Vampire Dreams - A Maldição escrita por DennyS


Capítulo 5
V - Passado




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/55257/chapter/5

~•*•~

Capítulo V

Passado

O ar estava úmido e salgado.

Cristine podia sentir o gosto do calor em sua garganta.

Ela estava de olhos fechados, mas a luz do sol era tão forte que ardiam seus olhos sob as pálpebras. Ouvindo os salpicos do mar, o dobrar das ondas de encontro à encosta, ela sorriu.

Casa.

Deu-se conta de que estava sonhando, pois ela sabia que não poderia estar em casa.

Porque não havia mais casa perto do mar. Seus pais não existiam mais. Estavam mortos.

–Mais alto, papai!

Cristine abriu os olhos ao som da voz infantil que lhe invadiu os ouvidos. Viu uma casa de madeira pintada de amarelo e telhado vermelho, de frente ao mar onde a areia terminava. Ao lado, um pneu estava pendurado por uma corda amarrada no galho de uma enorme árvore, onde uma garotinha de cabelos dourados era empurrada por um homem.

Ao longe Cristine viu seu pai. Os cabelos negros estavam emaranhados e seu rosto era irreconhecível de onde ela olhava.

–Mais alto!

A voz melodiosa da garotinha preenchia o ar brando do litoral, suas gargalhadas eram tão prazerosas que Cristine por um momento esqueceu-se de que era ela ali, com seu pai quando tinha três ou quatro anos de idade.

Com um aperto terrível no peito, Cristine deu um passo hesitante na direção do pai e da filha que brincavam no balanço. Outro passo e seu peito explodiu numa felicidade imensa que crescia a cada segundo em que se dava conta da importância daquela lembrança.

Porém havia alguma coisa errada. Ela não conseguia ver o rosto de seu pai. Olhava muito atentamente enquanto caminhava; queria tanto vê-lo novamente, mesmo que fosse apenas naquele sonho, naquele pequeno instante em que essa lembrança ressuscitava, embora nunca estivesse totalmente morta.

Mas não conseguia.

Cristine continuou caminhando, mas não se aproximava. A casa e o balanço, ainda estavam tão distantes quanto o horizonte do mar atrás deles. Aturdida parou e olhou para o chão; podia sentir a grama macia sob seus pés, podia sentir o cheiro dela recém-cortada e úmida. Estava realmente ali. No passado do qual pertencera, na vida que foi perdida antes de ser aprisionada na casa de Charlotte Haymes. A única coisa que a mantinha de pé, durante os anos que passara ali foram essas lembranças.

O sorriso de seu pai quando brincava com ela.

Os cabelos de sua mãe esvoaçando pela brisa do mar...

Naquele momento, porém, a mente de Cristine era vaga. Ela via o rosto feliz da garotinha... o seu rosto feliz. Mas não conseguia ver seu pai.

Alguém saiu da casinha amarela da encosta e Cristine sentiu seu coração se apertar.

–Ainda brincando? O jantar já está pronto!

A voz de sua mãe... Ou ao menos, parecia com a voz dela.

Com lágrimas formando-se em seus olhos, Cristine correu na direção da casa.

–MAMÃE! – ela corria, mas era como se corresse sobre uma esteira. – PAPAI!

Deixem-me vê-los! Só mais uma vez, por favor!

Tudo ao seu redor estava embaçado. Cristine apertou os olhos para espantar as lágrimas e percebeu que não eram os seus olhos que emaranhavam a cena. Esta se perdia para mais longe, ao mesmo tempo em que o céu escurecia e o vento se tornava forte e gélido.

As árvores balançavam violentamente, o mar agitava-se como um monstro prestes a devorar um indefeso ao mesmo tempo em que a pequena família desaparecia com a casinha amarela.

–NÃÃOOO!!! – gritou a todos pulmões, embora sua voz estivesse sufocada pelo barulho da tempestade. Trovões cortavam o céu. O vento era destruidor. Viu árvores despencando sobre o solo, coqueiros se distorcendo, folhas percorrendo o ar como lanças afiadas.

