Sociopathy escrita por Ille Autem


Capítulo 12
Parte II - O Filho Pródigo - XII




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Eu estacionei meu carro na frente da paróquia e desembarquei admirando a bela igreja. Ajeitei os óculos e meu paletó preto enquanto caminhava para dentro da belíssima casa de Deus. A igreja não tinha mudado muito, continuava sendo iluminada sempre pela luz do sol que batia durante a maior parte do dia no presbitério. Tantos anos tinham se passado e tantas coisas tinham acontecido, mas minha sede de justiça não tinha mudado, ela só aumentava a cada dia.

Eu então me ajoelhei no oratório e tirei um terço prateado, o terço que tinha sido a arma que matara meu pai e Stella havia deixado na minha sala depois da entrevista, eu só não sabia como ela tinha recuperado. Ela seria uma boa aliada, mas eu não poderia colocá-la em risco, mais a frente, eu não gostaria de ter que tomar alguma escolha a respeito dela, alguma escolha séria, como a vida. Afinal, ela era minha única família viva, eu não tinha mais ninguém.

–Não pensei que você fosse voltar aqui depois de tudo. -disse uma voz que eu conhecia muito bem, tia Stella.

–Eu não sei do que você está falando. -respondi me sentando ao lado dela.- Eu nunca estive aqui antes.

–Não seja ridículo, Hugo. -ela esbravejou.- Você não vai poder se esconder atrás dessa máscara para o resto da vida.

–Talvez eu não esteja me escondendo, talvez Hugo Caleb fosse a máscara.

Stella me olhou atordoada.- Então pelo menos me deixe ajudar mais, Ken.

–Não quero correr esse risco. -respondi.- Não quero que você se meta nisso demais, não quero ter que tomar decisões drásticas, caso elas surjam. Você é minha única família, eu odiaria perdê-la por uma justiça que eu tenho que fazer.

Ela me olhou sorrindo e acariciou meu rosto como uma mãe acaricia um filho, senti uma sensação estranha naquele momento, culpa? Arrependimento? Não, eu não sentia aquele tipo de coisa. Não depois de ter passado pro tanta coisa, feito tanta coisa e até mesmo saber muita coisa. Eu tinha uma missão, e era destruir os De Lune, custasse o que custasse.

–Nesse caso então, acho que você não vai querer saber o que eu descobri. -ela chantageou e eu me recompus rapidamente.

–O que você sabe?

–Ken! -disse uma voz se aproximando, era Madeline, e não estava só.- Não esperava de forma alguma encontrá-lo por aqui, como sempre, imprevisível.

Ele riu.- Nem tanto, conheci Dom Leoni numa igreja, era de se imaginar. -o homem que a acompanhava então franziu a testa, de imediato eu o reconheci.

–Esse é o Padre Valério, nosso pároco.

–É um prazer, padre. -cumprimentou o escritor e o padre retribuiu com um sorriso aparentemente forçado.-Você é o sucessor de Padre Maycol, não é?

–Sim, um grande padre, o Maycol. -respondeu o homem.- Nos vimos algumas vezes em encontros de formação na diocese.

–Ele está arrecadando fundos para uma restauração na paróquia. Vamos fazer uma festa de arrecadação, tenho certeza que você comparecerá. -disse Madeline.

Eu sorri.- Com todo o prazer.

–Eu exijo falar com a Srta. Carter! -berrava Enrico batendo o punho no balcão de recepção da emissora.- Tenho informações do interesse dela!

–Sinto muito, senhor, mas ela não atende as pessoas assim. Nós estamos numa emissora, não num escritório de advocacia em que você pede para falar com o advogado.

–Não me interessa, dê um jeito, é sobre Ken Isao!

–O que você sabe sobre ele? -perguntou uma outra voz, Enrico então olhou atordoado, era a própria Julie Carter. Ela sorria de um jeito malicioso.- Aliás, o que um cara bonito como você, sabe sobre ele? Não em diga que é gay!

Enrico foi obrigado a rir.- Não, eu não sou gay. Se quiser eu posso te provar isso, mas é melhor num lugar mais adequado. -ela sorriu.- Que tal irmos comer alguma coisa?

–Sou toda ouvidos. -ela sorriu e os dois deixaram o prédio da emissora em direção ao Stella, um dos mais requintados restaurantes da cidade que pertencia a própria Stella Chevalier, a mesma presidente do comitê de direitos humanos. Era uma rede muito famosa de restaurantes de comida italiana.- Então, pode falar. -ela sorriu.

–Estava acompanhando a cobertura pela televisão num pub hoje de manhã, e tinha um padre lá. -começou.

–O que um padre estava fazendo em um pub?

