Alice

Johan parecia chocado, eu ainda o abraçava, por algum motivo aquele abraço me acalmava, Ches se aproximou e encostou a mão em minha cabeça, eu o encarei, me afastando de Johan e o abraçando.

— Está tudo bem? – Ele perguntou ainda me abraçando.

—Não sei, foi tudo tão... – Assustador, aterrorizante e apavorante? — Confuso.

Lancei um olhar a Alli, que estava deitado em uma das camas do quarto, de olhos abertos, mas parecia distante, Will andou até ele e o ajudou a se sentar. — Tudo bem querido? – Ele perguntou ao filho que só o encarou e assentiu em silencio. — O que aconteceu?

Alli abriu a boca para responder, mas desistiu e pareceu pensar. — Eu... Não sei não me lembro de nada.

— Acho que foi a espada, certos objetos mágicos se ligam á seus donos de forma que esse laço dure por gerações. – Johan começou, me encarando. — Por isso eu imaginei que ela ativaria alguma reação em Alice. Mas isso... Foi... Uau.

— Eu que o diga. – Alli murmurou e eu sorri sem jeito, ele não parecia chateado comigo nem nada, mas me incomodava olhar para ele tão fraco assim e saber que é minha culpa.

— Não entendo, por que a espada tem tanto poder sobre ela? – Ches questionou, claramente confuso.

— Jasmine... Eu a vi usar a espada. – Murmurei e Johan arregalou os olhos.

— Você... Viu...

— Sim.

— O que exatamente você viu? – Ele insistiu.

— Tudo.

— Pai, o que foi? – Ches perguntou, notando o silencio de Johan e sua expressão sombria.

— Eu... N...Nada meu anjo. Nada. – O homem respondeu, levando a mão ao cordão que usava, aposto que a pouco estava ocultado por alguma magia.

A porta atrás de nós se abriu e a duquesa entrou, não fazia muito tempo que ela havia se juntado a nós, mas ainda não havia oficialmente reencontrado Alli, já que a única vez em que vi os dois se falar desde que ela voltou foi bem... No dia em que Alli resolveu abrir o jogo comigo. Também não a vi falando com Johan.

Ela se propôs a ajudar algumas pessoas da vila, na verdade eu acho que ela está é com ciúme de Johan e Will com os meninos, mas sempre preferi deixar quieto.

Ela bateu os olhos em Alli e, por um minuto, achei que fosse querer me matar por deixa-lo naquele estado tão deplorável.

— O que houve aqui? – Ela perguntou, correndo até o coelhinho e o abraçando, Alli retribuiu o abraço e permaneceu quieto nos braços dela.

Johan, que olhava a cena com confusão, foi quem respondeu:

— Alice acabou se descontrolando no poder. Não sei como, mas acho que a espada reagiu a ela quase que de imediato.

— Oh!

— Desculpa. – Murmurei, com a cabeça no ombro de Ches, que riu da minha cara de culpada.

— Tudo bem querida. – Will disse e eu sorri.

— Mãe. – Alli chamou a duquesa, surpreendendo a todos, principalmente os adultos. A duquesa começou a passar a mão pelos fios brancos do cabelo dele e o puxou para mais perto de si. Em dois tempos Alli já estava dormindo como uma criança.

— Pobrezinho estava cansado. – Ela comentou, sorrindo para os dois homens que ainda estavam chocados.

Ches riu, e ergueu as mãos para a duquesa. — Mamãe, to carente. – Ele resmungou e eu ri.

— Erick menos. Você parece que só retrocede. – Ela o repreendeu, mas Ches, que estava sorrindo, de repente ficou sério. — O que foi? Espera, não me diga que...

Johan olhou para ele, que se jogou embaixo da cama com rapidez. — Erick o que foi? – Ele perguntou indo atrás do filho.

— Espere. – A duquesa o impediu quando já estava ajoelhado. — Ele ainda não aceita muito bem essa forma.

— Mas... – Johan parecia cada vez mais confuso e eu também.

A duquesa colocou a cabeça no esconderijo de Ches e ergueu as mãos, o menino saiu, com um capuz na cabeça, capuz esse que caiu, revelando duas orelhinhas amarelas de gato, o cabelo bem maior, indo até o pescoço, uma rosa preta bem pequena desenhada no canto perto do olho direito e uma coleira vermelha e preta, quando viu o pai, Ches enrubesceu e imediatamente se tornou invisível.

— Erick. – A duquesa o chamou. — Não faz assim, você me deixa triste.

Eu fiquei admirada, mas Johan permanecia estático, absorto em um silencio mortal e com o rosto inexpressivo.

— Mas... – Will quebrou o silencio, pelas experiências passadas eu sabia que ele estava prestes a explodir. — Como...

— É a forma ‘real’ e atual deles. – A duquesa esclareceu e Will pareceu pensar.

— Deles? Então... – Seus olhos se voltaram a Alli. — Então os dois...

— Nós usamos uma magia para que eles possam se tornar mais... Humanos, só que as vezes ela falha, como agora... Sabe, esse lugar, esse país, voltar aqui, isso desestabilizou a mente dos dois, abalou o emocional de ambos, por isso é mais difícil se manter.

Johan ouvia tudo sem nem sequer piscar, Will, em compensação, andava de um lado para o outro.

— Erick, por favor. – A duquesa tornou a pedir dessa vez com mais seriedade e entonação na voz. — Não vou pedir novamente.

Ches se revelou, ainda estava ajoelhado em frente ao pai, só que dessa vez estava emburrado, a duquesa lançou um olhar fatal e ele desfez o bico no mesmo instante.

Johan nada disse, o que pareceu incomodar a Ches, Will se aproximou e se ajoelhou na frente do sobrinho, tocando o rosto dele.

— O que fizerem com você? E com Alli? Deus isso é... – Will estava evidentemente tentando controlar as lágrimas. — Isso... É mais do que abuso, é mais do que... Merda.

— Will. - Johan chamou o irmão, com um sorriso triste no rosto. — Nos deixem, por favor.

— Mas...

— Will, Alli precisa descansar direito, vamos leva-lo para o outro quarto onde não há ninguém. – A duquesa propôs.

— Sim.

Eu me levantei, não estava tão chocada com a aparência de Ches, eu entendia que para ele significava uma marca de sua época de escravo, mas era uma aparência bela e única, mordi os lábios, como Alli deveria ser?

Suspirei sem perceber, tentando conter um sorriso.

Encarei Will, com os olhos marejados e a expressão de tristeza.

Eu queria saber o que os adultos pensam, queria saber o que eles sabiam. Eu ainda me sentia confusa com o que aconteceu, mas também sentia que precisava descobrir por mim mesma. Eu me adiantei em sair do quarto e corri para fora do hotel, precisava de um tempo para pensar.

Essa espada havia desencadeado meu poder, e isso foi simples.

Significa que qualquer coisa, com poder, poderia me manipular.

Mas isso não vai mais acontecer, se Alli e Ches podiam usar a magia para mudar as suas essências era porque conheciam o próprio poder.

Então para mim dominar o meu corpo, eu precisava saber do que eu era capaz.