos e descemos para o café da manhã. Meu pai parecia completamente feliz, assim como Effie.

 – Então, como foi a noite de vocês? - perguntou meu pai, curioso, enquanto sentava-se ao nosso lado.

 – Ah, foi bem divertida! - exclamou Annie, animando-se para contar tudo de relevante a meu pai.

    Eles ficaram conversando por um tempo, e meu pai fazia tentativas de descobrir o que eu fazia enquanto não estava com a Annie. Eles foram em direção à sala logo em seguida.

 – Parece que eles já são grandes amigos. - concluiu Effie, chegando perto de mim.

 – Pois é. - concordei, com uma gargalhada. - Eles têm se dado muito bem ultimamente.

 – Katniss... - disse Effie, após o assunto ter morrido. -, aconteceu alguma coisa com a Prim ontem? - perguntou, pousando a mão na sobrancelha direita.

 – Por que? - indaguei, receosa.

 – É que ela tava bem quieta hoje mais cedo. E é raro vê-la assim. Mesmo quando está irritada, ela não para de falar.

 – Ah, não foi nada demais... - respondi por fim, não parecendo tão convincente. -, só problemas com garotos. - completei, vendo que seria mais crível.

 – Entendo. - respondeu ela, parecendo que faltava algo para falar. - Katniss... - retomou ela. -, eu queria te pedir uma coisa, mas fico meio sem graça, sabe...

 – Pode me pedir Effie, sem problemas - interrompi-a, segurando sua mão.

 – Será que você pode tomar conta da Prim? - perguntou, rapidamente, abaixando o olhar.

 – Nossa, eu não esperava por...

 – Não precisa se comprometer nem nada. - interrompeu Effie, colocando os cabelos para trás da orelha. - Eu sei que você se sentiria responsável se me prometesse. Mas pode apenas tentar?

    Eu não sabia o que responder. Ao mesmo tempo que queria dizer que era uma missão impossível, queria poder também deixar Effie tranquila e feliz. Pensei um pouco, em como seria bom poder usar o artifício do pedido de Effie para ficar no pé de Prim.

 – Tudo bem... - disse, recebendo um grande abraço em seguida. -, mas não prometo nada. Você sabe como a Prim é né...

 – Sim, sim. Muito obrigada, Katniss.

     Aproveitei a abertura que Effie me deu para saber de algo que já me deixava curiosa havia um tempo.

 – Effie... - disse, em um tom de voz baixo. -, quem é o pai da Prim?

    Effie deixou um papel que segurava cair no chão.

 – Katniss, eu não posso entrar nesse mérito com você agora. - respondeu ela, simplesmente, após a ficha da pergunta ter caído.

 – Mas ele não pode ser tão ruim assim. Ele ta vivo? Ele te largou mesmo sabendo dela? O que houve? - Minhas perguntas foram feitas tão rápida a desesperadamente que Effie não pôde ter tempo nem para raciocinar.

 – Olha só... - começou ela, após recobrar os sentidos; ela não devia esperar esse tipo de pergunta vinda de mim. - A Prim já me fez essa pergunta mais de mil vezes, quando era criança, claro, e eu não pude respondê-la.

 – Mas você sabe que ela tem o direito de saber. - exclamei; estava completamente indignada. - Ela não pediu pra vir ao mundo, sabe? O mínimo que ela deveria saber é quem são seus pais.

 – Não é tão simples. - retrucou ela, com a voz um pouco alterada. - A decisão não foi só minha. Ela vai saber quem ele é quando fizer dezoito anos. - completou, se acalmando novamente; sua voz perdia forças aos poucos.

 – Mas Effie, muita coisa pode acontecer até ela completar dezoito... - observei, na esperança de convencê-la

    Meus pensamentos me levaram até a imagem de Prim pulando a janela, repleta de machucados, e a da garota chorando, quietamente, no quarto de uma casa em que rolava uma festa.

 – Katniss, eu sempre quis e sempre vou querer o melhor para a minha filha. - afirmou ela, deixando lágrimas correrem livremente pelo rosto. - Nós já passamos por muito perrengue juntas, mesmo que ela não se lembre, ou tente não lembrar... Essa decisão é para o bem dela.

    Tentei contestar novamente, mas Effie me interrompeu docemente, dizendo que acabaria se atrasando para o trabalho, me fazendo perceber que aconteceria o mesmo comigo. Peguei uma bolsa qualquer e puxei Annie pelo braço, em direção à saída; andava pela rua comendo o que restava do meu pão com queijo. Anotei mentalmente que diria à Annie o que conversei com Effie depois.

    A rua estava tranquila; as pessoas andavam de uma maneira bem calma, para um dia de semana. O caminho que fazíamos até o colégio levou metade do tempo.

    Era engraçado pensar que, algumas semanas antes, eu via o colégio de uma maneira completamente diferente; agora, andando com aquele pessoal, tinha novos costumes, novos lugares para onde ir e até mesmo para sentar.

    Chegamos atrasada para a aula de matemática; o professor não pareceu se importar muito, diferente dos alunos. Clove nos lançou um olhar para sentarmos ao lado dela e de Gale; mas o pessoal que me atraía se sentava no final da sala. Eram polos completamente opostos. Eu não tive tanto tempo para pensar, então Annie me puxou em direção a Clove e Gale.