–Não sei, pergunte a ele se quiser saber, é o pároco. Não é isso o que interessa. -Enrico estava ficando exaltado.- Quando Dom Leoni começou a dar seu testemunho de como conheceu Ken, o padre disse que era mentira, ele nunca ouvira o bispo falar sobre aquele homem na vida dele, e ele nunca tinha aparecido na cidade ou para visitar o bispo. Eles não se conhecem.

Julie pareceu interessada.- Então realmente Ken Isao é alguma espécie de psicopata. Eu estava procurando algo na casa dele, algo que pudesse apimentar minha resenha sobre a entrevista. O notebook tinha senha, mas achei um caderno com várias anotações, nomes de pessoas importantes e diversas coisas escritas, como instruções, não vi bem o que eram, ele chegou na hora e pegou meu tablet.

–O que? -Enrico perguntou atordoado.

–Ele pegou meu tablet, disse que faria algumas alterações na minha resenha e postaria para mim, e se eu dissesse alguma coisa daquele episódio para alguém, ele ia dar um jeito de acabar com minha vida profissional, e minha vida, é minha vida profissional, ou seja, ele acabaria com minha vida! -ela estava histérica.

–Com licença. -disse uma voz fria atrás de Julie e o casal gelou por um instante.- Não quero interromper o namoro de vocês, mas você esqueceu isso hoje lá em casa, espero que não tenha te atrapalhado em nada.

Julie então se virou para Ken assustada, na mão dele havia seu tablet inteirinho. Como ele era cínico, ela pensou. A apresentadora olhou rapidamente para o seu acompanhante que também parecia assustado e pegou o tablet agradecida.- Não, obrigada, Sr. Isao. -e ele se retirou para juntar-se a Sra. Stella em outra mesa mais afastada, no restaurante.

–Por muito pouco, nós dois não temos nossas vidas acabada. -resmungou o rapaz.- O que você sugere? O que devemos fazer?

–Investigar, é claro! Mas como? -ela parecia preocupada.

–Podemos discutir isso depois -Enrico sorriu malicioso.- Eu te disse que te provaria que era homem, não disse?



–Então, fale logo o que você descobriu, Stella. -pediu Ken.

–Não sem a sua palavra de que poderei ajudá-lo, mesmo que apenas com investigação. Eu quero te ajudar, eu quero poder fazer isso, pelo seu pai!

Eu encarei tia Stella por um instante, eu não tinha saída. Seria perigoso eu aceitar aquilo, mesmo que fosse apenas para uma espionagem, mesmo que não fosse nada que a pudesse pôr em risco. Mas eu não tinha saída, e aceitar aquilo não seria ruim, afinal, ela correria um risco muito menor e eu saberia das coisas mais rápido, já que ela era mais entrosada com os moradores da cidade a mais tempo que eu.

–Eu aceito, mas você tem que me prometer tomar cuidado.

Ela sorriu.- Como você quiser. -ela então olhou para os lados.- Bom, o Padre Valério, não é padre coisa nenhuma. Nem aqui, nem em lugar nenhum.

–O que? -eu perguntei atordoado.

–O Padre Valério já teve vários tipos de relações com algumas mulheres da paróquia, sempre as mais velhas, mas bonitas, como eu. -eu olhei abismado.- Numa das nossas noites eu já desconfiava que ele não era padre coisa nenhuma, nenhum padre seria tão bom de cama como aquele. -ela riu.- Hoje então eu confirmei minhas suspeitas. Ele gosta de mim e confia cegamente em mim, então, deixei um presente decorativo na mesa dele hoje, um santinho com microfone e câmera e depois fui embora e Madeline entrou logo em seguida.

–Acha que ela tem um caso com ele? -perguntei

–Não, claro que não. Mas ela tinha pedido que ele não confiasse em mim, mas ele não deu ouvidos a ela e não contou do meu presente, ela poderia desconfiar. Ouvi tudo o que conversavam. Ele não é padre, ele é um ator contratado para fingir ser padre, falsificaram todos os documentos dele e subornaram outros padres para que pudessem dar cobertura da suposta vida de Padre Valério e o plano deles começa agora, com essa suposta restauração da paróquia.

–Como assim?

–Ken, a restauração é uma fachada para que eles possam descobrir se existe alguma passagem secreta para a mina de diamantes abaixo da igreja. Enquanto os De Lune investigam, Valério encanta os fiéis e os distraem com seu jeito carismático e fraterno de ser, precisamos dar um jeito de tirar aquele padre de lá e acabar com o plano deles.

–Tirá-lo de lá sim, mas acabar com o plano não. -sorri e ela me olhou confusa.

Trina estava sentada na cadeira de balanço de seu quarto, ela e George haviam passado dias sem se falar, hora ou outra, trocavam algumas palavras, mas nada mais do que o necessário. De certa forma ela se sentia aliviada, se sentia livre e mais leve, afinal, tinha confessado tudo o que estava sentindo de uma vez só, e de uma maneira que fizera George se mancar de suas atitudes.

