Goddess of Revenge escrita por Bárbara Brizola


Capítulo 1
Capítulo 1: Entre os deuses


Notas iniciais do capítulo

SE VOCÊ NÃO LEU GOD OF MISCHEF SAIA DAQUI! VENHA PARA CA: http://fanfiction.com.br/historia/462771/God_of_Mischief/

SE VOCÊ ANDA NÃO LEU GIANT OF SCIENCE SERIA DE GRANDE IMPORTÂNCIA: http://fanfiction.com.br/historia/537230/Giant_of_Science/

Agora que os alertas foram feitos vamos ao papo com a Tia! o/ Sejam bem-vindos de volta aos Nove Reinos! Aviso: Vamos encontrar ao longo desta historia algumas referências a Agents of S.H.I.E.L.D, mas não pretendo usar a cronologia perfeita. Em especial a segunda temporada, já que ela ainda não foi concluída.

Então quem não assistiu não precisa entrar em pânico. Divirtam-se! Comente! Opinem! Recomendem! (GOM já teve esse prazer por seus dedinhos?)


''In a land of gods and monstersI was an angel
Living in the garden of evil''



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Aquela manhã acordei com o sol entrando preguiçoso pelas frestas da cortina vermelha e aquecendo a pele das minhas pernas nuas. Tateei por cima do ombro e puxei a mão dele, o obrigando a me abraçar, com minhas costas contra seu peito também nu.

– Bom dia. – Cumprimentei em alemão sem abrir os olhos e sem saber se ele já estava acordado. Como sempre não obtive resposta maior do que um beijo entre o pescoço e o ombro.

– Vai a Vanaheim com a minha mãe? – Questionou no meu idioma numa voz sonolenta.

– Só se for arrastada. Ela que escolha outra pessoa. – Rebati, virando de frente para ele. Loki afastou os cabelos bagunçados do meu rosto. Eu precisava de um banho para tirar o suor que ainda me cobria e os mantinha colados à pele. O deus tinha sua habitual expressão séria, enquanto me fitava com aqueles olhos gritantemente verdes. Nada naquele rosto havia se alterado. Era tão lindo agora quanto no dia em que invadiu meu apartamento há mais de cinco anos.

– E você tem alguma ideia melhor? – Perguntou com pouco interesse. Eu sorri com espontaneidade. Me inclinei o beijando algumas vezes no canto da boca.

– Tenho sim. – Esclareci com um sorriso. O deus estreitou os olhos assumindo uma expressão de aprovação e divertimento.

– Eu gosto das suas ideias. – Complementou, me trazendo um pouco mais perto. E então alguém bateu na porta. Nos interrompemos a centímetros de um beijo. A voz feminina passou abafada pela enorme porta dupla e chegou aos nossos ouvidos.

– Alteza? – A mulher chamou. Nos afastamos revirando os olhos. Eu teria dado com o arco na cabeça dela por chegar agora. Levantei quase cuspindo fogo e puxei um dos lençóis do chão me enrolando nele. Loki estava coberto com o outro. Ele me olhou e ergueu uma sobrancelha.

– Vai abrir assim? – Sussurrou para que a intrusa não ouvisse.

– Acha que ela vai ficar interessada? – Debochei no mesmo tom, colocando a mão na cintura. O sorriso de escárnio tomou o rosto dele. Abri a porta.

– Bom dia. – Falei, automaticamente passando ao inglês com o sorriso mais dissimulado que eu conhecia. Eu não costumava fazer essas coisas, mas a serviçal tinha definitivamente aparecido cedo demais e na hora mais errada possível. A mulher me olhou e franziu as sobrancelhas por um breve segundo. Depois corou violentamente. Abaixou os olhos para o chão.

– Sua Majestade, a rainha, pediu que eu chamasse o príncipe. Ela está no salão principal fazendo o desjejum. Parece que ele deve ir a Vanaheim com ela. – A garota disse ainda evitando meu olhar. Me virei para ele que fez uma careta ao saber que era o convocado da vez.