     Mesmo tendo se passado um dia, eu ainda podia sentir os efeitos da festa se manifestando em meu corpo; minha mente estava completamente fora daquela sala de aula. Eu tinha ficado tanto tempo sem uma experiência como aquela, que meu cérebro queria achar uma maneira de reviver tudo. Não pude sentir de imediato um cutucão forte em meu braço.

 – Ei. - resmungou Clove, inclinando-se um pouco na cadeira, na intenção de ficar mais próxima de mim. - Não tem nada pra me dizer não? - perguntou, em baixo tom.

 – Oi, Clove. - disse, um pouco sem graça. - O que houve?

 – Como assim "o que houve"? - retrucou ela, adicionando um pouco de impaciência na voz. - Vocês duas simplesmente marcam de ir pra um festa e não me chamam! - explicou ela, deixando um tom mais melancólico transbordar.

 – Como... como você ficou sabendo? - perguntei, temendo que alguma coisa íntima tivesse sido exposta.

    Ela disfarçou e olhou para o quadro por uns segundos.

 – Simplesmente um monte de gente postou snap de lá. - continuou ela, quase num sussurro. - E por acaso você e Annie apareceram. Poxa, o que ta acontecendo? O que eu fiz a vocês? Podem me falar, eu...

    Naquele momento senti uma culpa absurda me corroer. Eu tentava freneticamente me responder aquela pergunta; eu me enganava dizendo que larguei a Clove porque ela não gostava de ter a Prim por perto, algo que era inevitável. Mas será que ela não deixaria de implicar com Prim, somente para estar ao nosso lado?

    Eu queria que tudo voltasse ao normal com a Clove.

 – Clove, eu...

 – Será que as duas gostariam de conversar lá fora? Pelo menos não atrapalham aqueles que querem aprender. - interrompeu-nos o professor, num tom completamente rígido, enquanto apontava para a porta.

 – Não, professor, nos desculpe. - disse Clove, prontamente. - Não vai se repetir. Afinal, não temos mais nada para conversar mesmo. - Ela disse a última frase num tom de voz completamente baixo, acreditando que só ela fosse escutar.

    Após assistir a algumas aulas do dia, finalmente me senti livre ao soar do sino que indicava o horário de intervalo. Adentrei o refeitório ao lado de Annie, esticando o pescoço, à procura de meus amigos; pude ver Clove e Gale sentados na mesa em que costumávamos nos juntar. Ambos demonstravam um certo peso no olhar. Olhando mais um pouco para a direita pude ver Madge conversando com Cato; apenas naquele momento pude me tocar que ele não havia aparecido para a festa. Os dois pareciam estar discutindo algo sério, mas tomavam cuidado para não transparecer. Madge nos avistou e sinalizou para que nos juntássemos a eles.

 – Kat... - Annie me segurou pelo braço, antes de alcançarmos a mesa. - Você não acha meio errado isso? - perguntou, receosa.

    Annie costumava puxar assunto de maneiras aleatórias.

 – O que é errado? - perguntei, sem entender muito bem sobre o que ela queria falar.

 – Abandonar a Clove. - respondeu Annie, corando em seguida; ela pousou a mão no pescoço e olhou para o local em que Clove se encontrava

 – Annie, eu... - tentei achar alguma explicação para aquilo; eu mesma não sabia o motivo de termos nos afastado. -, eu acho que foi a Clove quem quis se afastar.

 – Mas Katniss, ela ficou magoada por não termos chamado ela pra festa. - observou Annie, me encarando, como se ela já quisesse falar aquilo há muito tempo. - Ela se importa! Fomos nós que nos esquecemos.

    Eu sabia que ela estava certa, mas algo dentro de mim começou a ter uma implicância com a Clove; esse "algo" despertou quando passei a conviver com Prim e perceber que Clove já havia feito mal a ela.

 – Vamos conversar com ela.

    Eu mordia os lábios, absorta em meus pensamentos. Por que isso está acontecendo?

    Desviamos nosso caminho, deixando uma Madge com uma cara meio perplexa; com certeza ela nos perguntaria o que houve depois. Olhei para nossa antiga mesa, mas Clove já não estava mais lá. Annie e eu andamos as pressas pelos corredores vazios do colégio; não havia nenhum sinal dela por lá. Pensamos em procurá-la em algum dos banheiros; o mais isolado era aquele que a gente sempre ia.

    Abri a porta sorrateiramente; ela não estava lá. Apoiei as mãos na pia e me olhei no espelho, decepcionada comigo mesma.

 – Não fica assim... - disse Annie, segurando meu braço carinhosamente. - A gente vai resolver isso.

 – Eu sei, é só que...

    Fui interrompida por um barulho muito silencioso, mas completamente perturbador; alguém estava chorando.

 – Ei, quem ta aí? - perguntei, preocupada, me abaixando para tentar ver os pés de quem estava no boxe.

 – Para, Kat. - reclamou Annie, me levantando. - Deixa a garota em paz.

 – Ué, quero saber quem é. - disse, em baixo tom. - Vai que ta precisando de ajuda... - completei, ao ver a expressão de perplexidade no rosto de Annie.

 – A gente devia sair daqui... - insistiu Annie. -, ela pode querer ficar sozinha, Kat...