Mas mesmo assim, ele não dava o braço a torcer, era orgulhoso, talvez fosse mal de jornalista, afinal, nenhum jornalista gosta de ter uma notícia e no fim, descobrir que a verdade é outra, completamente diferente. E ela não aguentaria aquilo, não daquele jeito e nem de jeito nenhum. Estava decidida a mudar de vida, a crescer a se libertar de um casamento que só a fazia mal.

–George. -ela chamou quando o viu passar no corredor. Ela viu a sombra parar, hesitar e depois voltar. Ele parecia cansado e aflito.- Podemos conversar?

–É claro. -ele respondeu entrando no quarto e se sentando na cama cautelosamente, parecia temer o que vinha a seguir.- Também acho que já está na hora de termos uma conversa civilizada.

Trina apenas assentiu.- Eu serei o mais breve possível, quero o divórcio. Não posso continuar num casamento que só me alimenta de tristezas, de preocupações desnecessárias. Você mudou muito, não é o George que eu conheci há alguns anos, não dá mais para continuar assim.

Ele a encarou surpreso.- Mas Trina, eu te amo. Eu reconheço que fico mais no trabalho do que com você e com o Joe, meu filho. Eu perdi um pouco a noção, mas eu te amo, eu quero ficar com vocês, eu quero ter uma família de verdade, uma família que sempre sonhamos quando nos conhecemos. Por favor, Trina, não faça isso comigo, eu não sei viver sem você.

A moça ficou um pouco receosa se estava fazendo a escolha certa, George parecia realmente arrependido. Mas já estava decidida.- Não George, você teve todas as oportunidades para me ter ao seu lado, mas nunca as abraçou. Eu não posso ficar esperando você mudar.

–Trina, me perdoa! Eu te amo, eu amo o Joe, pense direito nisso!

–Não,George! -ela exclamou.- Eu já pensei, eu já decidi. Você me bateu na frente de todo mundo, isso seria uma covardia se fosse entre quatro paredes, só nós dois, mas não, você fez questão de expor nosso casamento para o mundo inteiro, você sabe que quando se trata de Ken Isao, estamos falando a nível mundial. Você não pensou em mim, no nosso casamento e no nosso filho.

–Trina, por favor.

–Não! -ela berrou se pondo de pé.- Eu quero viver a minha vida, eu quero ser mais livre. Não quero ter que ficar sofrendo a vida toda, chega, pra mim, chega!

–Eu aposto que isso é ideia daquele gêmeo Goldberg, é Enzo o nome dele, não é?

–Não o meta nisso, ele não tem nada a ver com nossa briga.

–É claro que tem! Ha quanto tempo vocês se encontram as minhas costas? A quanto tempo sou chifrado? Não me faça de idiota, eu já devia ter imaginado. Isso tudo é uma farsa sua, você sempre quis se divorciar de mim. Mas, como eu não percebi isso antes? -ele agora ria e Trina o olhava surpresa.

–Você é doente, George! -ela falou ofendida.- Eu nunca te traí, muito pelo contrário, eu sempre quis o seu bem. Mas mesmo se eu tiver alguma relação com Enzo, eu posso ter depois do divórcio, afinal a vida é minha.

–Você é maluca, mas eu não vou deixar isso barato. Nem que eu vá até o inferno, mas você não vai ter paz. Você morra divorciada, mas não casada com outro. Você vai ver. Isso não vai ficar assim. -ele berrou saindo do quarto.

A moça então se jogou na cadeira de balanço novamente e se pôs a chorar, aquilo já estava passando dos limites.



Claire tinha deixado Maycol na escola e se encaminhava para a sede da fundação, Trina tinha convocado uma reunião com ela e com sua mãe, ela parecia aflita com alguma coisa, quase que com medo. Mas já era de se esperar, afinal, depois daquela cena no Baile de Outono, já era de se esperar essa reunião ou alguma atitude dela.

–Ah, desculpe! -exclamou Claire esbarrando em alguém que saía do restaurante em que ela passava em frente. Viu de relance que algo caiu então se abaixou para pegar e quando viu o que era se arrependeu.

A moça parou estática olhando o terço prateado caído no chão, foi como voltar ao passado, ao seu ato tenebroso na juventude, um ato que não esqueceria nunca e nem o objeto com que realizara aquele assassinato, objeto que por incrível que parecesse, era exatamente aquele. Ela não tinha dúvidas de que aquele era o terço de Padre Maycol, mas não foi esse o maior choque, mas sim ver de quem era.

–Hugo.

Ele nada disse, apenas pegou o terço e saiu a olhando com estranheza, talvez realmente estivesse ficando maluca.


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