O anjo e o demonio escrita por Lu Rosa


Capítulo 15
Descarregando a testosterona




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David estava entrando no hotel quando viu Nigel na sala comunitária. Ele se encaminhou para lá.

Seu assistente estava acompanhado de uma moça alta, como olhos castanhos atrás de óculos de formato redondo e cabelos ruivos cortados na altura do ombro. Ele não precisou de apresentações para saber que estava diante de Sophie, a filha do casal Michaelis.

– Oi David. – Nigel o cumprimentou. Ele indicou a moça a seu lado. – Esta é Sophie, a filha dos Michaelis. Este, Sophie, é o David. Meu professor no Instituto Rice. Ele é historiador e escritor também.

– Mamãe me disse que o senhor é da família também. – Sophie declarou apertando a mão estendida de David. – Seja bem vindo. E Nigel foi muito eloqüente nos elogios.

– Nigel é muito exagerado. Tudo que ele tiver dito sobre mim, reduza pela metade. – David bateu no ombro de seu assistente.

– É muito interessante alguém dos Estados Unidos ter vindo até aqui para escrever sobre um dos capítulos mais difíceis da nossa história. Eu faço história em Dublin também. E já fiz algumas pesquisas sobre a Besta de Donegal. – eles se sentaram, e a moça continuou – Eu encontrei alguns documentos datados do século 17 que diziam que ele atacou muitas cidades, reduzindo-as a nada. O mais estranho é que, em um desses documentos, uma espécie de um diário relata que o filho de um nobre da época havia sido capturado. O pai reuniu uma fortuna para pagar em resgate. O resgate foi pago, mas o filho não foi devolvido. Então, o nobre reuniu um exercito para destruir a fortaleza do bandido. Uma enorme luta foi travada, muitos morreram. Mas nada foi encontrado do rapaz ou do bandido.

– E ele desistiu do filho? – perguntou Nigel.

Sophie balançou a cabeça, negando.

– Alguns dias depois, o nobre estava cavalgando quando ele viu alguém na estrada. Ele se aproximou e viu que era seu filho. Ele fez menção de desmontar, mas o rapaz disse que não. Que o nobre mantivesse distancia. Como seu próprio filho pedia para ele manter distancia, o nobre respondeu. Por que ele estava condenado, respondeu o filho. Ele havia sido transformado num demônio pela Besta de Donegal, ele explicara. Então ele pediu a espada do pai. Para que ele queria sua espada, o pai perguntou. Para ter uma chance de entrar no Paraíso. O pai quis se aproximar com o cavalo, mas o animal empinava, relinchando assustado. Então, o pai desmontou e se aproximou do filho. O pobre rapaz ergueu o rosto para o pai, e ele viu que o filho tinha o rosto branco com cal e duas presas existiam no lugar dos caninos.

– Ele havia se transformado num vampiro? – Nigel deu o tom certo de espanto, por que tanto ele, quanto David já sabia o que havia acontecido.

– Sim. – a jovem respondeu. – Sem que o pai esperasse, ele arrancou a adaga que o pai trazia no cinto e enfiou no coração. O pai relata no diário que enquanto o corpo do filho se desfazia em cinzas, ele pôde vislumbrar um sorriso de agradecimento. O pai caiu de joelhos e chorou de tristeza por ter perdido o filho e de agradecimento à Deus pelo filho ter tido coragem de acabar com uma existência de trevas.

– É um relato autêntico, Sophie? – perguntou David.

– É sim, Professor Marshall. Quando eu soube dele pela primeira vez, eu também duvidei. Vampiros? Perecia coisa dos livros de Anne Rice ou da saga Crepúsculo – disse ela com um sorrisinho. – Mas um dos meus professores era funcionário no Trinity, ele atestou que o diário era autentico.

– Então esse documento é muito especial, não acha Nigel? – ele virou-se para seu assistente.

Nigel não deu a impressão de tê-lo escutado. Olhava para Sophie com admiração.

David inclinou-se para ele com ar conspiratório.

– Nigel, fecha a boca senão entra mosca...

O rapaz piscou, corando violentamente.

Sophie deu um sorriso tímido e prendeu uma mecha do cabelo atrás da orelha. David viu que era melhor deixar os jovens a sós.

Ele então decidiu dar uma passada no pub de Thomas. Ele atravessou a rua parando diante da placa do estabelecimento. Da última vez ele não havia reparado no nome. Deu uma risada divertida. Contrariando uma tradição, onde geralmente os pubs levavam o nome do dono atual ou do antigo, Thomas havia batizado o seu de “Chá das Cinco”, uma clara provocação aos ingleses, referindo-se ao tradicional costume inglês.

David abriu a porta e reparou logo na pessoa que estava sentada no balcão. Ele suspirou, desanimado. De todas as pessoas do mundo, a última que ele gostaria de ver era o delegado da cidade que, com certeza, agora tinha motivos para não ir com a sua cara.

