Goddess of Revenge escrita por Bárbara Brizola


Capítulo 6
Capítulo 6: Caos


Notas iniciais do capítulo

Eu voltei!!!!! Aqui é o meu lugaaar!!!
Estou de volta da viagem que foi zoada pela companhia área que me fez passar por 4 estados num único dia. Longaaaa historia. Depois disso tive alguns muitos assuntos pessoais que me mantiveram atarefada. Me desculpem por isso.

Aqueles que não desistiram de mim espero que se divirtam. Titia ama vocês.



"This is war"



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Acordei com um estrondo ensurdecedor e sentindo a casa inteira tremer. Loki estava sentado ainda nu e me encarava com os olhos verdes muito arregalados na penumbra. Me apoiei nos braços, afastando os cabelos do rosto e sustentando seu olhar, sem entender nada. Um forte cheiro de fumaça me irritava os pulmões.

– O que está acontecendo? – perguntei com minha voz sendo quase que completamente abafada por um novo estrondo. Não fui capaz de conter um grito agudo. O deus se levantou depressa e abriu uma das cortinas. Por puro instinto tateei pela mesa de centro em busca da minha pulseira e bracelete os devolvendo aos seus lugares. Sua expressão foi do mais completo choque. Senti meu coração falhar uma batida.

Não tive tempo de questionar nada antes que ele simplesmente se atirasse sobre mim, fazendo o divã tombar e nos jogando no chão, no momento em que um estrondo acontecia tão próximo que as vidraças estouraram espalhando cacos pela sala. Um esgar de dor escapou da minha boca pelo impacto. Os olhos dele perscrutaram meu rosto por um breve segundo antes de se levantar, me puxando pela mão.

– Para a porta! Vai! – gritou enquanto a casa tremia. Loki não precisaria mandar duas vezes. Corri enquanto sentia uma de suas magias cobrir minha pele com a conjuração de um dos vestidos curtos e pretos que havia em meu armário no palácio. Minhas pernas foram ocultadas por uma calça escura e justa. O deus tomou à dianteira, ele próprio todo em trajes negros. Nos confundiríamos com a noite.

Quando abriu a porta o caos estava espalhado. Havia uma enorme cratera no chão de onde saía fumaça. Os cavalos haviam fugido e o campo de sorgo incendiava, espalhando sua fumaça negra para os céus. Arfei sem saber exatamente como reagir. Podíamos ouvir os sons dos alarmes da cidade sendo trazidos pelo vento e misturando-se as explosões que irrompiam até onde éramos capazes de ver. Loki materializou a lança que recebera em Valhala. Senti meu estômago afundar.

– Meu arco está no castelo. – Declarei o puxando pelo braço, tentando conter o nervosismo na minha voz. O deus me encarou com as sobrancelhas franzidas. Eu o invocara, mas a distância era grande e até que chegasse estava completamente desarmada.

– Fique perto. – Comandou num tom calculado. Não precisaria dizer duas vezes.

Loki caminhou apressado e um pouco curvado pela varanda. Não sabíamos a origem daquilo, mas precisávamos nos proteger. Seus olhos verdes eram os de um predador no meio de uma caçada. A fumaça do campo fazia os meus pulmões arderem enquanto o seguia, atenta a qualquer som que eu pudesse ouvir acima das explosões. A todo momento olhava na direção do palácio desejando ver minha mochila de metal a caminho. Sentia o chão tremer e via aves voando desnorteadas pelo céu noturno. A terra voava em várias direções quando as crateras se formavam. Eu não podia deixar o medo me paralisar.

Vimos luzes passarem em direção à cidade e se chocarem com estrondo contra a barreira de luz que circundava o palácio. Quem morava perto possivelmente havia buscado proteção. Só quando pensei nisso percebi que havia pessoas morrendo na periferia.

O deus trouxe minha atenção de volta a nossos próprios problemas quando se inclinou para olhar em direção à floresta nos fundos da casa. Eu estava esperando que uma daquelas bombas desabasse sobre nós a qualquer momento. Tremia dos pés a cabeça e queria desesperadamente que ele me tirasse dali. Loki parecia estar analisando o risco de nos por correndo aquela distância, completamente expostos. Eu entendia sua preocupação, mas assim como ele, sabia que uma casa poderia ser um alvo e uma floresta, se fosse atingida, seria um efeito colateral. Nossas chances eram melhores em meio à mata.

– Corra sem olhar para trás. Vou estar te seguindo. – Falou sem me fitar. Assenti brevemente. Loki estava no comando. Me preparei para fazer o que ele dizia, mas não tive tempo de dar um passo sequer.

