Convergente II escrita por Juliane


Capítulo 41
Ela




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A estrada até a Margem parece longa demais, nem o marcador cravado nos 260Km/ph faz com que o tempo passe mais depressa, teoricamente nosso destino está há apenas 350 Km mas tenho a impressão de que percorremos essa distância pelo menos umas três vezes.

_ Milles, estamos na direção certa? - Dessa vez não me contenho, fiz esta pergunta mentalmente pelo menos umas dez vezes, mas agora não resisti e verbalizei.

_ Sim, tenho absoluta certeza. - Ele responde mantendo a velocidade.

Controlo a minha ansiedade mantendo os olhos na estrada e o pensamento nele... Aos poucos vejo pequenos pontos luminosos surgirem no horizonte, à medida em que nos aproximando eles crescem transformando-se no que veio a descobrir ser a iluminação precária indicando uma espécie de cidade em ruínas compostos por prédios depredados, barracos de lona e restos de madeira... A Margem, estamos chegando!

_ Prior, estamos na Margem! Vamos manter a formação, os nativos verão a nossa aproximação como uma ameaça, por tanto, haja o que houver precisamos estar todos juntos. Se um de nós parar, os demais devem parar também. Okay?.- Milles fala enquanto reduz consideravelmente a velocidade

_ Okay! - Os demais respondem quase em uníssono. Eu permaneço em silêncio, Milles vira a cabeça em minha direção e eu apenas concordo com um aceno.

Seguimos pelas ruelas estreitas a procura de qualquer pista que possa nos levar a Tobias e aos outros, conforme nos aproximamos as luzes que podem ser vistas através das frestas das precárias construções de lona e madeira são desligadas com o intuito de evitar atenções desnecessárias. Imagino os motivos que levem essa gente a sentir tão acuada a qualquer presença que não lhe seja familiar.

Rodamos por mais de 30 minutos, percorremos cada canto da Margem e nada... Mas então quando estamos cruzando uma estreita rua avisto no final do beco um jipe militar estacionado sob um poste, cuja a lâmpada está queimada. Aperto o freio de soco e quase perco o equilíbrio durante a parada brusca. Os demais que seguiam, também param recuando para ver o que eu também vejo. Largo a moto ali mesmo, escorada no pedal, tiro o capacete e me encaminho até o jipe sem esperar por companhia, mas para a minha total decepção não há ninguém dentro dele. Tiro do cinturão uma lanterna e direciono o foco para o lado de dentro do veículo, e vejo que não há nada suspeito nos bancos dianteiros e traseiros, mas quando direciono o foco de luz para a carroceria, vejo uma grande quantidade de sangue...

_ Trouxeram os soldados feridos para a margem. - Milles observa, visivelmente satisfeito por ter confirmado sua tese.

_ É, e não devem estar muito longe. - Diz um dos soldados da minha escolta.

_ Sugiro que devemos começar por este prédio bem aqui. - Aponto para a construção em ruínas com uma pequena porta em madeira reforçada por muitos remendos feitos com tábuas fixadas grosseiramente com enormes pregos de metal enferrujados pela passagem do tempo.

Paro diante da porta e bato enfaticamente três vezes. Todos estamos em expectativa... Mais de um minuto se passa e nada.

_ Vamos arrombar! - Outro companheiro de missão se pronuncia fazendo menção de se dirigir para a dianteira do grupo, mas Milles o detém com a mão em seu ombro.

_ Vamos com calma, se arrombarmos, seremos alvejados. Não é seguro.

Bato mais três vezes e depois de alguns segundos faço a única coisa que talvez seja capaz de convencê-los a nos deixar entrar.

_ Aqui é a Tris Prior! Sei que Tobias Eaton está aí dentro! Viemos em missão de paz! Nos deixe entrar! - Um minuto se passa e nada... Começo a pensar que não fui totalmente convincente, ou ninguém foi capaz de me ouvir.

Bato mais três vezes.

_ Oi! Aqui é a Beatrice Prior! Quero ver Tobias Eaton! - Eu grito com todas as minhas forças. Milles põe a mão no meu ombro num gesto de solidariedade e me pergunto se o meu desespero está tão evidente assim.

Meu coração dá um salto, quando ouço uma das travas sendo abertas... Uma depois da outra, então uma pequena fenda se abre revelando um homem baixo, com uma barriga proeminente, vestindo uma camiseta amarelada e pruída, que evidencia ainda mais o coldre entre seus braços com duas armas penduradas. De trás dele surge uma figura feminina bem familiar, mas que à sombra do homem e na escuridão da noite fica difícil reconhecer... Mas então ela dá um passo a frente e seu rosto é iluminado pela tênue luz da lua... Nita!

