Morar sozinha até que não era tão ruim, exceto pelo fato de ter que fazer tudo dentro de casa, mas já havia tido essa experiência quando morava em Nova Iorque. A diferença é que lá as coisas são muito mais corridas do que aqui.

Já havia se passado duas semanas desde que tudo aconteceu. Mike evitava estar no mesmo lugar que eu, e quando não tinha opção acabava nem olhando para a minha cara. Era estranho, e ao mesmo tempo frustrante. Já estava acostumada com suas piadinhas e seu jeito troglodita.

Só sabia o que acontecia porque minha querida e nada discreta amiga fazia questão em me contar em detalhes todos os passos que ele dava. Pelo que sei, ele e Dennys entenderam-se no dia seguinte da tal briga. Soube também que Isa continuava a cuidar do avô de Carlla, e parecia um carrapato em cima de Mike, não desgrudava dele um minuto sequer.

Estava saindo da Prefeitura na sexta feira, um pouco mais tarde do que de costume e dei de cara com Alanis e Isa. As duas, é claro, vieram falar comigo. Alanis me deu um abraço tão forte que quase me fez perder o ar, já Isa ficou só no aceno de cabeça.

– Onde está o Johnny? - Perguntei.

– Estou indo para sua casa, quer dizer, para a casa do seu pai agora. Vou encontrá-lo para irmos ao cinema.

– Cinema, em Ellsworth? Não sabia que essa tecnologia já havia chegado até aqui. - Alanis riu da piada que eu havia feito.

– Suponho que não esteja sabendo, não é. - Ela disse, e pela cara que eu devia estar fazendo, provavelmente ela se convenceu que estava certa. - Bem, eu fiquei sabendo que o seu pai contratou um cinema ao ar livre. A equipe já está terminando de montar tudo na praça.

– Ainda estou tentando saber o porque meu pai não me contou nada.

– Isso você tem que ver com ele. - Isa disse meio seca. - Vamos Alanis?

Ela confirmou com a cabeça, mas antes de ir com a irmã me puxou pelo braço para ir junto com elas. Durante o caminho Isa e eu mal falávamos, apenas respondíamos algo que Alanis perguntava. Quando chegamos à casa, hesitei um pouco em entrar, já que não aparecia ali desde que me mudei, mas acabei cedendo. Fiquei na cozinha junto com Anna. A velha senhora ficou contente em me ver, e me fez provar várias sobremesas que havia preparado.

– Já estou satisfeita, Anna, obrigada.

– Está se alimentando direito? Você está muito magrinha, olha só, está pele e osso! - Ela disse, segurando meu braço no alto, tentando provar que o que falava era verdade.

– Estou bem Anna, não se preocupe.

– Não acredito, deveria voltar pra essa casa, sinto sua falta.

– Também sinto a sua, mas podemos fazer o seguinte: Sempre que sentir minha falta, pode vir me visitar. Não moro tão longe assim. - Anna deu um sorriso meio sem jeito e concordou com o que eu havia dito.

– Vou levar comida pra você todos os dias, porque pelo que vejo só deve estar comendo porcarias! - Ela disse severa, mas acabei achando graça do que falou. Não demorou muito para que Johnny aparecesse junto com Isa e Alanis.

Meu irmão como sempre sendo um fofo, me abraçou com tanta força que doeu em minhas costelas. Deu um braço para Alanis e o outro pra mim.

– Desculpe Isa, mas são as mulheres da minha vida. - Ele disse com um sorriso bobo. Ela deu de ombros.

Fomos andando até a praça. Estava cheia, e provavelmente havia pessoas de outros lugares, já que muitos ali eu nunca tinha visto na minha frente. Notei quando Isa abriu um enorme sorriso, e quando olhei na mesma direção, vi Mike parado. Ele estava distraído, conversando com um cara que provavelmente devia ser da equipe de som.