– Precisa ser agora? – Interpelei, voltando meus olhos a deusa. Ela assentiu. – Certo. Assim que nos vestirmos vamos descer. Obrigada pelo aviso. – Concluí fechando a porta antes que ela falasse mais. Soltei um suspiro alto de impaciência. Me virei e vi que Loki tinha uma expressão entre a diversão e a reprovação no rosto. Aquilo me fez sorrir. Deixei o lençol cair das minhas mãos. – Vou para o banho. Vem junto?

– Se eu for junto, não vamos chegar a tempo de pegar o almoço. Sua rainha não vai ficar feliz. – Justificou num tom prático com um toque discreto de ironia, embora incapaz de olhar para qualquer ponto acima do meu pescoço. Aquilo apenas fez com que meu sorriso se ampliasse enquanto entrava no banheiro, fechando a porta atrás de mim.

Liguei a enorme banheira de mármore para que se enchesse e derramei alguns óleos essenciais na água. Fui para frente do gigantesco espelho em moldura de ouro numa parede lateral. Me observei atentamente. Os cabelos estavam emaranhados e sujos, mas não tinham nenhum fio diferente do habitual ruivo. Encarei meu rosto de perto e percorri a testa e as laterais dos olhos com as pontas dos dedos. Nenhuma marca, nenhuma linha. Encarei minhas mãos e nenhuma manchinha diferente do habitual. Eu também não tinha ganhado peso. Nada estava diferente. Nem mesmo sardas a mais. Suspirei aliviada, antes de entrar na água.

Deixei minha mente vagar para longe, enquanto me esfregava com uma esponja suave, passando por Tony e Pepper fazendo com me perguntasse quanto tempo ele ainda a enrolaria para casar. Me surpreendia que ela ainda não tivesse sido mais enérgica com ele. Sentia saudade de Bruce e Anong. Ela estaria alta? Teria um namorado? Eu sabia muito pouco deles. Sabia que Bruce namorava, mas quando fugia para Midgard, meu tempo era tão curto que minha família e eu mal tínhamos tempo para falar de nós mesmos, quanto mais dos outros. E era sempre repentino de forma que nunca podíamos marcar nada. E Steve? Há quanto tempo eu sequer me lembrava dele? Seu rosto era quase um borrão em minha memória. E sua voz indistinta em minha mente. Quatro anos bastaram para levar os detalhes embora. Quanto a Natasha Romanoff e Nick Fury eu nada sabia.

Lavei os cabelos e saí da água para me secar numa toalha felpuda que usei para me enrolar e abri a porta. Loki devia ter tomado banho em um dos banheiros do palácio, pois estava completamente vestido numa roupa de linho preto e tinha os cabelos ainda molhados. Estavam ondulados e compridos na altura dos ombros, mas no momento lhe escondiam o rosto, enquanto ele acariciava as costas de um Jinggles ronronante que comia patê de fígado preparado nas cozinhas especialmente para ele. Gato mimado.

O deus se levantou ao me ver e passou as mãos de dedos longos pelos cabelos, os colocando de volta no lugar. Abriu as cortinas para que o sol pudesse realmente entrar naquele quarto enorme. Meus olhos se demoraram acompanhando os movimentos dele. Eu ainda conseguia me admirar com o quanto o considerava bonito.

Escolhi um vestido azul turquesa de um tecido leve e sem mangas, para que pudesse colocar as pulseiras do arco. Peguei a parte da armadura que protegia o abdome. Essa era apenas uma peça estética e nunca tinha sido usada em batalha. Há muito tempo eu não sabia o que era uma batalha. E não estava saudosa. Minha armadura era coberta de entalhes de penas que se sobrepunham umas as outras numa referência clara ao símbolo que me representava. Naturalmente Loki foi obrigado a fechar as travas nas costas. Ele quase não reclamava mais da minha inépcia. Quase.

Saímos do quarto, deixando meu gato gordo deitado ao sol. Com sorte Odin não estaria no salão, mas Jane já, de forma que eu poderia a arrastar para fazermos alguma coisa juntas.

O velho realmente não estava, pois havia ido a Alfheim tratar de negócios e o café foi bastante tranquilo. Às vezes eu flagrava Frigga tentando manter algum contato visual comigo, mas eu me mantinha atenta. Meus olhos sempre baixos, jamais encarando os dela. Ela geralmente se desculpava nas poucas vezes em que sucumbia a curiosidade por tentar ver meu futuro.