Uma nova explosão aconteceu tão próxima que a pressão simplesmente nos arremessou quatro ou cinco metros à frente. Não consegui nem sequer gritar. Nada. Apenas senti uma das costelas se partir como se fosse de plástico e o ar fugir dos pulmões me fazendo soltar um som sôfrego enquanto tentava respirar. Não sei quanto tempo fiquei deitada no chão. Meu corpo não respondia, mas eu sentia o sangue quente escorrer pela testa e chegar com seu gosto metálico em minha boca, assim como sentia os arranhões arderem nos braços e pernas.

O mundo girava descontrolado ao meu redor, os sons soando indistintos e cheios de ecos. Era provável que minha última refeição fizesse uma visita em breve. Havia alguém falando comigo. Seu rosto flutuava acima do meu de maneira indistinta enquanto a fumaça continuava a invadir meus pulmões e o chão vibrava. Senti que erguiam meu rosto, mas eu não conseguia firmar a cabeça. Meus olhos giravam nas órbitas sem conseguir se fixar em nada.

– Liana! – ouvi a voz me chamar com urgência. – Liana! – Eu conhecia a voz. Aquilo era real? Eu não conseguia focar o rosto. – Liana! - chamou uma terceira vez me chacoalhando. Senti minha cabeça pender de lado enquanto meus olhos finalmente acertavam o foco. Era Loki. Claro que era.

Minha consciência voltou tão brusca quanto uma das explosões. E então a dor me atingiu como um raio. A maldita costela. Fiz uma careta deixando um grunhido escapar, mas ele não podia me dar atenção. Não agora. Me puxou pelo braço de qualquer jeito. Acho que gritei com a dor, enquanto me obrigava a continuar correndo em direção às árvores. Eu mancava atrás dele e o latejar na lateral do corpo me causava náuseas. Tremia tanto que me admirava que minhas pernas ainda me sustentassem.

– Mais rápido! – o deus esbravejou irritado. Eu era lenta e estava ferida. Aquilo nos deixava perigosamente expostos. Não havia nada que eu pudesse fazer a esse respeito. Eu entendia a frustração dele. Queria me tirar dali tanto quanto eu queria sair.

Eu podia ver claramente as árvores. A distância era pouca agora. Logo estaríamos mais seguros. Logo o inferno das explosões e o fogo nos deixariam conforme avançássemos mais para o centro. Seria ótimo se aquela mulher não estivesse ali, sentada em um galho baixo de cipreste. Talvez eu não a tivesse notado, mas meus olhos foram atraídos como que por um imã.

Os cabelos longos muito negros balançavam suavemente ao vento assim como suas vestes da mesma cor, os olhos lilases me encaravam com uma calma e doçura que me fez gelar e sentir meu corpo se derreter em meio ao puro e simples pavor. Sensações muito conflitantes assim como a calma que ela demonstrava em meio ao caos. Sorria serena, como de uma piada que não pretendesse compartilhar. Aquilo me fez travar em meio ao campo. Minhas pupilas se dilataram o máximo que podiam. O sorriso da mulher se ampliou. A Morte nos aguardava em meio às árvores.

Faltavam pouco mais do que três metros para a segurança. Me senti repentinamente consciente de que ele não era capaz de vê-la. Não podia deixar que o deus entrasse na mata.

– Não! Não! – gritei em um alemão trôpego. Ele franziu as sobrancelhas, perplexo quando me agarrei a seu braço, mas então virou-se novamente para a mata, encarando o ponto que, para ele, estava vazio. Sua expressão tornou-se ainda mais tensa. Não precisei dizer nada.

– Corre! Vai! – Gritou a ordem me guiando pela margem da floresta. Me virei completamente em pânico começando a avançar. Iríamos morrer. Ele não tinha para onde me levar. A dor que era um zumbindo surdo em meio ao caos me fez grunhir quando minha aljava finalmente me atingiu pelas costas. Erguer o braço para aparar o arco foi um suplício.

Eu estava plenamente consciente da Morte nos acompanhando em meio à mata. Ela parecia flutuar, nos seguindo sem esforço. Às vezes desaparecia como se tivesse sido mera imaginação minha e ressurgia alguns metros à frente. Quase numa brincadeira.

Não sabia quanto tempo mais podia continuar correndo. As bombas continuavam caindo em curtos intervalos. A dor me atacava como murros seguidos. Eu tremia tanto que temia largar o arco e mesmo o vento em meu rosto, não ajudava. Já Loki continuava avançando, nos guiando só ele sabia para onde.

