Crônica Sobre os Tons do Tempo escrita por LorenaVLB


Capítulo 2
O Parque


Notas iniciais do capítulo

FINALMENTE O PRIMEIRO CAPÍTULO! Desculpem a demora, gente.

Enfim, vamos a umas notas:
1. Esse é o capítulo de introdução aos personagens principais dessa história. Mais pra frente as coisas ganham movimento.
2. Todos os trechos que tiverem em itálico e entre parênteses são passagens do diário da Bianca - dos diários, porque né, são passagens de toda uma vida.
3. Dedico esse capítulo pra linda da Alexis R. Luisinha, minha flor, tá ai a sua fic Duanca pra se inspirar. Obrigada por todo apoio e pela sua amizade!

Espero que gostem!



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Verão de 2007

“Quem é ela?”

Era o primeiro dia do verão e Carlos Eduardo, no alto dos seus onze anos, não sonhava com outra coisa desde que lembrava sonhar com alguma coisa. E até então só sonhava com coisas: o sol, a luta, notas azuis em um boletim. Um menino clichê com sonhos clichês, como toda criança deveria ser e ele sinceramente era.

Tirando o fato de ser muito comum, Carlos Eduardo gostava do que era bonito. De sensibilidade ímpar numa idade tão objetiva, já enxergava a beleza nos detalhes e a reconhecia, acima de tudo. Enxergar todos enxergam, mas poucos sabiam disso e ele inclusive não tinha ciência de que fazia isso. E foi assim, capturado pelo riso adorável da garotinha, que pôs os olhos nela pela primeira vez e sentiu como se, de repente, todas as histórias que sua avó leu para fazê-lo dormir quando pequeno fizessem todo o sentido do mundo.

O sol estava se pondo, a hora que mais gostava. O laranja que tingia o céu impedia a lua de trazer a escuridão e estendia seu tempo fora de casa. Só por esses motivos tudo já estava bem bonito, obrigada. Escalou o trepa-trepa e se empoleirou no ponto mais alto para aproveitar seus últimos minutos na rua, já que não demoraria muito até Alan, seu irmão mais velho, sair da academia e buscá-lo para que fossem embora, finalizando mais um dia.

— Cuidado, Karina! – E ressoou a risada que prendeu sua atenção de imediato, por reflexo. Carlos Eduardo virou-se abrupto, no momento certo para capturar mentalmente a imagem que tiraria seu sono dali em diante. Não que soubesse disso, mas já imaginava. Toda vez que decidia lembrar-se de algo para sempre jamais esquecia, pelo menos era o que ele achava.

Ia o mais alto que a gravidade permitia naquele balanço, auxiliada por outra menina claramente mais nova que ela, que a empurrava com força enquanto tentava não rir também. Metida em um vestido branco meio sujo de areia, com os cabelos castanhos esvoaçando naturalmente e um sorriso surreal, Carlos Eduardo tinha certeza que sua avó já tinha lhe contado a história dela alguma vez.

Não era uma sensação estranha, era? Carlos Eduardo não tinha o menor problema em se apaixonar. Reação comum para uma criança. Reação comum para uma pessoa motivada pela beleza, mesmo que não soubesse disso. Só que ouvir aquela garota era diferente e tudo o que ele conseguia imaginar era se a sensação de pegar nas mãos dela seria tão calorosa quanto aquele verão e aquela risada.

O tempo passou. Carlos Eduardo não se importou em observá-la durante todo esse tempo que sequer prestou atenção no pôr-do-sol. Já eram quase seis da tarde e o escuro já começava a tomar o céu, a lua já despontava levemente seu brilho. O dia terminava, mas definitivamente não era qualquer dia.

— Du, desce daí! – Gritou Alan, como fazia todos os dias naquela mesma hora. — Já passamos da hora.

Carlos Eduardo já estava pronto para descer, até que se deu conta: o balanço já não subia mais e nele, a garota mais bonita que já tinha visto na vida encontrou seu olhar. Não era maduro o suficiente para entender o que sentiu na época e também não se dava conta disso. Ela abriu um sorriso lindo, como se o cumprimentasse e ele retribuiu, como se já se conhecessem há muito tempo.

— O que você tá fazendo? – Insistiu o irmão, olhando-o sem entender e procurando a direção em que estava olhando. — Anda logo, animal.

— Já vou!

Quando finalmente chegou ao chão, a garotinha já não estava mais no balanço. Ela entrelaçou as mãos com a menor, provavelmente a irmã, e seguiu o caminho contrário ao seu. Não sabia quem ela era, onde ela morava, nem se a veria outra vez.