Aos poucos as pessoas deixaram a mesa. Jane já tinha compromisso, iria ao laboratório no centro da cidade. Ela estava com algum tipo de estudo ainda mais complexo que o último. Ela não sabia quando parar. Thor iria a acompanhar, para quê eu não sabia. Duvidava que ele fosse de muita utilidade em um laboratório. Quando fiz menção de me levantar e deixar Frigga e Loki perdidos em suas combinações, fui chamada por ela.

– Liana você tem alguma preferência por flores? – Questionou com uma expressão docemente preocupada.

– Flores? – Repeti como uma idiota. Então a lembrança me veio à mente. Eu e Frigga faríamos aniversário no dia seguinte. Fiz uma careta involuntária. Não havia como escapar daquilo. Odin fazia muita questão de oferecer o baile à esposa. – Gosto de gérberas. – Respondi por fim. Frigga anotou aquilo em um pergaminho que tinha a sua frente, enquanto eu deixava o grande salão. A deusa sabia que esse era o máximo que eu colaboraria. Eles sairiam dali a poucos minutos para ir a Vanaheim e eu não queria participar daquilo.

Fui até os estábulos e peguei o cavalo de Loki. Não sabia sua raça, mas era marrom, alto e com um porte elegante. Usava um elmo decorativo com pequenos chifres, indicando a quem pertencia. Eu o batizei de Natter, já que Loki nunca tinha se dado ao trabalho de escolher um nome para o animal. Mas até onde eu tinha percebido apenas eu e o tratador o chamávamos pelo nome.

Segui com ele pelos jardins e saí para a cidade. Algumas poucas pessoas me cumprimentavam no caminho. Eu não era exatamente popular. Não que me importasse.

A cidade estava turbulenta como sempre. O comércio se agitava enquanto planadores circulavam sobre nossas cabeças. O cheiro de pão quente vinha pelas janelas das padarias e o som da forja ecoava agudo entre as vozes das pessoas que conversavam e riam, perdidas em suas negócios, suas compras de tecido e mantimentos. Asgard era grande, confusa e ao mesmo tempo organizada, repleta de construções opulentas, algumas eu não fazia ideia de como se mantinham de pé. Outras eu não sabia como flutuavam. Tudo em Asgard resplandecia em dourado distribuído por ruas e ruelas que mais pareciam labirintos.

A muito custo conduzi Natter para uma rua lateral, muito menos movimentada. Era mais residencial, cheia de palacetes dourados e rebuscados. Estava quase na Bifrost quando ouvi uma voz grave, embora baixa.

– Bom dia, Lady Liana. – Me cumprimentou num inglês repleto de sotaque. Era um dos poucos a me tratar por lady.

– Bom dia, Vidar. – Respondi sorrindo espontaneamente, trazendo o cavalo para perto dele. Estava a porta de seu palacete, aparentemente absorto em cuidar de uma floreira que parecia estar morrendo.

– Escapando do palácio? – Questionou com um sorriso simpático. Eu revirei os olhos o fazendo rir. – Pronta para o baile amanhã?

– Me lembre disso outra vez e vou colocar uma flecha no meio dos seus olhos. – Brinquei, apontando para o rosto dele. Vidar riu, enquanto voltava os olhos às folhas secas da planta.

Ele tinha a aparência de um homem em torno de seus quarenta e cinco anos, embora eu soubesse que certamente era muito, muito mais. Os cabelos castanhos estavam um pouco suados, enquanto o sol atacava a pele clara coberta por uma túnica sobreposta a uma calça de linho cru. Era um pouco uns três centímetros mais alto do que eu, forte e bonito a despeito das poucas rugas que começavam a lhe surgir. Muitas mulheres em Asgard fariam qualquer coisa para que ele as olhasse duas vezes. Tinha um charme quase absurdo que fazia com que suspirassem sempre que o viam. Odin mais de uma vez nos constrangera dizendo que deveríamos casar. Naturalmente ambos repudiávamos a ideia.

– Você vai ir? – Questionei, fazendo Natter girar novamente em direção a Bifrost.