Mas ele não tinha nada a esconder do homem, então David respirou fundo e foi até o balcão.

Thomas estava lá, limpando copos como sempre. Bryan estava ao seu lado escrevendo alguma coisa em papéis.

– Olá, Tom. Bryan. Tudo tranquilo?

– Oi David. Tudo bem. – Bryan acenou com a cabeça.

– Por favor, um uísque.

Thomas pegou a garrafa e entornou em dois copos. Os dois homens brindaram e David tomou o seu num gole só sentindo a garganta arder.

– Nossa! Isso devia se chamar fogo líquido.

– Que nada! – retrucou Thomas – Isso aqui é uiske beatha (água da vida) legítima! Deixa os homens mais corajosos.

– Seria bom o Nigel tomar mais alguns goles. Acho que ele vai precisar de coragem.

O irlandês ficou sério.

– É eu reparei nos olhares dele para minha filha. Mas, acho que ele vai precisar de uma garrafa. Aquela menina puxou a mãe. É dura na queda.

– Você precisou de uns goles também, papai? – perguntou Bryan.

– Tá brincando! Eu sou irlandês, menino. Não preciso de coragem. Já nasci com ela. – ele se vangloriou. – Agora vá até a adega e me traga mais esses aqui. Deu um papel para ele.

Quando Bryan se afastou para cumprir o pedido, Thomas se inclinou para David.

– Eu não podia dizer isso na frente do garoto, mas precisei de duas garrafas. Uma pra mim e outra para o pai dela. – confessou. – Mas eu gostei do seu menino, David. Parece ser um rapaz sério. Mas diga a ele que eu estou de olho nele. Sophie é minha princesa, e se ele a magoar... – ele nem precisou terminar a frase.

– Parece até que na América não tem mulher, para eles virem atrás das nossas. – comentou Neil, chamando a atenção dos dois homens.

– Desculpe-me, o que foi que você disse? – perguntou David.

Neil desencostou-se do balcão descendo do banquinho.

– Eu disse – ele respondeu falando bem devagar – que parece que na América não tem mulher, para vocês virem atrás das nossas.

Thomas deu a volta no balcão.

– Neil, eu acho que você já bebeu o suficiente, não acha?

– Eu já entreguei o plantão, Tom. E não acho que bebi muito. Mas eu já estou cheio desse aí. – apontou para David.

– Olha delegado. Eu sei que você não foi com a minha cara. Mas eu não vim para cá pra criar confusão. – disse David calmamente.

– Ok. Então por que você se meteu com a minha mulher? – Neil elevou a voz.

– E ela seria...? – David perguntou ainda calmo.

– Como se você não soubesse! Ângela Dougherty!

– Mesmo? Desde quando? – David começou a se irritar com o tom do outro.

– Desde sempre. Ela sempre me pertenceu.

– Eu acho que ela não sabe disso. – rebateu David friamente.

Thomas achou que devia intervir.

– Neil, você sabe que isso não é verdade. Ângela Dougherty sempre gostou de você, mas como amigo. Toda a cidade sabe disso.

O’ Hanlon voltou-se para Thomas com o cenho franzido.

– Por que você não cala a droga da sua boca, Michaelis?

– Ei, - David ergueu o indicador para Neil – fala direito com ele.

Neil bateu com a mão no dedo de David tirando-o da sua frente.

Os ânimos exaltavam-se rápido. Thomas decidiu dar um ponto final na questão.

– Já chega rapazes. Não quero briga nenhuma no meu bar.

– Não se preocupe Tom. Não haverá nenhuma briga aqui. Eu não vim aqui para arrumar nenhuma briga com um representante da lei.

Mas Neil não pensava da mesma forma. Ele tirou a pistola e o distintivo que usava e os colocou em cima do balcão.

– Pronto. Agora eu não sou mais um representante da lei. – ele ignorou os pedidos de calma dos homens que estavam ali. - Mas eu estou a fim de uma briga com você Ianque.

David sorriu com ironia.

– Ianque é um termo para quem nasce no norte dos Estados Unidos. Eu nasci no Sul.

– Você é muito engraçadinho, professor. Mas eu vou dar um jeito nisso. – E juntando ação às palavras, Neil desferiu um soco em David.

Os homens seguraram Neil enquanto David passava o dedo no filete de sangue que escorria do canto de sua boca.

Seus olhos eram duas pedras de gelo quando ele encarou o outro.

– Muito bem, senhor O’ Hanlon. Vou atender ao seu pedido. – David disse em voz baixa. – Acabou de arrumar uma briga.

Bryan, assistindo a tudo da porta da escada que levava à adega, colocou as bebidas debaixo do balcão e correu para o hotel onde sabia que encontraria Nigel paquerando a sua irmã.

De fato, eles estavam ainda conversando na sala comunitária.

– Nigel! Venha até o bar. Seu professor vai brigar.

