Sociopathy escrita por Ille Autem


Capítulo 9
Parte II - O Filho Pródigo - IX




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–Não gostei do jeito que você e aquele Isao se olharam. -reclamou Harold no caminho de casa depois da festa.- O que foi aquilo?

–Não foi nada. -disfarçou a esposa.- Impressão sua.

Ele riu.- Você só pode estar brincando, até o filho de George perceberia se estivesse ali. O que foi aquilo Claire?

–Só pensei que ele podia ser alguém que eu conhecia a muito tempo, só isso.

Harold estacionou o carro no acostamento e disse olhando pra frente:

–Claire, eu aprendi a te amar ao longo desses anos todos em que nos conhecemos, e eu posso dizer que te amo e te conheço muito bem. O que foi aquilo?

–Eu fiquei surpresa, achei que ele parecia com Hugo. -Harold arregalou os olhos e começou a dar gargalhadas enquanto saía com o carro de novo.

–Ken Isao não tem nada a ver com Hugo Caleb, nem na aparência e muito menos na personalidade forte e inteligente do escritor, não seja tola, meu amor. -ele riu de novo.- E eu me preocupando com isso.



O casarão diocesano da cidade era a residência mais cobiçada por todos os empresários que ali viviam, mas mais poderosos que todos eles, era a igreja, que não o vendia por nada. Tinha belos campos e árvores que cercavam o caminho de pedras que levava até a frente do casarão, com um belíssimo chafariz e mais lindas flores. Tinha três andares, e grandes janelas que deixavam a luz do sol e da lua iluminarem toda a casa de maneira fantástica. Era mobiliado com móveis antigos, clássicos e muito elegantes que davam um certo charme a mansão. Um belo jardim dos fundos e no fim do enorme terreno, um mirante com vista para o mar do alto penhasco aonde a mansão fora construída, de onde era possível ter uma vista perfeita de toda a cidade.

Nos dias comuns, ele permanecia tranquilo, sem muita movimentação e não chamava tanta atenção, mas naquela manhã em especial, estava cercado de carros de televisão e repórteres tentando descobrir mais informações sobre o pronunciamento do novo arcebispo na manhã seguinte a sua posse.

–Nessa manhã, o arcebispo da diocese de Trevo, Dom Leoni, anunciou que o casarão diocesano, com a aprovação de todos, foi vendido, com a justificativa de que a casa é muito ostentada e não é isso que a sua igreja quer e nem sua diocese. O arcebispo não anunciou para quem foi vendida a residência, mas falou que está em ótimas mãos e que todos já conhecem o novo morador, mas não sabemos o nome dele.



–Parece que nosso novo vizinho já está de mudança. -disse Roger olhando os enormes caminhões de mudança subindo a rua em direção ao casarão recém-vendido, cercado por carros pretos de segurança.- Quem comprou o casarão, é um negociante digno de meu respeito.

–Quem será que foi tão audacioso e comprou o casarão? Deve ter sido um rombo na economia dele, sem dúvida. -comentou Madeline.

–É claro que não, quem comprou sabe muito bem o que está fazendo, a não ser que seja um milionário excêntrico.

–Estou curiosíssima para saber quem é. -ela sorriu e se dirigiu para a varanda da frente junto com o marido para melhor acompanharem a mudança.- Deve ser uma pessoa muito discreta, já que não quis que anunciassem seu nome.

–Ou então ao contrário, quer fazer suspense para que fiquemos excitados em descobrir quem ele, ou ela, é. A pessoa deve dar alguma pista, fazer alguma coisa, isso é impossível, todos vão ficar na cola da mansão para descobrir quem é.

–Ele vai dar um baile. -disse George subindo as escadas da varanda, acabava de chegar.- O convite de vocês foi entregue junto com o meu.

Madeline pegou delicadamente o convite cor de vinho cuidadosamente dobrada e o abriu, letras elegantes os convidava para o Baile de Outono, no endereço do ex casarão diocesano, no qual seria apresentado a todos o novo morador da vizinhança. Seria uma espécie de baile temático, como os bailes da época da monarquia. Longos vestidos, culotes, valsa e muita elegância.

