Naquela terça, Karen teria mais uma aula particular. Desnecessário dizer que ela estava muito animada com isso. Já Desirée, estava de prontidão para conseguir qualquer informação que julgasse importante. Com o Livro dos Segredos em mãos, ela aguardava a chegada de Marcelo. Não que estivesse contente em estar usando o livro para vigiar a própria irmã, mas naquele caso era preciso. E ela tinha certeza que Marcelo falaria alguma coisa naquele dia, uma vez que sua mãe não estava em casa e a Suzana...coitada da Suzana, com tanta coisa pra fazer ela não iria ficar prestando atenção na conversa deles. Não demora muito e a campanhia toca. Suzana atende enquanto secava as mãos num pano de prato.
      - Ah, boa tarde. Karen! Seu professor chegou! - grita a empregada - Fique à vontade
      - Obrigado. Com licença
      Logo, Karen aparece em cena com um sorriso de orelha a orelha. Ela tinha até feito maquiagem e tudo. Sem dúvida estava fazendo o máximo que podia para se aproximar dele. "Essa tonta", pensa Desirée que estava em seu quarto, deitada na cama, vendo e ouvindo tudo por sua "tela mágica", "Desse jeito ela só facilita pra ele. Tsc. Vou prestar muita atenção nesses dois, se bem que seria muito apressado ele tentar alguma coisa logo no segundo dia de aula, mas é melhor não facilitar...", ela pensava e acompanhava tudo com o máximo de atenção.
      - E aí? Estudou muito?
      - Mais ou menos...tem vários problemas que eu não consigo fazer
      - A gente dá uma olhada, não se preocupa.     
- Tá
      - E a sua mãe? Não está em casa hoje?
      - Ah, não. Ela teve que visitar um cliente. Ah, mas fica sossegado. Ela deixou o dinheiro da aula
      - Hahahua. Tudo bem. Eu só perguntei porque reparei mesmo. Ela é tão simpática
      - Você acha?
      - Acho sim
      - Deve ter puxado a mim - diz ela, toda metida
      - Hahaha. Né?
      - Ah, sim. Antes de começar, eu vi que você me adicionou
      - Ah, sim. Achei legal a gente manter contato. Vai que você precise de mais aulas
      - É, né? Nunca se sabe.
      - Apesar de que eu nem mexo muito em computador
      - Sério? Eu também não - responde Karen, rindo.
      "Mentirosos", pensa Desirée, que via e ouvia tudo aquilo.
      Os dois conversam mais algumas banalidades e começam a estudar. Até estudam sério por mais de uma hora. Desirée acompanhava tudo e até conseguia entender alguns raciocínios, apesar de serem de uma série mais adiantada que a dela. "Bom, até que ele não explica mal", ela reconhece, "É...acho que ele não vai falar nada...apesar da Karen quase se jogar em cima dele. É. Seria muita cara de pau, mas mesmo assim, é melhor continuar vendo"
      - Ah! Esse até que foi rápido!
      - Viu? Já tá melhorando bastante
      - Hahahua. É que você explica muito bem! - diz a mocinha, com um sorriso bem aberto.
      - Você que é uma boa aluna quando se esforça. Continue assim e vai se dar muito bem na próxima prova
      - Espero. Senão é capaz da minha mãe me prender em casa e me proibir de sair por um ano inteiro
      - Sei. Você é do tipo que adora sair à noite, né?
      - Ah, eu amo! Nada melhor que uma festinha pra esquecer os problemas
      - Sério? Eu gosto de coisas mais tranquilas mesmo. Sei lá...pizzaria ou um barzinho mesmo
      - Ah! Eu também! - ela se apressa em dizer, sorrindo muito - Lugares tranquilos são bons também
      - Sério? Aliás...perto da faculdade tem uma lanchonete ótima! A gente podia ir lá um dia desses
      Karen, por incrível que pareça, fica até vermelha. Desirée volta a prestar atenção na conversa. Ele falou mesmo aquilo?
      - Hã? Como assim? Tá me convidando para...
      - Claro...se você prometer estudar direitinho
      - Claro, claro! Vou estudar muito, muito mesmo! Vou ter uma prova na quinta...se eu for bem...a gente podia ir nessa lanchonete
      - Bem, se você sentir que for bem
      - Vou sim. Pode apostar. Então...vamos para o próximo problema?
      - Hahaha. Vamos, vamos
      Karen se volta para os problemas e Marcelo sorri de forma suspeita. Foi o que Desirée viu e ficou horrorizada. Era óbvio que ele tinha preparado isso. Embora fosse um incentivo a mais para Karen estudar, as intenções daquele cara não pareciam nada nobres, nada mesmo. Pelo restante da tarde, os dois não comentaram mais nada sobre isso. Mas era óbvio que Karen estava disposta a sair sozinha com ele. A preocupada Dê não podia deixar aquilo assim...bem, primeiro precisava conversar com a irmã e ver se conseguia colocar algum juízo naquela cabecinha. Caso não conseguisse (o que ela tinha certeza que iria acontecer) teria que aplicar um outro plano. No dia seguinte, em um outro momento onde a mãe das duas não estava em casa por ter saído rapidamente para comprar uma coisa, Desirée se aproxima da irmã que estava toda largada no sofá lendo uma revista.