– Se eu não for você vai querer minha cabeça numa bandeja de prata. – Riu-se erguendo os olhos para mim, enquanto passava as costas da mão pela testa suada.

– Certamente. – Confirmei. Ele balançou a cabeça em descrença, enquanto eu ria, voltando ao meu caminho.

Atravessei a ponte e deixei Natter do lado de fora do observatório. Deixei meus olhos encontrarem o ponto em que o mar asgardiano desaguava no infinito. Loki tinha caído no vazio, me contara certa vez. Eu sequer podia imaginar como seria isso. Ele atribuía essa dificuldade as restrições de uma mente humana. Eu atribuía à falta de experiência no quesito Queda no Infinito. Não que eu quisesse adquiri-la. Por isso passei pela porta antes que tivesse vertigem.

– Lady Liana de Midgard. – O homem me cumprimentou sem desviar os olhos dourados do universo. Sorri me sentando na beirada do suporte onde a espada dele ficava encaixada aguardando ser usada para abrir a ponte.

– Como eles estão? – Perguntei, mesmo que ele soubesse que aquela seria minha primeira pergunta.

– Muito bem. – Respondeu breve com sua voz retumbante e certa inexpressividade. Heimdall era discreto e silencioso. De uma inteligência absurda e não se importava que eu perguntasse as coisas mais primárias a ele. Me respondia a tudo pacientemente. Como faria com qualquer criança curiosa.

– Você dormiu hoje? – Perguntei sem prestar atenção, percorrendo os dedos por sobre o contorno das penas entalhadas em minha armadura.

– Hoje não. – Respondeu naquele vozeirão. Fui obrigada a rir. Ele quase não dormia, mal tocava na comida e deixava seu posto em raras ocasiões.

– Viu alguma coisa interessante enquanto eu dormia?

– Sempre existem coisas interessantes para se ver. Basta saber para onde olhar. – Rebateu daquele jeito meio cheio de metáforas. Eu assenti pensativa. – Por exemplo, parece que você vai ganhar um presente interessante. – Comentou, sem me olhar. Ergui os olhos para ele e percebi que Frigga e Loki deviam ter passado por ali antes de mim e agora o guardião os via em Vanaheim. Dei um sorriso de canto imaginando a rainha tentando escolher algo que fosse do meu agrado. Nada no mundo me faria gostar da data por mais que ela tentasse.

– Um presente interessante? Odin perdeu o olho? – Interpelei num tom debochado. Talvez fosse minha imaginação, mas acho que vislumbrei a sombra de um sorriso. Apesar disso ele não me respondeu. Ficamos em silencio por um longo tempo com exceção de algumas pontuações dele sobre algum cometa ou algo assim.

Eu gostava de estar ali. Heimdall não me tratava como se eu fosse algum tipo de aberração. Apesar disso sabia que se o rei não estava em Asgard a chance de ele chegar a qualquer minuto existia. E por isso dei um pulo no lugar quando o guardião abriu a ponte sem me dar nenhum alerta. No entanto apenas Sif e os Três Guerreiros passaram. Suspirei aliviada quando os vi. Deviam ter passado a noite em Vanaheim ajudando nos preparativos do casamento de Hogun. Teríamos um mês muito agitado.

– Lady Liana de Midgard. Minha ardilosa dama. – Fandral correu me cumprimentar, puxando-me para que eu ficasse de pé e por fim beijando as costas da minha mão. Revirei os olhos reprimindo uma risada do quanto ele conseguia ser piegas.

– Lorde Fandral. – Cumprimentei com simpatia o fazendo ampliar o sorriso.

– Apenas Fandral. Achei que já estivesse claro que pode me chamar como quiser. – Aquilo fez Sif revirar os olhos e afastar a mão dele de mim.

– Ela sabe. Por isso usa o lorde. – Cortou. Olhei grata para ela.

– E Alis? – Tentei desviar o assunto, me virando para Hogun. – Ansiosa?

– O normal de toda noiva. – Respondeu com um sorriso raro.

– O que significa que ela não para de polir a armadura nem a katar. – Riu-se Volstagg, nos fazendo rir também.

– Liana, o rei está se encerrando seus negócios e logo deve regressar. – Informou Heimdall, nos observando por sobre o ombro. Os quatro guerreiros olharam para mim.