Cristine foi arrastada para trás, ou o mundo era tirado dela, arrancado à força. Sentindo uma agonia torturante, Cristine deixou a escuridão envolvê-la como se caísse em um abismo gélido, sombrio e sem fim.

Em um segundo, a tempestade se fora.

Cristine abriu os olhos e dessa vez estava no banco traseiro de um carro. O barulho da chuva era suave do lado de fora, mas estava tão escuro que ela precisou estreitar os olhos para enxergar melhor.

–Já disse que você não precisa se preocupar. – a voz de seu pai veio do lado do motorista.

–Papai? – Cristine sentiu seu coração oscilar de susto e de surpresa. Seus sentidos por um momento, entorpecidos.

–Como não me preocupar? É de nossa filha que estamos falando, Sam! – a voz de sua mãe ao lado dele.

No mesmo instante em que entendeu onde estava, Cristine estremeceu. Era o dia do acidente de seus pais. O acidente do qual não se lembrava, pois estava dormindo no banco de trás do carro e acordara dias depois no hospital.

Ela olhou para o lado e viu a garotinha adormecida envolta por uma coberta vermelha xadrez .

Isso não fazia sentindo. Como poderia estar sonhando com algo do qual não fez parte?

–Ela estará segura, Sarah! Ninguém tocará em Cristine enquanto eu viver!

Do que eles estavam falando? Cristine debruçou-se sobre os bancos da frente com a esperança de ver os rostos de seus pais, mas não pôde. Simplesmente não conseguia. Ela ouvia o choro reprimido de sua mãe, tentando entender de que perigo Cristine corria que os deixava assim tão preocupados.

–SAM, CUIDADO! – o grito desesperado de sua mãe a assustou e Cristine viu por um segundo uma silhueta negra no meio da pista sob a chuva.

Tudo girou a sua volta em meio aos raios e trovões e Cristine sentiu-se chocar-se com o chão molhado. Abriu os olhos e viu o carro capotado e chocado contra uma árvore.

A floresta estava escura e a chuva caía torrencialmente. Cristine levantou-se e viu o fogo subir pelo carro como em passe de mágica. Era uma chama tão pequena, tão insignificante que a chuva poderia apagá-la, mas ela cresceu. Cresceu como se fosse alimentada e num instante o tanque de gasolina explodiu.

Cristine sufocou um grito horrorizado, no mesmo instante em que correu para o carro acidentado. Ela podia ouvir os gritos de seus pais presos pelo cinto de segurança. Ouvia os pedidos de socorro.

Trêmula, Cristine deu-se conta de que eles eram queimados vivos. Seus joelhos cederam e ela caiu sentada, sem forças.

Por que isso estava acontecendo? Por que esse sonho não acabava nunca?

Cristine sentiu uma presença e de reflexo, virou a cabeça. Há menos de cem metros dela, havia alguém parado contemplando o fogo. Cristine não podia ver o seu rosto, porque ele usava um manto negro que o cobria por inteiro. Mas sua imagem era tão sombria, que ela podia imaginar sua expressão. Uma expressão maligna.

–Ajude-os! Por que está aí parado?! – Cristine se levantou e não se importou de tudo aquilo ser um sonho. Queria ajudar seus pais que ainda gritavam por socorro, queria salvá-los e tê-los de volta.

Mais que tudo, queria poder esquecer aqueles gritos.

O estranho deu-lhe as costas e com agilidade inacreditável, subiu o barranco em meio segundo deixando apenas um rastro fino molhado pela chuva. Cristine piscou os olhos incrédulos e o seguiu o mais rápido que pôde contra o chão lamacento.

Quando subiu pelo barranco, avistou a distância em que o carro percorrera antes de chocar-se com a árvore. A estrada estava bem distante, como se alguma coisa batera violentamente na lateral do carro e o atirara na floresta. Ou simplesmente uma mão enorme o jogara de lá.

Ao lado de Cristine, um pouco distante dela, onde o vulto negro estava parado, viu a garotinha caída no chão lamacento. Sentiu um frio na espinha quando fitou o vulto negro ao lado dela abaixar-se para pegá-la no colo.