_ Ora, vejam só, se eu não a tivesse visto com meus próprios olhos poderia dizer que estavam pregando-me uma peça!

_ Onde está Tobias? - Eu pergunto tentando controlar a raiva que sinto de ver essa maldita aqui no mesmo ambiente em que ele está. E por que ele mesmo não veio me receber? O que está acontecendo? Ele está tão ferido que não pôde atender ao meu chamado? Ou ele não quer mais me ver e está com esta bandida?! Como ele pôde?

Ela se aproxima, examinando-me mais detidamente enquanto decide se deve ou não responder a minha pergunta... Minhas mãos se posicionam feito garras, prontas para agarrar-lhe o pescoço, mas Milles toca meu ombro numa advertência silenciosa. Contenho-me.

_ Nunca compreendi o que ele viu em você, tão sem graça... Magricela.

Eu cerro os dentes e respiro fundo. Milles emprega um pouco mais de força no seu toque e eu abaixo as mãos.

_ Moça, estamos procurando por Tobias Eaton e seus amigos. Você pode nos informar onde podemos encontrá-los?

_ Bem, não estão aqui.

_ Não me faça arrancar a informação de sua boca com as minhas próprias mãos! - Eu rosno.

Nita solta uma gargalhada de escarnio e nem as mãos de Milles são capazes de me deter. Minhas mãos fecham-se em torno do pescoço dela então ouço o estalo de uma arma sendo engatilhada e posso sentir o cano gelado em contato com a minha cabeça.

_ Calma aí! Vamos com calma! Tris solte a moça! E você amigão, abaixe a arma. - Milles diz com sua voz ponderada e apaziguadora.

Eu afrouxo as mãos aos poucos e solto Nita enquanto o homem guarda a arma no coldre. Nita alisa o pescoço com a mão e me olha cheia de ódio e ressentimento.

_ Vocês da audácia tem um péssimo hábito de resolver suas diferenças com as mãos! Como se me estrangular fosse revelar a você onde está Tobias!

_ Você sabe onde ele está?

_ Por onde você esteve todo esse tempo? Agora chega aqui se achando a dona da razão, reclamando uma posição que você abandonou há quase três anos!

_ Me diz, onde ele está? - Eu digo entredentes.

_ O que foi? Depois de todo esse tempo a saudade bateu só agora?

_ Nita, por favor, me diz onde ele está. - Mantenho a voz num tom moderado com um tremendo esforço.

_ Moça, precisamos entrar em contato com eles, é muito importante. - Milles se dirige a ela com demasiada cortesia, muito mais do que essa infeliz merece!

_ Bem, eu não sei exatamente onde eles estão, mas sei para onde estão indo. - Ela diz, ignorando-me completamente.

_ E então, nos diga que partiremos imediatamente.

_ Não, sem antes vocês me contarem o que está acontecendo. E de onde vocês vem e por onde esta daí andou todo esse tempo.

_ Olha, são muitas perguntas e as respostas são longas e complexas, e infelizmente não temos tempo para isso. - Milles tenta ser objetivo de forma educada e gentil, embora eu saiba que Nita não merece nada disso;

_ Como você pôde heim Beatrice?! Eu sempre soube que você o magoaria...

_ Nita, você não tem nada a ver com isso! A situação é bem mais complicada do que você imagina. Tudo que você conhece está prestes a ruir... O governo detém absoluto poder sobre tudo e vão manter todos reféns usando um vírus sintético altamente destrutivo como arma... - Eu respondo e nem imagino porque sinto necessidade de me justificar para essa criatura.

_ Me conta uma novidade... - Ela diz com um ar de superioridade irritante.

_ A novidade é que eu sei como parar tudo isso! - Digo, empertigando o corpo, tentando imprimir segurança nas minha palavras...

_ Ah, não me diga! Conta outra! - Ela desdenha.

_ Acredite ou não, mas eu tenho um plano em andamento, mas preciso encontrar Tobias e os outros, suas vidas correm perigo, não deveriam ter saído de Chicago. - Mais uma vez eu respondo... Acho que tem mais haver com tentar convencer a mim mesma do que a esta biscate.

_ Não sei porque cargas d'água ele não superou a sua morte... Já que a concorrência é grande... Sabe aquela sua amiguinha, como é mesmo o nome dela... Kate, Kristen... Christina, percebi um clima... Acho que ela está afim dele...

_ Nita, para onde estão indo?! - Eu digo levantando a voz mais uma vez... - Tentando ignorar a sua insinuação.

Então uma figura fantasmagórica surge junto a porta, um rapaz ruivo com a pele tão leitosa que mesno na escuridão suas feições são quase que nítidas.