– Hora de ir para casa. – Concluí com um sorriso apagado. Eles me acompanharam para fora da cúpula. Seguimos a pé, enquanto puxava Natter pelas rédeas.

Hogun que era geralmente calado e reservado parecia estar em êxtase. Na verdade havia sido uma grande surpresa quando nos anunciou o casamento certa noite. Ninguém sabia que ele estava envolvido em um relacionamento. De acordo com ele quis manter os olhos de Fandral bem longe de Alis, o que fez a todos rirem com a expressão ofendida do loiro. A verdade é que era um homem muito discreto. E, no entanto, agora o deus não conseguia esconder sua alegria.

Cheguei a cogitar que não seria convidada para a cerimônia. Não que eu me importasse, mas aparentemente restava bastante ressentimento entre os quatro ao meu lado e Loki e eu achava que isso se estenderia a mim. Aparentemente as pessoas não podem participar de uma insurreição contra o rei sem que acabem gostando ao menos um pouco umas das outras.

Sif por exemplo, permaneceu comigo no pátio aberto, enquanto os homens entraram no palácio em busca de uma refeição e o tratador levava Natter de volta à baia. Eu ainda não tinha fome e planejava treinar enquanto pudesse e a deusa da guerra decidiu me acompanhar. Não éramos exatamente melhores amigas, mas conseguíamos manter um convívio respeitoso e eu me atreveria a dizer que ela gostava da minha companhia. Certa vez a morena havia me dito que não haviam muitas guerreiras em Asgard e acho que isso me fazia a presença feminina com quem tinha mais em comum.

Ela pegou sua espada de duas pontas e se preparou diante de um boneco de treino móvel. Era todo metalizado e se movia como uma pessoa faria. Eu não fazia ideia de como funcionava. Tecnologia asgardiana era demais para mim. Eu era ‘‘arcaica’’. A morena costumava treinar com outros guerreiros, mas na ausência deles o boneco era quase um bom substituto.

Invoquei meu arco que desceu voando diante da fachada do palácio como uma mochila prateada resplandecendo com o brilho dos sóis, desmontando-se e remontando-se no formato da arma, dividindo-se em flechas afiadas e na aljava prateada que as guardava. Prendeu-se ao meu corpo orientando-se pelo bracelete, enquanto o arco sem uma corda visível se chocou contra minha mão direita estendida. Soltei um longo suspiro de puro alívio.

– Sentindo falta de atirar? – A voz da deusa veio do outro lado do pátio, sem que ela precisasse me olhar. Eu ouvia sua lâmina se chocando repetidamente contra o boneco.

– Não tenha dúvida! – Exclamei um pouco mais empolgada que o normal, enquanto encaixava uma flecha e a recuava na base, fazendo a corda de luz magnetizada surgir brilhando azul contra minha pele. Era tão natural quanto respirar. Não precisava pensar. Não precisava sentir. A flecha encontrava sozinha o centro do alvo. A mim restava apenas ordenar que ela fizesse isso. E assim que a soltei dando a ordem, ela me obedeceu se cravando certeira em meio a palha por traz do desenho circular.

Ficamos ali até pouco depois das duas da tarde. Quando entramos para almoçar, precisei primeiro deixar meu arco de volta no quarto em nossa torre. Eu não tinha permissão para o carregar na presença de Odin e com ele circulando pelo palácio, eu praticamente não conseguia manter a arma perto de mim. Mas sempre haviam maneiras de burlar as regras. Loki me lembrou em uma ocasião que o rei não sabia sobre a real função da pulseira e do bracelete que eu usava e que, na mente dele, eram apenas objetos da minha vaidade. Por isso eu os usava o tempo todo. Se por qualquer motivo precisasse estar armada, bastaria desejar. Talvez fosse paranoia minha, mas eu não subestimaria ninguém. Não ali.

Frigga e Loki ainda não haviam retornado e Jane e Thor aparentemente almoçariam em alguma taberna. Eu me recusava a me sentar sozinha com Odin. Mesmo que os Três Guerreiros e Sif fossem estar lá, eu achava mais seguro evitar aquilo. Aquele velho me olhava como um predador à sua presa. Por isso desci direto para as cozinhas.