Comecei a perder noção de há quanto tempo corríamos. Minhas pernas protestavam contra o esforço, os músculos queimavam pedindo desesperadamente para que eu parasse. A adrenalina já não era o bastante para evitar que a dor nublasse minha mente. Chorava em silêncio, meu rosto contorcido numa careta. Os pulmões sofriam sem fôlego. Apesar disso, o seguia sem pausa. Sem questionar para onde. Quando achei que desmaiar era certo, o deus parou bruscamente diante do paredão de pedra que constituía as cordilheiras de Asgard. Me choquei contra as costas dele, um grito agudo me escapando por entre os lábios secos.

Loki me dirigiu um olhar frio. E então pareceu se dar conta do estado em que eu me encontrava. Me apoiei ao ombro dele para não cair no chão, enquanto puxava o ar em arquejos longos e ruidosos. Sua boca se apertou de frustração. Minha fraqueza o frustrava. Afastou-se sem dizer nada e simplesmente saltou uma altura absurda, chegando até uma depressão na rocha. Ele me deixaria para trás? Olhei ao redor apavorada, enquanto o mundo ruía, procurando uma maneira de continuar. Seguir a diante era a única maneira de sobreviver.

A Morte ainda vigiava e estava tão próxima que fui capaz de contar as falanges de sua mão descarnada que apontava para uma saliência por onde eu poderia subir. Estreitou os olhos com divertimento. Queria ver até onde eu podia ir. Estava se divertindo.

– Obrigada. – atirei quase inaudível, enquanto largava o arco no chão. Apoiei o pé e comecei a subir do melhor jeito que conseguia. Tentava usar um único braço, mas era quase impossível. A dor me golpeava com fúria. As lágrimas voltaram e eu mordia a boca me impedindo de gritar. Eu não chamaria por Loki. Não choramingaria. Não avancei mais do que dois metros, antes de ouvir a voz irritada dele.

– O que está fazendo? – questionou, agarrando-se a rocha com uma única mão, a outra estendida para mim. Sua expressão era de perplexidade. Soltei um suspiro de alívio, incapaz de responder, a segurando e sendo puxada para a proteção dos braços dele. O deus deu um impulso nos levando para a depressão acima. – O que você estava pensando?! – Interpelou entre a fúria e a perplexidade.

– Não sei... Não sei... – balbuciei me escorando a parede de rocha, enquanto meu arco retornava. O aparei com a mão esquerda, tentando me poupar de fazer a careta que me tomava contra minha vontade.

– O que você quebrou?

– Loki... – Ignorei a pergunta. Meus olhos esquadrinhavam todo reino, até onde a vista se perdia. Os dele seguiram o mesmo caminho. As bombas não chegavam ali. Estávamos tão nos limites de Asgard, quanto poderíamos estar. Atrás daquela cordilheira havia apenas o vazio. Olhamos ao longe e podíamos ver as bombas se chocando contra a barreira ao redor do palácio, a fumaça das residências em chamas se erguendo para o céu, o cheiro acre do campo de sorgo quase completamente destruído chegava até nós. Víamos naves das tropas asgardianas voando em diversas direções e os canhões de plasma disparando contra projéteis antes que eles se abatessem sobre a cidade, os explodindo como fogos ainda no ar. E seguindo a rota inversa que um deles havia feito, pudemos ver a origem de tudo aquilo.

Uma clareira ao longe, num ponto além do campo de sorgo talvez uns oito quilômetros, estava tomada por morteiros dispostos de maneira aleatória. Centenas de homens os armavam e corriam em diversas direções, perdidos em tarefas que eu não compreendia em meio a várias máquinas que tampouco sabia para que serviam. Havia certa harmonia em como o ataque era conduzido, nas pessoas correndo e gritando ordens, carregando armas e algumas se espalhavam em meio às árvores sumindo de nossas vistas.

Loki tinha uma expressão estranha. Parecia apreciar o que via e, ao mesmo tempo, desprezar tudo aquilo profundamente. Ergueu os olhos para o palácio e os trouxe cheios de preocupação para mim, que estava apoiada à parede me impedindo de tremer, desmaiar ou vomitar. Sustentei o olhar dele por um breve segundo. O deus era uma incógnita. Afastou uma mecha de cabelos que grudava no sangue em minha testa.

– Só mais um pouco. – falou como numa justificativa. Quase um pedido. Precisávamos continuar. Assenti firmando o corpo. A tensão na expressão do homem me revelava uma enorme ambiguidade de sentimentos e pensamentos, mas havia dois que para mim era bastante óbvios. Loki queria me tirar do meio do perigo. Garantir que eu estivesse em segurança e fosse atendida. Manter sua humana viva. Mas ao mesmo tempo desejava estar no palácio. Frigga estava lá e ele jamais voltaria a confiar em Odin ou Thor para mantê-la segura durante um ataque. Contudo era impossível estar em dois lugares ao mesmo tempo. Pelo menos agora que Espaço não nos pertencia.