_ Estão indo para Nova York, eu mesmo lhes dei um mapa e uma bússola.

_ Obrigada! - Agradeço de pondo-me em movimento, com pressa de encontrá-lo mas os olhos curiosos dele me prendem por mais um momento.

_ O que você disse é realmente verdade? Sobre o fato de você ter um plano em andamento? - O rapaz pergunta.

_ Sim, é verdade. - Confirmo mesmo sabendo o quanto meu plano é falho, mas afasto o pensamento e me detenho ao que é mais importante:

_ Você saberia dizer se ele está ferido? - Pergunto.

_ Pelo que Nita contou, eles renderam dez guardas, mandaram-nos 3 reféns, parece que houveram apenas dois feridos do seu grupo... Tobias levou um tiro no ombro e Zeke na perna. Os tiros foram de raspão, nada grave. - Ele revela muito mais do que eu esperava. De modo que me dou por satisfeita.

_ Mais uma vez, obrigada pela informação.

_ Boa sorte... Sinceramente espero que realize seu intento. - Ele diz e vira-se para entrar no prédio em ruínas, então vejo que há mais alguém junto dele, uma moça com longos cabelos cor de cobre, eles são praticamente da mesma altura. Ela sobe por uma velha escadaria seguida por ele e eu os acompanho até que desaparecem do meu campo de visão,

Então me viro e caminho de volta a moto.

_ Até mais Beatrice! Se encontrar com Tobias, mande lembranças. - Nita diz jocosamente.

_ Espero não voltar a vê-la Nita e guarde seu sarcasmo para quem tem tempo a perder. - Sento na moto visto o capacete giro a chave, aciono o botão e saio cantando pneu sem nem sequer olhar para trás, nem ao menos para ver se Milles e os outros estão no meu encalço.

Estou decepcionada por não encontrá-lo, mas sinto que há algo mais... Estou chateada, as palavras de Nita ecoando na minha mente... Será que Christina e Tobias...?! Não, não pode ser.. Cara talvez, mas Christina jamais ousaria trair nossa amizade desse jeito. Não, Nita falou para me zangar, faz parte do joguinho dela, eu já deveria saber. Afasto esses pensamentos e foco no mais importante agora: Encontrá-los.

Pego a estrada e logo os demais se juntam a mim na mesma velocidade e mantendo a mesma formação, então Milles assume a dianteira.

_ Prior! Temos que voltar. Se estão rumando para Nova York é provável que os encontremos no caminho. Mas agora precisamos ir. O Capitão Finch disse que não deveríamos virar a noite longe da Base. - Ele chama a minha atenção, pronunciando as frases quase que num tom de advertência, como se pudesse ler o que se passa na minha cabeça.

_ Você acha que estão fora de perigo? - Pergunto preocupada, pensando na possibilidade do DAG já ter destinado uma equipe de busca para descobrir porque seus soldados não retornaram.

_ Quando amanhecer provavelmente o DAG envie uma equipe... A menos que...

_ A menos quê??? - Eu o interrompo sem poder me conter durante suas pausas para raciocínio.

_ Vou ligar agora mesmo para o Capitão Finth.

_ Mas o que ele poderá fazer para impedi-los? Qual é o Plano?

_ Você verá. - Ele responde.

Posso ouvir o som de uma chamada telefônica, ele está ligando para o Capitão Finch no viva voz para que possamos ouvi-los. Ao quarto toque Finch atende.

_ Capitão Finch.

_ Capitão, Milles falando... Senhor, estivemos na Margem e recebemos a informação de que estão rumando para Base. Sete soldados DAG foram abatidos e 3 agora são reféns dos rebeldes.

_ Entendo. Algum ferido no grupo de Chicago? - Capitão Finch quis saber.

_ Dois, alvejados de raspão. - Milles responde enquanto o resto de nós permanece em silêncio e na escuta.

_ Agora eles são responsabilidade da Base, farei o comunicado oficial ao DAG agora mesmo. - O Capitão Finch diz e em seguida a linha fica muda.

_ Milles, como assim? O que o Capitão Finch quis dizer com isso?

_ Agora eles serão nossos prisioneiros.

_ Eles serão presos? - Digo sentindo o peso do longo período em jejum se transformar numa bola ácida que sobe pela minha garganta.

_ Creio que sim, mas pode ter certeza que o Capitão Finch conduzirá tudo da melhor forma possível. - Milles diz na tentativa me tranquilizar.

_ Confio no Capitão Finch, mas o que me preocupa mesmo é o General Sparks. - Digo sentindo calafrios ao imaginar Tobias nas mãos de Sparks.

_ É, talvez esse seja um problema com qual tenhamos que lidar.... - Ele completa, partilhando do mesmo raciocínio que eu.

