Destinados escrita por Tsuki Dias


Capítulo 4
3 - Sem Tempo




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Os guardas barraram o pequeno grupo no centro do salão de entrada, apontando-lhes lanças e armas de fogo como se os três fossem assassinos perigosos. Grandes ladrilhos bicolores formavam padrões espirais no chão enquanto as paredes e colunas cor de gesso eram adornadas por detalhes de ouro envelhecido e madeira. Portas amplamente espaçadas os levavam para ambientes majestosos e salões temáticos, enquanto as grandes escadarias de mármore se erguiam imponentes ao fim do cômodo, conduzindo para outros locais acima de suas cabeças.

A intenção de Damon era chegar a Dante sem precisar de brutalidades, mas aqueles capachos ignorantes estavam realmente tirando-o do sério. E dado o tempo que não matava ninguém, quebrar o jejum seria realmente libertador.

– O que faremos? – Leo perguntou alarmado, abraçando Lissa com força. – Devemos...

– Não faça nada. – ele avisou sério, logo depois se virando para um dos guardas. – Solicito uma audiência com Dante!

– Como se atreve? – o chefe da guarda refugou, cuspindo as palavras com asco. – Vocês invadem a morada do Imperador e ainda têm a arrogância de falar assim sob seu teto? Quem você pensa que é?

– Alguém com quem você não pode lidar. – avisou sério, deixando sua raiva fluir.

– Deixem que venha. – uma voz potente ecoou pelo castelo como uma trovoada, paralisando todos em seus lugares. – o conheço de tempos felizes. Não é mesmo, genro?

Uma sombra arcada surgiu do topo das escadas, parecendo fazer um esforço imensurável somente por se manter em pé. Dante não era mais a força arrasadora que unificou o Império de outrora. Agora ele era um senhor, alto e forte verdade, mas cansado. Exibia as cicatrizes de batalha e as marcas da idade com pesar, com seus cabelos cinzentos e suas costas curvadas, que levavam o peso daquele mundo sem poder passa-lo para seu legítimo herdeiro. Os olhos vermelhos, que lhe deram o codinome de Demônio, olhavam-no sem vida e sem forças. Estava velho, exaurido e sem esperança. Sustentar aquele reino por todos aqueles anos a mais o estava matando.

– Faz muito tempo, sogro. – Damon se aproximou da figura apática e tocou-o no ombro com força, mostrando a ele que aquele gesto era real e o que via em sua frente não era uma alucinação. – precisamos conversar.

– Meus filhos estão a salvo? Voltarão logo? – a aflição e o desespero tomaram conta do monarca, deixando seus olhos desvairados.

– Não se não me ajudar. – ele apontou para os jovens parados no meio do salão. – Drake, meu sobrinho, e Lilá... Sua neta.

Dante olhou para Lissa por um longo momento, com um misto de agonia e admiração. A visão dela o fazia reviver os momentos felizes de sua vida, fazia lembrar-se de seus amados no tempo em que a paz reinava. Lembrou-se então dela ainda criança, com os cabelinhos ralos e descoloridos flutuando com o vento enquanto brincava com cuidado com Rosea, sua amada neta. Seu porto seguro.

E com desespero, ouviu as palavras de sua filha ecoar em seus ouvidos, advertindo-o de que aquele dia chegaria. E chegou, trazendo aquele Lírio Imperial para fazer companhia para sua Rosa Escarlate, assim como o Cravo Dourado.

– Você vai fazer...? – o velho perguntou com horror na voz.

– É o único jeito, e você sabe.

– Não, não é! Vai destruir a todos!

– Já estamos destruídos! E seu medo vai terminar o serviço. – Damon impôs sério. – Estamos sem tempo. Precisamos de sua ajuda.

– Como quer que eu lhe dê meu maior tesouro para que a chacoalhe como um pedaço de carne aos lobos? Como quer que eu a libere sem esperanças de reavê-la viva? Sinto muito, mas ela não irá com vocês.

– Precisamos dela.

– NÃO PRECISAM NÃO! – o velho gritou alterado. – não vou perdê-la, e não vou perder vocês.

– Sabe que não pode nos impedir, não sabe? – ele perguntou, vendo o homem se afastar cansado.

– Vocês ficarão aqui, essas paredes irão protegê-los. Mais tarde conversaremos com calma. – ele sacudiu a mão, dispersando-os. – peguem um quarto e descansem, estão precisando.

