Vida em Erebor escrita por Vindalf


Capítulo 36
Doce angústia


Notas iniciais do capítulo

Reencontro emocionado



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Doce angústia

Reencontro emocionado

Por muitos minutos, Thorin chorou, agarrado à sua pequena, ainda mal acreditando na graça que os deuses ofertaram. Anna o acolheu amorosamente em seus braços, igualmente emocionada. Suas lágrimas tentavam lavar a dor de tanta saudade, tanta angústia e desespero. Eles se abraçaram, perdidos na emoção do reencontro.

Beijaram-se, faces encharcadas, com um desespero típico dos apaixonados. A cena não era nada romântica: havia soluços e líquidos variados. Mas o casal não se importava. Abraçados um ao outro, alternando beijos com soluços, eles se entregavam à realidade de constatar a solidez do ser amado, ao toque da pele após tanto tempo distante, um penoso período de separação.

Demorou um pouco até que ambos se acalmassem o suficiente para conseguir encontrar palavras.

— Oh, meu amor... — sussurrou Anna, acariciando o rosto de seu marido como se pudesse preservá-lo com a ponta dos dedos. Ela se deliciou ao sentir novamente a barba áspera entre seus dedos. — Meu amor, meu amor, meu grande amor.

— Você voltou... — disse Thorin, num suspiro. — Voltou para mim, mizimel. Voltou da morte... E Darin? Como pode...? Você morreu? Isso é um sonho? Eu morri?

Anna respondeu, tentando acalmá-lo e responder suas perguntas:

— Não, meu amor. Não é um sonho, eu não morri, nem você tampouco. Cheguei bem perto, mas não morri. Nem nosso filho.

— Mas... você caiu...! Pelo penhasco, até o rio! Eu vi!

Ela sorriu, acalmando-o:

— Eu tive que pular para tentar salvar nosso filho. Precisei ser uma águia para pegar Darin antes que ele caísse no rio. Depois fui para longe, voando, pedir abrigo a amigos e a família. Mas cheguei lá muito doente e debilitada, Darin também. Só agora pude vir. Precisei me recuperar. Mas devo voltar logo.

Thorin também a acariciava, sussurrando:

Ghivasha... Todos vão ficar tão felizes de vê-la.

Anna apressou-se em dizer:

— Não, Thorin. Não diga nada a ninguém. Todos precisam pensar que estamos mortos. Assim estaremos seguros.

— Mas por quê? Anna, o que está dizendo? Você voltou!

Ela chorava, olhando o desespero nos olhos azuis com o coração aos pedacinhos, mal conseguindo explicar:

— Desculpe, meu amor. Não posso voltar para Erebor. Não posso...

Thorin começou a se desesperar:

— Mas por quê? Não entendo.

Anna buscou explicar:

— Meu amor, você sabe que o que aconteceu não foi a primeira vez, nem seria a última. Quanto tempo iria demorar até outro grupo tentar atacar a mim ou a Darin? E quanto tempo até conseguirem nos matar de verdade?

— Eu os protegeria! — Thorin se exasperava. — Eu vou protegê-los! Eu sou o Rei Sob a Montanha!

Anna beijou seu nariz, dizendo com um sorriso triste:

— E este é o problema. Você é o rei. Talvez, se você fosse um cidadão comum, nada disso teria acontecido. Mas seu povo tem dificuldade de aceitar o casamento de seu rei com uma estrangeira e um filho mestiço. Como você mesmo disse, nunca aconteceu antes. Seu povo é muito secreto e reservado. Mudar isso leva tempo. Não é culpa de ninguém, eu não culpo ninguém. Mas não posso viver ou deixar meu filho viver em medo constante, sempre em alerta para evitar um ataque, desconfiado de todos. Não é jeito de viver — muito menos de criar um filho. Não posso voltar.

Thorin implorou:

Ghivashel, por favor, não me deixe. Não tenho mais lágrimas para chorar sua perda. Vou ter que chorar de novo?

Anna o abraçou com força, em prantos:

— Thorin, eu amo você mais do que amo mim mesma. Você é tudo que eu quero. Mas acho que eu subestimei o instinto de mãe. Por Darin, sou capaz de encontrar forças até para viver longe de você. Desculpe, furkhduh.

Num impulso, ele disse:

— Eu vou com você!

Anna sorriu, emocionada:

— Thorin, você é o Rei Sob a Montanha, soberano de Erebor. Seu dever é com seu povo. Talvez possamos nos encontrar às escondidas de vez em quando.

— E para onde vai? Vai viver com os elfos?

Anna deu de ombros:

— Pensei nisso. Lord Elrond me ofereceu um lugar em Rivendell. Mas até ele entendeu que não posso viver com elfos.

— Para onde então...?