Povero Christine, così innocente...

Ele se levantou com Cristine nos braços e caminhou para fora da floresta. Mas antes de a escuridão consumi-los, ele olhou para trás e Cristine viu seus olhos vermelhos brilharem sobre a escuridão do bosque. O medo a congelou e um grito abafado sufocou-se em sua garganta.

~•*•~

Cristine acordou sobressaltada e o coração aos pulos. Percebeu com o medo lhe congelar os ossos de que não estava sozinha no quarto. De súbito acendeu o abajur na mesa de cabeceira, reprimindo um grito ao ver David parado ao pé de sua cama.

–Sonho ruim, priminha? – disse ele com um sorriso malicioso enquanto guardava as mãos nos bolsos do pijama.

–O que está fazendo aqui? – perguntou ela sentando-se na cama. Ainda estava ofegante, seu peito oscilando com violência.

–Vim lhe fazer uma visita noturna, se importa?

Cristine se levantou com os punhos cerrados, ficando ao lado da cama. David estava usando apenas a calça de moletom do pijama, seu peito nu cintilava com a luz amarelada do abajur sobre a pele bronzeada. Ele tinha um sorriso cínico no rosto enquanto fitava Cristine dos pés a cabeça.

–Saia do meu quarto, David! – sussurrou ameaçadoramente com os olhos na porta. Vovó Charlotte poderia aparecer a qualquer momento e expulsá-la à vassouradas por ficar fazendo barulho no meio da noite.

–Que ingenuidade... – David se aproximou dela com passos lentos, as mãos nos bolsos, os cabelos loiros caindo como cascatas por seu rosto, os olhos, antes azuis como o céu, estavam escuros e estreitos. – Caso não se lembre, esta é minha casa.

David a encurralou contra a parede, deixando seu rosto há poucos centímetros do rosto dela.

–E... – desceu a mão pela cintura da prima com a intenção de apertá-la contra o seu corpo. – Você não pode gritar, porque sabe o que vai acontecer se acordar a vovó...

Cristine engoliu em seco, mas conseguiu passar por cima do medo. Não iria permitir ser intimidada por David novamente. Não iria ser fraca como antes, quando eram apenas crianças e deixá-lo fazer tudo o que queria.

Com os punhos cerrados, ela se posicionou para empurrá-lo.

–Eu não me importo de acordar a cidade inteira se você não sair daqui agora! – Cristine pôde ouvir o rosnado sair de sua própria voz.

David a fitou nos olhos com uma expressão cética e quando Cristine tomou ar e abriu a boca para gritar, ele se afastou.

–Saia! – ela apontou para a porta determinada.

David lançou-lhe um sorriso cínico e seguiu na direção da porta.

–Hoje vou te dar uma trégua, mas... – ele parou à soleira da porta e estreitou os olhos. – Aconselho você a trancar a porta de hoje em diante... – ele piscou, deu-lhe as costas e fechou a porta atrás de si.

Cristine fechou os olhos e respirou fundo. Sentiu uma brisa leve balançar seus cabelos, abriu os olhos e percebeu que a janela estava aberta. Aproximou-se dela e olhou para fora.

Ainda estava escuro, parecia faltar muito tempo para amanhecer. A escuridão do lado de fora era gélida e assustadora, como se propositalmente, ela desejasse que Cristine sentisse medo.

Mas não era apenas medo que ela sentia. Lançando um olhar estreito para as árvores da floresta do outro lado da casa velha dos Haymes, Cristine envolveu-se com seus braços e nunca, desde o momento em que pusera os pés naquela casa onde nunca fora bem vinda, ela sentiu-se desprotegida, sozinha, vazia.

Cristine não tinha ninguém para amar. Não tinha ninguém para amá-la.

No mesmo instante, lembrou-se do pesadelo de minutos atrás. Um arrepio passou por seu corpo e ela foi tomada pelo medo mais arrasador de todos. Seria possível ter esquecido do rosto de seus pais?

Não! Claro que não era possível!

