Vida em Erebor escrita por Vindalf


Capítulo 28
Quando tudo mudou


Notas iniciais do capítulo

A tranquila vida de Anna é interrompida



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Quando tudo mudou

A tranquila vida de Anna é interrompida

Anna podia não saber nada sobre bebês, mas ela sabia que seu filho era saudável e feliz. Agora Darin parecia ser mais ágil e esperto, embora ainda acordasse durante a noite. Kíli e Fíli ficaram maravilhados quando viram que ele podia rolar para um lado ou para o outro. Claro, não tão maravilhados quanto o próprio Darin.

O danadinho escolhia rolar justamente na hora de trocar fraldas, o que deixava Hila apavorada que ele pudesse cair da cama ou da mesa. Agora havia tapetes e almofadas por todo pedaço de chão, para que o pequeno príncipe pudesse rolar sem risco de cair e se ferir.

O que Anna não dizia, porém, era que ela estava tão maravilhada quanto Kíli e Fíli por ver seu bebê se desenvolvendo tão bem. Ele brincava com os sons, experimentando gritinhos, risos, repetições. Anna o incentivava a dizer "papai" e "mamãe", e Fíli tentava ensiná-lo a falar "adad" e "amad".

Agora que Darin rolava, Anna recomendava que ele brincasse no chão, onde descobria seus pés e mãos. Kíli batia palminhas, provocando encantamento sem fim.

Embora Darin soubesse sentar, Bifur fez uma espécie de bebê-conforto, uma cadeirinha de madeira onde Darin ficava recostado enquanto a família fazia refeições. Dís dizia que em breve ele estaria pronto para refeições sólidas, como papinhas e cremes. Mas Anna não queria parar de amamentar tão cedo.

Desde muito novinho, Darin respondia bem às musiquinhas que Anna cantava para ele. E não era só na hora de ninar: jogos para bater palminhas sempre eram com música. "Old MacDonald" tinha os sons de animais, alguns dos quais Darin via nos campos de cultivo perto da montanha. Darin também gostava muito das crianças da lavoura. Na verdade, o bebê era extremamente simpático e sociável com todos que encontrava. Anna imaginava se ele teria uma fase de estranhar desconhecidos.

Isso porque ele já reconhecia pessoas. Os guinchos de alegria que ele dava ao ver Kíli e Fíli chegavam a assustar Hila. A própria Hila era fonte de grande alegria ao menino.

Mas os olhinhos azuis brilhavam ao ver Thorin. Dava para ver que o bebê tinha adoração pelo pai. Com sua recém-adquirida destreza manual, Darin adorava agarrar as tranças e barbas de Thorin e normalmente as colocava na boca. Ele soltava gritinhos de alegria e agitava os bracinhos para que Thorin o pegasse no colo.

Aliás, Darin começava a ganhar força nos músculos. Ele agarrava as coisas com força. O chocalhinho que Glóin dera era vigorosamente agitado. Ele ficava todo durinho no colo de Anna e tentava se sustentar em pé. Os dentes também estavam saindo, pois ele mascava o anel de vime trançado por Dwalin.

— Ele cresce tanto que fica difícil acreditar que ele já foi tão pequenino. Veja: em breve estará a engatinhar por tudo!

O comentário de Thorin fez Anna sorrir. Os dois estavam deitados no chão da sala da família, ao lado de Darin, que estava deitado de bruços, erguendo a cabeça. Ele estava bem firmezinho. Anna concordava com Thorin: talvez em um mês ou menos ele pudesse começar a engatinhar.

— Inacreditável que ele seja tão saudável sem ter tomado sequer uma vacina na vida...

— Uma o quê?

Anna explicou:

— Na minha época, descobrimos que doenças sérias podem ser evitadas com um tipo de remédio tomado na infância. Então, no meu mundo, bebês vivem tomando essas vacinas.

— Ele é forte: tem sangue da minha raça.

— Disso eu não duvido. No meu mundo, em pouco tempo ele iria para uma creche. — Antes mesmo que Thorin perguntasse, Anna explicou: — É uma espécie de escola para bebês, e eles ficam lá enquanto os pais trabalham.

— As mães também trabalham?

— Trabalham, e muito, porque ter um filho custa dinheiro. A maioria das pessoas não tem condição de ter uma criada.

— Mas o pai não trabalha para que a mãe cuide dos filhos?

— Os dois precisam trabalhar, porque se usa dinheiro para tudo — explicou Anna, suspirando. — Oh, ukurduh, meu mundo é... muito diferente.

Thorin a encarou:

— Você sente falta, ghivasha?

Anna suspirou.