      - E aí, Karen? Estudando muito?     
      - Ah, não enche! Já estudei a semana inteira, não estudei?
      - Você não tem uma prova amanhã?
      - Estou preparadíssima para essa prova. O professor Marcelo é muito bom
      - Ah, sei
      - E adivinha só
      - Adivinhar o que?
      Karen puxa Desirée para mais perto em mais uma daquelas "conversas em voz baixa"
      - Você acredita que ele me convidou para sair?
      - QUE? - diz Desirée, tentando simular surpresa ao máximo - Você não aceitou, aceitou?
      - Bem, ele disse que se eu for bem na prova de amanhã ele sai comigo. Ai. Quem diria...sair com aquele professor lindo. Aaaahh!!
      - Ai, idiota...como você vai saindo com um cara que você mal conhece?
      - Cala a boca! Eu vou sair com ele, justamente para conhecê-lo
      - Até parece que a mamãe ia deixar você sair sozinha assim com o seu professor
      Karen tapa a boca da irmã na mesma hora
      - Ela não precisa saber que eu vou sozinha, né?
      - Tsc...você não tem jeito - diz Dê, podendo falar de novo - Se você se ferrar não vai reclamar, heim?
      - Reclamar? Você acha que eu tenho alguma coisa pra reclamar de um gato daqueles?
      - Bah....eu vou subir...sua burrice pode ser contagiosa
      - IN-VE-JO-SA! - diz Karen, só pra provovar - Não fica assim, não...se for boazinha eu até te passo umas fotos dele
      - Ai, cala a boca!
      Desirée sabia que não conseguiria tirar aquela ideia da cabeça da irmã. Ela estava nas nuvens. Totalmente apaixonada. Como era possível? Ele encantou ela direitinho! Não podia ficar parada, não mesmo! Mesmo que Karen fosse mal naquela prova, ele daria um jeito de sair com ela. Desirée teria que agir rápido!
      No dia seguinte, Karen fez a prova e afirmava ter ido muito bem. Ela também teria aula particular naquele dia e imediatamente já conta ao professor o que houve. Claro que ele fica extremamente satisfeito
      - Foi bem na prova? Que bom!
      - Não é? Então, a gente podia comemorar
      - Claro. A gente pode combinar
      - Bem...eu posso na sexta ou no sábado - diz ela em voz baixa, embora sua mãe dificilmente pudesse ouvir qualquer coisa da outra sala
      - Sexta à noite?
      - Perfeito
      Ele fala o endereço da lanchonete e Karen anota com um sorriso. Parecia estar muito feliz. Provavelmente ela achava que só iria sair e conhecer o professor melhor. Mas Marcelo parecia querer algo mais que isso. Eles não falam mais nada durante à tarde e depois que Marcelo vai embora, ela fica ainda mais feliz.
      - Espero que tenha ido mesmo bem nessa prova, mocinha! - a mãe dela chama a atenção, achando que ela já estava avoada demais
      - Fui, fui sim, mãe. Pode apostar. E, já que eu estudei tanto...eu posso ir numa festinha lá no Centro essa sexta?
      - Mas já quer sair?
      - Pode, pode sim - diz o pai dela, que tinha ouvido a história toda - A menina estudou, Vânia. Deixa ela se divertir um pouquinho!
      - Ai, brigada pai! - diz ela, dando um beijo demorado no rosto dele
      - Só não vai chegar muito tarde, heim?
      - Claro que não!
      Quando Desirée e Karen estavam no quarto, a caçula ainda faz questão de travar um último diálogo com Karen
      - Então, vai mesmo sair com ele?
      - Vou sim. O papai até me deu dinheiro...claro, para eles eu vou na balada da FestCenter. Mas essa sexta eu troco qualquer balada por aquele deus! Ai, ai!
      - Eu vou falar de novo...se você se der mal, não vem reclamando!
      - Que me dar mal! O que é que pode acontecer? Essa sua inveja já tá ficando irritante, maninha! - Karen bagunça o cabelo da irmã e sai pra tomar banho. Desirée não tinha muita escolha a não ser executar o plano que estava pensando...ela não espiou a rotina do professor aqueles dias todos por acaso...
      No dia seguinte, por volta das nove horas, Karen sai de casa, afirmando que iria para uma festa com as amigas. Pouco tempo depois dela sair, Desirée levanta do sofá e diz para os pais que iria subir e qualquer coisa, estava lá em cima.
      - Vai lá, filhota - diz o pai, enquanto assistia à televisão
      - Ela é muito sossegada...como é diferente da irmã
      - Acho que ela não puxou você. Lembra como você também adorava uma festinha?
