Lucas tentou abrir os olhos, mas apenas em pensar fazer isto sua cabeça já parecia pesar mais que 200 quilos. A janela que sempre lhe acalmava por deixar a luz entrar, hoje o fazia querer jogar algo para que ela sumisse tamanho o sol que resolveu aparecer e entrar justamente naquele dia. Levantando da cama em busca de algo que fizesse aquela dor passar, foi no banheiro, lavou o rosto e foi para a cozinha. Percebeu que estava com muita sede, e neste momento lembrou do que havia acontecido noite passada. A aula com a turma de Rodrigo, o convite para a festa, e o momento auge, o beijo de Maiara no loiro. Percebendo que não fazia ideia da hora que era, procurou o celular e viu que haviam 3 chamadas não atendidas e uma única mensagem, todas da mesma pessoa, Rodrigo.

"Espero que tu tenhas chegado bem. Se puder me avise, Rodrigo."

Quando o moreno tentou telefonar para ele percebeu que já era quase 11h da manhã. Havia dormido demais, o que o fez lembrar que não fazia ideia de como havia chegado em casa. Nem mesmo de como a noite terminou, pois havia bebido demais. E como num filme, lembrou-se com mais detalhes das cenas passadas na boate. Principalmente do beijo de Maiara em Rodrigo.

Ela passou a noite inteira na volta do loiro, enquanto ele não podia se aproximar dele. Isto o irritava a cada gole de bebida que tomava. Mas ao mesmo tempo era o álcool que o fazia ficar mais controlado, por incrível que pareça. Conseguia curtir as conversas dos alunos que eram mega animados. Até perceber que ela havia de fato tomado a iniciativa e beijava o loiro. E ele não podia fazer absolutamente nada.

Decidido a ligar para o loiro discou o número que sabia de cor, enquanto se dirigia ao banheiro. Iria tomar um banho e sair. Eles precisavam conversar. Ao não ser atendido, respondeu a mensagem o avisando que iria buscá-lo.

**

Como sempre, Clarissa analisava o loiro naquela manhã. Como noite passada ele conversou com ela durante o tempo que estava na festa, já sabia sobre os motivos dele estar tão calado naquela manhã. Perto das 12h percebeu que ele olhou o celular e pareceu ficar pior ainda.

– Quer sair pra almoçar?

Ele olhou a amiga balançando o celular.

– O Lucas entrou em contato?

Após um tempo pensando ele falou pela primeira vez naquela manhã.

– Sim, ele me enviou uma mensagem, perguntando se a gente podia se encontrar depois daqui. Mas confesso que não me sinto preparado.

Aquela estava sendo uma manhã quase agoniante para Rodrigo. Desde que acordou não conseguia pensar em outra coisa que não fosse o moreno. Ainda mais depois de ligar para ele e não ser atendido. Havia saído preocupado, pensando no que poderia ter acontecido a ele. Agora olhava a mensagem com um misto de alivio a apreensão. Não sabia o que fazer.

– Eu acho que vocês precisam resolver isto logo. – Percebendo que o outro já ia retrucar se adiantou em completar – Mas também entendo que tem um tempo pra isso, e que a proximidade com o fato de ontem talvez faça vocês brigarem novamente. Mas o que tu estas pensando em fazer? Fugir dele por um tempo?

– Quase isto, acho que vou pra casa este fim de semana...

Clarissa queria falar que talvez não fosse uma boa opção, mas entendia o lado dele. E também concordava que Lucas havia agido de forma errada, apesar de também compreendê-lo.

– Eu não quero me precipitar. Ontem eu estava decidido a dar um tempo mesmo – Rodrigo olhava pra fora, o dia parecia estar brincando com ele, logo hoje o sol resolveu aparecer – Mas agora eu sinto que preciso pensar. E eu já queria passar estes dias com meus pais, não vejo o motivo de não ir. Apenas preciso avisar o Lucas, e não fazer isto pelo telefone, porque eu estaria me equiparando a ele na criancice e não estou fugindo. – Clarissa ouvia o loiro e pensava se em algum dia já havia visto ele tão decidido, apesar de visivelmente estar ansioso. E triste.

