Traiçoeiro escrita por Roses


Capítulo 36
Capítulo 36


Notas iniciais do capítulo

Olá lindezas da minha vida! Como passaram esta semana e a semana passada? Consegui aparecer essa semana, mas porque este capítulo já estava praticamente pronto já tem um tempo. Eu realmente gosto dele e espero que vocês gostem. Espero que ele esteja a altura do que imaginaram e não decepcione.

Quero muito,muito mesmo agradecer a querida da BelaMills pela recomendação. Deixa-me muito contente saber que estou escrevendo algo que a faz se sentir em um clássico da literatura. Muito obrigada e espero que goste do capítulo.

Boa leitura.



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Acredito que na cabeça de Killian, o processo de recuperar seu amado navio seria mais fácil. Ele iria chegar e exigir o que era dele de volta, e os homens entregariam sem hesitação, clamando por perdão...

Não foi bem assim que aconteceu.

Para começar, quando chegamos à cabine, encontramos Dante, dormindo na cama de Killian, o espaço completamente tomado por ele.

Preciso nem dizer que Jones quase o matou ali mesmo.

Segurei em seu braço quando percebi a veia de seu pescoço ficando evidente e seu semblante mudando para uma carranca que eu só havia visto uma vez, no último desafio para entrar no mundo Hel, e que esperava nunca mais presenciar.

De alguma forma, meu toque pareceu acalmá-lo um pouco. Mas não o suficiente para que ele não usasse a violência para acordar o homem.

Dante despertou assustado e surpreso ao nos encontrar ali, para então sua expressão se tornar de um desafio debochado.

Jones praguejou e soltou uma ameaça, antes de descer o punho no rosto dele. Apressei-me para junto de Killian, para tentar controlá-lo, pois eu bem sabia do que ele seria capaz de fazer se decidisse usar o gancho.

Segurei sua mão quando já estava prestes a desferir outro golpe e Killian me fitou de rabo de olhos.

—Fora! – ele sibilou para Dante, ainda me encarando.

Dante soltou um riso de escárnio.

—Com que direito você acha que pode pedir para que eu saia da minha cabine?

—Sua? – Jones grunhiu. – Swan...

—Não, querido. Não irá resolver as coisas dessa forma. – apertei firmemente sua mão.

Killian respirou fundo, fechando os olhos e relaxando o punho.

—Eu sou o capitão desse navio. – começou, fazendo um esforço enorme para se controlar. – Ele é meu. Eu acolhi você, seu verme, quando estava morrendo em um navio mercante e agora é dessa forma que retribui? – cuspiu.

Vi Dante se encolher minimamente.

—Assim é a vida. Um dia você é o capitão e no outro, alguém melhor assumiu o posto.

—Melhor? – Killian indagou incrédulo. – Não consigo pensar em uma forma mais covarde de se conseguir o posto como capitão de um navio. A ideia de nos abandonar foi sua, não?

Ele abriu os braços, em uma clara confirmação.

—Já estava na hora de termos um capitão, que não tenha uma distração. – Dante relanceou os olhos para mim. – Acredite senhorita Swan, a respeito, contudo irá se arrepender profundamente por ter deixado- o usá-la dessa forma.

O punho de Jones escapou de minhas mãos e acertou o rosto dele novamente com mais força, o que causou um ataque de riso, totalmente inoportuno, no homem.

—Pode me bater o quanto quiser Killian. Você sabe que é verdade. Está a usando como uma distração até que isso tudo chegue ao fim.

—O que chegue ao fim? – indaguei desconfiada. – Killian, ao que ele está se referindo?

—Nada fada. –respondeu sem me olhar. – Não faço a mínima ideia do que este verme está falando. Ele está tentando jogá-la contra mim. Não dê ouvidos.

Dante fez um som de descontentamento com a língua, abrindo um sorriso enviesado.

—Eu achei que você fosse um pouco mais... Nobre. Mas vejo que não. Ela é diferente das outras, isso era perceptível desde o primeiro momento e mesmo assim...

