Desirée chega em casa e se prepara para dormir. Sua irmã demora mais um pouco, mas logo desaba na cama. A mocinha, sem sono, olha para o teto (embora não dê para ver muita coisa do teto com o quarto escuro) e fica pensando algumas coisas. Aquele tal cara do jantar seria mesmo um jornalista melhor que o seu pai? Não, não mesmo. Desirée se lembra que já leu alguma reportagem dele há algum tempo (na hora do jantar ela não associou o nome à pessoa, mas depois se lembrou que Paulo Jordas era outro cara que escrevia no jornal de seu pai). Pelo que ela leu, o texto dele era até radical demais, se comparado ao de seu pai, que sempre era mais modesto em suas colocações. Como sempre as pessoas preferem a polêmica e o sensacionalismo. Seria justo mesmo deixar esse Paulo levar a melhor? Seu pai não era um jornalista mais competente que ele? Na opinião de Desirée sim. Mas...não era só essa a questão.
          A garota rola na cama mais um pouco e pensa novamente no que poderia fazer. Se a questão era publicar a melhor reportagem, seu pai com certeza se esforçaria. O grande problema estaria em conseguir a melhor notício o quanto antes. E se aquele Paulo realmente consegue a informação bem mais rápido, as chances de seu pai vencer diminuiam. A menos que...a menos que ela usasse o seu livro. Aquele que ela prometeu não usar mais. E agora? A única pessoa que poderia ajudar seu pai seria ela. Afinal, naquele momento, ninguém no mundo conseguiria informações mais rápido do que ela. Mas ela deveria fazer isso? Desirée lembra que decidiu não abrir mais aquele livro. Da última vez, ela não o usou para algo realmente necessário, afinal, ela desmascarou o vigarista mais por raiva do que justiça. E agora? Usar o livro para conseguir informações para seu pai não seria trapaça? Seria, mas...o talento do seu pai não merecia ser reconhecido? Poxa, ele sempre trabalhou no mesmo posto por tantos anos. E há muito mais tempo que aquele Paulo, ela tinha certeza. Era uma ótima oportunidade
          No dia seguinte, o pai de Desirée acorda cedo como sempre. Misteriosamente, a garota também levanta naquele horário.
         - Filha? Por que tá de pé tão cedo? Você ainda pode dormir por mais uma hora, sabia?    
         - Ah...eu fui ao banheiro. Daí aproveitei para te desejar bom dia
         - Ah! Obrigado! - ele dá um abraço na filha e volta a preparar o café - Mas pode voltar a dormir. Depois você fica com sono e não consegue levantar. Hehe
          - Eu já vou, mas...pai...
          - Oi, o que é? - ele pergunta, praticamente engolindo o café da manhã.    
          - Aquela história de promoção...o senhor não vai desistir, vai?
          - Não, não. Já falei que não. Mas...vou precisar de sorte. Já falei que o Paulo é bem mais descolado do que eu
          - Mas o senhor é bem mais experiente do que ele, não é?
          - Hahauha. Bem, sou jornalista naquela redação há uns bons quinze anos. Ele começou há uns sete
          - Então! O senhor tem mais que o dobro de experiência do que ele! Com certeza consegue alguma coisa!
          - Bom saber que você torce por mim! Mas...com promoção ou sem promoção, tenho que seguir meu trabalho. Beijo, filhota
         Ele dá um beijo na garota e parte para o trabalho. A mocinha volta para o quarto e olha para seu Livro dos Segredos. Meio relutante, ela faz que vai pegá-lo, volta um pouco, fica parada por mais alguns segundos, mas, enfim, o abre. Aquilo realmente era vontade de ajudar o pai? Ou seria mesmo alguma necessidade que ela tinha de usar o livro novamente? Não, seria muito estranho usar uma questão daquelas como simples pretexto para usar o livro de novo. Seja como for, ela pega o objeto mais uma vez, simplesmente abandonando sua promessa anterior.