– Pois é ele já pira - disse isto fazendo aspas - quando tu não atende ao telefone, imagina passar estes dias um pouco mais longe?

– Pensasse ele isto ontem antes de agir como uma criança. - Rodrigo ainda estava magoado, era perceptível. – Mas eu vou conversar com ele antes de ir. Estou pensando em pedir a sexta-feira de folga pro Daniel, daí vou hoje mesmo após conversar com ele.

O loiro sabia, seria complicado protelar a conversa que precisavam ter, mas não tinha outra opção. Não sumiria como uma criança mimada, apesar de ter vontade de fazer isto e encontrar Lucas apenas semana que vem.

Saindo da agência, após avisar o moreno que passaria em sua casa, Rodrigo passou em uma doceria e comprou alguns doces pra mãe, que sempre lhe cobrava. Foi em casa, arrumou sua mochila e foi em direção a casa de Lucas. Que o Universo lhe desse calma!

Lucas estava tentando ligar para Rodrigo pela décima vez, mas ele parecia não querer atendê-lo. O loiro havia avisado que iria até sua casa, mas estava demorando. Da agência até sua casa não demoraria tanto assim. Enquanto tomava banho pensou no que tinha acontecido e chegou a conclusão que tinha sido injusto com Rodrigo, mas acreditava que não era pra tanto. Estava acostumado a sair e beber um pouco. A cena de ciúmes aconteceria mesmo ele não tido bebido, aquela garota o irritaria em qualquer circunstância. Ele não lembrava das últimas palavras que Rodrigo havia pronunciado a ele. Apenas o visualizava indo embora o deixando pra trás, após se recusar ir pra sua casa, o ignorando mais uma vez naquela noite. Estava pronto pra ir até a casa dele quando a campainha tocou.

– Oi, já estava pensando em ir até você.

– Posso entrar?

Lucas percebeu que o mais novo estava bastante sério, diferente dos últimos dias que eles haviam passado juntos. Dando um passo para o lado esperou ele entrar e fechou a porta, com os sentimentos todos misturados, junto com a dor de cabeça que ainda o acometia.

– Vai viajar? – Quando viu a mochila e as sacolas que o loiro carregava uma sensação ruim começou a tomar conta do moreno. Ainda mais quando viu os olhos de Rodrigo. Estavam diferentes. Sem o brilho usual. E quando a resposta veio, sentiu vontade de sair dali e evitar ouvir o que viria a seguir.

– Às vezes eu me pergunto se isto tudo é preocupação mesmo ou estás apenas tentando comandar os meus passos.

Lucas ficou sem reação por um tempo. Rodrigo normalmente era sempre muito contido, mesmo que bravo. Mas olhando ele mais de perto percebeu que ia além de irritação o que ele demonstrava sentir. Era um sentimento que ele já viu em seus próprios olhos, na verdade via sempre, quando se olhava no espelho. Ele estava triste. E a culpa provavelmente era sua.

– Acho que a gente deveria conversar sobre ontem à noite...

– Pra falar a verdade sobre isto que eu vim aqui falar. Eu acho melhor a gente não conversar hoje.

– Como assim, não adianta protelar isto, é uma atitude infantil!

– Não tanto quanto a tua ontem à noite.

A cabeça de Lucas explodia. Estava começando a pensar que não era apenas por conta da bebida da noite passada. Como sempre devia estar se gripando com o frio que ainda fazia naquela cidade, mesmo com o dia ensolarado.

– Até agora eu não entendi os motivos de tu estar assim. Não aconteceu nada demais ontem. Aliás, se alguém tem que ficar bravo por alguma coisa, sou eu...

Rodrigo não queria ter aquela conversa agora. Não mesmo. Mas Lucas não estava facilitando as coisas.