O cheiro era inebriante e invadia o corredor. Parecia algum tipo de peixe sendo cozido. Eu preferiria um bom sushi do restaurante que ficava em frente ao meu prédio antigo. O frete seria um pouco caro.

A cozinha era enorme e o som de tachos de cobre sendo mexidos, louça sendo lavada, enquanto os empregados conversavam e picavam legumes em meio aos vapores das panelas nos fogões à lenha me davam a estranha sensação de pertencimento. Meu vestido arrastava no chão, como o de uma dama deveria fazer, mas ali seria quase um pano de chão, por isso as serviçais os usavam na altura das canelas, por baixo dos aventais muito brancos. Ao me verem largaram tudo que estavam fazendo. Por mais que eu frequentemente viesse ali, ainda pareciam se surpreender.

– Tem almoço para mim? – Perguntei. Rapidamente um dos serviçais pegou um prato e uma taça de ouro que a família real usava, enquanto uma das mulheres tirava as travessas de frutas de sobre uma mesinha e colocava uma toalha de linho. Me serviram com peixe ensopado com batatas, salada e sorgo, junto a uma taça de vinho.

– Se precisar de algo, não hesite em pedir senhorita Liana. – A mulher baixinha e gordinha ofereceu. Ali eu não era uma lady embora a maior parte da deferência com que tratavam os membros da família real, mesmo o príncipe ovelha negra, fosse oferecida a mim. Mas ao contrário deles eu estava sempre enfiada nas cozinhas. Cupcakes eram um vício. Velhos hábitos nunca morrem.

– Obrigada Aetak. Vocês já almoçaram? – Questionei vendo que o movimento na cozinha se mantinha intenso apesar do horário.

– Fizemos uma parada rápida. – A mulher me respondeu concentrada num bolo gigantesco sobre uma bancada. – As coisas estão agitadas para amanhã. – Informou me fazendo soltar um gemido. Ela sorriu de um jeito simpático enquanto eu enchia a boca com peixe. – Quantos anos, senhorita?

– Vinte e seis. – Respondi a contragosto, encarando a comida. Alguns riram. Me obriguei a rir também. Todos ali deviam ser no mínimo uns 800 anos mais velhos do que eu.

Terminei de comer em silêncio e eu mesma lavei minha louça. Eles já não estranhavam isso. Eu gostava de me sentir útil. Era algo raro ali. Me sentia como um bibelô pegando poeira naquele palácio enorme. Por isso peguei um dos sacos de confeitar e comecei a ajudar a mulher a espalhar flores de creme por cima dos andares do bolo. Deixei minha mente vagar pelos Nove Reinos enquanto fazia. Me perguntei se Haya teria sido chamada. Eu gostaria de vê-la ao menos por algumas horas. E com sorte conseguiria descer a Midgard aproveitando a turbulência durante a festa. Seria ótimo poder simplesmente sentar no sofá, assistindo a MTV e comer uma pizza com a minha família. Talvez eu conseguisse.

As horas passaram enquanto eu os ajudava completamente entretida no que estava fazendo. Eram quase cinco horas quando terminamos com o último dos bolos gigantescos. Que coisa desnecessária. Nem sinal de Loki e Frigga. Deveriam estar de volta apenas para o jantar.

De qualquer maneira eu iria supervisionar a aula das crianças. Por isso no final da tarde lavei as mãos, bati um pouco de farinha que havia caído no vestido e segui para o pátio. Elas estavam me aguardando. Eram filhos de serviçais e soldados. A menininha de Vostagg estava entre eles. Hildy era tão ruiva quanto o pai. Era a menor entre as crianças que me esperavam. E a única menina. E apesar disso a melhor da turma.

– Lia! – Chamou animada quando me viu chegando. Era dona de uma alegria incontida que me animava com frequência. Ela já tinha o arco de madeira nas mãos e a aljava na cintura. Os meninos estavam organizando suas coisas. Hildy tinha profunda admiração por Sif e agora, parecia que eu tinha entrado para sua lista.

– Esse arco é muito pesado para você. – Afirmei o tirando das mãos dela e pegando outro de dentro do baú, onde os meninos terminavam de escolher. Ela suspirou inconformada, mas recebeu o arco de mim.