Por isso o deus havia nos trazido até ali. Subira primeiro para se certificar de que era o lugar certo. Agora me guiava por entre uma fenda estreita na rocha, cheia de pontas e pedregulhos soltos. Um dos portais perdidos de Asgard. Ele os conhecia como mais ninguém.

Loki caminhava à frente e eu o seguia da melhor maneira que conseguia. Às vezes o moreno se virava para garantir que ainda avançava. Me senti inútil. Ele poderia já estar onde queria, não fosse por mim o atrasando. Eu desejava desesperadamente sentar e descansar, mas jamais diria isso. E sem demonstrar a dor e a exaustão, fui levada por um brilho surgido em meio ao nada.

Cambaleei com um ganido agudo como o de um cão me escapando, antes que o deus me aparasse com firmeza pelo braço. Fiz uma careta sofrida e me recompus o mais depressa que pude. Loki me olhava com atenção. Corar foi inevitável e isso me fez desviar o olhar. Svartalfheim nos rodeava com suas dunas avermelhadas e as ruínas de um castelo muito visíveis ao longe. A ideia era sair de Asgard para então regressar em um ponto mais seguro. O silêncio ali, comparado aos estrondos de minutos antes, era opressor. Da última vez que estivemos naquele reino, o moreno tentara me matar. Eu detestava aquele lugar. Por sorte o deus parecia tão interessado quanto eu em prolongar nossa estadia.

– Heimdall. – chamou firme. Nada aconteceu. – Heimdall. – insistiu me encarando como se esperasse uma resposta. Quando comecei a franzir as sobrancelhas a luz nos atingiu pela segunda vez em menos de cinco minutos.

Duas viagens seguidas era demais para mim. Comecei a imaginar a expressão de choque no rosto de Loki se eu vomitasse como achava que faria, mas isso não aconteceu. Ele me segurava pelo braço do melhor jeito que podia e bloqueava o avanço de um guerreiro inexistente com a lança. Apenas Heimdall estava na cúpula que tinha uma barreira dourada de proteção assim como o castelo.

Estávamos seguros e essa sensação me permitiu sentar no chão, apoiando as costas a uma parede. Minha respiração soava rascante e o suor se misturava ao sangue seco no rosto. Tentei não pensar na costela que latejava horrivelmente. Loki tinha escoriações, mas parecia bem mais inteiro que eu. Me ofereceu um olhar de preocupação que dispensei com um aceno da mão.

– Como? – O príncipe questionou virando-se para o guardião.

O soldado puxou a espada do suporte no centro e voltou como um tufão para uma parede cheia de controles. Eu nunca tinha visto aquilo. Ele suava e estava sem seu elmo que jazia visível no meio do Bifrost, como se tivesse caído acidentalmente. Completamente descomposto.

– Não sei. Eu não vi. – O negro respondeu sem o olhar. A voz soava tão grave quanto sempre, embora um pouco rouca.

– Sua rainha? – Loki questionou com desprezo na voz. Culpava o guardião pela invasão. Observei-o, até ouvir os rangidos metálicos que ecoavam vindos da ponte. Ele estava ativando um sistema de contra-ataque. Heimdall podia ver a origem do problema e todo exército asgardiano se orientaria pelo movimento que ele fizesse para direcionarem os próprios. O homem continuava a apertar botões no painel e o respondeu sem olhar.

– Segura no palácio. Assim como seu pai, seu irmão e Jane. – O moreno fez uma careta, exibindo os dentes enquanto projetava o maxilar para frente numa expressão que eu conhecia bem como manifestação de sua frustração. Afastou-se encarando a saída da cúpula. Seus olhos eram os de um animal enclausurado.

Levantei reprimindo a dor e fui até ele, passando a mão por seu ombro e a deslizando até o cotovelo. O homem trouxe sua atenção para mim, esquadrinhando meu rosto. Acariciou-o sem falar nada. Ofereci um sorriso de lado. Ele me beijou os lábios por um breve segundo.

– O que você quebrou?

– Costela. – respondi tentando soar indiferente. Loki apertou os lábios, contrafeito. Eu não ia morrer por aquilo, já que se tivesse tido o pulmão perfurado minha situação seria muito pior, mas ele podia imaginar o quanto doía.

– Pode continuar?

– Como passamos? – Expus a dúvida que restava. Eu o seguiria até o fim. Ele sorriu de lado aprovando minha questão. Os olhos verdes tornaram a encarar a ponte, enquanto o som surdo das bombas de Heimdall ecoava acima de nós. Me flagrei estranhamente alheia a tudo. Era como se não fosse real. As pessoas que morriam lá fora não eram reais. Apenas o que faríamos a seguir importava. Estávamos de volta ao campo de batalha e sobreviver ao minuto seguinte era tudo.