—Fique quieto ou eu juro que o mato aqui mesmo. – Jones rosnou.

Eu olhava de um para o outro, sem entender uma palavra, mas sentindo meu coração pesar com a desconfiança que começava a se instalar.

—Suba. – Killian indicou a porta. – Resolveremos isso do jeito certo. Uma votação.

Dante se colocou de pé.

—Finalmente uma atitude de homem. Srta. Swan, não se deixe enganar apenas porque ele lhe chama de um jeito que não seja “amor”– provocou antes de sair.

Jones e eu o observamos, até suas costas desaparecerem.

Ele se virou para mim e me abraçou com força, sua mão se perdendo em meus cabelos.

—Não dê importância para o que ele disse. – murmurou. – Por favor, não acredite por um único momento que é uma distração. Eu não a estou usando, Emma. Não estou. – garantiu.

—Acredito em você. – respondi sem convicção.

—Lembre-se que eu sou agradecido por tê-la em minha vida. Eu a respeito, Swan, não se esqueça. Nunca faria isso com você. – ele se afastou o suficiente para que eu olhasse em seus olhos. – Nunca a machucaria dessa forma. – reforçou, com uma expressão quase angustiada.

—Não vou esquecer querido.

Killian me soltou.

—Aconteça o que acontecer, não saía dessa cabine até que eu venha aqui. Isso não vai ser agradável.

—Sobre não ser agradável, você quer dizer que haverá mortes?

Jones deu de ombros.

—Talvez ocorra.

Brinquei com a capa, apertando-a ao meu redor.

—Eu não quero que ocorram mortes, Jones. Mas se tiver, por favor, que não seja a sua.

Ele sorriu, depositando um beijo rápido em meus lábios.

—Garanto-lhe que não será.

Indiquei a porta para que ele fosse e me vi sem ter o que fazer ao me encontrar sozinha.

Sentei-me na beirada da cama e fiquei observando a bagunça que a cabine se encontrava. No que Killian era organizado, Dante não se preocupava em manter o lugar em ordem.

Estiquei-me até o baú e peguei uma calça para mim, passando-a pelas pernas e livrando-me da capa, sentindo o formigamento e o estranho calor desaparecer. Apurei os ouvidos para tentar escutar alguma coisa do convés e fiquei extremamente tentada a subir para dar uma espiada no que estava acontecendo. Eu odiava o fato que Jones não me deixava participar de coisas como essa.

Sem nada para fazer e sem vontade de tentar descansar, comecei a tentar dar uma ajeitada na cabine, colocando livros no lugar e juntando os restos de comida para me livrar deles mais tarde, até que parei em frente do cofre de Jones e me aproximei, tocando-o na esperança que estivesse aberto. Agora que estávamos ali, eu iria exigir que me contasse o que tinha naquele baú.

Já estava na hora de por um fim naquilo de uma vez por todas, mesmo que eu estivesse com medo de descobrir o que ou quem eu encontraria ali, trancado. Já havia feito milhares de suposições, e me apavorava descobrir que alguma delas estivesse certa.

Procurei o livro de registros de Killian, onde ele anotava tudo sobre o trajeto em que passava. Acendi uma vela e quando o encontrei escondido debaixo de umas roupas sujas, sentei-me a mesa e comecei a procurar a data do naufrágio do navio de meus pais.

Janeiro, 27, 1861.

Reabastecemo-nos com comida e água potável na ilha de Sotavento e seguimos para a Ilha de Maio, para poder salgar as carnes para que durassem mais...

Parei de ler, apertando a ponta de meu indicador na palavra que havia acabado de ler.

Jones mentira para mim sobre estar na América do Sul. Eles estavam na África no dia que ocorrera o naufrágio.

Levantei-me procurando um mapa. Meus pais estavam retornando de Portugal fazia apenas alguns dias.

Abri um dos mapas que encontrei sobre a mesa e inclinei-me, tentando entender aqueles desenhos que me dava dores de cabeça. Apesar de ter mentido sobre onde estava no dia do naufrágio, o Jolly Rogers estava distante de Portugal e o Santa Lourdes não o encontraria em sua rota de volta para casa.