Seguimos em silêncio e em alerta durante todo o percurso. Mas não os encontramos em local algum. O que só faz aumentar ainda mais o meu desespero. Tento lembrar a mim mesma que preciso ser forte e enfrentar a situação.

Quando avistamos a Base, os primeiros raios de sol começam a iluminar o horizonte. Os guardas responsáveis pela cerca abrem os portões quando estamos há pelo menos 200 metros de distância, o que denuncia que talvez estejam de sobreaviso, o que me aflige ainda mais... Será que estão aguardando por eles? Será que serão presos imediatamente? Será que o General Sparks já está sabendo de tudo? Mesmo desejando acampar diante da cerca obrigo-me a seguir os demais até o pavilhão de veículos terrestres. Entrando no local avisto o comitê de boas vindas formado por Wes, Finch e Enrico.

Wes tem as feições cansadas e parece aflito, Finch por sua vez mantém a aparência profissional e fria, já Enrico parece admirado ao me ver descendo da moto...

_ Beatrice! - Wes diz enquanto me envolve nos braços e sou obrigada a respirar fundo para conter as minhas lágrimas de frustração por não tê-lo trazido comigo, por temer por suas vidas, e pelo futuro incerto que nos aguarda.

_ Estou bem, está tudo bem Wes, não se preocupe. - Digo num tom monótono e cansado.

_ Você está pálida, há quanto tempo não se alimenta? Você por acaso dormiu? - Suas perguntas tem tom de reprimenda.

_ Podemos passar estas perguntas?! E a necrópsia de David, alguma conclusão? - Mudo de assunto propositalmente.

_ Falamos disso depois. Agora o Capitão Finch tem algumas instruções importantes. - Ele diz passando a palavra ao outro.

_ Comunicamos ao DAG sobre o ocorrido. Não encontramos nenhuma resistência, visto que o departamento é diretamente subordinado e mantido pela Base. Mas teremos de informar o General Sparks. Então precisamos traçar um estratégia.

_ Eles estavam apenas se defendendo! - Como podem ser julgados por isso?! - Digo ultrajada.

_ Soldado Prior, não importa quais foram as circunstâncias, o fato é que 7 soldados do DAG foram mortos e três estão sendo mantidos reféns pelos rebeldes. É uma causa um tanto difícil...

_ Não me importa! Quero sair agora para encontrá-los e dizer que fujam! - Eu grito, e não reconheço a minha voz.

Wes me aperta em seus braços e sussurra em meu ouvido:

_ Calma Beatrice, você precisa manter a calma. Quem perde o controle perde a razão, você sabe disso. - Ele tem razão, sinto as gotículas quentes acumulando-se em meus olhos, escondo o rosto no jaleco de Wes na esperança de manter algum nível de dignidade.

_ Prior, estamos do seu lado! - Finch diz.

Respiro fundo... Recomponho-me, ou pelo menos eu tento.

_ Eu sei, me desculpe.

_ É disso que eu falo, para continuar atuando no caso é preciso imparcialidade... Ou pelo menos aparentar, o que não é seu caso. Você tem interesses diretos aqui e o General Sparks jamais permitirá qualquer interferência sua. - Ele diz.

_ E o que isso quer dizer?

_ Que você terá de confiar em mim e deixar que eu resolva tudo! Enrico foi nomeado parte do grupo. Sei que você confia nele, então fique tranquila, nosso objetivo maior é manter seus amigos em segurança.

Na verdade não sei se confio em Enrico para a função. Meus olhos passeiam de um para o outro enquanto tento decidir se devo ou não confiar a vida de Tobias nas mãos deles... Mas então me dou conta de que não tenho escolha. Enrico agora carrancudo, acena levemente concordando apesar da contrariedade que vejo em seus olhos... Não sei se é uma boa ideia, cogito a possibilidade de pedir para Finch repensar sua adesão ao grupo, mas opto por ficar calada.Preciso traçar uma estratégia só minha, já que não poderei contar com mais ninguém... Como poderei mantê-los a salvo? Então um pensamento atravessa minha mente:Eles podem me deixar de fora dos planos, mas não podem me obrigar a ficar longe da cerca...

***********

_ Beatrice! Beatrice?!

_ Oi?

Wes está me olhando intrigado, sei que ele estava falando por algum tempo, pois vi seus lábios se mexerem compulsivamente enquanto eu imaginava uma desculpa para ir até a cerca... Já pensei em me oferecer para patrulhar o perímetro, guardar os portões, até lavar o pátio se preciso fosse. Mas Wes não parece disposto a me deixar sair daqui tão cedo.