– Sleipnir. – Explicou pronunciando o nome alto e claro. Me virei para olhar e mal tive tempo de piscar antes que o animal estivesse ali. O enorme corcel negro pateava suas oito patas fortes, agitado, diante de nós. Ainda mastigava um pequeno chumaço de feno, o que indicava que estivera comendo tranquilamente em sua baia sem se dar conta de que o mundo caía ao seu redor. Não estava selado de forma que eu não tinha ideia de como subir.

Loki me olhou com uma expressão de quem se desculpa e antes que eu pudesse entender, me pegou pela cintura colocando sobre o dorso do animal. Desejei gritar, mas o ar simplesmente me deixou, então não fiz mais do que contrair cada músculo do corpo e abrir a boca num ganido baixo. O deus montou logo atrás de mim e inclinou-se passando os braços pelas laterais do meu corpo segurando a enorme crina negra. Beijou-me a cabeça, enquanto permiti me apoiar ao corpo dele, que guiava Sleipnir para a saída. Heimdall não tentou nos impedir, ocupado que estava.

Eu nunca havia montado aquele cavalo. Ele pertencia a Odin e se eu pudesse passava longe de qualquer coisa que tivesse relação com o rei. Sabia bem de sua velocidade e temi que meu pescoço pudesse quebrar quando ele corresse, mas para minha surpresa foi estranhamente confortável quando disparamos pela ponte.

E então o estranhamento. As coisas pareciam acontecer em câmera lenta ao redor. Muito, muito lenta. Pude ver cada uma das bombas douradas, pequenas como bolas de golfe que Heimdall disparava de armas que se escondiam embutidas nas pilastras ao longo da ponte. Vi algumas se encontrarem com as do adversário, longas e negras, e então a explosão surgir lentamente, numa bola de chamas que espalhava fumaça e estilhaços acima de nossas cabeças. Outras seguiam lentas, deixando um rastro de luz para trás. Nada mais acertava a ponte. Vi Asgard iniciar o contra-ataque com dezenas das pequenas esferas douradas. Mesmo a onda de impacto que causava deslocamento do ar era visível se propagando lentamente. Os grãos de poeira sobre a ponte eram jogados de um lado para o outro, sobre as centenas de cores brilhantes, assim como nossos cabelos que pareciam dançar diante dos rostos. Não fui capaz de ouvir o som. Cometi o erro de piscar.

Foi quando me flagrei em meio à área central. Casas e lojas incendiavam, flechas voavam e eu conseguia ver suas hastes bambeando durante o trajeto, cavalos trotavam, naves planavam em meio aos palacetes, estátuas e praças colossais. Soldados ajudavam pessoas. Havia corpos espalhados nas ruas. Pedaços sem dono em nosso caminho. O choro das pessoas não era audível, mas visível em rostos contorcidos por medo e dor. Pude ver Vidar, que não pareceu nos notar, em seu uniforme ensanguentado degolar um homem. A cabeça girou no ar antes de tocar o chão, presa eternamente em uma expressão de pavor. Foi então que percebi que existiam invasores no perímetro da cidade e não apenas nos campos. Estavam em meio às pessoas. Por quê? Por que iriam ali, em meio às bombas?

Vi de relance Sif empalar uma mulher em roupas negras que puxava uma criança pelos cabelos, Volstagg oferecia cobertura a morena. Isso foi um segundo antes de atravessarmos o escudo de proteção do palácio. Éramos cidadãos asgardianos e fomos recebidos como tal pelo coração do império. Nós e dúzias de pessoas que corriam aos tropeços através da barreira com suas famílias ou sozinhas, procurando desesperados por rostos conhecidos entre as pessoas que se amontoavam nos jardins.

Sleipnir continuou nos guiando até chegarmos ao átrio diante da sala do trono. O caos havia chegado ali também. Os guardas corriam de um lado para outro e gritavam ordens, serviçais os seguiam aos prantos, apavoradas com a extensão do ataque e preocupadas com aqueles que amavam e estavam fora do perímetro protegido. Loki desmontou e me apoiou pelas coxas quando fiz o mesmo. O cavalo desapareceu antes que eu notasse para onde.

Escolhemos uma escadaria à esquerda e subimos aos saltos. Eu sabia instintivamente que estávamos indo à torre real. Frigga deveria estar lá. Ou assim esperávamos. Eram dezenas de degraus. Meus pulmões protestavam, a costela embora parecesse estar querendo me dar uma trégua, às vezes se fazia lembrar e as pernas não demoraram a entrar na sinfonia pedindo descanso. Enquanto avançávamos correndo desabalados pelos corredores senti meu estômago afundar. Havia uma serviçal caída no chão, em meio a uma poça de sangue. Alguns metros adiante um homem baixinho em trajes negros também jazia, seu crânio aberto em dois por um macho duplo. A arma que havia tirado a vida da mulher ainda firme naquelas mãos imundas. Ele não era asgardiano, mas ali estava. Havia avançado muito dentro das defesas do reino. Quanto tempo entre o início do ataque e a elevação do escudo? Quantos mais tinham entrado?