— Estaria mentindo se dissesse que não sinto falta de algumas facilidades. Se Darin estivesse vacinado, por exemplo, eu me sentiria bem melhor. E eu tenho certeza que a essa altura, eu teria fotografias espalhadas por toda casa, um HD inteiro só de vídeos e fotos, perfil dele no Facebook...

Seu marido a encarava, sem ter ideia do que ela falava, e Anna deteve-se, um pouco assustada consigo mesma. Depois disse:

— Desculpe, meu bem. Só quis dizer que há algumas facilidades que cairiam bem por aqui, só isso.

Thorin sorriu e beijou-a. Se ele queria dizer algo, porém, foi interrompido por um grito agudo próximo. Ambos viraram a cabeça.

— Baaa!

De barriga para baixo e cabeça erguida, Darin sorria para eles, satisfeito por ter conseguido atrair a atenção dos pais. Anna sorriu de volta para o filho e Thorin ergueu-o acima da cabeça, provocando mais gritos de alegria no pequeno.

As lembranças de momentos assim seriam a maior fonte de alegria nas semanas que se seguiriam.

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Como a temperatura começava a dar sinais da aproximação do outono, Anna resolveu aproveitar o dia ensolarado para um piquenique na floresta perto da montanha. Já que todos tinham obrigações, o passeio teve uma comitiva mínima: apenas dois guardas e Hila. Thorin concordou, mas pediu:

— Avise Dwalin para onde vai.

— Acho melhor não nos esperar para o almoço — disse ela. — Bombur preparou um lanche para levarmos. Mas não vamos passar o dia todo fora.

— Quem sabe eu me junto a vocês mais tarde?

— Oh, Thorin, seria ótimo!

— Guardem um dos bolos formigueiro para mim.

Anna esticou-se para beijá-lo.

— Queria que pudesse vir conosco, mas entendo por que não pode, meu rei. Amo você, ukurduh.

Ghivashel.

Mais um beijo foi trocado, um mais longo, antes de Anna e o grupo deixarem a montanha no dia agradável de sol e brisa suave.

Os guardas escolhidos por Dwalin sugeriram o melhor local para montarem acampamento: uma clareira não muito longe do rio, cercada de árvores, com sombra e uma aragem fresca.

— O sol vai mudar de posição — alertou Hila. — Não será melhor já ficarmos ali?

— Assim como o sol, também vamos mudar de posição mais tarde — disse Anna. — No momento, este é um bom lugar.

Rapidamente, Anna engajou Darin numa brincadeira de música animada. Ele começava a querer bater palmas e divertia-se muito.

O barulho atraiu alguns dos corvos gigantes, e Anna cumprimentou-os, oferecendo guloseimas aos pássaros do povo de Röac. Darin deu gritinhos de animação quando a ave chegava perto dele.

Anna estava feliz ao perceber a preferência do menino pela música dos Beatles — também um dos preferidos dela. Ela não se lembrava de muitas cantigas infantis, então apelava para sua memória. Ah, que falta fazia YouTube!...

Darin gostava muito de "Coconut", de Nilsson, uma música ritmada e bem-humorada da época hippie. O pequeno também adorava George Harrison e suas canções que eram quase orações. Às vezes Anna imaginava que seu filho pudesse ser uma espécie de criança da Nova Era — versão Terra Média.

Depois de dançarem e cantarem, Anna e Darin pararam para fazer uma boquinha com as gostosuras que Bombur mandara na cestinha. Darin comeu sua primeira papinha de frutas e aparentemente aprovou o gosto novo. Depois ele dormiu à sombra do grande carvalho sob o qual estavam gostosamente abrigados. Todos estavam relaxados, aproveitando o dia agradável.

Esse foi o maior erro.

Uma flecha silenciosa atingiu um dos guardas, que gritou:

— Ataque!

O segundo guarda acercou-se de Anna, em posição de defesa. Hila também protegia Anna, que pegou Darin nos braços.

Um dos corvos voou acima de Anna e ela pediu:

— Avise Thorin! Por favor, ajude-nos!

Logo os agressores saíram de seu esconderijo entre as árvores. Nada menos do que seis khazâd entraram em conflito com os guardas. Hila puxou sua faca e gritou:

— Corra para a montanha, senhora, salve-se! Leve o príncipe! Nós os seguramos!

Anna indagou:

— Mas e você?

— Não perca tempo! Vá logo!

Anna não precisou ser avisada duas vezes: com Darin enrolado na mantinha azul bordada por Dís, ela disparou floresta adentro, olhando para trás para ver se era seguida. Numa dessas olhadas, de relance, ela viu um guarda morto no chão, ao lado de dois dos agressores.

Em outra olhada, ela viu quando a espada de um dos anões atingiu Hila em cheio no pescoço. Era um golpe mortal. Sua amiga foi ao chão, fulminada. Em choque, Anna deixou suas pernas a levarem e não olhou mais para trás.