Enrolei novamente o mapa, o deixando de lado, voltando a folhear o livro de registros, quando meus olhos pararam, fixos em uma data.

Novembro, 8, 1861.

Merseyside.

Apenas isso e nada mais. Somente o nome do meu condado dois meses antes deles terem nos atacado.

Folheei mais algumas páginas até encontrar janeiro novamente, mas dessa vez com a caligrafia de Landon.

Janeiro, 28, 1862.

Capitão Jones ficou em terra. O Jolly Rogers está zarpando para a Espanha, onde o capitão deve nos encontrar.

Deixei-me cair na cadeira, tentando entender aquelas anotações. Por que Killian ficaria um dia a mais em meu condado? Por que não havia zarpado junto com os outros. Eu lembrava-me do dia do assalto, pois era o aniversário de morte de minha mãe. Eu estava no término do período de luto e das roupas pretas.

Por que o nome do meu condado estava naquele registro dois meses antes?

A porta se abriu de supetão e eu levei um susto, fechando o livro de registros com rapidez.

Bae me olhava, escorado a porta, com curiosidade.

—O que estava aprontando?

Balancei a cabeça.

—Nada. Estava apenas dando uma olhada no livro de registros, para ter uma ideia de por onde o Jolly Rogers passou na nossa ausência. Eu estava distraída. – expliquei, guardando o livro e o mapa onde eles costumavam ficar.

—Encontrou algo interessante?

—Não. Dante é muito desorganizado e não tem anotado nada.

Baelfire anuiu, fechando a porta, mas permanecendo encostado a ela.

—Então por que parece tão transtornada?

Abri a boca tentando formular alguma resposta.

—Estou preocupada com o que pode estar acontecendo lá em cima. – falei dando de ombros. – Afinal, o que está fazendo aqui?

—Killian pediu para eu ficar com você. – avisou. – As coisas não estão muito... – ele hesitou. - Boas por lá.

E como se esse fosse o sinal, a gritaria se instalou no convés. Olhei para Baelfire assustada e dei um passo em direção à porta, porém ele impediu minha passagem.

—Não Emma. Acredite que é melhor ficar aqui. Irá distrair Killian.

—O que está acontecendo, Bae?                                                                        

—A tripulação está dividida. Aqueles que não concordaram com a atitude tomada por Dante ficaram do lado de Killian, são praticamente fieis a ele.

—Já Dante tem os seus. – concluí. – O que acontece agora?

—Eles estão votando. Se der empate eles terão que lutar para decidir quem será o capitão. – respondeu muito interessado em suas unhas de repente.

—Isso quer dizer que apenas acaba quando um deles estiver morto?

—Ou que desista. Acredite Emma, tenho certeza que Killian leva essa... Ele pode ter sangue frio quando quer e ninguém tem coragem de encará-lo quando isso acontece. Dante acabará desistindo.

Voltei a me sentar na beirada da cama, não gostando nem um pouco de como as coisas estavam indo. Apesar de descobrir algumas coisas estranhas e que não batiam com as palavras de Killian, não queria que ninguém despertasse aquele seu lado, por conta disso, esperava que tudo fosse decidido com a votação.

—Você não deveria estar lá para votar? – indaguei olhando para Bae.

—Eles sabem que eu vou escolher Killian.

Hesitei por um momento, alisando minha capa.

—Meu voto conta?

Baelfire me encarou por longos minutos, sem proferir uma única palavra, deixando-me desconfortável.

Por fim suspirou.

—Você fique aqui. Eu irei perguntar. – e escapou para fora, trancando a porta.

Olhei para cama e puxei o lençol, começando a procurar um limpo pela cabine para poder trocar. Será que as anotações do livro de registros estavam erradas? Será que Killian se confundiu com os lugares que estivera? Mas o que explicava o fato de Landon ter feito um registro e não Jones?