–Surpreendente, não perderemos.



–É uma pena você ter que ir embora, Ken. -lamentou Rita ajeitando o paletó do amigo.- Agora que tudo começou a dar tão certo, tem certeza de que não quer que eu procure uma casa para você comprar aqui?

–Não precisa, Rita, está tudo bem, nos veremos em breve. -ele sorriu.

–Não quer ficar nem para o Baile de Outono? Descobriremos quem é o novo vizinho, vai ser como os bailes da monarquia, você não quer perder isso.

–Eu vou acompanhar pelo payperview, não se preocupe. -e riu.- Tenho certeza que será um evento e muitas surpresas, para todos nós. -e a abraçou.- Até mais.

Ken então embarcou no carro prateado e deixou a mansão Goldberg.

Claire deixou o pequeno Maycol na escola e foi visitar a paróquia, continuava a mesma desde a morte de Padre Maycol há seis anos. Ela adentrou a igreja e uma sensação de culpa tomou conta de si, e não era pra menos, afinal, há seis anos, entrara ali para matar um padre, pai de seu, até hoje, amado. Ela olhou ao redor, tudo parecia apontá-la e culpá-la, e com razão, afinal, ela era uma assassina.

Desde o centenário da GoldPress, na semana anterior, ela não dormira direito pensando em Ken Isao e como, para ela que o amava, parecia-se com Hugo Caleb. Ela tinha certeza de que ele era seu amado, mesmo que sendo impossível, ela sabia que era ele, nem que fosse reencarnado ou qualquer tipo de coisa, mas sabia quem ele era, só não sabia como ele tinha mudado de nome

Mas aquilo também podia ser ideia da cabeça dela, talvez estivesse ficando doida e o seu inconsciente estava a levando a delirar, imaginar que um célebre escritor, podre de rico, muito inteligente, pudesse ser o seu amado, seu amado que ela traíra e se arrependia amargamente, mas agora era tarde para poder se redimir ou se apaixonar de novo, seria impossível.

–Claire? -perguntou uma voz conhecida, era Padre Valério.- Você está bem?

–Eu vou ficar, é apenas uma crise de consciência. -e sorriu.

Ele a olhou por um instante e disse:

–Uma vez, uma irmã me disse que na nossa vocação, nunca devemos olhar para trás, sempre seguir em frente e deixar o passado, por pior que seja. E a vida também é uma vocação, então aproveite enquanto você ainda tem uma.

Ela sorriu.- Obrigado.



–Está pronta, querida? -perguntou George do pé das escadas, já estava atrasado para acompanhar os De Lune no Baile de Outono, precisava registrar e coordenar toda a chegada dos seus patrões.

–Já querido. -ela respondeu descendo as escadas elegantemente com o vestido longo de renda. Os cabelos presos num rabo de cavalo e uma franja caindo elegante pela direita e grandes joias a deixando mais bela que de sempre.- Como estou?

–Muito bonita, vamos. -ele então a pegou pela mão e entraram no carro.- Sabe, meu amor, acho que Joe está ficando muito sozinho.

–Concordo. -Trina sabia que George não estava fazendo o papel de pai direito, mais trabalhava do que ficava em casa.

–Que bom. Então, acho que concorda comigo que você deve parar de ir a essas festas e ficar mais com Joe, ele sente sua falta.

Trina arregalou os olhos, foi como se a raiva tivesse tomado conta dela e que foi liberada com um berro que fez o marido frear o carro.- Você é doente, George?–ela continuou gritando.- Você desaparece para ficar babando aqueles De Lune e esquece seu filho em casa, nunca perguntou se ele estava bem. Eu te pergunto como estou e você diz que estou bonita e me puxa porque está atrasado. Você vive para o trabalho, e eu, eu, tenho que dar mais atenção ao Joe? Não que eu me importe, eu amo meu filho, mas é você quem pede para que ele fique em casa, é você quem não está presente na vida da sua família.Seu idiota! Some daqui! Eu não aguento mais!