O som de um raio se fez ouvir quatro ou cinco andares acima, assim como os gritos de pessoas no corredor. Continuamos subindo para encontrar Thor se livrando de dois homens uniformizados acertando-os com Mjölnir e os arremessando por uma janela aberta. O loiro voltou os olhos azuis em nossa direção, tinha uma expressão séria no rosto suado. Jane estava parada as costas do homem, vestida com um jaleco azul de trabalho e tinha seu pequeno punhal desembainhado em mãos, embora continuasse tão limpo quanto sempre. Ambos respiraram aliviados ao nos reconhecerem.

– Irmão! – o herdeiro do trono exclamou, atravessando o corredor como um furacão e puxando Loki em um abraço. O moreno franziu as sobrancelhas me encarando por cima do ombro do outro. Troquei um olhar constrangido com Jane. – Onde vocês estavam?! – questionou ainda pendurado no moreno.

– Casa de campo. – afirmou, tentando se desvencilhar do irmão que o mantinha firme ali.

– A mãe estava ficando louca de preocupação!

– Me solta antes que você comece a me beijar. – debochou, finalmente conseguindo se afastar. – Cadê ela?

– Na torre, com nosso pai.

Seu pai.

– Loki... – Thor começou ficando novamente sério. Jane se apressou em intervir.

– Ainda tem gente no palácio? – questionou chamando a atenção para si. – Atacando?

– Não sei. – respondi seriamente. Vi os olhos de Jane esquadrinharem meu rosto e se demorarem no corte repleto de sangue seco na raiz dos cabelos e na sujeira em que eu me encontrava. Minha postura meio torta chamava atenção. Ofereci um sorriso amarelo.

Os irmãos ainda se encaravam irritados, mas nossa conversinha mole pareceu trazer algum foco a eles. Asgard ainda estava sob ataque e existiam coisas mais urgentes a serem resolvidas no momento. Ir à torre real era a mais imediata delas. Por mais que Thor afirmasse que Odin estava com Frigga, Loki jamais ficaria tranquilo enquanto ele próprio não se fizesse presente. De toda forma o rei deveria liderar o contra-ataque embora eu fosse capaz de compreender que após perder a esposa uma vez, deixa-la desprotegida durante um bombardeio pudesse ser impensável.

Subimos os degraus chegando ao andar que dividíamos com os futuros reis. Apenas um abaixo do nosso objetivo. As portas estavam abertas e cacos de vidro, porcelana e roupas espalhadas pelo chão. Alguém estava nos quartos e pelo barulho ou não queria se esconder, ou tinha pressa em terminar o que fazia e ir embora e por isso cautela era o de menos. Trocamos um olhar breve e Loki ergueu a lança, caminhando a nossa frente. Thor o acompanhava de perto, com seu martelo bem firme na mão e eu puxei uma flecha de dentro da aljava a encaixando no suporte e tentando não pensar em como doeria se eu precisasse puxar a corda.

– Não tem nada aqui. – Ouvi a voz de uma mulher que falava num inglês arrastado.

– Nenhuma arma? – Um homem com sotaque que me lembrava o britânico, questionou.

– Não. – afirmou. – Mas tem essa escova de cabelo com alguns fios.

– Coloque no pacote. – ordenou, no momento em que entrávamos no recinto. A mulher deu um pulo no mesmo lugar, derrubando a sacola branca no chão, enquanto ambos sacavam pistolas iguais, pequenas e pretas e as apontavam com as duas mãos em nossa direção. Meu primeiro instinto foi correr. Mas ao invés disso senti minhas pernas presas ao chão como se fossem feitas de chumbo. Meu estômago era gelatina.

– Eu aceito sua rendição. – Thor declarou simplista. O casal liberou a trava das armas. Senti o ar me faltar. Dei um passo para trás instintivamente. Vi os olhos de Loki se estreitarem e os lábios finos exibirem um sorriso suave. Escárnio. Apesar disso o vi dar um passo discreto para a esquerda me mantendo às suas costas.

– Péssima ideia. – Ouvi o moreno concluir com um toque de divertimento na voz. Thor preparou-se para atirar o martelo, mas antes que pudesse completar o movimento uma criatura muito mais mortal, astuta, perigosa e sanguinária investiu surgindo das alturas do armário.