 O barulho no convés cessou, olhei para a porta ansiosa por alguns minutos, porém ninguém desceu para me manter a par das novidades.

Enquanto arrumava o lençol no colchão, uma fisgada em meu quadril fez com que eu parasse a tarefa, ao sentir o liquido quente voltando a escorrer.

—Maldição! – praguejei baixinho, indo para o armário onde vira Jones pegando faixa para curativos inúmeras vezes.

Desenrolei a faixa, fazendo uma careta ao ver o buraco em minha pele, passando um pano ao redor para limpar e jogando um pouco de rum que achei na cabine, comprimindo os lábios com a ardência.

Peguei um potinho que parecia conter cataplasma. Abri apenas para ter certeza e levei ao nariz, sentindo o cheiro de gengibre.

Enfiei o indicador no pote, tirando um bom tanto da mistura pastosa e passando no ferimento, para então enrolar a faixa limpa ao redor, apertando o máximo possível.

Aproximei-me da porta, colando a orelha a ela, tentando captar algum som vindo de cima. Consegui ouvir as vozes, contudo as palavras não se tornavam claras para que eu acompanhasse a conversa, por conta disso, afastei-me achando que seria pior escutar sem de fato fazê-lo.

Voltei para cama, enroscando-me no canto e observando o cofre. Não iria questionar Killian e nem Landon por enquanto, tentaria agir da forma mais natural possível, como se eu não estivesse começando a desconfiar de ambos novamente. Eu esperava que aqueles registros não significassem nada, apenas um erro, porque não conseguia imaginar o que aquilo queria dizer.

No tempo certo eu traria o assunto à tona, apenas teria que ter um pouco mais de paciência.

Em algum momento minhas pálpebras voltaram a pesar e mesmo contra a minha vontade, acabei pegando no sono.

[...]

Pisquei algumas vezes, incomodada com a claridade repentina em meus olhos. Quando minha visão entrou em foco, encontrei Killian deitado comigo, observando-me. Fitei seu braço esquerdo que estava debaixo de minha cabeça, questionando-me quando ele fora parar ali.

Espreguicei-me, soltando o gritinho agudo de sempre, fazendo Jones rir.

—Eu adoro esse seu jeito de despertar. – falou, tirando o cabelo do meu rosto.

—É irritante.  – olhei para ele, sentindo-me mole do sono ainda. – Desculpe-me, eu queria esperá-lo acordada, contudo acabei desmaiando em sua cama.

—Está tudo bem, fada. Você precisava descansar.

—E como foi? – indaguei, tentando sentar, mas Killian prendeu-me com seu braço direito para que eu permanecesse deitada.

—Complicado. Fui obrigado a bater em Dante, até que Baelfire subiu dizendo que você queria votar. Então tivemos que parar a briga, e fazer uma votação para decidir se seu voto contaria.

—E no fim...?

Jones ponderou.

—Seu voto apenas contou porque eu disse que você é minha nova senhora. – respondeu. – Baelfire e Landon confirmaram.

Fiquei encarando o teto sem ter o que dizer.

—Eles irão tratá-la com respeito Emma. Os homens gostam de você, nunca tentariam nada contra minha mulher.

—Eu não sou sua mulher, Jones. Tudo bem que você tenha mentido para eles para que recuperasse seu navio de uma forma não violenta, mas não comece a achar que é verdade.

Killian girou, se mantendo sobre mim, olhando-me.

—Eu quero que você seja minha senhora de verdade, não quero mais nada de mentira, Emma.

—E quando irá começa a me contar a verdade, Killian?

Ele piscou confuso.

—O que quer dizer?

—Por que mentiu para mim dizendo que estava na América do Sul, quando na verdade estava na África? – soltei, arrependendo- me no segundo seguinte. Eu deveria ficar com a boca fechada. Era isso que eu tinha falado para mim mesma fazer. – Eu olhei seu livro de registros.

—Olhou é? Ele todo? – quis saber, a testa franzida profundamente.

Tinha alguma coisa.

—Não. Apenas na data do naufrágio. – menti.