Trina então abriu a porta do carro e antes que ele pudesse dizer qualquer coisa e bateu forte enquanto corria na direção contrária aos prantos. Já estava mais do que na hora de George saber o que ela estava sentindo, estava errada, ela sabia, de contar daquela maneira, mas o que ele falara, provocara uma raiva absurda e ela revelara tudo o que estava sentindo.

–Desculpe! -disse uma voz que ela conhecia. Trina olhou para o homem que tinha esbarrado nela e foi tomada por outra emoção forte ao ver a cara de preocupação dele ao ver quem estava chorando.- Meu Deus,Trina, o que houve?

–Enzo! -ela então o abraçou forte e o rapaz ficou estático.



–Sra. De Lune. -disse a empregada enquanto toda a família descia as escadarias da mansão, todos muito elegantes e a caráter para o Baile de Outono.- Uma carruagem os espera para levarem ao Baile de Outono.

–Como disse? -perguntou a matriarca.

A família então se dirigiu para a varanda da frente, aonde um cocheiro os esperava com uma belíssima carruagem negra com detalhes dourados e quatro cavalos brancos. A família então se dirigiu para a carruagem e logo saíram em direção ao Casarão Diocesano.

–Parece que nosso novo vizinho não economiza, em nada. -disse Claire ajeitando a bela trança.- Isso tudo é magnífico.

–Realmente, encantador. -concordou Madeline.- Quem será essa figura?

–Uma pessoa realmente inteligente.

–Diretamente da cidade de Trevo. -lia Harold em voz alta a reportagem no site de notícias.- O Baile que chamou atenção do mundo todo. O Baile de Outono que já está acontecendo, marca o início do Outono e a festa de apresentação do novo morador, ou moradora, da cidade de Trevo, que comprou o Casarão Diocesano, a mais cara e antiga residência da cidade. Mas as surpresas não param por ai, a maioria das ruas que cercam a mansão foram fechadas apenas para circulação de lindas e caras carruagens que foram disponibilizadas quando faltavam uma hora para o horário marcado, quem partiu antes disso, teve que deixar o carro algumas ruas antes. Todos os moradores estão muito bem a caráter e a festa promete muito mias surpresas.

–Isso é excitante! -disse Claire rindo, seu humor tinha melhorado depois da conversa com Padre Valério, ela tinha repensado, tinha que viver a sua vida e esquecer o passado.- Mal posso esperar para conhecer o novo vizinho.

Quando se aproximaram do Casarão, viram a quantidade de carruagens que subiam em direção a mansão iluminada e com alguns detalhes mudados. Os jardins estavam mais coloridos e as árvores que cercavam o perímetro começavam a ficarem amareladas, secar e cair na grama que agora ficava um verde mais claro. O chafariz da porta da frente jorrava água dando um ar elegante e aos poucos os convidados iam entrando na mansão.

A família desembarcou e se juntaram para uma foto para a cobertura do evento, mais jornalistas falavam ao vivo pela televisão e faziam perguntas sobre as expectativas para todos os ilustres convidados que chegavam. As revistas de moda fotografavam todos para depois discutirem os visuais, as revistas de notícias publicavam mais fotos sobre os convidados e sobre as surpresas que prometiam na festa.

O enorme salão de festas estava ornamentado com grandes cortinas vermelhas e luzes de velas.e garçons com roupas clássicas e de época servindo os convidados nas belíssimas mesas decoradas com toalhas de renda e arranjos florais, que cercavam a pista de dança e o palanque montado ao fundo do salão. As portas de vidro do salão estavam abertas e levavam para o jardim dos fundos, aonde mais mesas para os convidados se encontravam prontas, o jardim bem iluminado para um passeio a luz do luar e por último o belo mirante aonde alguns casais já se encontravam conversando ou convidados tirando fotos, afinal, a maioria deles nunca havia entrado lá.

–Stella! -disse Madeline encontrando a amiga pelo salão.- Alguma pista do nosso novo vizinho, querida?

–Ah, eu nem imagino quem seja. -disse a amiga.- Mas está sendo tudo fantástico, grandioso, seja lá quem for, é… é indescritível.

