Destinados escrita por Tsuki Dias


Capítulo 3
2 - O Outro Lado


Notas iniciais do capítulo

Um agradecimento imenso à Cora por Betar esse capítulo. Muito Obrigada!



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Os dois jovens sussurravam baixo, inconscientes de que podia ouvi-los perfeitamente, mesmo com o barulho alto que os trilhos de ferro faziam com a passagem dos trens. Aquela era a Velha Estação desativada, tão velha que nem mesmo gangues ou mendigos se arriscavam a ficar ali. A lenda que corria era que o lugar era assombrado e qualquer um que estivesse na plataforma no horário em que o velho vagão aparecesse, jamais seria visto. Nem mesmo morto.

Sempre soube que seu irmão e sua cunhada eram meio loucos, mas naquele momento achava que o que eles fizeram não foi movido por loucura, e sim por uma coragem muito estúpida.

A saída da casa foi atribulada e repentina. Ceci armara todos os feitiços de proteção que conhecia – dando a Lissa um vislumbre do que aprenderia em breve – e Lupe rezou um imenso sermão ao filho sobre lutar com honra e saber quando ser um cretino vivo quando a situação pedisse. Tinha certeza de que os garotos não tinham entendido nada naquele meio tempo, mas no fundo sabiam que os pais estariam em perigo logo.

– Tio, o que estamos fazendo aqui? – Leo perguntou.

– Esperando um trem.

– Mas essa estação está abandonada há anos.

– Por isso mesmo. – ele se virou para encarar os jovens. – Essa é a carona mais segura que posso oferecer para vocês.

– Mas os boatos... – Lissa balbuciou assustada.

– Nem verdade, nem mentira, sejam lá o que falam. – ele respondeu. – Só quem não pertence a esse mundo que pode usar esse trem. Provavelmente é essa a origem dos boatos.

– Mas... – ela balbuciou.

– Vai ficar tudo bem, Lis. Não se preocupe. – Leo interviu, puxando-a para um abraço. – Não se preocupe.

Lissa encarou o rapaz por um momento e enterrou-se naquele abraço, evitando pensar demais. Ao observá-la por aquele pouco tempo, algo ocorreu a Damon num átimo. Lissa daria trabalho, sim, para entender as regras do outro lado e tal, mas não por ela não querer e sim por não se permitir entender. Pelo menos não da maneira como queria que entendesse.

Pessoas pragmáticas se apegavam muito fácil às coisas palpáveis da vida e se algo fugisse desse padrão, ou a ignoravam, ou buscavam explicações aceitáveis. Magia? Truques baratos. Visões de outros mundos? Drogas, com certeza. Milagres de Deus? Claro, sem problemas.

Provavelmente, despertar a grande Maga que existia dentro dela seria o maior desafio que poderia enfrentar durante a jornada. Isto é: se continuassem juntos depois de pegarem a terceira.

Um barulho estridente se fez ouvir, ecoando nas paredes decrépitas da antiga estação, liberando o cheiro sulfuroso de ferro e de morte. Era o trem chegando. O trem que os levaria para o outro mundo.

– Afastem-se. – Damon ordenou, dando alguns passos para trás.

E como uma aparição, o vagão parou na frente deles, traiçoeiro e barulhento, com sua carcaça enferrujada e estalos ensurdecedores. Quando as duas portas de metal gasto se abriram, liberaram um forte cheiro acre que parecia ovo podre (ou para a mente científica de Lissa: o familiar cheiro de enxofre). Somente a aparência do vagão já servia para repulsar quem o visse, e o modo como aparecera do nada – sendo que as duas saídas do túnel eram bloqueadas – agravava tragicamente o terror que se sentia.

Lissa tremia de medo e não escondia isso ao se agarrar ao braço de Leo, posicionando-se atrás dele (que também não reprimiu seu instinto de sobrevivência).

– Entrem. – Damon ordenou apontando para o interior do vagão. – Não temos tempo para medo. Lá terão tempo de sobra para se borrarem.

– Fale pelo senhor. – Leo retrucou, encarando o vagão com desconfiança. – Pronta, Lis?

– Não! Já viu no que ele quer que entremos?

– Andem logo! Já devem ter pegado nosso rastro! – Damon rugiu irritado, apontando para o vagão com impaciência.