      - Ai, não precisa lembrar
      Mas Desirée, assim que fecha a porta do quarto, abre imediatamente o Livro dos Segredos e mentaliza a imagem do professor Marcelo. "Esse programa vai ser bom", ela pensa, já vendo a imagem do professor sentado num banco da lanchonete esperando Karen. Nisso, o celular de Marcelo toca.
      - Alô? Ah, Pedrão, é você? Não, não vou pra aula hoje...tenho uma coisa bem melhor pra fazer...sabe aquela aluninha bonitinha que eu te falei? É hoje que eu pego ela. Hahuaha, se tá no papo? Total! Assina a lista aí pra mim que depois eu conto como foi. Falou. Abraço
      Isso era uma cena comum do professor. Pelo que Desirée observou, era verdade que ele tinha uma namorada, mas ela estudava em uma faculdade mais distante e trabalhava o dia inteiro. Marcelo, por sua vez, saía com várias outras garotas e alunas (e estava saindo com algumas delas ao mesmo tempo que saía com a Karen) . O pior é que muitos dos amigos dele admiravam isso. Como podiam existir gente tão canalha? Mas era a realidade. O professor esperava ansioso, mas os planos dele não contavam com um certo imprevisto!
      - Marcelo?
      - Hã? Flávia?
      Era a namorada dele. Uma moça morena, de pele clara e não muito alta.
      - Oi, amor. Que surpresa foi essa?     
- Surpresa?
      - É. Recebi seu e-mail falando até para eu matar aula pra falar com você. Eu vim correndo preocupada, seu celular tá sem bateria, né?
      - Meu celular? Sem bateria? Espera, eu..
      - Ah, oi Marcelo! Que pressa é essa de me encontrar?
      Dessa vez era uma outra moça, loira e mais alta. Também parecia "conhecê-lo" bem.
      - Hã? Carol?
      - Carol? Espera aí, quem é essa?
      - Ué? Quem é essa aí, Ma?
      - "Ma"? Que intimidade é essa com o meu namorado?
      - Namorado? Peraí, você tem namorada, Marcelo? Você sempre me disse que não tinha!
      O professor não tinha a menor ideia do que estava havendo. Era muito azar, sua namorada e uma de suas amantes terem se encontrado daquele jeito.
      - Marcelo! Quem é essa vagabunda? Fala! Agora! - a namorada já estava ficando furiosa
      - Vagabunda? Aaah! Isso não vai ficar assim!
      Não demora muito para as duas começarem a sair no tapa. Marcelo tentava apartar as duas, quando Karen chega no local, procurando o professor. Mas o que ela vê é um cara desesperado perto de duas mulheres armando o maior barraco.
      - M-Marcelo? É você? - diz Karen, se aproximando dele - O que é que tá acontecendo aqui?
      - Ah...oi, Karen, eu...
      - Que? Karen? Tá...tá saindo com ela também? - diz uma das duas que vê a adolescente acabando de chegar
      - Saindo também? Como assim?
      - Eu sou a namorada dele! - diz Flávia, realmente furiosa.
      - Mas ele tá saindo comigo! - diz a outra, puxando Flávia pelos cabelos
      - Olha, isso eu...
      - Esquece - diz Karen, tentando parecer forte - Como é que sou uma burra mesmo!
      - Não, mas...
      - E você também, seu cafajeste! - diz a namorada, agora querendo tirar satisfação com Marcelo - Nunca mais olha na minha cara, tá ouvindo?
      - Espera, eu
      Nisso, Marcelo também leva vários tapas e a segurança do local já estava chegando. Karen vai embora, com lágrimas nos olhos. Ela chega em casa arrasada, mas inventa que brigou com uma amiga e isso passava logo. Não podia deixar os pais saberem o que aconteceu.
      - É! Você tava certa! Fui burra em achar que um cara daqueles queria alguma coisa comigo! - diz Karen para a irmã, em meio a choros e lamentos. Desirée abraça ela e diz que pelo menos foi melhor não ter acontecido nada. Enquanto a irmã chorava, Dê se lembra do que fez. Vendo o professor pelo livro todo dia, foi fácil descobrir a senha do e-mail dele. Assim, ela manda um e-mail para a namorada dele pedindo que o encontrasse com urgência, mas que não podia atender porque estava sem bateria no celular (isso evitaria que ela ligasse e descobrisse a farsa). Ao mesmo tempo, mandou a mesma mensagem para uma das várias garotas que ele saía. Com as duas se encontrando, foi só deixar o destino cuidar do resto. Aquele aproveitador teve o que merecia!
      Na semana seguinte, Karen recebe sua boa nota de Matemática para felicidade da mãe. Mas, mesmo a mãe dela não conseguiu entrar mais em contato com o Marcelo. Percebendo do que se livrou, Karen também supera logo sua decepção. "Ainda bem que tudo acabou bem!", pensa Desirée, deitada e abraçada com o Livro dos Segredos olhando para a cima, "Se não fosse o Livro dos Segredos, só Deus sabe o que poderia ter acontecido...esse livro...é mesmo fantástico!"