– Quero vê-la, Dante! – Damon pediu. – Não pode me negar isso!

– Então fique. – e ele desapareceu por uma porta, deixando o eco de sua voz pairar no ar.

– Como Taiga disse... – Lissa comentou. – O que faremos?

– Não temos muita escolha no momento. – Damon suspirou, sinalizando para que eles o seguissem. – Torçam para que o tempo não seja tão curto quanto penso que é.

–-**--

Damon olhava pela janela, alerta a qualquer coisa que acontecesse, enquanto Leo e Lissa dormiam na grande cama de casal daquele quarto. Dante havia preparado quartos separados para os três e inoportunamente distantes um do outro. A princípio não percebera a estratégia do homem até a hora do jantar, quando ele fez questão de manter uma conversa intensa com Leo e Lissa, ignorando-o quase que totalmente. Poderia até ter deixado aquele comportamento passar se não fosse por um detalhe: a ausência da Princesa.

Dante sabia que ele não iria embora enquanto não a encontrasse e arquitetara tudo para que isso não acontecesse. A desculpa que dera fora que a Princesa estava indisposta naquela noite e comera mais cedo em seu quarto, e para Damon escutar aquilo fora como se tivesse sido socado no estômago com um porrete farpado.

Em represália, ordenou que os garotos se recolhessem depois do jantar e os fez mudar de quarto, escolhendo um grande e de frente para o jardim. Os jovens teriam que se acomodar como desse na grande cama enquanto ele ficaria de guarda para qualquer movimento do sogro. Infelizmente teriam que ir embora à alvorada seguinte e ele teria que dar um jeito de completar sua missão, mesmo que significasse passar por cima do pai de sua amada.

E o pior de tudo era sua necessidade de dormir lhe implorando para fechar os olhos, mesmo que sua vontade o mantivesse ativo.

– Droga... – murmurou derrotado, enquanto encostava-se ao batente da janela e olhava para baixo, deixando o sono chegar de mansinho.

A visão começava a piscar e sentia seus olhos pesarem, enquanto fixava o olhar na fonte lilás e brigava com o sono. Quando a cabeça pendeu e ele despertou de sobressalto, Damon fixou o olhar novamente no jardim, notando a diferença notável que o lugar adquirira. Pequenas luzes rodeavam a fonte, tão brilhantes quanto lanternas, pousando na água e nas plantas ao redor, iluminando tudo com seu toque. O reflexo da lua se via na água e sua fase cheia dava novas formas ao jardim, juntamente com as luzinhas. Vagalumes voavam perto da fonte e dançavam com as luzes, estabelecendo reinado naquela noite. Somente os insetos pareciam se divertir ali, naquela hora.

Quer dizer, eles e a linda moça sentada na fonte com um livro em mãos.

A princesa trajava um vestido claro simples, de tons de rosa pastel com mangas de renda que lhe cobriam os braços delgados, camadas de tule lhe faziam vez de anáguas e a saia se esparramava ao seu redor como um leque delicado. Nos pés, uma sapatilha de amarras que circundavam delicadamente os tornozelos finos. A longa cabeleira estava cuidadosamente trançada e presa em um bonito penteado no alto da cabeça. Seus olhos dourados estavam concentrados em sua leitura e a boca delicada sorria inocente para o objeto a que se dedicava.

E aquela fachada de Princesa Inocente o teria enganado se não fosse o vislumbre de sagacidade que ela lhe mostrou quando o notou. Ou melhor, quando se deixou notar.

– Boa noite! – ela lhe sorriu quando se aproximou. – Tio.

Damon não tinha certeza do motivo, mas ser chamado daquela maneira por ela o despedaçou.

– Olá. – ele devolveu o sorriso com dificuldade, sentando-se ao lado dela. – você cresceu bem, estou admirado.

– Que é isso, Tio. Tenho muito pela frente ainda. – ela riu, voltando-se para o livro. – Taiga os encontrou na fronteira. Espero não estarem machucados.

– Estamos bem. E agradeço a ajuda. – ele suspirou, olhando para o céu. – sabe por que estamos aqui?

– Sim.

– Ele não vai liberá-la e não vamos sem você.