          "Tsc...mesmo que eu abra o livro...eu simplesmente não posso conseguir informações assim do nada. Afinal, onde estaria havendo um furo de reportagem realmente bom?. Ela arranca umas duas páginas em branco do livro e volta para a cama. Karen estava dormindo como uma pedra e sequer desconfiaria de qualquer coisa que a irmã estivesse fazendo. Ela olha para as páginas do livro sem pensar em ninguém especial e sem nenhuma ideia na cabeça  até que o nome de Paulo Jordas passa pela sua mente. Ela vê o tal jornalista também saindo para o trabalho. Antes de entrar no carro, ele recebe uma mensagem de alguma pessoa no celular dizendo que estava investigando algo bom. Seria algum dos tais contatos dele? O nome da tal pessoa era Aluísio Freitas (informação dada pelo próprio livro, afinal, o livro escrevia de acordo com o nível de informação que o dono desejasse). Ao focar no nome Aluísio Freitas, Desirée muda de página. Dessa vez, o que aparece é a imagem de um fotógrafo que estava chegando à cena de um assalto à banco. Tudo bem, assaltos à banco ocorrem todos os dias. Que outras informações ele poderia ter? Ela volta a espiar Paulo que, dessa vez, recebe a mensagem de alguma outra pessoa da suspeita de alguma corrupção na prefeitura. Mas, após alguns minutos de "espionagem mágica", Desirée descobre que era só um boato. Em resumo, parece que espiar os contatos de Paulo e tentar mandar alguma informação rápida para o seu pai não era uma boa ideia...até que ela "lê" o que Paulo estava ouvindo no rádio, algo a ver com o desaparecimento do filho de uma família do Centro, sumido há duas semanas.
            "É isso!", pensa Desirée, "O que eu preciso fazer não é roubar informações dos contatos do Paulo. É só eu conseguir uma informação que seja bem superior a dele!". Ela não conseguia ver o sorriso maldoso e ganancioso que fez naquela hora. Era uma ideia simples. Conseguir uma informação difícil deve ser melhor que conseguir uma informação rápida. Desirée já tinha uma ideia de como ajudar seu pai. "Tudo bem...não faz mal usar o livro para ajudar uma pessoa, né? Tudo bem se eu usá-lo de vez em quando...", ela pensa.
             Naquela tarde, Desirée acessa a Internet e começa a investigar nomes de pessoas desaparecidas. Tinha um número razoável. Pessoas de paradeiro desconhecido, possíveis sobreviventes de acidentes...todos os tipos de casos. Num primeiro momento, ela quis escolher o pior dos casos e descobrir o paradeiro da pessoa, mas, algo dentro dela fala mais alto. "E-Espere...não. Isso é não é tão simples assim", ela pensa, "Veja só todas essas pessoas desaparecidas...as famílias dessas pessoas devem estar passando por uma dificuldade imensa...e eu...eu tenho o poder para encontrar todas elas. Eu...eu...posso ajudar todas essas pessoas usando o Livro dos Segredos!". A mocinha agarra seu livro mais uma vez e olha com os olhos fixos para a tela do computador. "Eu...eu estava certa desde o início! Esse livro só depende de como é usado...se eu usá-lo para coisas boas, não tenho que temer nada..hahaha..é claro, é claro. Não preciso ter medo de um livro desses...ele só ajuda as pessoas. É claro!". Desirée parecia mentalmente abalada, mas, ao mesmo tempo, estava plenamente lúcida.
             Enfim, ela começa a agir. Ela cria uma conta de e-mail falsa e começa a trabalhar em um site para divulgação de pessoas desaparecidas. Embora seus conhecimentos de web design não fossem dos maiores, ela cria um blog simples que focava em se utilizar da Internet para encontrar pessoas dada como sumidas. Utilizando o nick de Truth (ou Verdade em Inglês), ela escreve o blog de tal forma que ele se assemelhasse mesmo a um site onde pessoas são encontradas por meio da ajuda de internautas. Ela pede que os visitantes mandem e-mails (não precisando se identificar) com informações sobre pessoas desaparecidas que ela posta nas páginas do blog. Na verdade, a própria Desirée, com o uso do livro, encontra o paradeiro das pessoas e posta no blog. Mas é claro que ela precisava tomar mais alguns cuidados. Em sua primeira postagem, ela apresenta a proposta do site, dizendo que teve a ideia baseado em casos que deram certo. Nisso, ela posta o paradeiro de uma das pessoas, como exemplo de um caso que deu certo (sendo que na verdade ainda é um caso investigado). Feita essa primeira postagem, tomando todo o cuidado com seu texto, Desirée manda um e-mail para seu pai, com o link do site. Sem esperar muita coisa, o pai dela clica no blog e fica surpreso com o que vê
              - Não é possível! - ele grita, chamando a atenção de pelo menos mais umas três pessoas da redação (Paulo Jordas não estava entre elas)
              - O que foi, Adilson? Quem morreu?
              - Não! Ninguém morreu! É que minha filha me mandou esse site aqui
              - Hã?
                      Quando um dos assistentes lê o blog, fica ainda mais espantado.
                      - Mas...essa pessoa não estava desaparecida há mais de seis meses? A polícia já estava quase desistindo disso e...