Eles não responderam. Num suspiro trêmulo, deram-se as mãos e seguraram a respiração, antes de transpassar as portas decrépitas e pararem ao lado dos bancos quebrados e das barras de ferro que ofereciam uma alta dose de tétano só de olhar. Quando as folhas corroídas se fecharam, separando os dois do homem na plataforma. O trem se moveu rápido e, em segundos, a vista para fora não passava de um borrão disforme correndo na direção oposta.

O pior não foi saber que estavam a caminho da morte e sim perceber que não estavam mais sozinhos. Lissa segurou um grito no fundo da garganta quando um fantasmagórico homem deformado surgiu ao seu lado. Ninguém parecia notar os dois jovens assustados, mas o resto dos passageiros era definitivamente notável.

Leo abraçou a menina e pressionou-a contra a porta, mantendo o rosto dela firme em seu peito, sem deixar brechas para que ela visse ao redor. Tinha que protegê-la, não importava o perigo, tinha que protegê-la. Era sua promessa de honra. Seu juramento para a vida.

E então, antes que pudessem fazer qualquer coisa, o trem parou sem aviso, abrindo as portas de repente e lançando os dois para fora, fazendo-os se chocarem com o chão de madeira da plataforma, aos pés de um Damon divertido com a situação – apesar da cara inexpressiva.

– Levantem-se daí, estão parecendo dois tolos. – ele mandou, sem esconder o riso na voz. – Temos muito que andar ainda.

– Como chegou tão rápido? – Leo perguntou ofegante, olhando o tio com confusão.

– Ao contrário de vocês, ir-e-vir não é um problema para mim. Quando tudo acabar, vocês terão essa habilidade, não se preocupem. – ele explicou, entregando-lhes as bolsas depois que se levantaram. – Me sigam e tomem cuidado. Nosso destino está a dois reinos daqui.

– O que acabou de acontecer aqui? – Lissa perguntou atordoada.

– Vocês tomaram o “Barco do Rio Estriges” e atravessaram. – Damon explicou. – Se não tivessem parado aqui, estariam no submundo agora.

– O quê?

– Chega de perguntas por enquanto. – Damon cortou, voltando seu olhar para o vasto campo de trigo. – Aqui não é seguro.

– Se não é seguro, por que nos trouxe aqui? – Leo retrucou. – Isso vai contra a lógica, se sua tarefa é nos proteger.

– Vamos deixar algumas coisas bem claras. Primeiro: meu trabalho é fazer com que vocês três possam se virar sozinhos, o que não inclui a função de guarda-costas. – ele numerou os tópicos com os dedos. – Segundo: há mais coisas envolvidas do que sua segurança, e vocês não vão aprender nada sem riscos. E terceiro: se houvesse lugares seguros, nenhum de nós estaria aqui agora. Vocês estariam em casa, com sua respectiva família, assim como eu e minhas queridas. Fui claro?

– Sim, senhor. – o jovem respondeu. – É... O que eu esperava? A vida não é fácil.

– Vamos. – Damon mandou, começando a andar e se embrenhar no trigo. – Cuidado por onde andam. Não vão querer pisar em algum ninho.

– Ninho de que? – Lissa indagou, exalando a mesma sede de saber perigosa que os cientistas tinham.

– Não vai querer saber.

–-**--

A casa estava vazia quando chegou e a porta aberta indicava que nada de bom acontecera. A ausência de proteção no local significava que o inimigo havia estado ali e atingira seu objetivo. Empunhou uma de suas adagas e preparou-se para lutar, enquanto adentrava a mansão. Não era por sentir o vazio na casa, que queria dizer que estivesse mesmo vazia.

O lugar estava limpo demais para uma cena de sequestro. Não havia o menor sinal de resistência ou combate, pelo menos naquele cômodo. Todos os móveis estavam em seus lugares, e mesmo que procurasse, não acharia ninguém que pudesse lhe explicar o que acontecera.

Se bem que, seu nariz lhe dizia exatamente o que houve.

Procurou rastros mágicos pela casa. Ceci era uma feiticeira esplêndida e não seria tão descuidada a ponto de ter seus tesouros descobertos tão facilmente. Seria arriscado abrir seu cofre, mas precisava dos livros. Não por aquela que os usaria, mas sim por ela. Ela tinha que aprender os feitiços e principalmente a maldição que desencadeavam.

Caminhou até a lareira e preparou-se para o que viria. Tirou a luva esquerda e girou o relógio maciço com a mão nua. Pinos afiados surgiram do nada e fincaram-se em sua pele, arrancando sangue e grunhidos abafados. Era um feitiço, uma armadilha para testar a índole de quem o acessara. E precisava ser forte para escapar.