_ Estou falando com você! Se não comer tudo vamos ficar aqui o dia todo. - Ele diz apontando para a bandeja diante de mim.

Pego a primeira coisa que vejo e começo a comer sem sentir o gosto de nada... A coisa toda parece apenas uma massa espessa indecifrável que mastigo incansavelmente para que possa descer pela minha garganta afim de abreviar esse momento.

_ Calma! Você pode se engasgar desse jeito. - Ele diz alcançando-me um copo de suco de laranja.

_ Wes eu preciso esperar por ele. Preciso ter certeza que não vão machucá-lo, que o General Sparks não vai pôr as mãos nele!

_ Beatrice, seja racional! Você pode pôr tudo a perder com essa atitude.

_ Eu sei, mas se eu continuar aqui vou enlouquecer!

_ Você não está se concentrando. Beatrice, temos mais coisas com que nos preocupar, tente desviar sua atenção para os assuntos que podem ser conduzidos por você.

_ Como posso me concentrar em outras questões quando só o que consigo fazer é pensar em Tobias e nos riscos que eles estão correndo?

_ Beatrice confie, Finch vai conduzir tudo da melhor forma possível. E você estará a par de toda a situação, eu garanto.

_ Okay. Prometo que vou me esforçar.

_ Agora que tenho sua atenção, estava lhe dizendo que encontrei uma grande quantidade de cloreto de potássio no sangue de David, o que indica que ele teve uma parada cardíaca induzida.

_ Isso confirma nossas suspeitas de assassinato.

_ Sim, provavelmente uma queima de arquivo, ou algo do gênero. E só descobri porque sabia exatamente o que procurar, pois o cloreto de potássio no organismo se difunde de tal maneira causando uma descompensação dos impulsos do coração provocando o que costumo chamar de "morte branca"... Sem vestígios. - Ele diz enfatizando a expressão morte branca com aspas feitas pelos dedos indicadores e médios de ambas mãos.

_ Mas e a seringa que encontramos no chão do depósito de medicamentos?

_ Sem impressões digitais...

_ Droga! Seja lá quem quer que tenha sido o assassino, não deixou vestígios.

_ Por isso, é muito importante redobrarmos a atenção já que não temos pistas que nos leve ao assassino e apenas uma vaga ideia da sua motivação... Talvez a única certeza seja de que provavelmente foi a mesma pessoa que o mandou drogar você.

_ Meu palpite é o General Sparks.

_ Não sei, não me parece o estilo dele. O General Sparks é o esteriótipo perfeito de militar subordinado ele cumpre ordens não questiona seu superior... Não age por conta própria e se o presidente a quer viva, por mais que isso o contrarie, ele jamais infringiria uma ordem direta dele.

_ É, você tem razão. Mas quem poderia ser?

_ Você não tem muitos inimigos declarados... Se partimos dessa premissa, creio que você devesse considerar a possibilidade de questionar Enrico sobre os últimos passos de Alejandra.

_ Alejandra! Ela tem estado muito calma ultimamente... Mas não consigo imaginar que poder ela possa exercer sobre alguém como David...

_ Não sei também, mas creio que Enrico poderá ajudar.

_ Você está sugerindo que eu vá encontrar Enrico ou é impressão minha? - Eu digo descrente, achando a situação engraçada, já que Wes sempre me quis longe de Enrico... O que foi que mudou nesses últimos dias?

_ Ouça, eu realmente acho que ele pode ajudar e sei que sobretudo ele ama você e jamais deixaria que alguém a machucasse, portanto, eu ficarei mais tranquilo se eu souber que qualquer que seja a bobagem que você estará fazendo ele estará junto para protegê-la. - Ele diz, preocupado, fazendo-me entender a sua motivação, o que me deixa um tanto chateada, não sou indefesa! Muito antes pelo contrário.

_ Desse jeito você me ofende Wes!

_ Desculpe Beatrice, não é minha intenção ofendê-la, apenas a quero segura.

_ Mas de qualquer forma, você tem razão. Vou falar com Enrico.

_ Ótimo! Vou tentar investigar a Doutora Gail, precisamos entender como funciona o vírus para combatê-lo e evitar que uma epidemia se espalhe.

_ Certo. Pelo menos alguém de nós está preocupado com o futuro da humanidade! - Digo amargamente já que as vezes meu egoísmo me cega enquanto abro a porta e dirijo-me para o corredor.

_ Beatrice, não seja tão dura com você mesma...

Eu não respondo, simplesmente fecho a porta e caminho pelos corredores resoluta, sabendo que para sobreviver aos próximos dias terei de organizar as minhas ideias, agir friamente, deixar o sentimento de lado e focar no que posso resolver agora... Wes tem razão.