– Ah sim, porque a Maiara, mais uma vez tentou me agarra...

– Ela te beijou!

– Mas eu não beijei ela! Quando é que tu vai entender que eu não faria isto?

Lucas não sabia o que falar. Foi até a cozinha e sentou perto do balcão olhando o copo que estava tomando água.

– Bom, como eu disse, não quero ter esta conversa hoje. Vou passar o fim de semana afastado, preciso pensar um pouco em tudo isto. Estar num lugar que eu me sinta bem.

– Ou seja, longe de mim, é isto? Fala Rodrigo! Não precisa deixar pra depois o que você pode fazer hoje, agora. Fala que vais acabar tudo comigo, por causa de algo ridículo como uma cena de ciúmes!

– Lucas, eu não quero ter esta conversa hoje. Eu vim aqui apenas te avisar que vou passar este tempo afastado. Segunda-feira a gente conversa.

– E se eu não quiser? Eu não quero resolver isto depois, quero falar agora disso. Dessa tua tentativa de acabar comigo arranjando um desculpa esfarrapada como esta!

Rodrigo sempre foi muito calmo. Não seria agora que perderia a paciência como o outro. Mas decidiu olhar ele nos olhos e fazer uma única pergunta. Que imaginava já saber como seria a resposta. E isto o chateava.

– Lucas, qual foi a única coisa que eu pedi pra você? A única coisa que eu te falei que gostaria de conquistar em você para que isto desse certo. Que eu pedi noite passada quando mal nos despedimos.

O moreno levantou a cabeça pensando. Não lembrava como havia acabado a conversa, já estava bebendo mais um copo de algo que também não lembrava.

– Eu não sei. Não lembro do que falamos ao final da noite, antes de você ir embora.

– Aí que está. Tu pareces nunca lembrar das coisas que eu te digo. Gosta de controlar meus horários, minhas ações, mas não é capaz de perceber a única coisa que eu te pedi e peço sempre.

– Rodrigo....

– Ontem à noite eu não queria ir até a boate. Eu não gosto, não me sinto bem nestes lugares. Mas fui porque percebi que faria você feliz. Mas como eu me arrependi. Eu já havia te dito, eu não gosto de bebidas. Você passou dos limites...

– Deixa de fazer drama, eu já bebi bem mais que isso...

– Mas EU não estou acostumado! Pra mim é assustador. Eu não reconheci você, sai de lá naquela hora sozinho e preocupado com o que poderia acontecer contigo ao sair de lá após estar bebendo. Eu não sei se eu quero isto, essa inconstância.

Rodrigo acabou se exaltando demais. Não era o que pretendia, mas não se continha. Lucas tinha que aprender que agindo como um adolescente, ou ignorando estes problemas que tinham não seria o melhor caminho.

– Claro, mais uma vez arranjando um jeito pra dar o fora.

– Não Lucas. Eu não preciso “arranjar jeitos” porque eu sempre tive controle do que eu estou sentindo. E sei o que eu sinto e que eu quero estar contigo. Mas estou começando a duvidar se é realmente o que tu queres. Acho que talvez a gente seja muito diferente, eu não sei.

Pegando suas coisas Rodrigo voltou seus olhos para Lucas, que o olhava sem saber o que fazer. Não confiava em si passando este tempo longe do loiro. Já começava a sentir no peito isto.

– Posso saber ao menos para onde estás indo?

– Vou passar o fim de semana com meus pais. Agora eu preciso ir, senão vou me atrasar. Até mais.

O loiro foi indo até a porta, mas antes de sair, de costas mesmo, resolveu responder a pergunta que ele mesmo havia feito para o moreno.

– A única coisa que eu pedi pra ti foi que me desse a tua confiança. Mas acho que não sou merecedor disto.

E então a porta batendo foi o único som que cortou o silêncio que se instaurou naquele apartamento. E que permaneceria o fim de semana inteiro.