Mike só notou a nossa presença depois de levar um susto com Isa, e somente então viu que eu também estava ali. Seus olhos pareciam confusos, talvez não soubesse se dava atenção a ela, ou se vinha falar comigo. Ele acabou optando pela primeira opção.

Um casal de velhinhos distribuía pequenas toalhas – essas de piqueniques – para cada duas pessoas. Johnny me olhou como se desculpasse por ir sentar com Alanis.

– Tudo bem, relaxa. Vai curtir com a sua namorada. - Eu disse tentando fazê-lo não se sentir culpado. Ele me deu um beijo e foi com ela.

Estava parada de frente para o telão ainda apagado quando alguém apareceu por trás de mim com uma rosa nas mãos, era Dennys.

– Toma, pra você, mas cuidado com os espinhos.

– Onde você arrumou isso? - Perguntei confusa.

– Roubei em um desses jardins. - Ele disse com um sorriso de canto. - E então pensei: " Vou dar a garota mais bonita que eu encontrar desacompanhada."

Apenas revirei os olhos. Por mais que Dennys fosse um gato, ele tinha alguma coisa que não me agradava, quer dizer, sua companhia era legal e tudo mais, mas sentia que faltava algo.

– Ora Haley, sorria! A noite está tão bonita. Além do mais eu não sou nenhum lobo mau. - Falou marotamente com uma das sobrancelhas arqueadas. - Vê o filme comigo?

Dennys tinha uma das mãos estendidas, esperando que eu a pegasse. Involuntariamente meus olhos passearam pelo lugar. Vários casais e grupos de amigos estavam espalhados pela parte gramada da praça. Ainda tentei procurar Carlla, mas foi em vão, ela não estava ali, ou estava acompanhada por alguém. Em outro ponto chegava Audrey e Jason. Ela tinha um sorriso vitorioso no rosto, enquanto ele estava totalmente entediado, e chegando perto do casal de velhinhos, vinha Mike e Isa. Ele parecia procurar alguém, e ela mal se importava com isso, já que estava grudada em seu braço.

Olhei novamente pra Dennys que ainda estava com a mão estendida e aceitei seu convite. Sentamos no único lugar que ainda tinha espaço, perto de Audrey e Jason. Ele me olhou espantado, como se estivesse surpreso por me ver com um cara desconhecido, dei de ombros e virei para frente, na intenção de ver o filme. Dennys levantou em seguida, disse que iria comprar pipocas e refrigerante. Enquanto esperava, olhava em volta para ver se achava muitos conhecidos, e acabei encontrando Mike. Isa falava sem parar, mas ele parecia não prestar atenção, já que também olhava na minha direção.

Ficamos assim, nos encarando por alguns minutos, sem que nenhum dos dois desviasse o olhar. Era como se não houvesse mais nada, apenas nós, presos no olhar um do outro, até que Dennys voltou e acabou dispersando minha atenção. Ele até tentou me animar durante o filme, fez umas piadas com as cenas engraçadas, mas a todo momento em que olhava pro outro lado, Mike estava a me olhar. Mal prestei atenção no filme que passava, sequer notei quando acabou. Só voltei a realidade quando as luzes se acenderam e as pessoas começaram a levantar.

– E então vamos ao Taylor's? - Ele perguntou animado. - Acho que todos vão acabar indo pra lá mesmo.

Estava realmente pensando se ia ou não. Mas então Johnny apareceu com Alanis dizendo que estava indo pra lá, e eu acabei indo. Realmente toda a cidade parecia estar dentro daquele lugar. Todas as mesas estavam cheias, era tanta gente que o espaço parecia uma pista de dança sem a dança. Mike estava ajudando os caras do turno da noite a dar conta de tanta gente, Isa já não prestava tanta atenção nele, e sim em Dennys que conversava distraidamente com alguém que não conhecia.

– Hey muchacha, você por aqui? - Disse Carlla ao me encontrar encostada no balcão. - Pensei que não fosse te encontrar.