—Devo ter me confundido. De qualquer forma, eu não estava próximo de seus pais, Swan. – atalhou com calma.

Forcei um sorriso, levando a mão para afagar o seu rosto.

—Tudo bem, estamos esclarecidos então. – falei. Killian se inclinou para me beijar e eu desviei, fazendo uma careta. – Não, sem chances. Eu preciso limpar os dentes, Jones.

—Essa desculpa não irá protegê-la mais, amor. Eu não me importo nem um pouco com isso.

—Mas eu me importo. Agora saia de cima de mim.

Jones bufou, fazendo uma careta, mas rolou para o lado, abraçando-me.

—Então o que me diz de ser minha senhora?

—Sua senhora do jeito “vamos nos casar” ou sua senhora “ficarmos juntos da forma errada”?

—Emma...

—Eu sei. Você não quer se casar e considera casamento sem amor errado. Eu sei. Estava brincando. Eu não posso ser sua senhora, Killian. Para os seus homens, tudo bem eu acho, mas não pense que somos de fato.

Ele tombou a cabeça para trás, respirando fundo. Sua mão começou a acariciar minha coxa, causando um arrepio em meu corpo.

—Se o seu medo é engravidar, eu conheço alguns métodos para evitar. Não é garantia que funcione, mas nós podemos tentar. – sugeriu, voltando a me olhar.

Senti meu rosto pegando fogo.

—Eu não tenho medo de engravidar, senhor. Você é que tem medo de ser pai. Você que não entende que eu quero guardar esse momento para o homem que se casar comigo e me der filhos.

—Mas se não tivermos filhos, você ainda pode guardar esse momento para... Argh! Não me agrada a ideia de você com outro homem, Swan. Nem um pouco.

—Eu não irei discutir isso com você novamente, Jones. – decretei, retirando sua mão de minha coxa. – Você não pode me dar o que eu quero, nós somos de sociedades diferentes, além de você ainda mentir e esconder coisas de mim que eu faço vista grossa apenas para manter o pouco que temos.

—Você disse que me ama.

—E eu o amo, Killian. – concordei, vendo seu sorriso se abrir. Desconfio que ele, disse aquilo, para que eu confirmasse novamente. – Mas o fato de eu o amar, não quer dizer que tenho que me entregar a você. – falei, pulando para fora da cama.

Jones se sentou, olhando-me incrédulo.

—Você espera que fiquemos apenas nisso até quando, Swan? Nós dois vimos como reagimos naquela noite em seu quarto... Eu a toquei e beijei em lugares que nenhum outro homem jamais nem chegou perto e você ainda vem me dizer que não é minha senhora? Vai insistir que o que nós temos é apenas amizade?

—Foi o que você disse para Belle. Que somos apenas bons amigos. – rebati de braços cruzados. – E o que aconteceu em meu quarto aquela noite, era diferente para cada um. Um homem não precisa amar uma mulher para sentir prazer com ela.

—Belle lhe contou da conversa?

Fiquei em silêncio encarando seus olhos. Eu não acreditava que estávamos tendo uma discussão sobre a nossa relação, quando eu havia descoberto aqueles registros estranhos no livro.

Por fim, suspirei.

—Eu ouvi vocês dois.

—E deixe-me ver? Foi totalmente sem querer? Porque você e sua amiga vivem escutando as coisas “sem querer”.

—Eu não tenho que me justificar a você, Jones. O que importa é que eu ouvi cada palavra, assim como você dizendo que ainda ama Milah. O que aconteceu em meu quarto não me torna sua senhora, mesmo por que, felizmente não foi adiante. – cocei a testa, irritada. - Eu irei subir Killian. – avisei indo para a porta. – Pare de forçar esse assunto, já está me deixando cansada. Assuma uma posição. E o principal: comece a me contar a verdade. – pedi saindo.

Encontrei Bae no leme. Ele parecia cansado, mas mesmo assim abriu um sorriso ao ver-me. Fui para o seu lado, fazendo-o soltar a roda para que eu assumisse.