               - Mas parece que encontraram! Pelo e-mail dela, parece que começaram esse blog hoje...e a ideia dela está dando certo, veja só!
              - Espera um pouco aí...como a gente vai ter certeza de que essa informação é verdadeira?
                      - Isso é o que a gente vai descobrir agora! Ela só escreveu o endereço e algumas poucas informações. Parece que a tal pessoa perdeu a memória e começou a viver com uma família que sequer sabia que ela era desaparecida. Vamos ver agora se essa informação bate, Cortez!
              - Vamo nessa
              Não demorou muito para os dois jornalistas entrarem em contato com a família da pessoa desaparecida, com a família que adotou a desaparecida e verificarem a veracidade da informação. O blog estava correto afinal de contas.
               - Obrigado, senhor. Já vamos entrar em contato com a polícia - diz Adilson, com um sorriso no rosto
               - Caraca...e não é que era verdade mesmo? - diz o colega de Adilson, ainda mais surpreso.
                       - É. A gente precisa divulgar esse blog, Cortez. Se mais casos forem resolvidos assim, ele pode ajudar muitas pessoas
                       - Concordo. Estou mandando para todos os meus contatos
                       - Eu também
               Poucos dias depois, o pai de Desirée sai com a notícia da pessoa desaparecida. Infelizmente, a notícia não foi tão aclamada pelo jornal como uma acusação de corrupção apontada por Paulo que, por sua vez, pega a tal promoção. Mas, por outro lado, a reportagem de Adilson, colocando que o site de Desirée (que era conhecido na Web apenas como "Luta Pelo Reencontro") foi o responsável pela busca, gerou uma grande comoção por todo o país. Tanto que o e-mail falso de Desirée recebia milhares de mensagens por dia.
                - Então você não foi promovido, amor? - pergunta a mãe da mocinha - Mesmo com sua reportagem tão boa
                        - Pois é, mas, em compensação, o Luta Pelo Reencontro ganhou bastante popularidade. O site continua reencontrando diversas pessoas desaparecidas
                - É uma iniciativa muito boa mesmo, né? - comenta Desirée, já saindo da mesa de jantar - Bem, qualquer coisa, estou lá em cima
                        - Atualmente você está usando muito o computador, heim? - implica Karen, maliciosa - Namoradinho novo, é?
                        - Ai, não enche
                De fato, Desirée estava acessando a Web mais do que de costume, mas era necessário para continuar mantendo o site no ar. "Tudo bem, meu pai não foi promovido, mas agora estou numa missão muito maior", pensa a garota, com um olhar confiante. "Recebo vários e-mails de desaparecimentos, boatos e até denúncias aparentemente verdadeiras...mas eu só preciso usar o livro para encontrar qualquer pessoa", ela pensa, "Bastando eu manipular as informações e o texto para que todo mundo pense ser um trabalho em conjunto dos internautas...e tomando cuidado para mexer no site sempre que minha família não estiver olhando...vou conseguir cumprir com a minha responsabilidade. Com certeza!"
                 Um pouco distante dali, digamos, em outro estado, um rapaz moreno, não muito gordo e de óculos de Sol, acessava a Internet de seu notebook em pleno conforto do lar. Um colega dele que, aparentemente, estava visitando repara na curiosidade do amigo
                 - Que é isso, Dionísio? Tá tão colado nessa tela aí...acho algo interessante?
                  - Mais ou menos, Kadu...Aquele meu amigo jornalista, o Paulo Jordas, me mandou um site que, assim que abri, comecei a dar risada de tão ruim que é a diagramação, mas depois que eu li, vi que o negócio é mais interessante
                 - "Luta pelo Reencontro"? Não é aquele site que as pessoas mandam informações de pessoas desaparecidas? Dizem que todos os relatos aí são verdadeiros mesmo! A pessoa que organiza deve ser uma boa investigadora
                 - Hahuaha. Ai, ai, Kadu. Você aceita as coisas muito fácil
                 - Ué? Por que? - ele pergunta, enquanto tomava uma latinha de cerveja
                 - Porque...simplesmente porque o que está por trás desse site deve ser uma coisa muito grande, grande mesmo. Pensa...do nada, um blog amador consegue informações verídicas de vários desaparecimentos...e o pior: todas estão corretas
                 - Vai ver que eles apuram bem os desaparecimentos antes de postar, não?
                 - Não sei...mas eu quero conhecer essa "Truth", a tal que administra o site.
                 - E se ela não quiser se identificar?
                 - Mesmo assim eu descubro, se esconder de mim não é tão fácil...afinal, eu sou ou não sou Dionísio San Marino, o melhor paparazzo da atualidade?