Jinggles saltou sobre a mulher cravando as garras afiadas no rosto dela, bufando irado, os pelos eriçados de pura fúria. Ela deu um grito recuando, deixando o gato cair no chão, junto à arma. Torci para que ele tivesse arrancado um olho dela. O homem mais que depressa acertou um chute na lateral do corpo do animal, o fazendo soltar um silvo alto quando se chocou contra a parede, caindo imóvel ao lado da cama. Então eu vi vermelho.

– Meine Katze nicht! – Berrei a plenos pulmões, tomando a dianteira antes de acertar o queixo do homem de baixo para cima com toda força que era capaz de reunir, usando o arco como bastão. Ele tombou de costas, os braços tentando apoiar o corpo sem conseguir evitar o impacto, a arma ainda presa entre os dedos. Não senti dor quando puxei a primeira flecha e a fiz atravessar a garganta do desgraçado, sem dar a ele tempo de entender o que estava acontecendo. Tampouco quando disparei as duas seguintes, tomada pela fúria, praticamente degolando o homem e o impedindo de agonizar muito mais.

Me virei com o medo estampado no rosto. Larguei o arco no chão e corri para Jinggles que não parecia ter quebrado nada, embora estivesse inconsciente. Respirei aliviada, fechando os olhos por um segundo. Peguei minha bolinha de pelos com a maior delicadeza que consegui e só então vi que Loki impedia a mulher de atirar em mim. Ele a atravessara com a lança e, embora ainda segurasse a arma, não tinha forças para erguer o braço e disparar. Sangue escorria de sua boca, voltando pelo esôfago.

– O que vieram fazer aqui? – o deus perguntou. Sua voz transbordava desprezo. Ela era lixo. Não merecia sequer uma morte rápida.

– Irmão... – Thor repreendeu o tratamento cruel, fazendo o mais novo revirar os olhos, impaciente. A mulher manteve-se calada encarando-o com raiva.

– Eu fiz uma pergunta, mortal! – rosnou. Esperei que fizesse pior do que aquilo. Desejei. Jane já escondia o rosto no peito do noivo, completamente horrorizada.

A invasora tentou rosnar algo inaudível antes de fechar o maxilar com força e o som de dentes se quebrando se fazer ouvir. Em questão de segundos sua boca se encheu de espuma branca, antes que convulsionasse por um tempo muito breve e silenciasse. Uma cápsula de cianureto oculta em um dente falso e a verdade morria com ela.

O deus frustrado puxou a lâmina de volta expondo o estrago nas vísceras e limpou o sangue fresco na roupa escura que ela vestia. O corpo tombou de lado revelando um pequeno brasão bordado na manga do uniforme. Um crânio e dele surgiam seis pequenos e curvos tentáculos. Eu conhecia bem aquele símbolo. Ter a origem que eu tinha, conhecer as pessoas que eu conhecia e ter usado uma das antigas instalações deles como refúgio eram muito mais do que eu precisava. Não era necessário ser um gênio para reconhecer o brasão da H.Y.D.R.A..

Minhas sobrancelhas subiram tanto de surpresa e incredulidade que poderiam ter se perdido em meio ao cabelo avermelhado. Jane e eu trocamos um olhar breve, antes que Loki parasse diante de mim, bloqueando o contato visual.

– Tudo bem? – questionou procurando meus olhos com os dele e olhando de mim para a bola peluda que eu segurava. Assenti ainda tentando absorver o que, aparentemente, eu entendia melhor que o deus. Jinggles acordava meio molenga em meus braços, miando baixinho. Ele não parecia ter quebrado nada. Apenas o impacto tinha sido demais. Tratei de passá-lo com cuidado para Jane, ela teria mais utilidade carregando o gato do que com uma adaga na mão. Dessa vez evitei os olhos dela. Eu não queria pensar no que aquilo significava e no que viria a seguir.

Loki trancou a porta usando magia, mantendo os cadáveres jogados em nosso quarto. Thor avançou pelo corredor, espiando o outro cômodo e fez um gesto para que o seguíssemos. O resto do andar estava vazio, embora os estrondos ainda fossem muito audíveis, nos indicando que o ataque ainda não havia sido neutralizado. Corremos os poucos metros que nos separavam da escadaria e finalmente chegamos à porta dupla que nos levava ao quarto do rei.

Loki não chegou a abri-la. Frigga o fez antes, parando por breves segundos, os braços abertos, a expressão de preocupação se alterando para o mais puro alívio, enquanto puxava o filho mais novo num abraço. Então os olhos da mulher pousaram em mim. Sua mão encontrou meu pulso e o de Jane, nos trazendo para perto. Nos abraçou suspirando.