Cristine tentou se lembrar dos olhos de sua mãe, do rosto afilado e perfeito, dos cabelos brilhantes e sedosos...

Mas tudo não passava de uma lembrança borrada.

Lançando um último olhar para a floresta, ela fechou a janela e correu na direção de suas malas do outro lado do sótão. Abriu e procurou pelas fotos, todas as fotos que tinha de seus pais. Retirou tudo de dentro da mala tentando não fazer barulho. Não acreditava que precisaria de uma foto para se lembrar deles, mas deveria ao menos tentar e dizer a si mesma que essa amnésia não era nada, era apenas uma conseqüência daquele pesadelo absurdo.

Não achou na primeira mala, foi para a segunda.

Também não tinha nada. Nenhuma foto. Nada que pudesse fazê-la se lembrar.

Sentada sobre o piso áspero de madeira, Cristine firmou o olhar em algo distante, e com uma dor dilacerante se lembrou.

O incêndio na escola. Ela não perdera apenas alguns objetos ali, e sim sua própria vida. Lembrou-se do fogo que devastou boa parte do belo castelo antigo, vários dormitórios destruídos. A antiga biblioteca, famosa por seus livros antigos, completamente arruinada pelo fogo.

Fogo...

As cenas das chamas infernais que queimaram seus pais surgiram em sua mente no mesmo instante em que os gritos preencheram o ar.

Não! Foi só um sonho! Ela se assegurou, levantando-se e seguindo na direção da cama. Aquela cena horrenda só poderia ser fruto do seu subconsciente, afinal quando criança ela tentou muito se lembrar do dia do acidente. Sabia que havia sido atirada para fora do carro porque estava sem o cinto de segurança e uma pessoa que vira o acidente, a levou para o hospital. Não havia muita explicação. Não havia detalhes. Tudo o que sabia foi lhe contado depois do acidente e sua mente projetou o que poderia ter acontecido através dos fatos. Mas sua percepção nunca passara nem perto daquele sonho.

Cristine debruçou-se sobre a cama e as lágrimas jorraram.

Como podia se lembrar dos gritos e não lembrar de seus rostos? Por que ela os esqueceu? Cristine sempre pensou neles desde que se foram, ela sempre imaginou os dois ao seu lado em todos os momentos, ela sempre lembrava de como eles eram sem precisar olhar em uma foto.

Por que só agora? Por que depois desse pesadelo?

Sem dar importância ao tempo, Cristine viu a luz do sol invadir o seu quartinho no sótão, enquanto permanecia debruçada na beirada da cama. Não conseguiu reunir forças para tentar dormir novamente. Talvez não conseguiria se levantar para ir para a escola.

Mas os gritos estridentes de vovó Charlotte no andar de baixo, pedindo por café da manhã a fizeram se levantar e dar-se conta de que deveria, mesmo que não quisesse, enfrentar o longo dia que estava por vir.

Não havia escolha.

~•*•~

–Eu já disse que a voz dele me dá arrepios! Ele pode ser lindo de morrer, mas é muito assustador!

Cristine tentava não ouvir os cochichos da sua colega em biologia, com outra garota sentada na frente. Falavam do novato sexy de jaqueta de couro preta, Demetri Santinelli, o mesmo garoto lindo que esbarrara com ela na biblioteca sinistra na noite anterior. Ela poderia se envolver na conversa, contar com detalhes o que aconteceu com ela e dar razão a morena na carteira da frente que ele tinha um certo ar de ameaça. Porém, a maneira como era ignorada, não só pelas duas garotas, mas pelo resto da escola, sua falta de espírito no quesito fazer novas amizades e sua total falta de interesse em falar de tal assunto era predominador.

O pesadelo ainda estava vivo dentro dela. A questão de ter ou não esquecido de seus pais a perturbava. Cristine não conseguia se concentrar em nenhuma aula e em nada do que o professor rígido e nada simpático estava dizendo.

No quadro negro estava escrito bem grande: Educação Sexual.