    O choro cessou ao perceber que nós estávamos lá; alguns segundos se passaram e a porta que encarávamos foi aberta. Uma pessoa branca, com sardas no nariz e cabelos pretos nos surpreendeu, interrompendo nossa pequena discussão. Era Clove.

 – Oi, gente... - sussurrou Clove, timidamente, passando direto para lavar as mãos na pia.

    Sua aparência estava diferente da de minutos atrás, quando a vimos sentada com Gale; seus olhos estavam inchados e seus cabelos lisos se encontravam presos num  coque desleixado. Ela abaixou o rosto rapidamente, percebendo que a observávamos pelo espelho.

 – Oi... - replicou Annie, tentando disfarçar o olhar de desconfiança que lançava à ela.

 – O que estão fazendo aqui? - perguntou ela, enxugando as mãos, visivelmente tentando tirar o foco dela.

 – Nós... eu... - Annie estava boquiaberta; não sei se ela não encontrava palavras para se expressar ou se simplesmente havia se esquecido porque estava ali.

    Eu a entendia, não era algo comum ver a Clove daquele jeito; ela sempre era animada e extrovertida. Um nó se formou na ponta do meu estômago. Me lembrei de um dia em particular; na época eu estava me isolando de todos por causa da minha mãe. O nascer do sol me trazia uma vontade absurda de ficar em casa, apenas deitada, perdida em meus pensamentos. Ela insistiu, tocando a campainha por decorridos doze minutos.

 – Vá embora. - disse a ela, após ter aberto a porta com uma cara amarrada.

 – Não vou. - exclamou ela, forçando sua entrada. - Hoje separei uns filmes pra gente assistir. Ah, também trouxe um pote de sorvete e pipoca de micro ondas. - continuou animada, enquanto tirava os objetos citados de sua mochila, de uma forma bem desajeitada. - Viu só? Não tem como fugir.

    A Clove mudou completamente o meu dia; ela me presenteou com sua energia positiva, algo que ninguém mais conseguiu. Uma semana depois voltei para o colégio, por pura insistência de meu pai.

 – Nossa Kat, por que você sumiu? - perguntou Gale, me abraçando.

 – Ah, tava me sentindo mal. - respondi, sentindo uma ardência nos olhos. - Enfim, cadê a Clove?

 – Ué, você não soube?

 – O que houve?

 – Lembra do cachorrinho dela? - perguntou ele, jogando a cabeça para a direita, no intuito de ajeitar o cabelo; parece que o ato virou moda na época, por causa da ascensão de um garoto de quatorze anos.

 – Lembro, o floquinho. - respondi, impaciente, achando que Gale estava me enrolando.

 – Ele fugiu na semana passada. - informou ele, assumindo uma expressão séria. - Ela tem chorado todos os dias, mas ninguém vê. Da pra perceber, sabe... Ela tem chegado na sala de aula com os olhos vermelhos.

  Clove era aquele tipo de garota; ela preferia fazer seus amigos felizes, mesmo que isso significasse que teria que esconder sua dor.

 – Nós estávamos te procurando. - expliquei, voltando para a realidade; ela ainda não tinha virado em nossa direção.

 – Ah... - murmurou ela, pensativa. - Por acaso vieram me comunicar de mais uma festa que não vão me chamar? - ela deu meia volta e nos encarou firmemente; os olhos ainda estavam meio vermelhos. - Ou será que querem me chamar para uma tarde de estudos? Ou seria um passeio no parque?

 – Clove, não é isso. A gente não ta te excluindo nem nada. É só que... - Minha voz falhou ao chegar no final do meu raciocínio.

 – É só que agora vocês acharam pessoas mais legais do que eu, né? - supôs ela, com um grito; as lágrimas pareciam brotar em seus olhos novamente.

 – Claro que não. - afirmou Annie, despertando de seu transe. - A gente não pode te contar porque não é uma coisa nossa.

 – Tudo bem. Quando tiverem mais desculpas esfarrapadas para me contar, sabem onde me encontrar. - esbravejou, saindo pela porta do banheiro.

 – Katniss... - disse Annie, segundos apóa a saída de Clove. -, a gente tem que concertar isso.

 – O que será que ta acontecendo? - perguntei, mesmo sabendo que não teria uma resposta.

 – Nada bom, né. - concluiu ela, pensativa.

    Nós não éramos realmente ótimas em dedução; acho que já deve ter dado para perceber.

 – Vou chamar ela pra dormir lá em casa hoje. - sugeri, animada, achando que poderíamos resolver qualquer que fosse o problema da Clove com uma noite de conversa.

 – Ótima ideia. - concordou Annie. - Na verdade, eu já ia te pedir pra dormir lá de novo. Só vou lá em casa buscar roupa nova e...

 – Que gracinha, você mora lá em casa agora né. - interrompi-a aos risos.

     Ela abaixou a cabeça, corando de leve.

 – Quem me dera morar lá. - comentou, assumindo ar de felicidade. - Já pensou, se eu tivesse no lugar da Prim.

    Saímos do banheiro e nos deparamos com mais corredores vazios. Já havíamos perdido bastante tempo à procura de Clove e provavelmente as aulas já teriam começado; estava tão absorta em pensamentos que não recorri ao celular para checar as horas. A minha vontade era de largar tudo e passar mais um dia incrível com Annie, Peeta e Finnick; mas me lembrei que não estava tão segura em relação ao Peeta.