A lenha se incendiou espontaneamente e o vislumbre de uma tranca se abrindo indicava que tivera sucesso. Uma porta dimensional se abriu diante do fogo, revelando uma grande e sombria escadaria de pedra iluminada por lâmpadas de gás. Tirou a outra luva e prendeu-as, uma de cada lado do portal, para mantê-lo aberto. Com um suspiro, reuniu sua coragem e entrou naquele espaço apertado – detestava espaços apertados – deixando-se guiar pelo eco dos livros.

Parou após um tempo, situando-se. Estava cansada e claustrofóbica e isso não era algo normal, devia ser outra armadilha. Quanto mais avançava, menos perto chegava. Com outro suspiro, pousou as mãos na pedra quente e preparou-se para mais uma sessão de dor. Que veio rápido e quase insuportável, mas pelo menos desfizera a armadilha.

Piscou repetidamente para a claridade repentina e viu-se num grande salão de pedra, abarrotado de objetos de valor, artes, móveis, tapetes e tecidos e estantes de livros. Muitos livros. Sabia que toda a riqueza monetária dos tios estava em algum alçapão sob todo aquele material, mas não era isso que fora procurar.

Concentrou-se nas estantes e nos grimórios nelas, elevando os braços na altura dos ombros e fechando os olhos. Podia sentir o poder emanar daquelas páginas e seu conhecimento ancestral ecoando pela sala. Podia ver o rastro que deixavam e eram poderosos. Poderosos demais para qualquer um de sangue fraco pensar em dominar.

Felizmente fazia parte do seleto grupo dominante e podia usá-los em todo o seu poder.

Quando a seletiva chegou ao fim, abriu um bolso dimensional e guardou cada volume com carinho. Aqueles livros eram sensíveis e tinham alma, eram mais passionais que muitos seres-vivos, qualquer descuido podia magoá-los para sempre. E isso é tempo demais.

– Não tenho palavras para agradecer... – sussurrou para cima, agradecendo aos cosmos e a Ceci pela gentileza.

Agora estavam prontos para lutar e com o conhecimento da maldição, saberiam exatamente o que fazer.

Afinal, era um Pilar.

–-**--

Quando chegaram ao Tempo estavam verdadeiramente exaustos. Digo os garotos, pois Damon já estava cansado antes mesmo de começar aquela aventura. Lissa dera trabalho durante a travessia toda com suas perguntas altas e curiosidade mórbida. Ele e Leo tiveram que segurá-la diversas vezes seja para que não entrasse nos ninhos – para examinar aqueles ovos colossais – ou para não morrer em armadilhas idiotas.

Entretanto, foram os últimos quilômetros da fronteira com o Tempo os mais exaustivos. Cansados, atravessaram o Sono em quase toda a sua extensão sem o menor vestígio do perigo que ali habitava. Foi no momento que Lissa dormiu no ombro do rapaz que aquelas criaturas dantescas os atacaram com garras e armas feias forjadas de pedras e ossos. Felizmente, aqueles demônios não eram lá grande coisa, mas a pequena luta exauriu de Damon o resto de suas forças.

– Vamos parar um pouco. – ele falou cansado, encostando-se a uma arvore velha. – Bem vindos ao Tempo.

– O senhor está bem, Tio? – Leo perguntou, oferecendo-lhe seu cantil ainda cheio. Objetos encantados... Ceci não dava pontos sem nós.

– Não se preocupe comigo. – retrucou antes de pegar o cantil oferecido e agradecê-lo com um aceno da cabeça. – Mas obrigado pela preocupação.

– Por que aqui se chama Tempo? – Lissa perguntou, vendo Damon levantar a mão ao céu e uma esfera de energia foi lançada, saída de suas mãos, indo bem alto. Quem quer que visse aquilo, devia se apressar, pois não iam ficar muito tempo ali, parados.

– Durmam um pouco, voltaremos a andar em vinte minutos.

Lissa não reclamou da ordem e obedeceu-a prontamente. Leo ainda se demorou um pouco antes de se render ao sono e cochilar pesadamente, descansando a cabeça no alto da cabeleira laranja da menina, enquanto seus braços a acolhiam. Damon sentou-se ao lado dos jovens e permitiu-se recuperar as forças.

Fazia quanto tempo que não se sentava para apreciar a mágica daquela terra em ação? Quinze anos? Sim, talvez. Lembrava-se de observar o céu com Anami em seus braços, e isso antes mesmo de ela engravidar (o dia mais feliz de sua vida). As terras de Dante não mudaram nada desde sua última vez ali e com certeza não ficaram mais seguras. Mas a sorte podia lhe sorrir daquela vez, não?