*********

Abro a porta do pavilhão onde está acontecendo a aula de simulação de voo. Mas não vejo Enrico. O local está tomado pela balburdia, alguns recrutas conversam animados enquanto outros dentro das cabines de treinamento tentam concentrar-se nas atividades.

_ Tris! Por onde você andou? Como você está? Parece tão pálida... Descobriram alguma coisa sobre a morte de David? - Celina irrompe de algum lugar em que não a havia visto, com os olhos arregalados por trás das espessas lentes de seus óculos, chovendo perguntas das quais nem sei qual respondo primeiro....

_ Oi Celina, estou bem. Estive ocupada com alguns assuntos... Quanto a morte de David Wes está investigando. Você por acaso sabe onde está Enrico?

Ela ajeita os óculos de forma que seus olhos através deles parecem tão pequenos.

_ Bem, não pense que você me engana! Há muito mais do que você está me contando. Mas tudo bem, vou dar um desconto, pois você parece estar com pressa, aliás, ultimamente você sempre tem pressa... Quando é que vamos ter um tempo para pôr o assunto em dia?

_ Celina, desculpe, mas preciso falar com Enrico! Agora!

_ Ah sim, claro, claro. Ele está no escritório, com Alejandra. - Ela fala com um olhar de desdém enquanto aponta para pequena salinha de 2x2 que neste momento tem as persianas fechadas cobrindo os vidros para preservar seja lá o que esteja ocorrendo do lado de dentro.

Nesse momento eu pondero: espero saírem ou então eu entro? De qualquer jeito ela vai odiar me ver por aqui... Aí lembro que preciso sustentar a farsa de que Enrico e eu estamos de relações cortadas. Mas então me ocorre que esta talvez seja uma boa oportunidade para mostrar que continuamos em pé de guerra.

Irrompo porta a dentro...A cena que presencio me choca. Não deveria, afinal fui a grande incentivadora... Mas ainda assim é ultrajante. Enrico está sentando na sua cadeira e Alejandra está sentada em seu colo sem a sua blusa, ainda bem que está de frente para ele e não para mim!

Sinto minhas bochechas corarem, meu impulso inicial é girar os calcanhares e correr dali, mas aí lembro do meu objetivo maior. Cruzo os braços respiro fundo e pigarreio, já que nãos se deram por conta da minha presença.

Enrico é o primeiro a olhar na minha direção, seus olhos em pânico e completamente desconcertados. Ela gira o pescoço na minha direção e ao me ver, solta uma gargalhada. Que ódio, provavelmente eu devo estar rubra de vergonha! Reúno o pouco de coragem que me resta e digo num tom de voz imperativo e cortante...

_ O Capitão Finch mandou que eu viesse chamá-lo, mas pelo que vejo você está muito ocupado. Devo dizer-lhe que você tem coisas mais importantes para fazer?

_ Quem lhe deu permissão para entrar na minha sala sem bater? - Ele responde minha pergunta com outra pergunta parecendo muito mais nervoso do que irritado, enquanto tenta desesperadamente arrancar Alejandra de seu colo.

_ A sala não é sua, é propriedade desta Base que por sua vez faz parte do Patrimônio dos Estados Unidos da America! - Eu digo sem saber de onde exatamente tirei essa resposta.

Nesse momento Alejandra levanta vagarosamente como quem continua muito à vontade e se vira na minha direção. Eu coro ainda mais diante da sua nudez. Ela ri ainda mais.

_ Nossa, você é tão puritana! Por acaso nunca tinha visto uma mulher seminua? Você por acaso não se olha no espelho? - Ela fala entre uma gargalhada e outra.

Enrico pega a blusa dela que estava estirada no chão e joga na direção dela.

_ Vista-se Alejandra, já basta!

_ O que foi cariño? Ela invade sua sala e você fica bravo comigo?

_ Não é nada disso Alejandra, agora vista-se por favor.

Ela não responde, e para meu alívio veste a blusa.

_ Okay Tris, você já deu seu recado, agora se manda! - Ele dirigi-se a mim e quase fico magoada com a frieza de suas palavras.

_ Direi ao Capitão Finch que você está ocupado ensinando a Alejandra algumas lições extracurriculares! - Respondo girando os calcanhares para sumir dali.

_ Na verdade ele não está me ensinando nada sua boboca estamos trocando experiências! - Ela grita e continua rindo e debochando do meu maldito constrangimento...

Quando entro no pavilhão onde estão os recrutas estavam na aula simulada, para meu total desespero todos estão em silêncio absoluto de olhos bem arregalados na minha direção. Ao invés de correr, que seria meu impulso natural eu empino o nariz, levanto o queixo e saio caminhando a passos largos e pesados, então quando enfim saio do pavilhão e adentro o corredor eu simplesmente tenho um ataque de riso... Ponho as mão na boca para segurar, mas simplesmente não consigo... Rio tanto que minha barriga chega a doer e meus olhos lacrimejam.