– Veremos se não. – ela sorriu desafiante, como se tudo o que fizera até ali tivesse sido planejado. – já estou pronta. O que me falta é tirar esses grilhões.

– Vai desobedecê-lo?

– Sim.

– Vai ser perigoso.

– Já é perigoso, Tio. – ela retrucou, encarando-o no fundo dos olhos. – não teremos chances se demorarmos mais.

– Pela manhã? – ela negou.

– Antes. – ele se sobressaltou. E com aquele sorriso o som de sirenes foi ouvido, inundando a cidade com o caos. A guerra batia às portas da cidade. – está na hora de ir, tio.

– E você?

– Os alcançarei fora da cidade.

– Não demore. Não sou tão paciente quanto dizem. – ele se retirou, saltando de volta ao quarto, encontrando com os jovens já despertos e alertas. – Temos que ir.

E em pouco tempo já estavam correndo pelos corredores do castelo, em direção à saída.

– Damon! – Dante gritou do alto da escadaria, antes que os três alcançassem as grandes portas da entrada.

– Te farei um favor, Dante. – Damon virou-se para o velho e o encarou. – espero vê-lo de novo, sogro. Torço para que recupere o juízo e faça a coisa certa.

E com um último aceno para o Imperador, o pequeno grupo saiu porta afora, atravessando os jardins e sumindo para a cidade em guerra ao atravessarem os portões.

A visão de sua cidade... Sua bela cidade tingida de vermelho o desesperou. Os gritos ecoavam em sua cabeça, tal qual o próprio que proferira. O som da marcha conquistadora ecoava pelas paredes e não havia coisa mais aterradora que aquela. Exceto, talvez, os gritos de dor dos filhos à beira da morte ou o último suspiro de suas netas.

– O senhor está bem, Vô? – ouvir aquela voz meiga atrás de si devolveu-lhe um pouco da sanidade perdida.

– Estou bem, querida. Não se... – ele parou ao encará-la, o desespero tomando-lhe conta novamente. – v-você vai? Não! Não pode ir!

– Eu preciso e o senhor sabe disso.

– Não pode! Você não sabe nada! Vão te matar lá fora!

– Me matarão aqui dentro se eu demorar mais. – ela sorriu docemente, segurando as mãos do homem. – Não vou pedir para não se preocupar, pois seria menosprezo. Só peço que confie em mim e me deixe fazer o que fui destinada a fazer. Eu vou conseguir, acredite em mim!

– Não quero te perder, Querida... – lágrimas rolavam pelos olhos cansados. – Você também não...

– Então me deixe ir. – ela pediu, soltando as tranças do prendedor adornado. – É o meu favorito. Me devolva quando eu voltar.

– Não posso te deixar ir... – ele sussurrou, apertando o objeto nas mãos, como se o gesto o mantivesse lúcido.

– Irei com ou sem sua benção, Vô. – ela sorriu, entregando-lhe a marca de sua obediência. – Não pode mais me prender.

– Como você...

– Sei mais do que imagina, Vovô, muito mais. – ela se esticou e beijou a face molhada do homem. – Adeus, vovô querido. Eu te amo.

E ela se afastou, entrando rapidamente num portal. Com aquele último vislumbre da neta, Dante deu-se conta da verdade. Fora um tolo por achar que a dominaria, que a afastaria de seu destino. Sem querer criara outra Anami e se não tivesse fé nelas, não teria mais ninguém.

– Boa sorte, querida... – sussurrou ao nada, ouvindo o coro saqueador adentrar sua casa. – Volte logo.

–-**--

Os três olhavam a cidade vermelha com tristeza. As ruas normalmente animadas estavam tomadas por desespero e lamento, as boas pessoas provavelmente estavam mortas e o castelo... A visão do castelo sendo tomado encheu seus corações de tristeza, dúvida e desesperança. Como três jovens conseguiriam parar aquela marcha destruidora? Como fariam para seguir todos os passos a tempo?

– Ela vai vir Tio? – Leo perguntou.

– Ela prometeu. – Damon murmurou, procurando pelas ruas o vislumbre de seu cabelo prateado. – Ela tem que vir...

– Como saberemos se é ela? – Lissa perguntou chorosa.

– Vão saber. – ele se retesou um momento, vendo pelo canto do olho uma fina linha de luz abrir um portal. – Fiquem por perto.