Anna acariciou o rosto que tanto amava, dizendo:

— Vou ver se Bilbo nos aceita, ao menos como hóspedes por um tempo. Estaremos protegidos por lá. Depois que estivermos estabelecidos, eu voltarei e trarei Darin para visitá-lo. Vai gostar de vê-lo. Ele está lindo, tão esperto...

Thorin estava muito angustiado.

— Anna, por favor...! — Ele encostou sua testa na dela. — Seu lugar é a meu lado. Não vou conseguir viver sem você. Não agora que sei que está viva.

— Bem que eu quis não lhe contar nada, para evitar o sofrimento. Mas eu não poderia fazer isso, nem com você nem comigo. Você deve cuidar de seu povo, e eu devo cuidar de nosso filho. Thorin, não pense que está sendo fácil para mim. Mas preciso tentar — por Darin. Entenda, por favor. Perdoe-me.

— Anna... — Thorin sussurrou. — Por favor...!

Ela beijou a testa dele, em lágrimas.

— Mandarei notícias. Thorin, procure entender... Eu amo você, ukurduh.

Thorin tentava se agarrar a ela:

— Anna, por favor...! Anna!

Mas por mais que Thorin a agarrasse, desesperado, Anna escapou de suas mãos quando a pele dela se transformou em penas e Anna virou uma grande águia que se debateu e voou para a varanda por onde tinha entrado.

Thorin pulou da cama, correndo atrás da ave. A águia o encarou com tristes olhos dourados, soltou um guincho alto e decolou para o leste, em direção ao amanhecer que se avizinhava, rumo às Montanhas Sombrias.

— Anna! Anna! ANNA!

Mas ela agora era apenas uma silhueta no horizonte, contra o sol nascente.

Os gritos desesperados de Thorin atraíram Dís, Fíli e Kíli. Eles temeram que Thorin quisesse se jogar da sacada. Descontrolado, Thorin insistia, aos prantos, que Anna estava viva e aparecera para ele.

Foi muito difícil para os três acreditarem que Thorin não enlouquecera de vez.

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Apenas dois motivos fizeram Anna conseguir chegar a Rivendell: uma parada estratégica na Carrock com Lord Gwaihir e uso do miruvor, o licor restaurador élfico. Ainda assim, ao chegar a Imladris, ela alegou o cansaço da jornada extensa para ficar de cama o resto do dia, mas Anna sabia o quanto ver Thorin a abalara. Só a alegria de ver Darin a manteve centrada. Ela conversou com o pequeno, mesmo em lágrimas, falando do pai.

Elrond estava certo: havia um buraco dentro de seu coração. A ausência de Thorin era como uma dor constante, um vazio inescapável, um com o qual Anna ia precisar aprender a conviver.

Ela só não sabia como.

Apesar de sua turbulência emocional, Anna achou as atividades dos dias que se seguiram inesperadamente prazerosas. Uma parte do ofício de curar também era destinado ao crescimento. Fazia parte dos atributos de Nienna.

Foi assim que Anna passou dias na floresta durante o inverno mais ameno que passara na Terra Média até então. Cuidava de plantas, promovia o crescimento delas. Com sua energia, estimulava a terra durante sua hibernação.

— Pense desta maneira — orientou Lord Elrond. — A terra está dormindo profundamente, e não tem meios de cuidar de suas crianças, que são as plantas. Podemos ajudar as crianças e também fazer a terra ter sonhos agradáveis e despertar revigorada, na primavera.

Anna achou aquilo adorável. E lógico."Estou rodeada de Spocks apreciadores de poesia", ironizou ela para si mesma.

Darin era sua companhia constante, todo entronchadinho de roupas de inverno. Ele não parecia se incomodar com o frio. Na verdade, quando encontrou neve pela primeira vez, ele dava gritinhos de alegria. Anna foi obrigada a ficar com ele um tempo, construindo coisas de neve: bonecos, montanhas, bolas. Uma das ocasiões teve a companhia de Estel e Arwen, a quem Darin dedicava muito carinho.

Mentalmente, Anna se preparava para deixar o vale de Imladris e seus habitantes. O problema era o que fazer se Bilbo não pudesse ficar com eles no Shire. Ela teria que se virar sozinha, de algum jeito.

Deveria haver vilarejos de homens onde ela pudesse se estabelecer como curadora. Afinal, embora a relação com dinheiro naquele lugar fosse diferente de seu mundo, ela precisaria garantir seu sustento e o de Darin.

Haveria lugar perto de Erebor onde ela pudesse ficar, além de Dale? Estaria ela segura tão perto da Montanha Solitária?

E seria Mirkwood uma opção? Anna tinha poucas esperanças. Oh, Thranduil a ajudaria, especialmente se recebesse um pedido de Elrond Meio-Elfo. Mas Anna ainda tinha frescas as memórias de seu tempo nos salões do rei élfico. Não eram agradáveis. Aguentaria ela viver assim? E Darin poderia crescer naquele lugar?