 – Annie... - criei coragem para falar, após termos constatado que não poderíamos assistir à aula. -, quer ir pra casa?

    Ela me olhou de cima em baixo, demonstrando pura indignação.

 – Como você se atreve a falar comigo depois de ter me feito perder mais uma aula?

 – A  culpa não foi só minha. Você que tinha que ter controlado o horário. - retruquei, tentando não soar agressiva, afinal, não estava ligando tanto para aquilo.

 – Enfim, você ta doida? - perguntou ela, mudando completamente o tom de voz. - Lembra que a gente tem que esperar pra chamar a Clove pra ir lá pra casa conversar? - lembrou ela.

    A ideia de chamar Clove para uma intervenção fez com que uma lâmpada se acendesse em minha cabeça.

 – Prim. - exclamei alto demais.

 – O que tem ela? - perguntou, abafando o rosto com as mãos.

 – Íamos conversar com ela hoje, lembra?

    Havíamos combinado com Johanna na festa que conversaríamos juntas para saber o que estava acontecendo com a Prim. Por isso que Madge havia me olhado de uma maneira diferente; talvez estivesse querendo combinar quando e como falaríamos com ela. Eu não havia a visto o dia inteiro.

 – Ai, é mesmo. - replicou Annie, suspirando pesado. - Vou ligar para a Johanna. Será que daria certo se o pessoal fosse pra sua casa também? - sugeriu, meio receosa com a própria pergunta.

    A ideia poderia não ser tão boa, mas era a única opção que teríamos se quiséssemos resolver tudo logo.

 – Pode ser. Vou mandar mensagem para Johanna, e ela fala com o pessoal.

    Annie e eu decidimos esperar pela saída dos outros na quadra do colégio; não estava tendo treino, então seria o lugar mais tranquilo possível. Havia uma bola de basquete preta solitária no meio da quadra. Eu jogava bastante com meu pai quando era mais nova; minha mãe costumava filmar tudo e eu delirava assistindo novamente cada lance gravado em uma fita VHS.

     Larguei minha mochila na arquibancada e fui em direção à bola; Annie me acompanhou instintivamente.

 – Lembra, Kat, que eu acabava contigo nas olimpíadas? - perguntou Annie, alegremente, enquanto sinalizava para que eu passasse a bola.

 – Que? Eu sempre ganhava. - lembrei-a, entre risos, enquanto esquivava dela e jogava a bola em direção à cesta; fiz 2 pontos.

 – Eu sei. - concordou ela, chocada com a bola que pairava no lado do campo dela. - É que não custa sonhar né.

    Eu sorri.

 – Você sabe que sempre estará no meu time quando tiver escolhendo.

 – Ah, você sabe que sou um desastre nisso. - resmungou ela, ao jogar a bola em direção a cesta e vê-la passando direto por cima do aro.

 – Talvez você melhore quando começar a sair com o capitão do time. - brinquei, enquanto roubava novamente a bola dela.

 – Ah, para com isso, Kat. - resmungou, sentando-se imediatamente no chão da quadra; ela cruzou os braços e ficou com um bico enorme.

 – Parar com o que? De tirar a bola de você ou falar do Finnick?

 – Eu não sei! - gritou ela, se levantando e correndo furiosamente até mim.

     Não precisei pensar muito para sair correndo na direção contrária. Ela me alcançava a cada curva que a gente dava na quadra, gritando meu nome constantemente.

 – Para, chega. - me rendi, soltando a bola, enquanto respirava pesadamente.

 – Acho bom mesmo. - disse ela, ofegante, enquanto se abaixava para pegar a bola. - As vezes você me cansa, sabia?

 – É uma honra. - disse, me jogando no chão, tentando desacelerar meu ritmo.

     Esperamos mais um pouco, até o sino soar e os corredores se invadirem de vozes. Montamos guarda em frente a porta da sala em que Clove estava tendo aula; ela não poderia escapar. Avistamos a morena passando com alguns livros na mão, com a cabeça abaixada.

 – Ei, Clove! - chamei-a, indo em sua direção; ela fingiu não me ver. - Clove. - corri, para alcançar seu braço.

 – Me larga. Não quero falar com você. - esbravejou ela, sem ao menos olhar nos meus olhos.

 – Para de criancice, Clove. - pediu Annie, ao nos alcançar.

    Ela soltou seu braço de minha mão e olhou para nós.

 – O que vocês querem?

 – Quero te chamar pra dormir lá em casa hoje. - afirmei, aliviada por ter conseguido sua atenção.

 – Pra que? Pras duas me largarem e ficarem sussurrando coisas que não posso saber? - debochou ela, cruzando os braços e jogando os cabelos para trás. - Não, obrigada.

 – Espera... - gritei, corando logo em seguida, ao perceber que outras pessoas no corredor olharam para mim. - A gente não vai fazer isso, prometo.

    Ela mordeu os lábios, olhando primeiro para Annie e depois para mim; ela sentia nossa falta, tava estampada na cara dela.

 – Tudo bem, eu vou. - respondeu, por fim; sua expressão era de pura insegurança.

    Dei um suspiro de alívio e puxei-a para um abraço.

 – Nunca quis te magoar... - sussurrei em seu ouvido. -, sabe disso, né?