Alguns alunos pareciam constrangidos com o que o professor falava, outros pareciam se divertirem – mesmo não fazendo piadinhas. O professor, Sr. Nicolas Coleman era tão severo, que mesmo falando de um assunto em que muitos se envergonhavam, ele parecia tão tranqüilo, tão sério, como se ensinasse as diferentes classificações dos seres vivos.

Cristine entendia algumas palavras do Sr. Coleman quando se concentrava ao máximo para ter que esquecer os próprios pensamentos por um momento. Ela fitava a cabeça calva do professor, lutando contra o sono. Via os lábios dele se moverem, podia ouvi-lo, mas sua cabeça estava em outro lugar.

Em outro momento de distração, enquanto rabiscava a capa de seu caderno com a cabeça apoiada na mão, Cristine não estava prestando atenção quando ele chamou a atenção da sua parceira de laboratório e ela imediatamente a culpou por alguma coisa que Cristine não sabia.

–Saia da minha sala, Srta. Haymes. – disse o professor ao mesmo tempo em que Cristine se endireitou na cadeira e o fitou na frente da sala. – Eu disse para sair! – repetiu ele antes que Cristine pudesse dizer qualquer coisa. Sua expressão carrancuda mostrava que estava tentando não se alterar.

Cristine se levantou relutante e confusa, guardando os livros rapidamente e percebendo os olhares que estavam na sua direção. A garota sentada ao seu lado deu de ombros e lançou-lhe um olhar divertido enquanto sorria.

–Se quer tanto bater um papinho amistoso, sugiro que vá conversar com o diretor. – disse o Sr. Coleman antes que ela pudesse sair da sala.

Cristine saiu pelo corredor deserto da escola e seguiu na direção do banheiro feminino. Sem se importar se quebraria alguma coisa, derrubou a mochila no chão e apoiou os braços abertos na pia.

Suspirou de olhos fechados.

Por que esse pesadelo não poderia ser como aqueles sonhos que você esquece no mesmo instante em que acorda? Cristine tinha todos os detalhes ali, bem vivos em sua mente e cada um deles tinham efeitos diferentes sobre ela.

O estranho com o manto negro, seus olhos vermelhos... Seria ele que a levara para o hospital? Foi ele quem atiçou o fogo no carro acidentado de seus pais?

Cristine sabia que nada disso fazia sentido, afinal não existiam pessoas de olhos vermelhos capazes de começar um incêndio apenas com a força do pensamento, além de subirem um barranco em meio segundo como o The Flash.

Abrindo a torneira da pia, Cristine encheu as mãos de água fria e jogou no rosto. Não poderia estar ficando paranóica por causa desse pesadelo. Foi apenas um sonho! Disse a si mesma. De agora em diante, não iria mais na biblioteca da Sra. Morgan à noite. Interromperia seu trabalho na loja de móveis usados durante a tarde e daria um jeito de adiantar a lição de casa. A única pessoa que a entenderia era a tia Lucy Mary Haymes. Ela não se oporia pela dedicação de Cristine pelos afazeres escolares. Era a única pessoa que Cristine tinha para confiar.

Cristine saiu do banheiro e seguiu na direção da diretoria. Não estava com raiva da sua parceira de laboratório culpá-la por conversar durante a aula, na verdade ela lhe fizera um favor. Cristine não insistiria na sua própria força de vontade em continuar na aula do Sr. Coleman, porque simplesmente era inútil insistir. Ela não conseguiria prestar atenção, contudo. Se tivesse coragem suficiente, poderia até matar as próximas duas aulas e ir para o trabalho mais cedo.

Quando desceu para o primeiro andar do prédio, Cristine seguiu na direção das portas laterais. A diretoria ficava perto da entrada da escola, do outro lado do pátio principal. Iria cortar caminho por fora, não só para chegar mais rápido, como para respirar ar fresco, embora o ar em Dark Hollow nem sempre estava na categoria fresca de que ela gostava..

Ao fechar as portas de metal às suas costas, Cristine deu de cara com seu primo e mais três garotos, menos de dez passos dela.