E daquele fio saiu uma Taiga. Mas não era a que viram na floresta, essa era diferente. Ela tinha cabelos prateados mesclados com fios roxos e negros, trançados do alto da cabeça em uma trança longa que lhe chegava aos joelhos. Usava uma túnica chinesa de duas fendas que lhe mostravam as pernas, sob um peitoral metálico de ombreiras pontudas. Presos à cintura fina, dois sabres pontiagudos se cruzavam atrás dela, dando-lhe uma aparência mortal. Botas de couro protegiam suas pernas e as luvas tinham plaquetas dos dedos ao cotovelo.

Mas eram seus olhos dourados que chamavam atenção ao transbordarem em lágrimas.

– E Dante? – Damon perguntou, recebendo um balanço da cabeça em resposta. – Não vão matá-lo, não se preocupe.

– E onde está a Princesa, Taiga? – Lissa perguntou inocente.

– Taiga saiu da cidade depois de trazê-los. – ela informou se aproximando. – Prazer em vê-los, primos. Sou Kira, a princesa.

– Ninguém disse que vocês eram gêmeas...

– Não somos...

– Como se parecem tanto?

– Ela é minha doppelganger. – Kira explicou, levantando a mão para calar a moça antes que começasse um interminável questionário. – Não use sua lógica aqui. Não vale.

– Podemos ir agora? – Leo perguntou de olho na cidade. – não quero estar aqui quando as tropas avançarem.

Damon concordou e acompanhou os jovens para longe da tormenta na cidade. A partir dali, as coisas ficariam mais difíceis e se não pudessem suportá-las, tudo ruiria.

–-**--

A lua estava alta em seu brilho alaranjado, revelando a todos em todo lugar que houvera um massacre naquela madrugada. O grupo parou em uma clareira fechada, depois de percorrerem quilômetros sem descanso, para fugir da ameaça que atingira a Capital do Tempo. Damon queria ir ainda mais longe, mas teve de parar por causa dos jovens. Kira usara a maior parte de sua energia para criar portais que os levassem às áreas mais longínquas que ela conseguira, e pela posição em que estavam naquelas terras, talvez deixá-los descansar não faria mal por aquela noite. Afinal, não eram somente os três que estavam cansados, ele mesmo estava a ponto de se desfazer.

– Sente-se um pouco também, Tio. – Kira pediu, apontando para o lugar ao seu lado. – Montei uma barreira de perímetro aqui. Poderemos descansar até o meio-dia.

O homem não respondeu, olhou rapidamente para a moça e suspirou resignado, tomando o lugar que ela lhe oferecera. A pequena fogueira crepitava ao centro, iluminando e aquecendo aquele pessoal. Lissa estava firmemente ao lado de Leo, como se aquela posição nunca poderia ser ocupada por outra pessoa além dela. A mente pragmática daquela garota a impedia de ver as coisas daquele mundo com os olhos de maga que deveria ter, e sinceramente, aquilo preocupava o homem como o cão. Ele, Lupe e Ceci falharam em abrir seus olhos, mas esperava do fundo do coração que Kira pudesse fazê-lo a tempo.

– Bem... Já que estamos todos juntos, finalmente, podemos começar certo? – Kira sorriu, olhando seus familiares em volta da fogueira. – Apresentações! Muito prazer sou Kira, neta de Dante e aparentemente sou um dos Pilares.

– Leopold... – Leo respondeu incerto. – Sou o primeiro dos Pilares, sou sobrinho de Damon e filho de Lupe e Ceci.

– Damon, o Caçador. Esposo de Anami, pai de uma... – Damon falou, observando as duas. – E tio de dois de vocês.

– E você? Prima? – Kira chamou carinhosa, olhando-a com expectativa.

– Lissa, irmã de Leo e filha de Lupe e Ceci. – ela respondeu seca, tentando esconder a amargura da voz. – E a menos que eu tenha as respostas certas, isso não vai mudar.

O silêncio se seguiu entre eles, cortado apenas pelo vento e o chiado da fogueira. Com certeza, aquilo seria muito mais difícil do que imaginaram.

– Tem razão, Lys... – Leo falou após um momento. – Precisamos de respostas...

– De fato. – Damon concordou. – Devemos isso a vocês. Perguntem.

– Quem são os cativos? – Leo perguntou. – digo, os que foram derrotados naquela noite.