     Ela assentiu e se afastou, enxugando os olhos de leve. Annie não conseguia esconder o sorriso enorme que se formava em seu rosto.

 – Eu só vou ter que passar em casa, minha mãe precisa de mim pra resolver umas coisas... - comentou ela, tirando o celular do bolso e começou a teclar rapidamente.

 – Sua irmã não pode ajudar? - perguntou Annie.

    A respiração de Clove parou por um segundo, e depois voltou ao ritmo normal.

 – Ah, ela anda mais ocupada ainda. - respondeu Clove, quase num sussurro. - Mas posso ligar pra minha mãe. Talvez a gente possa fazer isso outro dia. - completou, se apressando em direção do banheiro.

    Annie deu um gritinho e me abraçou.

 – Sabia que a gente conseguia.

    Fomos em direção à saída, onde encontraríamos Johanna e ficaríamos sabendo se Clove iria dormir na minha casa naquele dia. Era mais tranquilo andar pelos corredores quando se esperava passar um tempo após o soar do intervalo. Senti algo vibrar no meu bolso, seguido pelo som de "Seasons of the Witch".

 – E ai, Johanna. - disse, atendendo o telefone; Annie tentou colocar a orelha mais próxima, para que pudesse ouvir também; coloquei no viva voz. - Você ta no viva voz, cuidado com o que vai falar...

 – Putz, a Annie ta ouvindo? - perguntou ela, debochadamente. - Logo agora que eu ia falar mal dela. - completou com um tom de decepção.

 – Sua idiota. - gritou Annie, para meu celular, porém, ela estava rindo.

 – Enfim, a gente veio direto pra sua casa. - continuou ela; ouvia-se algumas vozes ao fundo. - Tamo esperando aqui. Já toquei a campainha, gritei, bati na porta, e nada...

 – Acho que a Prim não ta aqui. - gritou Glimmer, rindo em seguida.

 – Ela já ta bebendo? - perguntei, já sabendo a resposta.

 – Mas ela a acabou de sair do colégio. - exclamou Annie, perplexa. - Não daria tempo de...

 – Ela começou antes das aulas, no caso. - esbravejou Johanna; um baque surdo foi ouvido, seguido pelo gemido da Glimmer.

 – Estamos te esperando. Tchau. - finalizou Johanna, desligando o telefone sem ao menos esperar minha resposta.

    Durante a conversa pude perceber que ela soava um pouco nervosa; não pude ignorar também os cochichos que ouvia ao fundo.

 – Estranho... - murmurou Annie. -, será que aconteceu alguma coisa?

 – Não sei. Só sei que agora vamos ter que esperar pela Clove. - lembrei, me sentando no banco que ficava perto da catraca da saída.

    Annie mandou mensagem para a Clove, lembrando-a de que estávamos esperando a confirmação dela; pareceram quinze infinitos minutos, pelo menos por volta disso.

 – Ela vem. - exclamou Annie, levantando-se. - Ela disse que já vem pra cá.

 – Tomara que não fique um clima estranho. - comentei, enquanto me levantava para esperar; não era uma das pessoas mais pacientes.

 – Você acha melhor a gente avisar antes pra Clove que o pessoal vai estar lá? - perguntou Annie, abrindo um pirulito que havia puxado de algum bolso da mochila.

 – Acho que talvez vá ser melhor falar quando já tivermos chegando. Assim não tem como ela desistir.

    A ideia de estar fazendo o que era certo me animava. Eu havia quase me esquecido de todos os momentos bons que havia vivido com a Clove; excluí ela de minha vida temporariamente a troco de nada. Não importava mais se Clove não gostava de Prim; ela era minha amiga antes de tudo, e eu não a abandonaria assim.

    Annie parecia mais animada ainda; ela disse que deixaria para buscar as roupas em casa depois. Usaria uma roupa minha apenas para passar o tempo; nós vestíamos basicamente o mesmo tamanho de roupas; a exceção era o sapato, eu calçava 38 e Annie 36.

    Clove encontrou a gente um pouco depois de ter mandado a mensagem; quando lhe perguntamos o que estava fazendo, ela apenas respondeu que não era nada demais. Caminhamos pela rua que levava até minha casa como nos velhos tempos; o único problema era que o desconforto de Clove era nítido. Minha mente pairava sobre o que conversaria com Clove; não queria começar uma conversa em que ela poderia se sentir mal, ou pior, não queria conversar uma conversa em que eu mesma perceberia que era uma péssima amiga.

 – Ah, esqueci de avisar. - exclamei, repentinamente, fazendo com que as duas parassem para me encarar.

 – O que? - perguntou Annie; sim, ela tinha essas momentos Luna Lovegood as vezes.

 – O pessoal que tem andando com a gente vai lá pra casa também. - expliquei, tentando soar o mais natural possível.

    Achei que por um momento Clove ia me olhar de cara feia e dar meia volta, mas não foi o que aconteceu.

 – Porra, Katniss... - gritou ela, colocando os cabelos para trás da orelha; seu rosto corou fortemente.

    Fodeu, pensei.

 – Como você só me avisa em cima da hora que o Cato vai estar lá?

    Precisei de uns segundos para me recompor; já estava preparada para uma cena horrível. Meus pensamentos beiravam entre a Clove tendo um ataque e entre a Clove me batendo até que fosse necessário uma ambulância para me carregar. Nunca iria imaginar que o mais importante para a Clove seria a atração que ela sentia pelo Cato, ao invés do ódio gratuito que ela sentia por todos aqueles que andavam com ele.