Cada um tomou posse de um alvo de palha a cerca de dez metros e começaram os disparos. Eu corrigia os detalhes como postura e puxada. Alguns ainda tinham dificuldade de armar os arcos mais leves. Aidan simplesmente não conseguia trazer a corda perto do nariz. Ele era feito para espadas, mas de acordo com Loki também era feito para ruivas. Era um adolescente em toda sua explosão de hormônios, mas uma pessoa adorável e jamais havia feito nada que me desagradasse. Na verdade todos ali tinham muito respeito por mim. Mesmo que eu fosse a mais nova.

Os asgardianos envelheciam como os humanos até a primeira infância e depois disso seu envelhecimento se tornava tão lento quanto eu sabia que era. Então, mesmo Hildy era algumas boas décadas mais velha que eu. No entanto ali aquilo não era importante. A primeira vez que me viram em uma caçada foi o bastante para conseguir o respeito deles.

Acompanhei Loki, Thor, Sif e os Três Guerreiros em busca de um Bilchsteim que vinha fazendo estragos numa área rural próxima. Plantações destruídas, animais e pessoas mortas. Odin nos mandou em missão. Poderia ter mandado o exército, mas mandou a nós. Certamente na esperança de que o animal fizesse o que ele não podia fazer.

Thor deixou o animal tonto com o Mjolnir, atigindo-o no meio da testa, quando os guerreiros e Sif o encurralaram. Loki rompeu a grossa couraça que o protegia a abrindo de uma ponta a outra com a lança e eu o abati com duas flechas. Uma na lateral tentando chegar ao coração, que apenas depois descobri ficar na barriga e não no tórax. A outra mandei direito em um dos olhos, se cravando até o final da haste. As crianças haviam nos seguido, certamente desejando ver os mais famosos guerreiros de Asgard em ação. Achei que se decepcionariam com uma midgardiana no meio do grupo, mas aparentemente eu os ganhara. E Odin tinha ficara profundamente desapontado.

Desde então eles me buscavam querendo aulas. E eu me sentia útil. Éramos uma boa combinação. E para eles eu não era a ‘’midgardiana’’, a ‘’humana’’, a ‘’criança’’, entre tantos outros adjetivos que eu já tinha escutado. Eu era eu. E eu os amava por me permitirem isso. E graças a eles, muitas vezes me pegava distraída e passávamos do horário. Como hoje. Teríamos prosseguido por mais tempo se Loki não estivesse na sacada alta que dava para o pátio.

Ele estava escorado em uma das paredes, com os braços cruzados nos observando em silêncio. Foi Hildy quem o viu e me indicou. Os olhos verdes estavam fixos em mim, seu rosto inexpressivo. Mandei com que guardassem os arcos, sem desviar o olhar dele, embora eu soubesse que estava corando. Sorri e em resposta Loki contraiu os lábios, num sorriso ínfimo, inclinando levemente a cabeça num cumprimento.

Os alunos guardaram suas coisas, despediram-se e saíram, não sem antes fazer uma breve reverência ao príncipe. Podia ver nos olhos do homem que ele apreciava aquele comportamento, embora nada dissesse. Certas coisas nunca mudam.

Quando todos deixaram o pátio, subi as escadarias e me aproximei dele. Loki não esperou que eu falasse qualquer coisa antes de me puxar pela cintura, prendendo sua boca a minha. Aquilo me fez sorrir, enquanto correspondia a urgência dele. A boca urgente, mas as mãos me seguravam com gentileza, uma na cintura e a outra na nuca me mantendo ali por longos minutos. Ele se afastou alguns centímetros, mantendo o rosto ainda próximo.

– Achei que você não fosse jantar hoje.

– Se você não viesse era provável que eu não fosse. – Comentei displicente. O moreno sabia que eu procurava me manter longe de Odin tanto quanto pudesse. O velho vivia de indiretas. No entanto com Loki ali eu não me sentia acuada. Começamos a caminhar para o interior do palácio. Eu ainda precisava de um banho rápido antes do jantar e vestir roupas limpas. Com ele ao meu lado, me esquivar do rei não era uma opção e nem uma necessidade, apenas um desejo.

