Convergente II escrita por Juliane


Capítulo 10
Ele




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/544355/chapter/10

Entro em casa, já passa da meia noite. Evelyn está sentada na poltrona da pequena sala de estar do meu apartamento, ela está cochilando. Provavelmente estava me esperando. Eu poderia acordá-la, para que se deite na cama, mas então teria que dar explicações, então resolvo apenas cobri-la.

Entro no meu quarto tiro as minhas botas sem usar as mãos e as chuto para um canto qualquer, tiro minha camisa, jogo num canto qualquer e vou direto ao banheiro para tomar um banho e esfriar a cabeça. De baixo do chuveiro tento assimilar o que foi essa noite, a minha paisagem do medo, a bala explodindo no meu peito, Tris me beijando, me abraçando e de repente seu corpo inerte coberto de sangue nos meus braços, seus olhos sem vida. Lembrar é como se eu estivesse revivendo esse medo e dói na mesma intensidade como quando o presenciei na minha paisagem do medo. O pânico começa a tomar conta do meu corpo, então me lembro que preciso me concentrar no que aconteceu na reunião no Departamento.

Preciso deixar com que a dor e a lembrança dela adormeçam no peito, pelo menos por enquanto. Preciso entender o que está acontecendo.Tento organizar as informações que recebi como peças de um quebra cabeça. Pessoas desacordadas na cerca, Johanna sentindo que estamos sob ameaçada do governo, August falando sobre um vírus desconhecido produzido em laboratório, as pessoas da cerca estão infectadas. Tento imaginar qual o interesse do governo em disseminar esse vírus. Sei que não nos querem mortos, afinal se realmente quisessem já o teriam feito. Penso na tese dos cientistas do Departamento sobre os Geneticamente Danificados. Imagino se esse vírus talvez tenha a cura.

Uma cura para genes danificados. Será que eu quero ser curado? Então me lembro de que Tris dizia que não havia o que ser curado, que eu ainda era o Tobias, o seu Tobias. E imediatamente sinto culpa por pensar em cura, quando não estou doente, quando todas essas pessoas que conheço não estão doentes.

Ouço batidas na porta e me dou conta que estou tempo demais no chuveiro, meus dedos estão murchos. Rapidamente desligo o chuveiro, enrolo a toalha abaixo da cintura, saio do banheiro e digo.

_ Evelyn?

_ Filho, você está bem?

_ Sim, estava tomando banho.

_ Me preocupei, não vi você chegar. Seu amigo Zeke ligou, perguntando se você já tinha chego. - Zeke, minha atual babá.

_ Está tudo bem, volte a dormir.

_ Certo, e filho... Obrigada pelo cobertor.

_ De nada. Boa noite.

_ Boa noite filho, eu te amo. - Ela diz que me ama sempre que surge uma oportunidade e me pergunto se está tentando compensar por todos os dias, durante anos em que não pôde dizer, já eu acreditava que ela estava morta. Acho que sim.

Termino de me secar, visto uma calça de pijama e me deito na cama, não para dormir, porque não tenho a ilususão de hoje conseguirei de fato pregar o olho e se acontece, meu sono seria povoado de pesadelos, mas do que de costume. O telefone toca e dessa vez eu ouço.

_ Deixa que eu atendo! Grito para que Evelyn ouça.

O telefone fica na sala numa pequena mesa de apoio ao lado da poltrona. Eu atendo.

_ Alô.

_ Oi docinho! Fico feliz que tenha chegado em casa com segurança. - Zeke diz, numa tentativa idiota de parecer uma garota. E eu rio.

_ Zeke, seu idiota, estou bem! Pode dormir tranquilo, não farei nada idiota esta noite.

_ Eu sei, só queria ouvir sua voz... _ Então ele cai na gargalhada e eu também. Demoramos um pouco para recuperar o juízo e então ele diz.

_ Quatro, amanhã de manhã passo na sua casa para irmos até o hospital. o Dr. August me ligou disse que quer falar conosco. Já avisei para Johanna.

_ Por que ele ligou pra você? - Digo me sentindo ofendido, afinal sou em quem trabalha no governo e não ele.

_ Ficou com ciuminho?? -Ele fala em tom de deboche, e eu não posso evitar rir, porque quando ele se esforça é um verdadeiro palhaço.

_ Quatro, obviamente o Dr. August percebeu que era mais seguro confiar a informação a mim, já que você tem tendências suicidas bem aparentes. - Fico irritado, mas Zeke não tem culpa, realmente tenho me comportado como um idiota.