– Você andou bebendo? - Perguntei ao sentir o bafo que ela estava.

– Só um pouquinho. - Respondeu fazendo sinais com as mãos.

– Não acredito que está bêbada!

– Toma, dá isso a ela. - Mike disse, entregando-me um copo com água, e um chocolate.

– Ta de brincadeira comigo? - Mike me olhou como se estivesse espantado e em seguida gargalhou do que eu havia perguntado, e somente então me toquei que ele estava tirando sarro de mim.

– Nunca curou uma ressaca, não é? - Ele disse, depois explicou que a água era para hidratar e o chocolate serviria para aumentar a glicose.

Quando virei novamente Carlla não estava mais ali, e em nenhum outro lugar, simplesmente tinha desaparecido. Voltei correndo até o balcão e praticamente obriguei Mike a procurá-la junto comigo.

– Relaxa NI, daqui a pouco ela aparece com uma dose de tequila na mão como se nada tivesse acontecido.

– Mike, por favor, me ajuda! Se ela tropeçar em uma pedra, cair, bater de cabeça no chão, e ficar inconsciente, você vai se sentir culpado.

– Tá, ta legal, sem drama. - Ele disse com as mãos em rendição. Uma sensação de euforia tomou conta de mim naquele momento, então quando percebi, já estava agarrada a ele em um abraço.

– Érr...desculpe. - Eu disse, limpando a garganta e me afastando logo em seguida.

Saímos do Taylor's procurando Carlla por todo lugar. Estava difícil de achá-la, já que a cidade estava cheia devido o cinema ao ar livre. Ficamos mais de meia hora rodando até que a encontramos sentada em um dos bancos afastados. Tinha uma garrafa de tequila presa nas mãos e parecia triste. Mike e eu sentamos um em cada lado.

– O que essa cabecinha louca está fazendo aqui fora, enquanto todos estão se divertindo lá dentro? - Ele indagou de um jeito divertido.

– Estou pensando na vida, Matson!

– Aconteceu alguma coisa? - Perguntei.

– Nada que algum dos dois possa resolver.

– Já vi que está tão azeda quanto o limão que esta faltando nessa bebida!

– Cala a boca, Mike! - Ralhei com ele.

– Mike por que não toma conta da sua vida?

– Você bem que podia ter ficado sem essa!

– Você também Haley!

– Ei, vamos com calma ai, ou eu terei que concordar com o caipira ai. - Eu disse debochada. Ele apenas fez uma careta pra mim.

Carlla soltou uma gargalhada logo em seguida, e nós ficamos sem entender absolutamente nada.

– Vocês são muito engraçados. Vivem em pé de guerra, mas se amam na mesma intensidade. - Nos olhamos ao mesmo tempo, e ambos ficamos envergonhados enquanto ela continuava a falar. - Quer dizer, a Haley vem da cidade grande e acaba se encantando sem querer pelo cara mais ogro e caipira de Ellsworth, e o Michael, ou melhor, Mike que é conhecido por ser o maior pegador de todos os tempos, nunca mais ficou com nenhuma garota depois que se apaixonou, e olha que até a Isa que é uma gata já tentou inúmeras vezes.

– Morena, não é bem assim... - Mike tentou argumentar.

– Só quero saber quando é que vão largar de ser trouxas e encarar os fatos! Ou vão esperar aparecer mais alguém na vida de vocês pra atrapalhar? Pensem crianças, pensem.

Ficamos por volta de uns dois minutos em silêncio, antes que ela levantasse para ir embora.

– Ah, antes que eu me esqueça - Ela disse, virando de frente para nós dois e dando uma piscadinha de canto de olho pra mim. -, não estou tão bêbada assim pra não discernir o que estou falando. Tá pra nascer a bebida que vá me derrubar!

Ela não esperou que um de nós respondesse, simplesmente saiu andando, nos deixando ali na mais desconfortável situação possível.