Escutaram-se então o badalar do sino sete vezes, as luzes do salão diminuíram e um foco de luz foi lançado em direção ao palanque, o Baile estava começando.



Trina e Enzo estavam sentados na praça de Monte Castelo, ela estava parando de chorar, emocionada com algo. Enzo a leva para ali, era um lugar especial para ele, tinha crescido ali, brincando e passando momentos felizes com a família e os amigos, e agora estava com ela, era uma pessoa especial, tinha se encantado por ela desde o dia em que quase a derrubara na rua, junto com o filho.

–Você deve estar me achando ridícula. -disse Trina agora rindo enquanto enxugava as lágrimas.- Nós nem nos conhecemos direito, desculpe.

–Se isso te fazer ficar melhor, eu não me importo. -sussurrou o rapaz.- Você não é ridícula, você é alguém que está sofrendo, mas porquê?

–Não é nada, só meu casamento. -ela parecia mais conformada agora.

–Só isso? -ironizou o rapaz e riram.- O que aconteceu? Ele deve ser um canalha para te fazer chorar, nenhum homem pode fazer uma mulher chorar, não se a ama.

Trina sorriu.- Ele era, George era um homem perfeito, mas depois o trabalho como assessor dos De Lune tomou conta dele e ele deixou a mim e ao nosso filho de lado, não é tão presente como deveria... Eu sinto falta disso, do George que eu conheci e me apaixonei.

–Mas você também trabalha pra eles, não é diretora da Fundação? -Enzo tinha visto as reportagens e fotos do chá de Direitos Humanos.

–Mas eu tenho mais liberdade, Madeline me dá total liberdade para agir e fazer meu horário de trabalho, assim como George tem o dele, mas os ultrapassa. É como se fosse fazer outra coisa, se preocupa de mais com o trabalho. Eu perguntei antes de sairmos como eu estava, ele disse que bonita, mas nem me olhou direito.

Um momento de silêncio e ela mudou a feição para aflição.- Depois, no carro, disse que eu devia parar de ir as festas para ser mais presente na vida do nosso filho, mas eu fico com Joe todos os dias, ele é quem não fica. Não que eu não goste, eu amo Joe, amo cuidar dele, eu morreria por ele. George não tem esse direito!

–Claro que não tem, porque vocês não o levam? O Joe?

–Porque ele não gosta! Ele diz que vai dar trabalho!

–Acho que você deve pensar no relacionamento de vocês, talvez o divórcio seja a melhor saída para você não sofrer. -ele sorriu.- Meu pai deixou minha mãe quando éramos pequenos, para ir para o seminário, descobrir a real vocação dele, não guardamos rancores dele, mas ficamos chateados por ele sumir de vista.

–Seu pai é padre?

–Não sei, quem sabe ele deixou o seminário de novo. -e riu.- Mas combinamos de não contar para ninguém, então isso fica entre nós.

–Claro. -ela sorriu.- Bom, eu já vou, você também deveria ir, temos que descobrir quem é o novo morador de Trevo, sua mãe e seu irmão devem estar procurando você.

–Eu disse que me atrasaria. -ele sorriu.- Vá na frente, não vai pegar bem você chegando comigo.

Ela sorriu.- Obrigada por tudo. -uma carruagem então apareceu na praça e ela trocou algumas palavras com o cocheiro que perguntou se ela estava a caminho do Baile.

–Trina! -chamou e ela olhou sorrindo.- Se serve de consolo, você está linda.

Ela sorriu e entrou na carruagem, nada tinha dito.



O salão estava cheio, tambores rufaram e um homem surgiu no palanque com vestes douradas sorrindo.

–Boa noite a todos! -ele disse.- Sejam todos bem-vindos ao Baile de Outono. Hoje, é o dia em que marca o início do outono, estação do ano em que as folhas secam, caem e depois sofrem com o frio, mas logo renascem fortes e lindas novamente, novas e prontas para mais uma luta. Assim podemos descrever vosso anfitrião, exemplo de recaída, mas de quem se reergueu8 e provou para o mundo que é forte. -ele sorriu.- É com muita alegria, que lhes apresento o anfitrião dessa noite: Ken Isao


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