–Isso vai te fazer viajar, cara! É o melhor que eu tenho. – um dos garotos passava um saquinho preto para ele, enquanto David segurava um maço de notas.

–É melhor que seja bom, mesmo. Não quero desperdiçar minha grana com você.

–Ei, David! Não é a sua priminha maluca?

Cristine percebeu que ficara tempo demais parada, olhando para seu primo comprando drogas. Ela virou as costas e abriu as portas, entrando na escola novamente.

–Espera aí, Cristine! – David gritou atrás dela, mas ela não parou. – Merda!

Cristine adentrou o corredor e subiu as escadas em passos rápidos. Quando olhou para trás, David a seguia. Sem se importar em pensar no que ele queria lhe dizer, ela correu pelas escadas e entrou na primeira porta que encontrou. Seu instinto lhe dizia que David não queria conversar.

Cristine entrou em um corredor mais fino e escuro, não havia janelas. O prédio da escola era antigo e existiam salas que não eram usadas. No fundo do corredor, que parecia mais um túnel, ela avistou uma placa vermelha que dizia ser uma saída de incêndio. Ela correu até lá, ouvindo o barulho da porta no começo do corredor ser aberta. David entrara.

–Cristine! – ele gritou e sua voz não era nada amistosa. – Não fuja! Será pior, acredite.

Cristine chegou até a placa e percebeu que era apenas isso mesmo: uma placa, não uma porta. Tateou as paredes e encontrou uma passagem ao seu lado direito, onde teria que passar por debaixo de uma escada de madeira. Ela se esgueirou pela fenda estreita no mesmo instante em que David quase a agarrou pelo braço.

–Volte aqui!

Cristine correu e tropeçou no escuro sem enxergar o caminho, apressando o passo quando ouviu o barulho de David logo atrás, também esgueirando-se pela passagem que com certeza não o cabia. Não conseguia entender porque estava com tanto medo de David, já que fugir naquele instante era inútil, afinal eles moravam na mesma casa. Mas o instinto dizia-lhe para não enfrentá-lo naquele instante.

Quando Cristine finalmente encontrou uma porta no meio da escuridão, do que aparentemente parecia ser um depósito, ela saiu para a claridade estreitando os olhos e chocando-se em alguma coisa com uma pancada oca. Sua mochila caiu aberta aos seus pés, esparramando livros e canetas com um barulho abafado, mas ela não se moveu para apanhá-los. Os olhos azuis como safiras estavam no alcance dos seus, deixando-a paralisada, o único som que escutava era a sua própria respiração ofegante.

Demetri.

Os cabelos negros e ondulados, estavam desalinhados movendo-se ao vento.

Vento?

Cristine desviou sua atenção para o lugar onde estava agora. Era uma sala grande e bem iluminada por luzes fluorescentes, cheia de mesas e cadeiras empilhadas. Um ventilador de teto rodopiava e espelhava o cheiro de poeira pelo ar.

–Sinto medo em você. – a voz dele saiu macia, mas havia aquele tom de ameaça que Cristine passou a perceber desde que conversara a sós com ele na noite anterior. Ela levantou os olhos para fitá-lo.

Demetri era uma cabeça mais alta que ela, seu corpo era esguio e largo. Ele estava de camisa preta e jeans preto, destacando-se dentro da sala branca. Na noite anterior, Cristine o vira no escuro e seus olhos, apesar de se lembrar perfeitamente do que viu, poderiam tê-la enganado. Na biblioteca escura ela o achara bonito, agora no entanto, ele era muito mais que isso.

Seus olhos continuavam a fitá-la tão intensamente, que Cristine esqueceu-se do que estava com medo. Na verdade não sabia mais no que pensar enquanto o encarava.

Ao perceber que parecia uma idiota contemplando uma estátua em silêncio, ela abriu a boca para dizer alguma coisa, mas Demetri desviou os olhos para cima do ombro dela e sua expressão endureceu.

–Você vai me pagar por isso, Cristine! – disse David às suas costas.

Cristine virou-se bruscamente e viu seu braço ferido. David provavelmente caiu no escuro e agora teria mais um motivo para fazer mal a ela.

