Karina não foi trabalhar no outro dia. Com a gestação confirmada por exame de sangue e ultrassonografia, a loira resolveu se acamar até a consulta com o médico. Chamou o pai para conversar, e percebeu novamente a burrada que havia feito.

“Grávida, Karina? Você perdeu o juízo?” O homem esbravejou, nervoso.

“Foi um acidente, pai!” Ela se explicou, a cabeça baixa para não ter que encará-lo ao mentir. “Eu esqueci a pílula por alguns dias, tava com a cabeça cheia das coisas do casamento. Eu também fui pega de surpresa, tá legal?”

“Não, Karina, não tá nada legal. Está tudo, menos legal. Porque você, minha filha, tem uma doença, uma doença bem séria e que quase te matou. Uma doença que vem com letras garrafais vermelhas gritando NÃO FIQUE GRÁVIDA! E você ‘esqueceu’ de tomar o remédio, e agora está grávida!” Ele gritou, perdendo a paciência.

“Mas aconteceu, pai, já foi. Você quer que eu faça o quê? Mate o meu filho?”

“Não, Karina, eu não quero que você mate o seu filho, meu neto. Eu quero que você se amarre nessa cama e só levante para ir ao banheiro. Eu quero que você esqueça a maldita festa de casamento, que ela vá para o espaço. Eu quero que você sobreviva a tudo isso, não importa do jeito que for.”

E saiu sem dizer mais nada, completamente transtornado. Karina secou os olhos, jogando o cobertor por cima da cabeça e fechando os olhos, querendo dormir e não acordar tão cedo. Mas não poderia fazer isso, não ainda. Afinal, tinha visita.

“Tira essa coberta e tenha coragem de me encarar, Karina.”

~P&K~

Nunca uma reunião da Believe havia sido tão triste ou tensa. No apartamento de Sol, a banda estava toda sentada, em silêncio absoluto.

“Acabar com a banda?” Perguntou Rominho, segurando a mão de Paula.

“É, gente, acabar. Eu e o Wallace pensamos bastante, sabe, e essa turnê era um verdadeiro sonho para nós dois, mas não é um sonho possível agora. O Wallace Junior é muito pequeno para passar um ano na estrada, correndo de um lado para o outro.” Explicou Sol, modificando a verdade para que a culpa recaísse nos dois e não em Pedro, que parecia mortificado.

“Mas nós podemos adiar a turnê, não podemos?” Perguntou Luka, e Wallace negou.

“Cara, já vai aí um ano desde a última turnê, e nesse meio tempo fizemos quatro shows. Vocês tão com um álbum novinho, e uma pressão monstra dos patrocinadores. Mais uns cinco, até seis meses, eu ainda segurava, mas é pouco tempo.”

“Mas o problema é só o Junior?”

“Não, Rominho, o problema é que a Ka tá grávida de novo. E como vocês sabem, ela tem uma doença bastante séria, e precisa de mim. Eu não posso passar tanto tempo na estrada agora.” Explicou Pedro, sentindo o peso nos ombros diminuir.

“Todos nós estamos criando família, gente. O Pedro vai casar e ter o segundo filho, eu e a Sol temos o Junior, ainda muito pequeno. Não vai demorar para vocês arranjarem o de vocês, Rominho e Paula, e nem tu, Luka. Esse novo álbum é sobre família, amor, finais felizes... Não tem um final mais apropriado para a banda.” Wallace e Sol mal haviam dormido na madrugada anterior, debatendo o que iriam falar para os amigos.

“Nós vivemos o sonho de milhões de pessoas nos últimos dez anos, gente, fomos mais longe que muita gente por aí. Mas poucas bandas duram décadas; e é menor ainda o número de integrantes delas que consegue manter seu casamento e família vivos nesse tempo. Agora, só o que eu penso é no Junior, e em estar com ele. Daqui uns anos, talvez, minha carreira volte a ser um foco maior.” Sol se explicou.

“Eu já toquei com as maiores bandas do mundo, até com os Rolling Stones. Eu conheci cada continente, cada país possível, cada cultura maravilhosa. Mas agora, a única coisa que eu quero conhecer é o meu filho, e passar cada segundo possível com ele, a Clarinha e a esquentadinha.” Pedro finalizou a conversa, coçando os olhos.

“E o que vamos fazer?” Perguntou Paula.

“Vamos anunciar o cancelamento da turnê mundial. Conversamos bastante sobre como conciliar tudo, e faremos dez shows fora do país, um por mês, e um em cada capital brasileira, para divulgar o álbum de despedida e encerrar com tudo. Esperaremos o casamento do Pedro para anunciar que serão os últimos shows e que a banda está se dissolvendo.” Wallace entregou o novo cronograma para os três, que pareciam tristes.