Anos depois, Carlos Eduardo ainda não teria respostas para essas perguntas.

xxx

(Ele nunca se deu conta de que eu sempre estive ali. O vi primeiro, na verdade. Nunca contei, já que se orgulhava tanto de ter posto os olhos em mim por acaso ou destino. Algo ficcional assim, como ele achava que eu era. Duca via mais arte em mim do que realmente havia e eu me sentia lisonjeada por isso.)

xxx

— O que você tá assistindo, Ka?

— O Rei Leão – afirmou rápido, entretida na história. Encolheu as pernas no sofá, num convite silencioso. — Senta ai.

Faziam isso com frequência. Quando Gael demorava a voltar para casa, ocupado demais com os afazeres na academia, elas não gostavam de ficar sozinhas. Se uma estava na sala, outra estaria lá também. Se uma fosse dormir, a outra acompanharia. Era natural estarem na presença uma da outra e gostarem disso. Sempre assistiam desenhos animados, pelo menos naquela época, e passavam longe dos filmes de terror que o pai estocava no armário, que ele assistia dando risada. Uma vez, querendo arriscar algo novo, Karina colocou um deles para rodar. Ela não tinha medo nenhum, mas Bianca tinha. Medo da trilha sonora, do suspense, da possibilidade de ser real e de ter que fingir coragem simplesmente por ser a mais velha. Não dormiu por uma semana, e então prometeram que jamais assistiriam o gênero novamente, pelo menos não quando Bianca estivesse na sala.

Assim como filmes de terror, dramas e romances impressionavam Bianca facilmente. Também pela trilha sonora, pela possibilidade de ser real e, acima de tudo, pelo o que sentia ao assisti-los. Gostava de se emocionar, coisa que o pai sempre apontou como herança de sua mãe e a maior diferença que havia entre ela e a irmã. Essa diferença ficava clara em momentos como aquele, em que assistiam a um filme. Enquanto Bianca era suscetível às emoções simplesmente por gostar delas, Karina não gostava da ideia de padecer a coisas que não podia controlar.

Estavam na cena após a debandada, em que Simba encontra Mufasa, seu pai, morto depois de salvar sua vida. Bianca já estava com lágrimas nos olhos quando encontrou o lindo par de olhos azuis de Karina. Olhos que sempre diziam mais do que a irmã gostaria.

— O que foi? – Começou, com certa rudeza na voz. Karina odiava ser confrontada, mesmo que silenciosamente.

— Se você quer chorar, porque não chora de uma vez? – Questionou, com a voz ainda meio embargada pela emoção. — Fica ai segurando, parece que vai morrer.

— Quem disse que eu quero chorar? – Fez uma careta ofendida enquanto levava as mãos os olhos, para ver se alguma lágrima a entregaria. — Não sou chorona como você.

— Só estou dizendo que não tem problema nenhum em chorar se você quiser chorar.

— Mas eu não quero chorar! – Karina tinha o costume de elevar a voz quando queria encerrar um assunto. — Dá pra gente voltar a assistir o filme agora?

Bianca sorriu calmamente e voltou sua atenção ao filme, mas reslumbrou o rosto de Karina pelo canto do olho. As bochechas dela estavam coradas e olhos levemente marejados. Não precisava olhar para saber que ela se incomodava com a emoção, assim como sabia muito bem o motivo daquilo.

— Ele teve sorte – comentou Karina algum tempo depois. — Pelo menos conheceu o pai.

xxx

(Eu sempre soube tanto dela. Não sei o que ela sabe de mim. Nunca perguntei. Mas sabia que ela queria.)

xxx

Carlos Eduardo perdeu os pais aos oito anos de idade em um acidente de carro, numa noite em que ele e Alan estavam com a avó, Dalva. Receberam a notícia tarde, umas três da manhã e ele não precisou pensar muito para saber o que tinha acontecido. Bastou a avó desmontar toda sua alegria característica em lágrimas pesadas, sentando no sofá sem acreditar enquanto ele e o irmão espiavam silenciosamente pela fresta da porta do quarto.

Nunca mais foram os mesmos, mas fizeram o melhor que podiam. Viraram uma família, de uma maneira partida e muito feliz ao mesmo tempo, uma das coisas mais agradáveis em estar ao lado da avó. Considerava-se um garoto sortudo demais por tê-la ao seu lado e ter uma vida normal, positiva graças a ela.

Por tudo isso, foi difícil demais vê-la cair tão frágil pela segunda vez, agora por conta de um infarto. Carlos Eduardo se assustou imediatamente e só conseguiu gritar por Alan, que teve cabeça no lugar o suficiente para chamar a primeira pessoa que lhe veio à mente. O socorro veio com Gael, o mestre de artes marciais da academia da rua, agora professor de muay thai do irmão.