Deve ser a tensão acumulada, o nervosismo ou então a droga que ainda deve estar no meu organismo. Antes que eu possa recuperar o que resta da minha dignidade sinto uma mão no meu ombro, a essa altura, eu que já estou curvada abraçando o abdome, olho para cima para ver quem é o expectador dessa bizarrice e vejo Enrico me olhando curiosamente.

_ Quer dizer que aquele ódio todo era encenação? - Ele diz em tom de brincadeira.

_ E você pensou que fosse o quê? - Digo ainda rindo.

_ Ciúme...

_ Ah, fala sério!

_ Não sei, você me pareceu chateada Tris.

_ Não, na verdade fiquei sem graça de vê-la daquele jeito.

_ Sem a blusa, ou pelo fato dela estar no meu colo?

_ Sem a blusa, no seu colo, as duas coisas! Isso é uma cena íntima, não queria ter visto. Mas enfim, eu fui até lá porque precisava falar com você justamente sobre Alejandra.

_ O que é?

_ Não pode ser aqui.

_ Onde então?

_ Vamos dar uma volta de moto.

_ Mas agora você tem uma turma te aguardando, ou terei que te substituir de novo?

_ Droga! Tinha esquecido completamente desse detalhe.

_ Tris, o Capitão Finch, disse que é muito importante que sigamos nossa agenda religiosamente para não levantar suspeitas.

_ Tá certo. Eu vou, mas você acha que consegue despistar ela em algumas horas?

_ Sim, eu disse que iria ver Finch para que você não me difamasse para ele. Eu volto encerro a aula e vamos para o Bunker, ela prometeu levar-me até lá hoje...

_ O Bunker do Presidente?

_ Sim, mas ela disse que é seguro, pois ele passa as tardes na biblioteca, e ela subornou James, o guarda que cuida do circuito de tv do bunker... Parece que o cara é apaixonado por ela...

_ Okay! Preciso que você memorize o máximo que puder. É muito importante!

_ Eu sei Tris. Fica tranquila. No final da aula passo no pavilhão e vamos juntos.

_ Okay. Não se atrase.

_ Sim capitã! - Ele diz batendo continência e sorrindo. E quando o vejo assim, relaxado, brincalhão, vestindo um uniforme militar vejo o quão é fácil compreender a obsessão de Alejandra por ele.

Eu aproveito o tempo que me resta para tomar um banho e me recompor, visto uma farda limpa, prendo os cabelos num rabo de cavalo enquanto tento imaginar onde estará Tobias... Fecho os olhos, respiro fundo, resignada parto para cumprir com as minhas obrigações.

No pavilhão encontro todos os recrutas aguardando as minhas instruções, não sei como consegui conquistar o respeito deles, já que a pouco tempo atrás eu era apenas uma intrusa... Hoje sou sua instrutora... Isso me lembra um certo instrutor que me ensinou muito mais do que defesa e ataque, ele me mostrou quem eu era e juntos descobrimos tudo o que podemos ser juntos... Ele me ensinou a amar

************

Nas duas horas que se seguiram conferi meu relógio pelo menos umas cinquenta vezes, me distraí muito mais do que pude contar, espero que atribuam esse meu comportamento a "convulsão" que tive, alias foi assim que Wes descreveu a crise que tive quando fui drogada e proporcionei um espetáculo a todos...

Mas então Enrico bate de leve o capacete no meu ombro e eu lhe recebo com um sorriso de alívio. Libero a turma e partimos para pegar as motos. Preciso me distanciar de tudo, pelo menos por algum tempo, mas sobre tudo quero circundar o perímetro para ver se o encontro antes que cheguem a base.

Enrico não questiona o fato de eu ter pego uma moto só para mim. Vestimos o capacete e aceleramos em direção a cerca.

Ao chegarmos, Enrico tira o capacete e perde aos guardas que abram os portões, mas eles insistem que eu me identifique. Obedeço e tiro o capacete.

_ Negativo! Soldado Prior não tem permissão para deixar a Base! São ordens do Capitão Finch.

_ Sério? Não vamos longe! Estou no intervalo das minhas aulas. Não vamos demorar.

Ele não responde, pega o rádio e chama pelo Capitão Finch. Depois de algum ruído ele responde:

_ Capitão Finch na escuta. -

O soldado pressiona o botão do rádio e diz:

_ Capitão, a Soldado Prior solicita permissão para sair da Base.

_ Negativo.

O guarda olha para mim e ergue as sobrancelhas.