Os dois jovens se levantaram. Nigel estranhou.

– Impossível! David é o cara mais pacifico que eu conheço. Nunca arranjaria briga.

– Mas arranjaram com ele. Ele vai brigar nos fundos do bar com o Neil O’ Hanlon.

– O delegado?!

– Isso. Vamos lá. Você tem que detê-lo. Neil nunca perdeu uma luta. Ele vai detonar o David.

– Vamos lá, então. – Nigel voltou-se para Sophie. –Eu tenho que ir. Eu te vejo mais tarde – ligeiro, ele roubou um beijo da moça.

– Tomem cuidado. – ela fez um carinho no rosto dele.

Quando os dois rapazes chegaram os dois oponentes já estavam em cantos opostos no espaço que ficava aos fundos do bar. Um grupo de homens fazia apostas, como bons irlandeses.

– Eu quero 20 Euros no Neil. – dizia um. – Eu aposto 15 Euros no Neil – dizia outro. – Thomas ia recolhendo o dinheiro e guardando numa caixa de charutos. O desgaste da caixa mostrou a Nigel que a prática não era nova.

– E você, papai? Vai apostar em quem?

Thomas deu a caixa para o filho e solenemente sacou a carteira do bolso. Tirou dela uma nota de cem euros e pôs na caixa.

– Eu vou apostar no David.

– Por que papai? – espantaram-se Bryan e Nigel. Bryan já havia lhe dito que Neil jogava rúgbi desde o secundário. E, pelo que ele conhecia desse esporte, Nigel não tinha esperanças que David vencesse.

– Por que David sussurrou. Cuidado com um homem que sussurra quando está com raiva. Por que a raiva dele é fria. Racional. – Thomas esclareceu. Depois ele foi até onde estavam os outros homens.

Ele fez um sinal para Neil e outro para David. Os dois homens tinham a mesma altura, mas Neil era mais encorpado, resultado da prática de rúgbi no secundário e na faculdade. Ficou claro para todos ali quem ganharia a luta.

Thomas começou a falar:

– Vocês se desafiaram e, apesar de não aprovar, eu vou servir de juiz. Neil você já conhece as regras, mas vou dizê-las mesmo assim. Isso aqui é uma disputa entre homens civilizados e não entre animais selvagens, portanto não quero nada que resulte em hospital ou necrotério. O melhor vence e o perdedor vai encarar isso numa boa. Entendido?

– É claro, Tom. – assentiu David.

– É. Entendi. – afirmou Neil de má vontade.

– Muito bem. – continuou Thomas. – Então apertem a mão e comecem.

David estendeu a sua, mas Neil a ignorou. Os dois começaram a andar em círculos, estudando-se. Neil foi o primeiro a atacar. Lançou-se contra David como se estivesse num jogo de rúgbi. Mas o outro já esperando o ataque direto, esquivou-se para o lado deixando o outro passar direto.

Neil voltou-se rápido, indo ao ataque novamente. Dessa vez, David não se esquivou. Ele o recebeu com um direto do queixo que lançou a cabeça de Neil para trás. Ele avançou contra Neil o acertando ainda mais duas vezes, antes que Neil o acertasse. O impacto fez com que David rodasse meio de lado, mas logo ele se recuperou. Eles ficaram se movendo lateralmente sem tirar os olhos um do outro. Agora que as forças já haviam sido medidas, havia certo respeito entre eles. Pareciam dois felinos movendo-se na noite. Mas Neil era bem menos paciente do que David, e novamente lançou-se contra o corpo de seu adversário. David aparou o golpe, mas ficou imprensado contra a parede. Ele sentiu uma dor intensa nas costas que lhe fez arfar. Neil deu um passo para trás para tentar acertar-lhe o rosto, mas dessa vez David foi mais rápido e desviou do golpe. Então ele fez o irlandês provar do próprio remédio e agarrando-o pelo braço o lançou contra a parede.

David se afastou dele, tentando recuperar o fôlego. Era evidente para todos ao redor que a luta estava equilibrada. Que Neil O’ Hanlon havia encontrado adversário à altura.

Naquelas incríveis coincidências da vida, Ângela passava justamente naquele momento com Marion, vindas do shopping.

– Vamos Ângela, eu deixei o carro aqui perto. Eu deixo você em casa.

A atenção de Marion foi atraída para um grupo de homens em um semicírculo.

– O que é aquela aglomeração ali? – perguntou ela.

– Não sei. Mas sendo nos fundos do pub, acho que alguém bebeu demais e arrumou confusão. – respondeu Ângela. Mas quando ela olhou para o lado, a amiga não estava mais lá. Ela viu Marion indo em direção ao grupo que era exclusivamente masculino. Ela correu para tirar ela de lá antes que acontecesse algo.

Qual foi a sua surpresa ao ver que um dos combatentes era justamente o homem que horas antes havia lhe feito juras de amor.


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