– Onde estavam? – questionou, nos soltando. Apertou o ombro de Thor num gesto de gratidão. Ela devia ter mandado o mais velho nos encontrar. Loki olhava para a mãe seriamente. Ela ainda vestia uma longa camisola branca. Ou deveria ser assim. Estava muito suja de sangue seco, os cabelos soltos estavam bagunçados, suados e quase chegavam aos joelhos.

– O que aconteceu? – questionou nos tirando da porta e a fechando atrás de si. Fez um movimento com ambas as mãos, no que foi imitado pela rainha. Não se abriria sem a permissão deles.

– Alguns conseguiram entrar no palácio. Meus filhos estavam sabe-se lá onde. Eu precisava procurar. – afirmou com seriedade. – Alguns dos invasores acabaram encontrando comigo no caminho. Uma pena para eles. – concluiu com tranquilidade. Eu me lembrava de sua face guerreira. De como aquela mulher podia manejar uma espada.

– Não devia ter feito isso. – o moreno afirmou áspero.

– Não venha dizer o que eu posso ou não fazer. – ela rebateu firme, dando as costas a ele e me colocando sentada no banquinho macio de sua penteadeira. Jane e Thor sentaram-se na beirada da cama. Jinggles ainda não parecia disposto a levantar do colo da cientista que acariciava suas orelhas. Frigga pegou um frasco roxo e embebeu um chumaço de algodão no líquido o deslizando com gentileza pela minha testa. A dor no local era pouca comparada à costela e desapareceu quase instantaneamente. – Antes de você pensar em nascer eu já cuidava de mim mesma.

– Mãe...

– Eu sei, Loki. – interrompeu com firmeza, virando de mim para ele. – Mas não exagere. Não sou inválida. – afirmou, com um sorriso de lado.

– Você disse que estava nos procurando. – Jane interrompeu antes que o futuro cunhado achasse mais algum motivo para querer argumentar. A rainha ofereceu um sorriso de canto a ela, tornando a se virar na minha direção. – Achou Thor e então o que?

– Eu estava com o pai. – o loiro se apressou a explicar. – Ele a trouxe para cá enquanto fui atrás de vocês.

– E onde Odin está agora? – Loki se apressou a perguntar.

– Indo tomar minha parte em um contra-ataque. – a voz retumbante do rei invadiu a sala enquanto ele colocava o elmo dourado. Agora que Frigga não estava mais sozinha, o velho se dedicaria a erradicar aquele problema. Trazia Gungnir na mão e beijou a testa da mulher antes de se virar para o primogênito. – Thor, vou ordenar o regresso dos Três Guerreiros e de Lady Sif. Quando for avisado da chegada, providenciem os velórios das vítimas.

– Certo. – o loiro concordou com o semblante pesado. Eu não tinha ideia de quantas baixas tínhamos hoje.

– O que devo fazer? – Loki perguntou um tom acima de seu timbre normal. O maxilar se fechava brusco, a cabeça erguida. O deus desejava ajudar. Era um príncipe de Asgard afinal. Queria se sentir útil. Queria uma função, assim como o irmão recebera uma.

Odin sustentou o olhar dele por um segundo a mais. O silêncio era quebrado apenas pela irritante sirene que ainda ecoava e pelas bombas que conseguiam chegar ao objetivo.

– Cuide dos refugiados. Dê a eles o que precisarem. Abrigo, comida, leve as curandeiras e o que mais julgar necessário. – o rei falou num tom baixo. Loki assentiu. Achei que ele fosse ser sumariamente ignorado, mas sua função tinha relevância. Senti meu coração se comprimir no peito ao notar a expressão dele. Na verdade nada havia se alterado, mas de alguma forma eu podia ver a satisfação em seus olhos. – Não saiam até que os Três Guerreiros venham, entenderam? Quando isso acontecer o palácio será terreno totalmente seguro, mas até lá protejam a rainha. – concluiu firme, ao que todos assentimos e então saiu do quarto, nos deixando perdidos em pensamentos e preocupações.

Aquilo era obra da H.Y.D.R.A. e eu não sabia o que esperar quando o rei e seu conselho se reunissem. Eu sentia meu coração pulsando de expectativa enquanto Frigga e Jane cuidavam dos meus arranhões. Thor e Loki observavam em silêncio o que acontecia ao resto de Asgard, ao mesmo tempo em que um dos sóis começava a nascer no horizonte. Jinggles estava deitado sobre o travesseiro da rainha, os grandes olhos verdes presos à porta dupla que levava ao corredor. Encarando a saída. Senti um calafrio percorrer minha espinha e isso pouco tinha a ver com o toque de Jane sobre minha costela. A paz e a calmaria estavam mortas. Algo maior estava a caminho.


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Notas finais do capítulo

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Hail H.Y.D.R.A.