– Bhirn, o primeiro príncipe, enteado de Dante. – Damon respondeu, um pouco mais amargo que o costume. – Depois que a primeira rainha faleceu, o Imperador se casou novamente com a Dama das Terras das Sombras, Ynn. Uma megera, se me permite a expressão, fez a vida de todos um inferno. Ela causou A Grande Guerra e o exílio de Anami, a herdeira legítima. Pelas leis, uma vez exilada, mesmo que volte, não teria mais direito ao trono, então o pobre Bhirn teria que levar as duas terras nas costas. Xhab era a esposa dele, descobrimos mais tarde que era uma filha ilegítima de Dante, então a união foi oportuna e felicita, já que os dois realmente se amavam.

– Meu pai disse que foi nessa época que você conheceu a Tia...

– Foi. Estávamos namorando naquele ano, quando irrompeu a guerra. – ele parou um momento, olhando com tristeza para o céu. – Bhirn e eu fomos capturados na coroação e dias depois Anami foi pega. E agora imagino que Dante, Lupe e Ceci estejam como parte da coleção. Com certeza será uma questão de tempo até que eu volte...

– Não deixarei que aconteça. – Kira falou determinada.

– Não está em seu destino.

Aquela frase pairou sobre eles por um tempo. A insegurança voltou com mais força e nenhum dos três, pelo menos naquele momento, se sentia capaz de realizar aquela missão tão importante. Céus! Eram só um grupo de jovens inexperientes embarcando numa jornada épica! Que diferença podiam fazer?

– Por que me abandonou? – Lissa perguntou num átimo, sem pensar direito no que falar. – E por que veio me buscar justo agora? E por que envolver Leo nisso?

– Não queríamos abandonar você, e não o fizemos. Anami a deixou segura com meu irmão, num lugar onde o mal não te atingiria. Teríamos vindo antes se pudéssemos. – os olhos de Damon se iluminaram, retendo a umidade que parecia querer sair sem permissão. – Xhab... Era ela quem estava com você nos braços quando fomos atacados e morreu para te proteger, aquela era para ser sua última noite. Então, por favor, não nos culpe, fizemos o que podíamos.

– Quanto à ameaça e nosso papel nessa história? – Kira perguntou, cortando o silêncio que se seguira da menina. – Anami previu o que aconteceria, o senhor acha que ela podia ter impedido?

– Não, não podia mais. Ela só é capaz de interferir uma única vez em seu próprio destino e parece que ela gastou essa chance. Nunca soube o que ela preferiu a ter nossa filha nos braços... – ele tossiu para limpar a garganta. – Erischen, guardem esse nome. Ele era um dos cônsules do Povo Místico e pelo que sabíamos, sua família era a base para o antigo oráculo do reino. Ele nos traiu e começou a guerra naquela noite da coroação de vocês duas.

– Por quê? – Lissa perguntou.

– Porque o Povo Místico preza o equilíbrio acima de tudo e... – Kira parou um momento, voltando o olhar para as chamas. – Ele me acusa de ser um erro nesse mundo. Vovô disse que ele estava lá para me matar. Que por minha causa, ele não tinha mais futuro... Perdi as contas de quantos assassinos dele Taiga matou para me proteger.

– Não se culpe. – Damon advertiu. – Os motivos dele podem ser muitos, mas nenhum é sua culpa. Não tente entender as razões de um louco.

– E nosso trabalho é impedi-lo?

– De certa forma. – o homem concordou. – A missão de vocês é chegarem vivos a um lugar e para sobreviverem, precisam ser fortes. E essa é a minha tarefa: orientar vocês.

– Ok, o senhor é o Gandalf e nós a Sociedade do Anel... – Lissa murmurou desgostosa. – Ainda não disse, por que nós? Por que esperar todos esses anos para derrubá-lo?

– Eu acredito que Anami pensou em todos esses detalhes antes de dar início ao plano. Precisávamos de vocês fortes e maduros para aguentar a pressão que passarão. E por que vocês? É por vocês serem o futuro. Estamos em suas mãos agora.

– O que temos que saber para tudo dar certo? – Leo perguntou.

– Você tem que se tornar um guerreiro que supere o que seu pai foi. Não se preocupe, pelo que vi você está mais avançado do que eu imaginava, isso é bom. Lissa tem que aprender a controlar seus poderes latentes. Teremos trabalho para desfazer o lacre que lhe foi posto.