 – Você não ta chateada? - perguntou Annie, que me olhava boquiaberta.

 – Claro que to. Olha pro meu estado. - esbravejou ela, fazendo questão de mostrar as roupas largas que usava; ela soltou os cabelos, que estavam presos por uma xuxinha, num movimento ágil.

 – A Annie quer saber se você não está chateada por ter que ficar com o pessoal que você não gosta.

    Arrisquei falar algo que queria, colocando a culpa na Annie, óbvio.

 – Eu não quis dizer isso...

 – Claro que não. Eu nem os conheço, Kat. - disse ela, sorridente.

    Senti um aperto enorme no coração; o meu maior receio era Clove não querer ficar com eles. Achava que ela estava odiando Annie e eu apenas por estarmos andando com aquele pessoal. Não, ela estava odiando a gente porque abandonamos ela, conclui.

 – Eu até acho a Johanna legal, sabe? - comentou, parecendo uma pessoa completamente diferente da que vimos de manhã. - Você não se lembra, Kat? Daquele dia que você ficou brigando com Prim, e eu e Johanna ficamos sozinhas conversando?

 – Ah sim... - respondi, sem graça por ter esquecido de algo tão importante. -, não me lembrava.

 – Eles vão adorar você, Clove. - disse Annie, passando um braço por cima de seus ombros.

    E com o sorriso e a insegurança estampados na cara de Clove, seguimos em frente. Tudo parecia mais leve, sentia até que a conversa séria, que antes fora planejada, talvez nem seria mais necessária.

    Nos deparamos com vários jovens sentados no meio fio que dava de frente para minha casa; os vizinhos provavelmente ficaram um pouco assustados com aquela muvuca, até porque não se via muita aglomeração de jovens pelas redondezas.

 – Ei, Kat. - gritou Johanna. - Abre logo essa porra pra gente. - completou, enquanto se levantava e corria até a gente.

 – Você manda em mim agora? - retruquei, divertidamente.

 – E ai, Clove. - disse Johanna, dando-lhe um abraço, visivelmente me ignorando.

 – Ei. - resmungou Clove, ao levar um soquinho no braço; Johanna era assim: te dava um abraço e depois um soco.

 – Ei. - gritou Glimmer, do outro lado da rua; ela tropeçou nos próprios pés e foi segurada por Marvel.

 – Então... - começou Johanna. -, se você não abrir a porta de sua casa agora, vamos acabar tendo um grave acidente.

    Não foi possível nem mais um minuto para perceber que a situação de Glimmer não estava boa. Ela tentava a todo custo beijar Marvel, que ficou visivelmente constrangido com a situação; ele desviava freneticamente de suas investidas, e parecia bem chateado com a situação.

    Atravessamos a rua com um certo descuidado; afinal, não era um local movimentado ou perigoso. Annie olhava horrorizada para mim; ela provavelmente estaria se perguntando onde iríamos parar se continuássemos amigas deles.

    Tirei a chave da mochila e abri a porta da frente rapidamente; os malucos faziam uma zona atrás de mim. Fechei a porta quando vi que todos estavam sãs e salvos lá dentro.

 – Calem a boca. - pedi, injuriada com aquele falatório.

 – Kat... - disse Glimmer, me abraçando. -, posso usar seu quarto pra trepar?

 – Que? - perguntei, chocada. - Ta doida, garota?

 – Trepar com quem, exatamente? - perguntou Madge, desconfiada.

    Ela riu loucamente; Marvel olhou para o chão, usando os pés para brincar com uma bolinha que havia achado há pouco.

 – Glimm, cala a boquinha, cala. - pediu Madge, encostando a cabeça dela em seu ombro.

 – Posso escolher o que vou colocar na boca pra calar ela? - sugeriu, maliciosa.

 – Não, não pode. - disse Madge, mexendo nas têmporas com a mão direita.

 – Oi, Clove... - disse Glimmer, se desvencilhando de Madge. -, é Clove, não é?

 – Sim, sou eu...

    De repente seus olhos se cruzaram com os de Cato; ela corou fortemente e olhou para outro cômodo da casa.

 – Quem foi a maluca que te trouxe pra andar com a gente? - perguntou Finnick. - Sabe que vai perder sua sanidade mental aqui, né? - completou, ao perceber que ela havia ficado constrangida.

 – Pra que sanidade mental quando existe sexo? - disse Glimmer.

    Johanna soltou um longo suspiro e a empurrou até o sofá.

 – Só a Prim me entende. - resmungou Glimmer, com uma lágrima escorrendo pelo olho esquerdo.

 –Enfim... - Finnick se jogou no sofá, ao lado de Glimmer; a garota riu débilmente e deitou no colo dele. -, o que tem de bom pra fazer aqui, Kat?

 – Seria bom vocês explicarem o que aconteceu hoje. - sugeriu Annie; ela mantinha os olhos fixos em Peeta, que estava quieto desde o momento.

 – Ah foi uma briguinha boba. - respondeu Finnick, indiferente.

 – Nenhuma briga é boba... - repreendeu-o Annie.

 – Eu tive um pequeno desentendimento com o Gale e todo mundo viu. - respondeu Peeta, sentando-se no braço do sofá.