Anna corria pela floresta, tentando não se perder na mata. Ela não tinha mais certeza se estava indo rumo à montanha. Embora ela viesse frequentemente passear com Darin para aquelas bandas, ela não costumava ir para longe da montanha, então na verdade não conhecia as redondezas.

Com o firme propósito de não entrar em pânico e de evitar pensar no destino de Hila, Anna decidiu seguir a direção do rio. Era uma referência que a ajudaria a não ficar totalmente perdida. Apertando Darin contra seu corpo, ela continuou seu caminho o mais rápido que podia.

Quando cansou, ela continuou andando, guiada pelo barulho da correnteza do rio. Ela tentou acalmar Darin, que chorava, assustado, com certeza sentindo o nervosismo da mãe. Foram necessárias palavras doces sussurradas ao bebê para conseguir que ele ao menos parasse de chorar e não ajudasse os perseguidores a saber onde estavam.

Finalmente, Anna localizou o rio — e finalmente viu que estava na encosta da montanha. Ele corria abaixo, a uma altura grande. Anna decidiu se afastar do precipício, com um arrepio. Foi seguindo o curso do rio, e assim subia cada vez mais. Agora Anna era obrigada a ir mais devagar, devido ao terreno acidentado.

Então chegou ao fim do caminho. A trilha parava abruptamente num precipício alto, tão alto que lá embaixo Anna via apenas as nuvens de vapor d'água das violentas corredeiras do rio. Ofegante, ela olhou em volta, tentando ver para onde podia fugir. Não havia lugar para onde correr. Ela estava encurralada.

Como se a situação não fosse grave o bastante, Anna perdeu toda a cor ao ouvir gritos na mata.

Gritos que vinham em sua direção.

Em pânico, Anna tentou correr para baixo, para escapar, mas estacou quando viu Fendar adiante:

— Lá está ela!

Ele não estava sozinho. Mais dois anões armados o acompanhavam. Anna tentou calcular uma rota de fuga.

Não havia nenhuma. E para trás, só havia o precipício e a morte certa. Ann não tinha para onde ir.

Seus perseguidores também pensavam o mesmo, porque Fendar sorria de uma maneira malévola.

— Ora, ora. Parece que a pequena consorte não tem para onde fugir agora.

Anna gritou:

— Fique onde está! Não chegue perto de mim!

Ele se riu e ordenou ao comparsa:

— Traga-a para mim.

Anna empalideceu ao ver o anão se aproximando dela. Ela agarrou Darin contra si, gritando:

— Não! Para trás!

Foi inútil. O homem a agarrou e o outro arrancou Darin de seus braços. A criança desatou um berreiro. Aí Anna enlouqueceu e urrou:

— Nãão!! Darin!!

Fendar parecia divertir-se muito.

— Oh, consorte. É melhor cooperar. Não vai querer que nada aconteça ao principezinho, não é mesmo?

— Por favor, não! Deixe meu filho em paz!

— Seu filho é uma aberração, como você! Vou exterminar os dois de Erebor!

Então Anna ouviu a voz que mais amava em toda Terra Média:

— Fendar, solte-a!

— Thorin!

O Rei Sob a Montanha tinha vindo com Dwalin e uma dúzia de guerreiros, incluindo Kíli e Fíli, e eles cercaram os agressores. Fendar agarrou Anna, usando-a como escudo perto do precipício:

— Solte suas armas e nos deixem passar, ou os dois morrem!

Thorin repetiu:

— Você não tem para ir, Fendar. Solte os dois e eu os deixarei viver.

— Está louco, meu rei! Louco ou enfeitiçado, se pensa que o povo vai aceitar essa estrangeira no trono de Erebor! Muito menos essa aberração a que chama de filho!

— Fendar! — insistiu Thorin. — Desista!

A reação de Fendar foi rápida e violenta: ele jogou Anna no chão, arrancou violentamente Darin das mãos do companheiro e arremessou o bebê no abismo.

Thorin gritou:

— Não!!

Ao mesmo tempo, Anna urrou:

— Dariin!!

Ato contínuo, ela se ergueu, correu, ganhando impulso e graciosamente mergulhou precipício abaixo, um movimento tão rápido que não houve chance de ninguém sequer pensar em impedir.

Thorin soltou um grito inarticulado, correndo para o precipício. Tudo o que ele conseguiu ver foi o corpo de Anna desaparecer entre a nuvem de vapor d'água no fundo do precipício, direto nas corredeiras.

Palavras em Khuzdul

ghivasha = tesouro

ghivashel = tesouro de todos os tesouros

khazâd = anões

ukurduh = meu coração


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