– Não sou mágica. – a menina interrompeu zangada. – Não diga coisas estranhas!

– Você é sim, Lys... – Leo revelou culpado. – Mamãe deu um jeito de não te assustar, mas quando você chegou, as coisas eram agitadas. Não entendemos porque sua veia se fechou sozinha, mas resolvemos não contar até que fosse necessário. Desculpe.

– Tem mais alguma coisa que queira me contar, Leopold? – a raiva na voz dela era intensa.

– Preste atenção, Lysvrill. – Damon chamou sério e ela congelou. Como ele sabia seu nome? Seu horrível nome? – Você provavelmente é uma das mais poderosas magas que já existiram. A mais pura. Se sua mágica parou, foi por sua vontade. Se quiser sobreviver aqui, vai ter que liberá-la. Não é só sua vida que está em jogo, todo mundo está com o nariz na ponta da espada. Alguns até literalmente. Por favor, mesmo que não acredite ou que se obrigue a se esquecer disso depois, se doe a esse momento e nos ajude... Precisamos de você.

– Vamos poder voltar às nossas vidas, com nossa família, depois que isso acabar? – ela perguntou.

– Todos nós vamos.

– Tudo bem, então. Embarcarei nessa loucura com vocês. – ela respondeu, pousando a cabeça no ombro de Leo. – O senhor ainda não disse qual o papel da Kira.

– O mesmo de vocês: sobreviver, aprender e ficar forte. – a moça sorriu. – E ensinar o que eu sei, claro.

– Me pergunto quanto conhecimento você acumulou, sendo que Dante a controlava de perto. – Damon comentou intrigado.

– Ele não me controlava, só... Protegia demais. E as coisas ficam mais fáceis quando se tem uma doppelganger tão boa quanto a Taiga. Aprendi muito com ela ainda com os grilhões, e quando pude desfazê-los sem que ele soubesse... Bem... Aqui estou.

– Ainda bem. – ele concordou. – Descansem agora. Levantaremos acampamento cedo.

Leo e Lissa concordaram e se ajeitaram nos braços um do outro, entrando num sono quase pesado. Com certeza, depois de tudo o que passaram, precisavam muito daquela soneca.

– Tio? – Kira chamou baixo. – Aqui, achei num dos livros que trouxe... É para o senhor.

Damon não respondeu, pegou o papel cuidadosamente dobrado e verificou a letra e o selo. Anami... Era uma mensagem da Anami para ele, que esperou doze ciclos para ser lida. Pelos deuses! O que devia ser?

Violou o selo e leu a carta com voracidade, desejando absorver qualquer coisa que retomasse o contato que tinha com sua amada. Qualquer coisa... Qualquer...

– Tio? – Kira chamou-o quando viu as mãos fortes começarem a tremer de leve. – O que...?

Num impulso silencioso, ele dobrou a carta e, depois de levá-la aos lábios num beijo sôfrego, jogou-a no fogo, deixando rolar uma lágrima ao ver o papel queimar. Não podia ser...

– Sinto muito... – ela pediu culpada. – Não sabia se...

– Não. Era para ser assim, fez bem em mostrá-la cedo. Agora eu sei o que fazer. – ele falou baixo, controlando a voz embargada. – Trate de dormir.

– Durma o senhor, precisa mais do que eu. – ela falou, se levantando. – O primeiro turno é meu. O acordarei em uma hora, Tio.

Damon observou a moça por um momento, registrando na mente toda sua força e beleza, antes de assentir e se recostar a uma árvore e fechar os olhos. Seus sentidos estavam todos em alerta, mas sua mente desceria ao limbo para um descanso. A um limbo de sonhos e pesadelos, onde as palavras de sua amada o atormentariam.

Anami criara uma anomalia colossal naquele mundo, algo tão grande que mudou o destino de todos... Agora não podia mais refutar o ódio que Erischen sentia, não podia mais ignorar a justiça distorcida do Tirano sendo que sua esposa era a vilã da história. Mas como dar-lhe razão se aquela falha era tão... Certa?

Anami fizera algo terrível...

Anami os condenara...

Anami pecara...

Mas ela dera ao mundo o erro mais glorioso de sua vida... E com certeza iria lutar por ele.


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Notas finais do capítulo

Edição feita em 25/04



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