_ Me deixe falar com ele! - Digo e o guarda me passa o seu rádio.

_ Capitão Finch, aqui é a soldado Prior, preciso sair! Me dê 20 minutos e estarei de volta.

_ Negativo! Se insistir eu mando prendê-la! - Eu nem me digno a responder, jogo o rádio de volta nas mãos do guarda, dou meia volta e saio cantando pneus.

Devolvo a moto ao pavilhão e sinto a minha frustração esmorecendo todo o meu corpo.

_ Tris, fala a verdade, você não queria sair para falar sobre a Alejandra, você queria procurá-lo.

_ As duas coisas. O fato é que essa espera está me matando.

_ Você não tem escolha Tris! E o pior de tudo é que você não entende que estamos todos do seu lado e o Capitão Finch está fazendo isso para o seu bem e também para proteger os seus.

Suspiro tentando decidir se aceito a justificativa dele...

_ Agora, vem vamos caminhar, andamos um pouco e depois nos sentamos embaixo do carvalho e você me diz o que tem a Alejandra.

Caminhamos lado a lado, ambos com as mãos no bolso e a passos calmos e um silêncio crescente entre nós. Na minha cabeça o caos impera, não sei mais o que fazer, quando o que me resta é só esperar.

Chegamos ao carvalho, eu me sento escorando minha cabeça no tronco, de olhos fechados tento absorver o aroma das folhas, da grama, da madeira...

_ Logo ele vai estar aqui. Você vai ver. - Ele diz e eu me volto na sua direção.

Seus olhos são tristes, mas compreensivos, talvez agora eu esteja diante do amigo que tanto busquei nele... Nesse momento permito-me relaxar um pouco e deito minha cabeça no seu ombro.

_ Enrico, na maioria das vezes eu me sinto péssima por mantê-lo ao meu lado sabendo dos sentimentos que você tem por mim. Eu sei que por mais que eu lhe faça me dizer com todas as letras que você sabe que nunca irá acontecer nada entre nós, você sofre cada vez que é pressionado a admitir. Eu me sinto mal por ver em seus olhos um brilho de esperança cada vez que você me olha. Mas sou egoísta demais para deixar que você partir. Eu sou cruel quando alimento as suas esperanças aconchegando a minha cabeça no seu ombro. Eu sou cruel quando sorrio para você, eu sou cruel quando lhe peço para ficar quando deveria pedir para que você se desprenda e vá seguir o seu caminho...

_ Não Tris, você não é cruel. Crueldade seria me privar da sua companhia e da sua amizade só porque você não me ama da mesma forma que eu amo você. Eu já me sinto honrado em merecer a sua confiança e amizade.... E o amor as vezes muda, espero um dia poder conviver com a sua escolha de forma tranquila sem que isso me quebre em mil pedaços. - Ele diz com um sorriso fraco e sincero.

E mais uma vez sou incapaz de pedir que vá embora. Mantenho a cabeça aconchegada em seu ombro, aspirando o seu cheiro de roupa limpa enquanto penso em quantas vidas mais vou destruir por puro egoísmo. Nesse momento convenço-me de que devo ao menos tentar ouvir a voz da experiência e aceitar o plano de Finch, da mesma forma que Enrico mesmo destruído pelas minhas escolhas permanece aqui, oferecendo seu ombro para que eu possa chorar o meu amor por outro homem.

_ E agora, falando de assuntos mais leves e não mais agradáveis, o que você tem para me dizer sobre Alejandra?

_ Wes acha que ela possa ser responsável pelo atendado contra mim. Que ela tenha mandado David injetar a droga em mim e depois tenha se livrado dele para não chegássemos até ela como mandante.

_ Não sei... Não vi nada suspeito.

_ Você sabe se eles se conheciam ou tinham algum tipo de relação?

_ Na verdade todo mundo na Base conhece Alejandra, mas não sei responder a sua pergunta com precisão.

_ E você acha que tem como descobrir?

_ Acho que posso tentar.

_ Certo, mas não pergunte a ela, pois com a morte dele obviamente ela vai negar ter qualquer ligação com ele.

_ Okay... E você está mais calma agora?

_ Nervosa, mas estou convencida de que só o que me resta é esperar.

_ Eles vão aparecer Tris! E pelo que Finch me contou, não devem estar longe.

_ É mas a minha preocupação maior é que eles encontrarão por aqui.

_ Bem, estarão aqui e só assim ele saberá que você está viva e você poderá interceder por eles. Pense pelo lado positivo. Esqueça as complicações e se permita curtir um pouco. Vocês enfim estarão juntos em breve... Desde que você chegou aqui era só o no que você pensava.

_ É você tem razão...


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