    Eu, Annie e Clove nos entreolhamos. Gale não costumava se meter em brigas, muito menos publicamente.

 – Eu soube que foi uma briga bem feia. - comentou Clove.

 – Talvez tenha sido. - retrucou Peeta, se pondo de pé novamente. - Mas já está tudo resolvido.

    Ele caminhou rapidamente até a cozinha e ficou sentado por lá. Johanna gesticulou com a mão para deixarmos para lá. Annie continuava com o olhar perdido, algo que ela costuma fazer quando pensa muito em determinado assunto.

 – Enfim, nós viemos aqui por um motivo, né. - disse Johanna, puxando Glimmer do sofá. - Acho melhor subirmos para planejar nossa intervenção.

 – Que intervenção? - perguntou Glimmer, enquanto tirava o cabelo do rosto.

 – Que intervenção? - perguntou Clove confusa.

    Olhares foram trocados; todos sabiam da rixa existente entre a Clove e a Prim. Madge abriu a boca, como se procurasse palavras para quebrar o clima estranho que havia se instalado. Todos sabiam que o assunto da Prim era delicado, e não podia ser exposto para alguém tão distante da vida dela.

 – Lá em cima falamos sobre isso. - disse eu, empurrando a primeira pessoa que vi para a escada; essa pessoa foi o Marvel.

    Todos iam subindo apressadamente; Annie ia na frente com Clove, seguidas por uma Glimmer chapada e uma Johanna irritada. Eu esperei todos saírem com calma, e segurei Madge pelo braço.

 – O que foi? - Ela puxou o braço rapidamente, parecendo assustada com o movimento.

 – Me desculpe. - disse sem graça, tocando em seu ombro levemente.

 – Relaxa, só me assustei. - completou ela, rapidamente.

    Madge tinha um olhar apressado, mas ao mesmo tempo cansado; ela lançava olhares constantes em direção à escada enquanto conversávamos.

 – Bom, eu ia dizer que não me sinto segura falar com a Clove sobre a Prim. - disse rapidamente, como se não quisesse entender o efeito que aquelas palavras causariam em mim mesma.

    Houveram uns minutos de silêncio até Madge processar.

 – Eu também não. Não me parece certo. - Sua resposta me aliviou. - Parece que a gente vai espalhar um segredo da Prim que nem ela mesma sabe que a gente sabe. Entende?

    Mesmo com sua expressão de confusão eu pude entender. Nós nem sabíamos o que estava acontecendo; não tinha cabimento colocar um monte de idéia errada na cabeça da Clove, sem ao menos saber o que ela faria com essas informações.

    Eu apenas assenti com a cabeça. Em seguida nós decidimos nos juntar aos outros. Minhas pernas pesavam mais a cada degrau que subíamos. Eu só queria chegar no meu quarto e me jogar na cama da maneira mais desleixada possível; não foi isso o que aconteceu.

 – Por acaso vocês estavam se pegando lá em baixo? - perguntou Glimmer. - Porque se estivessem teria sido muito vacilo não me chamar... - Sua boca foi brutalmente tapada pela mão da Johanna.

 – Glimm, eu não me voluntariei pra ser babá hoje não, ta.

    Eu pude dar uma olhada ampla para o quarto. Glimmer estava jogada na minha cama, ao lado de Johanna; Clove e Finnick dividiam o chão; Annie estava parada perto da janela; Peeta e Cato estavam deitados de cabeça para baixo na cama da Prim, provavelmente fazendo algum tipo de aposta. Marvel estava no chão, encostado em minha cama, segurando a mão de Glimmer.

 – Ahhh, desisto. - gritou Cato, levantando-se abruptamente; seu rosto estava completamente vermelho. Digamos que levar todo o sangue para a cabeça não é uma ideia tão genial.

 – Ganhei. - gritou Peeta, dando um tapa nas costas de Cato após ter se levantado. - Depois a gente combina a forma de pagamento.

 – Pra que isso? Você sabe que já sou todo seu. - disse Cato, num tom dramático.

 – Sério que vocês estão me excluindo? - perguntou Finnick, indignado; foi a primeira vez naquele dia que ele agiu como o Finnick que conhecíamos.

— Gente, nós viemos aqui pra outra coisa, né? - interveio Johanna.

 – Quem quer pipoca? - perguntou Annie, dando um salto.

    Johanna me olhou boquiaberta; eu apenas dei de ombros.

 – Posso fazer com você? - perguntou Clove, animada.

 – Claro que sim. - respondeu Annie em mesmo tom.

    Um sorriso brotou em meu rosto instantaneamente. Era como se tudo fosse voltar ao normal. Nossa amizade não havia mudado.

 – Cato... - chamou Madge. -, será que você pode vir aqui rapidinho?

    Ele assentiu e a seguiu até o corredor; os dois haviam trocado olhares estranhos. Clove pareceu bem decepcionada, mas não deixou sua animação ir embora. Foi naquele momento em que eu tive que aceitar que houve uma grande dispersão no plano.

 – Eles tão se pegando? - perguntou Glimmer enquanto se levantava da cama.

     No final das contas as meninas desceram para fazer pipoca; Madge e Cato demoraram um pouco para voltar, mas nada muito preocupante. Cada minuto que passava me agoniava mais, principalmente porque eu esperava que a Prim chegasse pela porta a qualquer momento. Não sei o que me deixava mais preocupada: a chegada dela ou o seu sumiço.