Tinha acabado de contar dez minutos quando viu a árvore voltar à vida, ganhando folhas verdes e viço no tronco em que se apoiavam. O antigo vento invernal deu lugar a uma gostosa brisa de primavera e o cheiro de vida impregnou o nariz sensível daquele homem. Hora de acordar as crianças. Pelos seus cálculos, aqueles quinze minutos seriam o equivalente a dez horas seguidas. Ele mesmo, apesar de se manter vigilante, recuperara a força de dez dias de descanso. Realmente, o Tempo era uma terra incrível quando bem usada.

Foi quando se levantou que um rugido ameaçador ecoou pela floresta, sobressaltando a ele e os jovens. Damon pulou para frente, fechando a mão em punho ao lado da cintura como se fosse desembainhar uma espada, e esperou o perigo que se aproximava.

Uma grande quimera apareceu dentre as moitas e se dirigiu a eles a passos lentos e mortíferos. Estava caçando-os há algum tempo e Damon estava tão fraco que não percebera. E o choque foi notar que sua presença dominante tinha ido para o espaço. Que ótimo!

– Corram ao meu sinal. – falou baixo para os jovens, pronto para começar o combate com o animal. – Preparem-se.

E antes que pudesse fazer qualquer outra coisa, uma grande tigresa pulou sobre a fera e rolou com ela sobre a relva que começava a ganhar ares de Verão.

A tigresa era jovem, mas muito forte. Seus músculos trabalhavam habilmente sob o couro peludo e as potentes patas davam golpes poderosos, enquanto a bocarra rugia em advertência, evitando usar as grandes e afiadas presas. Sua coloração era interessante: o pelo negro tinha listras pratas e arroxeadas, que destacavam os brilhantes olhos amarelos com reflexos multicoloridos, que eram a marca de todo transmorfo.

E quando ela saltou e se pôs altiva diante de todos, ela se acendeu com um rugido. Chamas azuis dançavam ao redor daquele corpo poderoso, parecendo queimar. As patas e as articulações ganharam poderosas labaredas que oscilavam à sua vontade. A grande juba de fogo começava do alto da cabeça e se acabava no rabo, numa chama perigosa que chicoteava tudo ao redor.

A quimera tremeu diante daquela demonstração de poder e fugiu apressada, deixando a vencedora da luta decidir o que fazer com o prêmio.

Os minutos corriam enquanto ficavam ali, parados diante da tigresa incandescente. Leo e Lissa tremiam, prontos para correr para qualquer lugar ao menor sinal de perigo, mas Damon bem sabia que não corriam mais nenhum. Os tigres eram treinados para proteger, sendo o mais eficaz esquadrão da força do contingente de Dante. Então, se ela estava ali, seria para escoltá-los, e pela pelagem de seu totem, ela não era um subordinado normal. Aquela agente servia a uma pessoa muito especial. Só uma pessoa herdou aquelas características e se visse o selo, teria certeza.

– Obrigado por nos ajudar. – falou calmo e gentilmente, observando-a sair de seu transe e virar-se para encará-los.

– O que o senhor está fazendo? – Leo perguntou.

– Agradecendo.

E numa lufada, as chamas se apagaram, dando lugar ao pelo tricolor novamente. A tigresa ronronou uma vez e rugiu, dobrando a cabeça em direção ao peito, onde as listras formavam um padrão oval. Numa sessão de rugidos e enterrando as garras na terra, seus ossos começaram a estalar fazendo-a perder tamanho. O pelo luzidio caía ao chão, revelando uma pele lisa e pálida, quase branca. Uma cabeleira negra se fez notar com fios roxos e pratas balançando ao vento. Num último rugido, ela levantou o rosto e puderam ter um último vislumbre da fera antes das presas e a face felina desaparecerem e darem lugar a um rosto delicado de grandes olhos dourados que brilhavam coloridos.

A moça se levantou devagar, prendendo a farta cabeleira no topo a cabeça. Vestia uma leve túnica amarelada curta, presa pela cintura por uma tira de couro que lhe servia de aljava para o florete que carregava. As pernas nuas abrigavam botas de amarrar até os joelhos e, protegendo o busto: um peitoral unilateral que protegia somente o ombro oposto. As luvas tinham plaquetas de metal nos nós dos dedos e terminavam abaixo dos cotovelos, mas deixavam as palmas nuas para sentir. Do pescoço pendia um cordão que abrigava um medalhão de aparência oval, assim como o padrão do peito da tigresa.

