Quando volto ao céu, me sinto extremamente renovada. Tão renovada que volto a diferentes lugares da terra para pegar as almas e quando estou cansada disso, acabo ficando por lá.
Finalmente tenho um tempo para pensar em um plano. Eu já sei o que eu preciso fazer.
Eu preciso saber meu sobrenome.
Até onde eu consigo me lembrar, eu fui Mara. Mara, Apenas Mara. Mara e Mais Nada, Mara Que Não Pertence a Lugar Nenhum.
Quero mudar isso.
Sei que Jack guarda todos os registros nos anjos em seu gabinete e preciso achar um jeito de dar uma olhada no meu.
Espero pelo o que parece ser uma eternidade para que ele vá para a Terra – o que ele não faz com muita frequência – e quando ele finalmente se vai, eu já estou pronta.
Entro muito devagar em seu gabinete e começo a fuçar as gavetas. Não tenho muito tempo, ele voltará logo e há tantas gavetas e formulários com nomes diferentes que eu não consigo nem pensar. Poderia me afogar em um mar delas. Poderia construir casas com todas aquelas palavras nos papeis, e nenhum deles com meu nome.
Meus dedos estão tremendo com o medo de ser pega e não tenho tempo para me sentir culpada. Sei que o que estou fazer é errado, mas me odiaria ainda mais se não fizesse.
Eu mereço saber da verdade. Eu mereço saber da verdade. Eu mereço saber da verdade. Eu mereço saber da verdade. Eu mereço saber da verdade. Eu mereço saber da verdade. Eu mereço saber da verdade. Eu mereço saber da verdade. Eu mereço saber da verdade. Eu mereço saber da verdade. Eu mereço saber da verdade. Eu mereço saber da verdade. Eu mereço saber da verdade. Eu mereço saber da verdade. Eu mereço saber da verdade. Eu mereço saber da verdade.
Mara Reichert.

É o que diz a ficha.

Status: Anjo Mensageiro.
Aparencia: Cabelos louros, olhos azuis, porte médio. Asas de 2 metros de uma ponta a outra. Vestido branco simples. Atualização: Vestido teve que ser substituído.
Personalidade: O anjo apresenta dificuldade em se relacionar com outros da sua espécie. Faz seu trabalho quieta e respeita seus superiores. Aceita muito bem ordens. Atualização: Tendencia a pecar. Passado obscuro pode e deve interferir com seus pensamentos.
Índice de trabalho: Satisfatório.

Passado: Mara Reichert. Nasceu em 1990. Pai e mãe: Daniel e Lisa Reichert. Irmãos: Charlotte Reichert. Causa de morte: Suicídio. Pulou do topo de uma ponte com 16 anos. Passou mil anos no limbo¹. Três no inferno.
¹: Limbo não possui um tempo certo, mas foram como mil anos para ela.
Pagou seus pecados e renasceu.
Morreu uma segunda vez na barriga da mãe.
Se tornou um anjo a menos de 1 ano.

Ficha anterior: O Demonio Mara apresenta um alto índice de irresponsabilidade, não cumpre com suas tarefas, não aceita ordens e se recusa a pedir perdão por seus pecados. Esta envolvida em um relacionamento com o demon...
– O QUE ESTA FAZENDO¿ - Jack esta parado na porta. Ele berra comigo. Eu derrubo minha pasta.
Não sei o que dizer. Aquelas informações continuam martelando em minha cabeça, travando para descer pela minha garganta.
Eu queria a verdade mas agora não consigo engoli-la.
Eu era um demônio. Eu fui um demônio.
Eu me matei quando eu tinha 16 anos e apodreci no limbo.
Eu não mereço ser salva.

Caio no chão, de joelhos. Jack continua gritando comigo, dizendo como eu sou irresponsável, que eu não era assim. Que isso é errado e eu devo rezar por perdão, mas eu não consigo ouvi-lo. Parece que há um tufão de vento carregando suas palavras para longe. Minha cabeça gira e Jack me força a ficar de pé.
– O que esta errado com você, Mara? - Eu estou mortificada demais para responder.
Ele para e pensa um pouco. Eu quase posso ouvir as engrenagens se mexendo na cabeça de Jack enquanto ele junta os pontos.
Eu não preciso responder. Ele já sabe. A verdade esta estampada em meu rosto e desejo poder esconde-la, mas não consigo.
– É por causa daquele humano, não é? Aquele garoto vivo que você veio me contar? É por isso que tem passado tanto tempo na Terra Mara? É por isso que você tem pecado assim?
Ali no céu tudo é sempre claro como água e não temos como jogar nossos segredos para baixo do tapete ou guarda-los dentro de nós.
Eu sou um anjo e sou transparente para ele como vidro. Ele consegue ler minhas emoções de desespero e de repente, decide que esta tudo errado.
Decide que eu sou errada e que sinto errado e então fala aquelas palavras que eu tanto temo.
Palavras que me fazem afundar nas nuvens e cair no inferno. Estou tão petrificada que não consigo lugar por mim mesma.
– Você esta proibida de vê-lo, esta me ouvindo? Proibida!
O desespero fala mais algo que o medo.
Começo a implorar.
– Não pode fazer isso! Jack, por favor, você não pode! – Não agora que eu lhe fiz uma promessa, não agora que eu disse que tinha que salva-lo, não agora que eu sei e preciso saber mais. Não agora, por favor. Espere-me morrer mais uma, duas, centenas de vezes antes de me proibir isso.
Essas são as palavras que não lhe digo.
– Você me ouviu. – Jack diz, e me da as costas.
Eu fico parada ali, encolhida no que deveria ser o Paraíso, e me sentindo no inferno. Eu conheço John há tanto pouco tempo, mas nunca tinha visto nada como ele. Nenhum sorriso, nenhuma palavra, nenhum par de olhos azuis que se comparassem aos deles.
Eu nunca tinha sido salva antes.
Por nada.
Nem por ninguém.
Há um pequeno inferno queimando dentro de mim agora. Posso sentir com clareza o fogo se espalhando por todos os cantos do meu corpo, alcançando a ponta dos dedos até as penas das minhas asas. Eu quero chorar mas não sei como.
Essa sensação é como estar caindo eternamente sem ter nada para me agarrar.
Preciso de uma solução. Preciso implorar para que Jack me deixe voltar porque eu preciso contar a John o que eu li. Preciso contar a ele que eu sou um demônio preso em um corpo de anjo que é má má má má garota que não se comporta.
Boas garotas não pulam de pontes.
Boas garotas ficam vivas.