_ Todo mundo me tem baixa conta assim? - Digo em tom de brincadeira, mas na verdade isso me chateia, aos olhos dos outros sou um maníaco depressivo incapaz de preservar a própria vida.

_ Parece que sim! - Ele diz rindo.

_ Tá vai dormir então. - Respondo.

_ Desliga você primeiro. Diz ele de novo com aquela vozinha fina.

_ Tchau. E desligo, acabando com a brincadeira dele.

O telefone toca antes que eu possa me afastar.

_ Fala Zeke. - Eu respondo automaticamente.

_ Te pego as 9h! Tchau! Ele desliga, sem que eu possa responder que tenho plenas condições de ir ao Hospital sozinho e encontrá-lo lá.

*****

Oito horas da manhã abro os olhos e percebo que de fato apaguei. Não tive sonhos, algo inédito nos últimos 31 meses para ser mais exato. Levanto mais descansado do que estive em muito tempo, lavo o rosto, escovo os dentes, visto uma calça jeans e uma camiseta branca, calço minhas botas e saio do quarto. Me surpreendo ao encontrar Zeke com a boca cheia de cereal na mesa, tomando o café da manhã com a minha mãe, ele tenta sorrir, mas a sua boca está cheia demais de modo que parece mais uma careta do que um sorriso.

_ Boa dia Tobias - Evelyn diz.

_ Bom dia! Vejo que você já tem companhia para o café.

_ Bom dia Quatro - Ele diz e agora sorrindo de verdade.

_ Resolvi vir mais cedo, para o caso de você resolver sair mais cedo. - Ele diz, meio que se desculpando, poque ele sabe que essa história de babá me irrita.

Pego uma caneca no armário, sirvo café para mim e me sento junto a mesa, enquanto ele me olha esperando uma resposta, e eu resolvo ficar de boca fecha, pois não quero discutir com Zeke sobre esse assunto na frente de Evelyn, afinal ela já tem se preocupado o suficiente.

Então ela quebra o silêncio.

_ Zeke me contou encontraram pessoas da margem desacordadas perto da cerca e que vocês vão ao hospital para saber mais.

Assinto com a cabeça. E ela continuo.

_ Durante o tempo em que fiquei fora da cidade me estabeleci lá com alguns companheiros sem-facção. Conheço muitas pessoas de lá. Talvez seja de alguma ajuda eu acompanhá-los até o hospital.

Não respondo, porque não queria ela envolvida nessas questões, tenho medo de que o desejo de liderança a acometa novamente. E não sei se esse sentimento é por temer a ordem da cidade ou se por haver uma pequena possibilidade de que com ele eu peca minha mãe novamente. Afasto o pensamento e Zeke responde.

_ Por mim tudo bem! E você Quatro, o que acha?

_ Tanto faz. - Respondo e ela me olha tentando procurar algum sinal de reprovação e eu permaneço o mais impassivo possível, a decisão tem que partir dela. Então por fim ela diz:

_ Vou me arrumar! Não saiam sem mim. - Ela se levanta e se dirige para o seu quarto. Assim que ela desaparece lá dentro e fecha a porta atrás de si Zeke me olha e diz.

_ Qual é Quatro?! Você está de cara comigo?

_ Não. Só estou me sentindo um pouco sufocado nesse ralação. Digo tentando imprimir algum tom de brincadeira na minha voz. Acho que falhei, porque ele não ri da minha piada.

_ Desculpa, é só que e já perdi Uriah, e não quero perder o meu melhor amigo também. - Seu olhar é triste. Isso é golpe baixo, porque sei exatamente do ele está falando, e sei também que ele está sendo sincero.

_ Não pretendo me entregar tão cedo, não sem antes derrubar o governo. - Digo, tentando suavizar a tensão que se formou no ambiente.

_ Tudo bem. Mas não esqueça que o objetivo principal é manter-se vivo! Sobreviver. - Ele fala enfatizando as palavras vivo e sobreviver.

_ Ok, você venceu, o objetivo é sobreviver! - Repito as suas palavras da forma mais segura que consigo e ele apenas assente com a cabeça e volta a tomar o seu cereal, enquanto eu tomo meu café. E quando eu pensei que o assunto estava encerrado ele diz:

_ E eu estarei sempre aqui para lembrá-lo disso.

Então Evelyn sai do quarto e percebo que prendeu o cabelo num rabo de cavalo, ela usa uma calça jeans e uma camiseta preta, além de botas. Apesar da idade, minha mãe tem um porte atlético, seu rosto, reconheço muitos de meus traços no seu rosto.