– Estão bem? – sua voz era delicada, mas ostentava uma determinação impressionante. – Se machucaram em algum lugar?

– Quem diabos é você? – Lissa perguntou abalada. Com certeza aquela demonstração de poder quebrara sua fé na física mundana.

– Sou Taiga. – a moça respondeu, analisando-os curiosa. – Voltava para o castelo quando vi o sinal. Foi o senhor que solicitou escolta?

– Só me anunciava a Dante. – Damon sorriu amavelmente para a moça, registrando mentalmente o quanto crescera. – Mas uma escolta nunca é demais quando se tem o perigo em seus calcanhares.

– Eu vejo! – ela sorriu. – Creio que descansarão melhor no castelo. Damon, certo? O Imperador ficará feliz em te ver.

– O que duvido muito. – ele murmurou, virando-se para os jovens. – Vamos indo. Temos que chegar antes de anoitecer.

Leo e Lissa se entreolharam um momento antes de obedecer. Taiga caminhava à frente, ditando o caminho, com Damon ao lado, fazendo perguntas capciosas sobre o império e a família real. Ela tentava responder com a objetividade profissional que um soldado devia ter, mas suas emoções lhe escapavam vez ou outra. Principalmente sobre Dante.

O reino estava estável e a ameaça do Ódio ainda não batera em suas portas. Pelo menos não tão explicitamente. Saques e ataques em pontos isolados da capital tomavam o tempo e a atenção de todos, enquanto a marcha arrebatadora vinha do sudeste, conquistando territórios a cada mês. Mas algo ainda não estava certo com as informações dadas.

– Dante está bem? – Damon perguntou de repente, cortando a explicação dela sobre as tropas.

– Verá com seus próprios olhos. – ela suspirou pesarosa, parando um momento e passando o dedo pelo ar. Um fio luminoso se fez notar e uma brecha se abriu no espaço, revelando uma porta dimensional. – Assim será mais rápido. Sairemos na cidade.

– Tigres usam magia? – Leo perguntou surpreso.

– Posso. – Taiga respondeu com orgulho. – Damon também, apesar de não ser bem um tigre... Há histórias realmente impressionantes sobre ele, sabiam? Já ouviram alguma?

– Já. – Leo afirmou, recebendo olhares dos outros três. – Eram as histórias favoritas do meu pai. Ele costumava me contar muitas, antes de Lissa chegar.

– Quando digo que seu pai era um idiota, ninguém acreditava. – Damon comentou, sem perceber o pequeno sorriso em sua face. – Francamente, para quê dizer coisas sem importância?

– O senhor é uma lenda! Não precisa ser modesto! – Taiga resmungou, vendo-os passar pelo portal. – Sejam bem vindos à Capital do Tempo!

Saíram do portal e deram-se no meio de uma praça de pedra, lotada de pessoas e barracas de todos os tipos como numa grande feira. As pessoas que ali passavam eram interessantes. Viram desde crianças com vestes medievais correndo de um lado a outro até comerciantes de peças robóticas, negociado com humanoides e criaturas.

Épocas distintas se encontravam naquele lugar e a lógica tempo/espaço se perdia a cada rua. Lissa estava admirada com os androides que desfilavam com seres meta-humanos vestidos como num evento cosplay. Agora entendiam porque estavam nos domínios do Tempo. Ali tudo era relativo e passava desigual, interessante e harmoniosamente.

– Incrível! – ela exclamou admirada.

– A ameaça não chegou aqui? – Leo perguntou, observando Damon e Taiga que olhavam tristemente para o castelo ao fundo. – Tio?

– Ela está próxima. – Taiga suspirou, sinalizando para que a seguissem. – Logo o Ódio vai romper nossas barreiras e nada do que veem agora restará em pé.

– O que Dante está fazendo a respeito? – Damon perguntou, observando os soldados relaxados em seus postos. – Não me diga que...

– O Imperador está... Ciente. Mas acha que não se opor abrandará as coisas. – ela falava baixo, tentando ser discreta. – Ele está velho e cansado, não quer mais perder pessoas. Principalmente a Princesa. Receio que não será fácil cumprir sua tarefa.

– Nunca disse que vim buscá-la. – Damon retrucou, pegando seu braço para pará-la. – Como sabe para que viemos?