–E é melhor não contar nada do que viu para a minha mãe! – ameaçou ele com um dedo apontado na direção dela. David lançou um olhar rápido para Demetri com indiferença e avançou um passo.

–Ela não precisa contar a ninguém que você usa drogas. – disse Demetri com uma expressão que Cristine não soube decifrar. Ele lançou um olhar de nojo na direção do sangue que escorria do braço de David. – Os sintomas são perceptíveis há quilômetros de distância. Olhos vermelhos, raiva intensificada... O cheiro da droga escorre de seu sangue.

–Cala essa boca! Não estou falando com você, seu babaca! – David deu outro passo na direção de Cristine e esticou o braço para pegá-la. – Você!

Cristine deu um passo para trás no mesmo segundo em que Demetri segurou a mão de seu primo ainda no ar. Cristine percebeu que ele tinha a mandíbula apertada, como se estivesse controlando o impulso de dizer ou fazer alguma coisa.

–Mas que diabos está acontecendo aqui?! – Cristine levou apenas meio segundo para entender que aquela voz era a do zelador, Sr. Bennet, e que ser surpreendido por ele em um lugar proibido para alunos era expulsão na certa.

Lançando um último olhar de fúria para ela e para Demetri, David virou-se e adentrou o depósito escuro novamente batendo a porta com um barulho estrondoso, suficientemente alto para fazer o zelador correr até os invasores.

Antes que pudesse pensar em fazer alguma coisa, Cristine sentiu ser puxada por Demetri, um toque leve e frio na sua mão que a fez se arrepiar por completo. Ele a levou para trás de uma enorme pilha de mesas, empurrando-a para o canto da parede contra ele. Seus corpos estavam bem próximos, apenas uma camada de ar os separava.

–Malditos! Malditos delinquentes! Ainda terei um infarto antes de me aposentar! – a voz do Sr. Bennet ecoou pelo salão, enquanto Cristine estava encolhida contra a parede, uma pilha de mesas e Demetri logo a sua frente. Os olhos dele não a deixavam nenhum segundo e Cristine, sem entender o motivo não conseguia desviar o olhar daquelas safiras intensas. – Meu salário não compensa! Recebo pouco pelo que passo aqui! Eu não mereço isso!

O zelador continuou a resmungar antes de apagar as luzes e sair da sala.

A escuridão os envolveu mais uma vez. Demetri desapareceu no escuro, como todo o resto da sala. Cristine ouviu o barulho da porta sendo trancada e dos passos irritados do Sr. Bennet pelo chão de pedra do corredor.

–Vou acender as luzes. – disse Demetri num sussurro. Cristine percebeu que o rosto dele estava mais perto do que pensava, pois pôde sentir o hálito morno soprar sobre ela.

Logo depois, havia luz novamente. Cristine saiu da brecha em que estava escondida e encontrou Demetri parado no mesmo lugar em que o encontrou quando entrara ali. Ela seguiu na direção da sua mochila, agradecendo silenciosamente pelo Sr. Bennet não tê-la levado.

–Obrigada. – ela disse quando se abaixou para apanhar seus livros e colocá-los de volta na mochila.

–Seja mais específica. – disse Demetri se abaixando para lhe entregar uma caneta. – Pelo que exatamente está me agradecendo?

Demetri estava agachado, apoiando os braços nos joelhos, seus olhos na mesma altura que os olhos dela. Na sua expressão, alguma coisa oculta. O que seria? Perguntas? O que Demetri Santinelli teria para perguntar a ela?

–Acho que por me livrar de uma suspensão. – disse Cristine levando sua atenção para os livros. Tinha certeza de que não conseguiria falar olhando diretamente para ele. – E claro, - ela pegou o último livro e atirou para dentro da mochila – David. Não sei o que aconteceria se você não estivesse aqui. – confessou constrangida. Sentiu seu rosto esquentar-se, mas traria logo de ignorar essa reação.