Com a ambulância pronta para levar Dalva ao hospital, Carlos Eduardo ainda não tinha estrutura para viver aquele medo outra vez, em tão pouco tempo. Perguntou a Gael se tinha algum lugar onde pudesse ficar e o professor, preocupado com seu bem estar, indicou que fosse até sua casa.

— É a dois sobrados daqui. Só chame por Bianca, garoto. É minha filha, ela vai te ajudar.

Seguiu o caminho ainda impressionado com a cena que presenciou. Subiu as escadas, se posicionou em frente a porta e bateu. Estava difícil de controlar o choro. Só não queria parecer desesperado, mesmo que estivesse. Não queria dar trabalho para pessoas que não conhecia e que não se sentiria a vontade de ficar perto naquele momento. Até que ela apareceu.

— Você é o Carlos Eduardo, né? – disse docemente a vozinha branca da garota, que o desconcentrou. Algumas lágrimas escorregaram em seu rosto quando encontrou os olhos de gato, que nunca saíram de sua mente apesar de só tê-los visto uma vez. — Entre, por favor.

Estava metida em um vestido salmão, com o cabelo castanho molhado de banho pendendo em seus ombros e algumas mechas dispersas coladas nas bochechas coradas. Carlos Eduardo não conseguiu conter um suspiro. Não sabia direito o que responder, mesmo que tivesse as palavras na ponta da língua.

— Sim, obrigada – tentou disfarçar o choque que sentiu ao reconhecer a garota do balanço ali, curvando os lábios num sorriso afável e simpático que o aqueceu imediatamente.

Adentraram a casa em absoluto silêncio, como se fossem completos estranhos, apesar de saberem que não eram. A televisão era a única coisa que iluminava a sala pequena e aconchegante, com um sofá convidativo no meio. Bianca – só podia ser, não tinha outra pessoa – sentou-se em uma das pontas e o convidou para fazer o mesmo.

— Fique à vontade – ela tinha um jeito carinhoso de falar, que o deixava de fato muito a vontade. — Se quiser comer ou beber alguma coisa é só pedir.

Sorriu em resposta, sem saber direito o que dizer. Estava meio tonto com tudo o que tinha acontecido e a presença dela ali só o fazia se perder mais em sua cabeça. Como poderia estar desolado pela avó ao mesmo tempo em que estava feliz de encontra-la ali? Tudo estava fora do lugar, mas Bianca – lindo nome, pensou – parecia condensar tudo apenas com sua presença. Levantou os olhos para ela, já que não conseguia evitar observá-la e ela retribuiu calmamente por alguns segundos.

— Você é a garota do parque, não é? – Se sentiu a vontade para perguntar, os olhos dela simplesmente permitiam isso. — Daquele dia?

— Sou – sorriu por ele ter puxado o assunto. — E você é o Duca, irmão do Alan.

— Duca? Ninguém me chama assim.

— Eu vou te chamar assim, inventei agora – ela levantou e foi até a bancada da cozinha para fazer algo para comer. — Tá com fome, Duca?

Bianca foi até a geladeira e pegou frios, maionese e algumas folhas de salada. Depois alcançou os pães de forma e montou delicadamente um lanche para cada um deles. Olhava para trás algumas vezes e perguntava se ele preferia presunto, mortadela ou os dois. Não demorou muito até que o chamasse para ajuda-la com os sanduíches, e ele foi sem reclamar. Conversaram sobre o verão, o fim das aulas, como preferiam o forno ao invés do micro-ondas, mas nenhum dos dois sabia quanto tempo o lanche poderia assar sem ficar torrado.

A angústia ainda estava lá. Sempre teria medo de perder a única família que lhe restava.

Mas talvez fosse alguma coisa que Bianca fez. O sorriso aconchegante, o olhar amistoso e ela, em nenhum momento, o sondar sobre o que sentia com todo o problema da avó. Talvez fosse só quem ela era e ele estava apenas vendo demais.

Bianca sempre teve um dom natural para fazer Duca feliz.


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Notas finais do capítulo

E então, pessoas? Espero não ter decepcionado vocês com esse primeiro capítulo do tamanho do mundo, mas enfim, história longa dá nisso né HAHAHAHAHA E muito obrigada pela força nos comentários. Vou ir até o final com vocês sendo lindas desse jeito.

Vou tentar não demorar muito para postar o próximo capítulo, lá as coisas já começam a tomar um rumo.

Beijos e, por favor, comentem :) Isso tem me deixado tão feliz, vocês não tem ideia.



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