   O tédio havia tomado conta do espaço em poucos minutos. Pude pegar um momento em que Glimmer olhou para Marvel, que olhou para Peeta, que olhou para Finnick, que olhou para mim, que comecei a rir, sendo acompanhada pelos outros; nós estávamos ficando malucos, definitivamente.

 – Por que vocês estão rindo? - perguntou Annie, parada à porta do quarto.

    Clove segurava uma bacia enorme de pipoca, aparentemente queimada.

 – Foi a Annie que fez. - ela disse rapidamente quando percebeu os olhares de indignação que eram lançados na direção da bacia.

 – É mais difícil do que parece, eu juro. - explicou-se Annie, corando um pouco.

 – Annie, meu amor, como que você queima uma pipoca de micro ondas? - perguntei, abismada.

 – Ai, gente, eu não sei. - reclamou ela, entregando a bacia na mão de Clove. - Só aconteceu. - Completou, se jogando na cama.

    Nós resolvemos ignorar a pipoca queimada e partir direto pra resolução do assunto.

 – Gente, se vocês quiserem eu posso ir embora. - comentou Clove, percebendo o clima estranho que havia se formado.

 – Não precisa. - disse Cato, quase de imediato; os dois coraram levemente.

 – Ah, eu gosto da Clove. - murmurou Glimmer, ainda alterada pelo álcool, ou seja lá o que ela havia ingerido. - Por que ela não pode saber que a Prim ta dando por dinheiro?

 – Porra, Glimmer. - gritou Madge.

 – O que foi? - perguntou ela inocentemente. - Ai, não era pra falar.

 – Sinceramente, Glimm... - comentou Marvel, aparentemente cansado daquilo.

    Eu poderia fazer um show, dizendo que o que a Glimmer sugeriu era uma brincadeira; não estaria mentindo de fato, até porque não sabíamos se era verdade.

 – Gente, eu... - Clove tentou começar, após o choque ter passado. -, eu não vou contar, mesmo.

 – Sério mesmo? - perguntou Finnick, passando as mãos pelo cabelo.

 – Eu não gosto dessa garota. - explicou Clove, se sentando na cama. - Da Prim... - completou, ao perceber o estranhamento dos outros com a expressão "essa garota".

 – Nós sabemos. - disse Peeta, rispidamente.

 – Mas isso não me da o direito de acabar com a vida dela assim não. - acrescentou, antes mesmo que alguém pudesse colocar outro assunto em pauta. - E, mesmo que me desse, eu não faria. Não sou assim.

    Todo meu receio em relação à Clove sumiu naquele momento; era como se eu tivesse adquirido uma birra instantânea por ela quando descobri uma preocupação pela Prim.

 – Bom, acabei resolvendo nossos problemas, né. - exclamou Glimmer, extremamente feliz.

 – Bom, nós não sabemos o que está acontecendo, não é? - nos lembrou Cato.

 – Clove, na verdade a gente convocou essa reunião justamente pra saber o que ta acontecendo com a Prim. - completou Johanna, abraçando-a.

 – Mas ela não está nem aqui. - observou Clove.

    Realmente, minhas amigas eram brilhantes.

 – Gente, a Prim não ta aqui. - exclamou Glimmer, num enorme tom de surpresa. - Fodeu.

 – Bom, ta cedo né. - comentou Cato. - Se a gente for num puteiro qualquer não vai achar ela. Se bem que seria legal procurarmos ela  no Flame, né Madge?

    Madge perdeu o ar.

 – Por que ta perguntando isso pra mim?

 – Por que? Nós somos amigos né. Devíamos pensar em algo pra ajudar.

 – Então usa sua cabecinha de cima e para de me encher.

 – Até porque a de baixo você já conhece, né.

 – Vai se foder, garoto.

    A voz de Cato soava mais ríspida do que antes. Madge havia se levantado e começado a segurar o choro; todos os outros ficaram confusos diante daquilo tudo. Annie me olhava com seu típico olhar de "não sei que porra ta acontecendo aqui".

 – Gente, pra que isso? - perguntou Johanna, indo apoiar Madge.

 – Conta, Madge, pra que isso? - berrou Cato. - Talvez seja mais fácil você explicar pra eles.

 – Eu não tenho que explicar porra nenhuma pra ninguém. - Ela se livrou bruscamente dos braços da Johanna.

 – A gente só quer ajudar a Prim. Ela não tem que trepar com um monte de filho da puta se ela tem a gente. - completou ele, suavizando a voz.

 – Ajudem ela então. Eu não tenho nada a ver com isso. - berrou ela, saindo rapidamente do quarto.

    Cato foi atrás dela. Meu instinto fez com que meus pés ameaçassem avançar, mas fui impedida rapidamente por Johanna.

 – Deixa eles se resolverem. Até porque acho que ninguém aqui entendeu o que aconteceu.

    Ninguém havia entendido; não tinha como achar nexo naquela conversa. Só pude absorver que Cato insinuou alguma coisa para Madge, algo que apenas os dois sabiam; ela ficou chateada e saiu.

 – Acho que não temos só o problema da Prim então. - disse Clove, se deitando no chão.

    Só nos restava esperar.


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