Depois de comer, pedi a Kartus para me levar até a minha cabine. Preciso desesperadamente de um descanso. Preciso me desligar disso por um momento, colocar os pensamentos em ordem ou vou acabar pirando.

Entro na cabine e não me surpreendo ao ver mais luxo. A paredes e o carpete persa são constantes por aqui, mas os móveis da cabine era o que mais chamavam a atenção. Todos eram rústicos, dando um tom meio sombrio para o lugar, mas mesmo assim, tenho que admitir, são muito bonitos.

Kartus me disse que eu e Lucy ficaríamos em quartos separados, e isso de certa forma, me deixou aliviado. Ela estava muito mais calma do que eu imaginei que estaria. Enquanto estávamos comendo, ela até me lançou um sorriso. Isso me faz pensar que até a inocente Lucy está lidando com a situação melhor do que eu. E só então percebi o modo em que estou agindo. Minhas frases birrentas, meus ataques de fúria e até mesmo pensar no tapa que dei no rosto de Phillippa me enche de arrependimentos. Tiro minhas roupas e deito na cama apenas de cueca. Como era macia, o colchão parecia tirar um molde do meu corpo posicionando cada membro no local mais confortável possível.

Fico fitando o teto ornado à ouro da cabine e começo a por os pensamentos em ordem. "Certo, eu e Lucy fomos sorteados na colheita. Vamos participar da primeira edição dos Jogos Vorazes. Dei um tapa na cara da nossa representante e odeio o nosso mentor". Até aí nada parece estar indo muito bem. Mas decido que amanhã em diante irei encarar a situação de um jeito mais maduro. Não sei o que vai acontecer daqui pra frente, mas vou deixar apenas que o tempo me guie. Também tenho que consertar as coisas com Phillippa. Ela não foi nada agradável nos comparando com galos de rinha, mas minha ação foi nem um pouco ética. E se essa mulher tiver mesmo o poder de tornar as coisas na arena mais difíceis para mim e Lucy? O pensamento arrepia cada pelo do meu corpo. "Tudo bem. Amanhã eu vou consertar as coisas", penso antes de cair no sono.

Acordo com batidas na porta. Levanto depressa demais e minha cabeça dá voltas.

– Chester? - A voz suave e tranquila de Lucy me chama.

– Já estou saindo. - Foi quando um dor escruciante preencheu minha mão subindo até meu antebraço. Vejo que meus lençóis estão sujos de sangue em alguns pontos e só então recordo do corte feito pelo cinzeiro. Como pude me esquecer disso? Nunca me senti tão burro. Levanto a mão e lentamente começo a desenrolar o pedaço de pano improvisado que coloquei para estancar o sangramento. A visão da minha mão é tão feia que tenho vontade de me deitar novamente, mas sei que tenho que tratar disso. O ferimento estava com uma coloração escura vertendo sangue e pus, fora o inchaço. Levanto-me e visto uma calça jeans escura que achei no armário e uma camiseta branca que ficou ridiculamente justa. Saio da cabine e encontro Lucy no corredor de entrada. Ela olha para a minha mãe e arregala os olhos.

– O que você fez?! - Ela leva a mão à boca. - Chester temos que tratar disso.

– Eu sei, vou pedir pro Kartus dar uma olhada.

– Bem, eles disseram que assim que você acordasse era pra nos encontrarmos no vagão-restaurante. - Ela hesita ao olhar para a minha mão novamente.

– Eu estou bem, sério. É só um arranhão, que sangra e sai pus. - Ela me olha e deixa escapar um sorriso amarelado.

– Tudo bem vamos indo.

O vagão restaurante parece ter sido abastecido para o nosso café da manhã. Sobre as mesas encontro pães de milho ainda quentes e achocolatados para todos os lados. Cachos de uvas e morangos do tamanho de batatas enchem as fruteiras sobre as mesas. Me aposso de uma xícara e Kartus me abana para se juntar a ele e Phillipa sentada ao seu lado. Me dirijo para a mesa e chamo Lucy. Nos sentamos e ele começa.

– Bom, está na hora de passarmos algumas informações para vocês. - Ele diz trocando o olhar de mim para Lucy. - Quando chegarmos à Capital, vocês serão entregues à sua equipe de preparação. Eles vão preparar vocês para o estilista principal, que será responsável por qualquer roupa que vocês usarão até os jogos começarem.

– Precisamos ficar bonitos? - Pergunta Lucy.

– Você já é linda, flor. Mas eles vão te deixar ainda mais. - Phillippa responde. Isso me deixou com um arrependimento ainda maior por ter batido na mulher. Pois sei que os elogios direcionados à Lucy eram sinceros. Agora ela está olhando para mim. - E você também, Chester. É um rapaz muito bonito. - Deixo escapar um sorriso e baixo a cabeça.

– Obrigado. - Agradeço relutante.

– Bem, vocês podem não gostar de algumas coisas que eles farão com vocês, mas não resistam. - Continua Kartus. - Depois disso terá início o desfile dos tributos até o centro de treinamento. Vocês ficaram lá recebendo orientações até os jogos começarem.

– Vamos receber um treinamento? - Pergunto esperançoso.

– Sim, vão. Nos mais variados tipos de coisas. Para poderem mostrar no que são bons de verdade. Mas lembrem-se. Vocês serão avaliados todo o momento e têm três dias para aprenderem o máximo que conseguirem. - Ele se inclina pra frente encarando eu e Lucy nos olhos. - Bem, acho que é isso. Vou comer um pouco.

– Eu também diz Lucy ao meu lado. - Eles saem deixando eu e Phillippa em um clima pesado. O silêncio é constrangedor e decido quebrá-lo.

– Phillippa. - Ela me olha confusa. - Eu queria te pedir desculpas. Você sabe... minha mão, na sua cara. - Sinto um alívio arrebatador quando ela começa a rir.

– Está tudo bem, Chester. Você estava nervoso. Olha onde vocês estão. E eu também não fui nem um pouco sutil. Eu é que peço desculpas.

Aquilo me surpreendeu muito. Ela levanta e faz a volta na mesa e me envolve em um abraço. Até que sinto seu hálito quente sobre a minha orelha.

– Só quero que saiba que não é todo o povo da capital que concorda com isso, Chester. - Ela fala em um sussurro quase inaudível.– O sistema dos Jogos Vorazes é novo e muito frágil. Ele ainda pode ser derrubado. E quanto antes fizermos isso, melhor.