Loki estava presente em cada refeição para desagrado do velho. Era sua maneira de manter-se sempre em primeiro plano na lista de incômodos do rei. E ele esperava que eu fizesse o mesmo, por mais que aquilo não fosse minha maior vontade. O moreno sabia ser genioso e eu tinha longa experiência com seu autoritarismo para saber que era simplesmente mais fácil ceder do que entrar numa briga na qual ele me dobraria a sua vontade com toda facilidade do mundo. De qualquer forma nunca ficávamos muito tempo mesmo.

– Achei que fossem ficar em Vanaheim. – Comentei, enquanto subíamos o primeiro lance de escadas. Eu devia ter coxas ótimas com a quantidade de escadas que subia todo dia. – Demoraram o dia todo.

– Nunca mais peça por gérberas. – Falou num tom frio que mascarava sua irritação, me olhando pelo canto dos olhos. Aquilo me fez rir. – Não existem gérberas em Vanaheim.

– Eu não tinha como saber! – Ri erguendo as mãos em defesa. Ele bufou em resposta. Aquilo apenas fez com que meu sorriso se ampliasse enquanto subíamos mais um lance de escadas. Frigga devia ter procurado as ditas flores por todo reino, até Loki a convencer de que nenhum vendedor as buscava em Midgard para revendê-las. – E trouxeram qual no lugar?

– Lyc... – Começou, se interrompendo quando o som de algumas vozes masculinas chegou até nossos ouvidos. Nos entreolhamos, ao reconhecer a de Odin em meio as outras. Deviam pertencer aos membros do Grande Conselho.

A palavra final era do rei e ele poderia tomar qualquer decisão independente de quem quer que fosse, mas ainda assim possuía um conselho composto por alguns nobres. Esses homens deveriam aconselha-lo em estratégias diversas, fossem de batalha ou apenas da administração de Asgard. Eram pessoas da confiança de Odin e quase tão desagradáveis quanto ele. Tinham o péssimo hábito de concordar com qualquer coisa que o rei dissesse. Inclusive com a proibição de que cidadãos asgardianos fossem a Midgard.

Loki se aproximou da parede onde nosso corredor chegava ao deles, uma mão levantada para trás, indicando que eu deveria fazer silêncio e me manter próxima a parede.

–... esposa, pode achar ruim. – Um dos homens falava. – Ela costuma me esperar.

– Ela deveria considerar uma honra que seu marido fosse requisitado a jantar com a família real. – Outro homem afirmou. – Eu vou ficar.

– Ótimo Belkas, podemos continuar a reunião depois do jantar, mais alguém? – Odin perguntou. Aos poucos os homens começaram a confirmar, mesmo aquele que teria que se entender com a esposa depois. Puxei a manga da cota de couro que Loki vestia. Ele olhou para mim com as sobrancelhas franzidas. Eu estava atrapalhando sua concentração. O moreno gostava de se manter a par das políticas do reino, coisa que Odin procurava impedir.

Fiz uma careta de sofrimento. O deus me encarou com frieza ao perceber que eu não queria participar do jantar se aqueles homens estivessem ali. Levei as mãos ao meu pescoço e piorei a careta fingindo um estrangulamento. Ele sabia que os homens fariam todo tipo de comentário desagradável na minha direção. Por mais que Loki quisesse passar a imagem de ter saído vitorioso acima da lei asgardiana sentando-se a mesa com as honras de um príncipe e com a mulher que havia causado caos nos Nove Reinos a tiracolo, eu não queria e não me obrigaria a passar por aquilo. Pelo menos não antes do baile do dia seguinte. Mesmo que fosse verdade.

Loki apertou os lábios finos irritado com minha contrariedade, mas ele sabia que aquilo seria desnecessariamente desagradável. O moreno gostava tanto dos membros do Conselho, quanto eu. Por fim assentiu, me fazendo soltar um suspiro aliviado. Jantaríamos em nosso quarto. Assim ele me conduziu de volta a tranquilidade da nossa torre, para longe das vozes masculinas que se afastavam pela outra extremidade do corredor. Ao menos por hoje eu poderia ficar em paz.


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Notas finais do capítulo

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