Havia a proximidade com Erebor. Mas Anna também temia a reação de Thorin quando soubesse que ela tinha se abrigado junto a uma das pessoas que o Rei Sob a Montanha mais desprezava em toda Terra Média. Thorin seria bem capaz de começar uma guerra com os elfos silvestres por causa dela.

Não, o Shire era a melhor opção e Anna sabia.

Não foi por outro motivo que a volta de Eldrin provocou tanta excitação em Anna. Lindir anunciou a chegada do elfo, e Anna sentiu o coração acelerar. Deixou Authiel com Darin e correu até ele.

Foi até a entrada secreta do vale (a mesma por onde chegara quando conhecera Imladris da primeira vez) e lá viu Lord Elrond recebendo Eldrin em pessoa. Anna se aproximou, receosa. Lord Elrond a chamou:

— Ah, Erulissë. Eldrin traz boas notícias.

O elfo curvou-se:

— Lady Anna, tive sucesso em localizar nosso amigo, Mestre Baggins. A notícia de sua morte chegara até ele, que se mostrou muito feliz ao saber da verdade. Ele ficou ainda mais contente com a perspectiva de recebê-la.

Alívio palpável inundou Anna.

— Oh, Eldrin, fico tão feliz!

— Oh — O elfo procurou no meio das roupas e tirou um papel. — Ele respondeu sua carta.

Num impulso, Anna beijou o elfo, que se assustou, e então pegou a carta de Bilbo. Ela foi até um banco afastado numa das varandas de Rivendell com o precioso pedaço de papel, coração acelerado.

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Três dias mais tarde, no pálido sol invernal, Anna estava sozinha, de novo sentada no banco, em recolhimento solitário. Ela fitava a carta de Bilbo, ponderando as implicações contidas nela. Ela leu pelo que parecia ser a tricentésima vez.

"Minha querida Anna,

Nem tenho palavras para dizer o quanto fiquei feliz com as notícias que Eldrin me trouxe. Acho que ele me explicou o que aconteceu, mas eu ainda não estou certo de ter entendido. Por isso, gostaria de vê-la o quanto antes para discutirmos esse assunto à exaustão.

Vai ser ótimo recebê-la em minha casa, não importam as circunstâncias. Você sempre será bem-vinda, nunca se esqueça disso.

Agora mesmo vou arrumar o quarto de hóspedes e um bercinho para o bebê. Ele deve estar grande. Vou adorar ter uma criança em casa. Com minha família grande, ele terá companheiros de brinquedo.

Tudo vai dar certo, Anna. Pode confiar nisso.

Seu tio,

Bilbo Baggins"

Anna tinha lágrimas no rosto ao encerrar a leitura. Havia promessa de aceitação e acolhimento. Mais uma vez Anna recebia um carinho que nem sempre testemunhara em Erebor.

Ela tentava se recompor do misto de alívio e emoção quando ouviu uma voz suave a seu lado.

— Está tudo bem, Erulissë?

Anna se virou e viu os grandes olhos azuis de Arwen a encarando com preocupação. A elfa logo se emendou:

— Perdoe-me, por favor. Não quis sobressaltá-la.

Anna garantiu:

— Está tudo bem, milady. É só que... eu nunca deixo de me emocionar com a profunda compaixão de Bilbo Baggins.

Arwen sorriu docemente.

— Eu o conheci, entendo o que quer dizer. Posso concluir, pois, que ele concordou com seu pedido?

— Sim, disse estar nos esperando.

— Viver no Shire vai lhe fazer bem. O pequenino também deve gostar.

Anna garantiu:

— Bilbo diz que adora crianças, e sua família é cheia delas. Darin vai ter muitos amiguinhos para brincar.

A elfa observou:

— Você parece mais tranquila... e triste.

Anna enrubesceu, pois era verdade.

— É um alívio ver minha vida se encaminhando para um futuro seguro, sentindo-me amparada. Mas esta vida se apresenta cada vez mais distante de meu marido. E minha decisão tem mais a ver com meu filho do que comigo. Como mãe, minha criança é mais importante até do que minha felicidade.

De maneira solene, a filha de Elrond recomendou:

— Devia fazer as pazes com sua decisão, Erulissë. Não fique tão impaciente. Entenda que não faz muito pouco tempo desde que tudo aconteceu. Procure apenas não se desesperar. Confie nos guardiões de Arda, pois eles também guardam você.

Embora Anna ainda vertesse lágrimas, as palavras de Arwen lhe deram sossego como nada conseguira antes.

Palavras em Khuzdul

ukurduh = meu coração

furkhduh = minha vida

mizimel = joia de todas as joias

ghivasha = tesouro

ghivashel = tesouro de todos os tesouros

Palavras em Sindarin

miruvor = tônico restaurador

nogoth = anão

nogothrim = povo anão

Tolmennorne = escudo de carvalho (tradução literal)


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