– Todos sabem que sua volta resultaria na partida dela. – ela o encarou respeitosa, mas ao mesmo tempo desafiante. – Foi o aviso de Anami. Se ela partir, a guerra será inevitável.

Dito isso, ela voltou a andar, conduzindo-os por ruelas vazias e becos escondidos.

– Dante acredita que se não der continuidade à previsão de Anami, o povo sofrerá menos. Por isso ele a deixa presa no castelo, vigiada e ignorante a tudo o que acontece aqui fora. Ele acha que se ela não tiver conhecimento, não servirá aos propósitos do Destino e não precisará deixá-lo.

– Mas ela não é ignorante. – ele afirmou, olhando-a com seriedade. – Ela sabe.

– Não posso responder isso. – ela não se virou para encará-lo, simplesmente apertou o passo e passou a andar mais rápido. Pouco tempo depois, uma porta pequena de madeira foi vista incrustada no grande paredão de pedra. – A entrada principal não é segura para vocês.

– Está se arriscando muito para nos ajudar. – Lissa apontou. – Por quê? Você não deve lealdade ao Imperador?

– Minha lealdade está com quem age certo. – Taiga virou-se para encará-la. – Dante não é o único monarca nesse reino, e minha lealdade sempre esteve com outra pessoa. Sempre.

Com isso ela abriu a porta e entrou, dando-lhes passagem depois de se certificar de que era seguro. A profusão colorida do Jardim Imperial atingiu os três com violência. Árvores frondosas, frutíferas, salgueiros chorões e arbustos surgiam da grama verde, lançando para a vida cores diversas em suas flores e frutas. Canteiros de flores exóticas, roseiras e tantas outras se estendiam quase infinitos. Mas a fonte no meio daquele paraíso era a atração principal com suas águas cor de lavanda e adornos naturais. Insetos e pequenas fadas pulavam de planta em planta, realizando a tarefa que a natureza lhes incumbira. Se algum dia os jovens pensaram no paraíso, com certeza tinha aquela aparência.

– Esse lugar não pode ser real... – eles exclamaram surpresos.

– Acredite, não há prisão mais bonita que essa. – Taiga murmurou desgostosa, fazendo uma pequena reverência. – Deixo-os aqui na crença de que sabe o caminho, Damon.

– Sim. – ele respondeu com um gesto, liberando-a de sua escolta. – Obrigado.

– Boa sorte. – e ela sumiu para algum lugar daquele paraíso.

Ficaram alguns minutos ali, absorvendo tudo que acontecera naquele dia e tentando entender a presença intrigante de Taiga. Ela com certeza não era alguém normal.

– Quem é ela, Tio? – Leo perguntou intrigado.

– Alguém. – ele respondeu simplesmente, pondo-se a guiá-los pelo labirinto verde daquela gaiola dourada.

–-**--

Do belo coreto coberto de flores, de onde estava, a visão privilegiada que teve dos intrusos fez seus olhos marejarem. Observou o belo e forte jovem, com o corpo atlético, altura considerável. Seus fios morenos meio avermelhados balançavam com a brisa quente e os olhos castanho-claros observando tudo em volta. Sua mão não largava a da mocinha que andava sôfrega logo atrás, com a cabeleira laranja trançada e transpassada por uma fita, flutuando com seu caminhar; em seus olhos cinzentos havia astúcia e sagacidade, indicando que ela era mais inteligente que sua aparência franzina sugeria.

Mas aquele homem alto e cansado... A visão que teve dele a comoveu. Observou-o quase com adoração, admirando seus longos cabelos prateados, os intensos olhos dourados, sua pele pálida e seu porte de guerreiro. Mesmo a exaustão ditasse os traços de seu rosto, Damon ainda exibia sua imponência perigosa e sua beleza.

Eles estavam ali... Finalmente estavam ali.

– Taiga... – chamou com a voz trêmula. – Deu tudo certo?

– Sim. – a outra sorriu satisfeita, entregando-lhe os frutos de sua missão bem sucedida. – Foi muita sorte tê-los encontrado. Dante não os deixaria livres.

– Sim... Preciso que faça mais uma coisa, antes de acabarmos com nossa parte. – ela falou, encarando os olhos dourados de Taiga com seriedade. – Consegue reuni-las?

– Sim. Pode contar comigo. – Taiga sorriu, prostrando-se diante da Princesa. – Nos vemos lá fora, Kira.

– Até depois, Taiga. – e com aquele sorriso, as duas se despediram.


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Notas finais do capítulo

edição feita em 25/04



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