–O que provavelmente aconteceria? – perguntou Demetri sério. Seus olhos ainda tinham aquele brilho misterioso e intenso que Cristine não conseguia interpretar. – Por que tanto medo de seu próprio primo?

–Eu não sou considerada da família. – Cristine disse assim que pensou na resposta e se arrependeu logo em seguida. Nunca revelou para ninguém o tratamento que tinha na casa dos Haymes, mesmo que nunca fora tão bem tratada por outra pessoa daquela cidade. Mas simplesmente, ela não conseguia mentir para Demetri. Era como se aqueles olhos detectassem mentira. – Quero dizer, o David é muito infantil. – ela balbuciou tentando se corrigir. Levantou-se com os livros já guardados. – Na verdade, você só adiou o inevitável. Eu o vi comprando drogas, fugi e ele se machucou e provavelmente ele não vai se segurar até ter me ameaçado.

Cristine corou ao perceber que estava tagarelando nervosamente. Demetri deveria estar com uma expressão de completo tédio, mas ao fitá-lo, ele continuava com a mesma expressão indescritível, um perfeito enigma nos olhos.

–Desculpe. Isso, com toda certeza não é da sua conta. – murmurou desviando os olhos dele novamente. Olhou para a porta do qual a levara ali e depois para o outro lado das mesas empilhadas. O cheiro forte de poeira e mofo era insuportável. Aquela sala aparentava não ser usada há muito tempo. Então o que Demetri estava fazendo lá antes de Cristine aparecer?

–Eu estava procurando por você. – ele respondeu como se ouvisse seus pensamentos.

–A mim? Por quê?

–Queria lhe dar isto. – Demetri lhe estendeu um livro velho de capa dura. Não era tão grosso quanto um dicionário, mas parecia pesado. – É um livro de História. Fala sobre a Renascença Italiana. Você não precisará ir até a biblioteca.

Cristine pegou o livro e leu o título: A Idade Moderna: A Expansão Marítima, O Renascimento e A Reforma. Não era o mesmo livro da biblioteca da Sra. Morgan.

–Você não vai usá-lo? – indagou em dúvida, pois parecia que Demetri queria que ela não fosse à biblioteca.

–Não. Pode ficar com ele.

–Não precisava se incomodar, eu...

–Não é incômodo. – ele a interrompeu e sua voz agora parecia mais dura e fria. Seus olhos a persuadiam a aceitar, como se a obrigassem, como se ele desejasse, de fato, não apenas desejasse, mas queria obrigá-la a aceitar, ficar longe dele.

Cristine recuou quando interpretou a expressão dele naquele momento. Raiva? Irritação? Não era uma expressão de gentileza que alguém demonstra ao fazer um favor, como emprestar um livro para uma lição de casa. Ela realmente entendeu que tal ato, era realmente para não fazê-la ir até a biblioteca, e, conseqüentemente para não encontrá-lo lá.

Sem saber como respondê-lo, Cristine permaneceu em silêncio segurando o pesado livro, enquanto Demetri, ágil e silenciosamente, desapareceu de sua vista sem dizer mais nenhuma palavra.

~•*•~

O ar seco o atingia como agulhas penetrando os seus pulmões. Seria possível uma criatura imortal sentir ódio de si mesma?

Ele não poderia estar sentindo ódio de si mesmo! Isso não fazia sentido. O ódio pertencia a outra pessoa! O ódio pertencia a ela.

–Cristine... – ele murmurou e ouviu o rosnado na própria voz.

Demetri seguiu com sofreguidão na direção da mansão dos Santinelli. O velocímetro do Porsche indicava cento e vinte, mas ele não se importou. Ele esperou uma noite inteira para revelar a sua família, eles precisavam saber o quanto antes! Uma decisão deveria ser tomada, embora ele mesmo já estivesse decidido.

Qual seria a reação de seu irmão? Qual seria a reação de tia Adele ao descobrir que ainda existia uma descendente viva dos Contiero?

~•*•~


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Obrigada pelos reviws e por quem está acompanhado Vampire Dreams! XDNo próximo capítulo, finalmente, vamos conhecer a pequena família imortal do Demetri!até!