Zeke e eu recolhemos a mesa, deixamos a louça suja na pia enquanto Evelyn nos aguarda ansiosa de pé ao lado da porta.

Por fim saímos para o ar fresco da manhã.

**********

Chegando ao Hospital pedimos a recepcionista que avise ao August que estamos esperando. Ela digita alguns números no telefone e fala com alguém solicitando que comuniquem a nossa presença. Ela levanta a cabeça me encara sorrindo:

_ Fiquem a vontade, o Dr. August será avisado e chegará em breve, vocês podem se sentar. - Fala indicando os bancos atrás de nós.

Nos viramos e vamos em direção aos bancos e Zeke me cutuca com o cotovelo:

_ Olha só o Quatro, arrasando corações! - Ele fala e ri.

Eu não respondo, pois não vi nada de mais ali.

_ Eu notei que a moça falou com todos mas só olhou pra você Tobias. - Diz Evelyn.

_ Tanto faz. - Digo, para que esqueçam o assunto, mas é em vão, Zeke está pedindo um soco bem queixo.

_ Evelyn, você não sabe, mas o Quatro tem um cordão de apaixonadas. - Eu o encaro com um olhar furioso, eu sei o que ambos estão tentando fazer. Então digo mais uma vez e espero que de uma vez por todas:

_ Não quero ninguém! Estou bem assim!

_ Não, não está - Ele insiste, sem saber o risco que corre.

_ Não haverá ninguém além da Tris! Ponto! Simples assim! Se vocês insistirem em me arranjar pretendentes não falo mais com você Zeke! E você Evelyn, vai ter que se mudar para o seu apartamento. - Evelyn me olha assustada e assente com a cabeça.

_ Tudo bem, não está mais aqui quem falou. Mas se eu fosse uma garota eu teria chance com você? - Zeke pergunta piscando como que querendo fazer charme. Ele sempre tenta amenizar as coisas com brincadeiras.

_ Não, você não faz o meu tipo. E aliás, ninguém além da Tris faz.

Então Dr. August interrompe a discussão:

_ Olá, bom dia!

_ Bom dia- Respondemos quase quem uníssono.

_ Me acompanhem até o meu consultório para que possamos conversar. - Nós nos levantamos e o seguimos sem exitar.

Ele nos guia pelos corredores do hospital até que chegamos em no seu consultório. Seu nome está escrito em uma plaquinha de metal presa a porta. Ele nos convida a entrar e sentar.

_ Johanna já esteve aqui mais cedo, conversamos a respeito e depois que falarmos aqui Tobias, ela pede que você vá encontrá-la na repartição.

_ O assunto é sério mesmo? - Pergunto. E vejo pela sua expressão séria, as marcas rochas na pele embaixo dos olhos, presumo que realmente o assunto é grave ao ponto de que ele deve ter passado a noite em claro tentando desvendar o vírus e descobrir sua real ameaça.

_ Sim. Peço que ouçam com atenção e sem interrupções, tentarei ser o mais claro possível, mas se ainda assim houverem dúvidas, deixem para o final.

Todos assentimos com a cabeça e esperamos pelo que virá, com a certeza que não será nada bom. Ele continua.

_ Como já informei a vocês ontem o vírus foi produzido em laboratório, entre as suas reações estão a confusão mental. As pessoas infectadas, já acordaram, mas não fazem idéia de quem são e de como vieram parar aqui. O que é muito ruim mesmo. Sei que vocês devem estar pensando que eles podem ter sido submetidos ao soro da memória, mas nossos testes provaram o contrário. Outra reação mais preocupante ainda é que o cérebro vai entrando em colapso aos poucos, de modo que as pessoas nesse estágio já não estão conseguindo caminhar normalmente, estão perdendo o movimento das pernas gradualmente. E pelo que pudemos concluir isso vai acontecendo aos poucos, até que por fim os órgãos começam a apresentar falência e por último o coração pára. Mas antes disso o processo é bastante dolorido e muito assustador.

_ E o pior ainda está por vir, o vírus é contagioso e por mais que esteja encubado em algum momento pode se manifestar então por precaução já entramos em contato com os policiais que prestaram socorro e pedimos que se apresentassem juntamente com todas as pessoas que tiveram contato o mais rápido possível.

Então me dou conta de que estamos diante de um inimigo invisível e mortal, e não sei de que forma poderemos lutar contra ele.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Convergente II" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.