“Eu sinto muito, gente, por termos decidido isso sem consultar vocês.” Pediu Sol.

“Tá tudo bem, Sol, de verdade. Nós entendemos o lado de vocês, acho que teríamos chegado a essa mesma conclusão. Eu morro de saudades da Elisa quando estamos em turnê, e não posso pedir para ela largar a vida dela e me seguir. Como disse o Pedro uma vez, a estrada não é lugar para se formar uma família.” Luka sorriu triste, dando de ombros.

“Vamos manter tudo em segredo até o casamento. Depois anunciamos todos juntos em um vídeo, pode ser?” Propôs Rominho, sendo atendido.

“Foi um grande sonho, amigos, fico muito feliz de tê-lo sonhado com vocês!” Pedro finalizou emocionado, se levantando e saindo do apartamento.

~P&K~

João era seu melhor amigo, seu irmão, seu grande companheiro e protetor. Havia trocado as fraldas de Clarinha, lhe dado alento e carinho, sido seu exemplo. Ela havia lhe dado a vida de volta, e por isso ele seria eternamente grato.

Mas gratidão tinha um preço, e João não sabia se conseguiria pagá-lo para Karina.

“Eu não quero acreditar, Karina, juro que não quero. To esperando, do fundo do coração, que a Bianca tenha mentido descaradamente para mim. Que o Pedro tenha se enganado ontem, e que você não esteja grávida.”

“E eu queria poder negar, João, juro que queria. Queria ter percebido o quão egoísta, imatura e maluca eu estava sendo mais cedo, antes que as consequências fossem irremediáveis. Mas não... Eu não percebi, eu não agi de forma correta, e agora muitas pessoas vão pagar por isso.” A loira chorava em silêncio, envergonhada por suas atitudes.

“Karina, que ideia foi essa, pelo amor de Deus? Arriscar sua vida para o Pedro desistir de uma turnê? Depois de ter passado anos culpando ele por colocar sua vida em risco. Você percebe o quão ridículo e imaturo isso é? Percebe?”

“Eu sei de tudo isso, João, não precisa jogar na minha cara.”

“Preciso, Karina, preciso sim. Melhor que seja na sua cara do que na do Pedro, cuspindo a verdade na cara dele e o magoando ainda mais.”

“Ele está feliz com o bebê, João.”

“Mas não com o fim da banda.” Ela ergueu os olhos surpresa. “Onde você acha que ele está? Na Sol, junto com a banda, acabando com ela oficialmente. A Believe não existe mais, Karina, meus parabéns.”

“Eu nunca quis isso, João.”

“Essa é a pergunta, Karina: o que você sempre quis? Porque nós todos nos sujeitamos a uma situação insana pelo que você queria, o que você achava certo; e agora você quer tudo de novo. Tudo do seu jeito, da sua maneira, do seu agrado, sem pensar no que os outros querem ou sentem.” Se por sete anos ele não a havia julgado nenhuma vez, naquele momento ele tinha puro ressentimento na voz.

“Eu agi por impulso e de forma imbecil, mas fiz o que eu achava melhor.”

“Você sempre faz o que acha melhor, Karina, mas presta atenção: não é só a sua vida. É a vida do Pedro, da Ana Clara, desse bebê e de toda a sua família que está atrelada a isso, e que vai sofrer consequências pelas suas escolhas. Se você não queria que o Pedro fosse para a turnê, conversasse comigo, pensasse em outra coisa, mas não arriscasse a sua vida de novo!”

Ao descarregar tudo o que queria, o rapaz caiu sentado na beira da cama, arfando. Ainda estava em processo de recuperação, uma situação daquelas o deixava no saco. Karina chorava baixinho, extremamente envergonhada. Oito anos antes era Pedro que era julgado e reprendido, agora era ela. Será que não podiam fazer as coisas certas?

“Você vai contar para o Pedro?” Ela perguntou, ao que o amigo negou.

“Ele está feliz, Karina, porque vai ser pai de novo, e ele esperou isso por anos. Não vou ser eu a destruir a felicidade dele. Mas eu estou magoado com você, muito, e isso vai demorar um tempo para cicatrizar. E antes que você pergunte, não, eu não vou te abandonar. Você é minha irmã, meu sangue é o seu sangue, e eu vou te ajudar a passar por essa loucura de novo, como fiz da primeira vez.”

“Me desculpa.” Ela pediu com sinceridade, enquanto ele se levantava.

“Você sabe que não é para mim que você tem que pedir desculpas, Karina. Só me promete uma coisa: que você vai sobreviver. O Pedro já foi punido demais, já perdeu muita coisa... Perder você seria demais para ele.”