—Vá descansar. Você está com uma cara péssima.

Ele riu, esfregando o rosto.

—Aparentemente apenas o capitão e sua senhora podem descansar a hora que bem entenderem. – brincou, fazendo-me lançar- lhe um olhar torto. – Por favor, Emma, não faça essa cara. Eu sei que vocês dois tem algo mais que a amizade. Isso estava claro desde o início, talvez antes mesmo que acontecesse. Os homens já cochichavam entre si de como você acabaria se tornando a nova senhora do Jolly Roger.

Balancei a cabeça, girando dois nós para a esquerda.

—Você sabe que eu não sou de verdade, Bae. Assim como eu sei que esse algo que tenho com Jones irá me destruir de alguma forma. – suspirei pesarosa. – Vá dormir.

—Logo já é meu turno. – respondeu. – Estamos com poucos homens, já que os que tentaram motim estão presos, apenas esperando o momento de serem abandonados em alguma ilha.

Observei o convés com poucos homens, tentando dar um jeito no estrago para que o navio conseguisse chegar ao seu destino para ser consertado. Eles tinham o mesmo semblante cansado que Bae estava.

—A mareagem quebrou, é ela que mantém o navio alinhado. – explicou. – Como perdemos dois mastros, fica um pouco complicado de manter um curso, por conta disso você está apanhando para segurar o leme. – apontou para minha mão que segurava com força a roda.

—Qual o porto mais próximo?

—Londres, mas Killian já descartou a ideia. Os oficiais devem estar esperando o navio atracar em todos os portos da Inglaterra e por algum motivo, que ninguém faz ideia, o capitão não quer perdê-la.

Revirei os olhos, rodando quatro nós para a direita.

—Para onde iremos então?

—Nova Inglaterra.

Arregalei os olhos.

—Mas Nova Inglaterra fica no Novo Mundo. Do outro lado!

Baelfire mexeu os ombros como para aliviá-los da tensão.

—Killian acha que esse navio aguenta. Se estiver errado, nós morremos afogados... Já que você está no leme, irei ajudar no convés e então dormir. – ele deu um beijo em minha cabeça ao passar, assoviando alegremente.

Não sei o que Jones tanto fazia na cabine, porém ele não deu as caras pelo resto do dia, desse modo fiquei no leme, observando os homens lutando com as velas que ainda estavam inteiras e tentando dar um jeito nos mastros quebrados. Era um pouco entediante ficar ali sozinha, olhando para o horizonte, virando aquela roda de um lado para o outro de tempos em tempos.

Quando o sol estava se pondo, Smee pediu para assumir, para que levasse o navio até um banco de areia para que pudessem ancorar.

—Não temos condições de fazermos o que fizemos de dia durante a noite. – explicou para mim. – Nossa melhor opção é ancorar e navegar apenas quando ainda temos sol.

—Mas dessa forma irá demorar mais para chegar ao destino.

—Demorará muito mais se pegarmos o caminho errado, senhora. – rebateu.

Anuí com a cabeça, sem querer conversar mais ao ser, chamada de “senhora”. Andei até meu bote, ajeitando-me ali, como se costume.

Senti uma mão em minha testa e virei-me rapidamente, dando de cara com Landon.

—Estava me certificando que não estava com febre, afinal, você passou quase uma semana queimando.

—Eu estou bem. Ontem à noite meu ferimento voltou a vazar, mas eu dei um jeito.

Landon se ajeitou de frente para mim, a caixa comprida que eu sabia que estava minha espada dentro debaixo de seu braço.

—Já está sabendo da novidade?

—Que agora eu sou a senhora do Jolly Roger? Já sim... O que Jones tanto faz naquela cabine? Era de se esperar estivesse aqui para auxiliar os homens.

Landon sorriu.

—Ele está traçando a melhor rota. Não podemos nos dar o luxo de sermos atacados.

Aquiesci, olhando para o céu. Eu queria tanto perguntar sobre os registros e o que suas datas significavam, entretanto algo dentro de mim alertava-me para que eu permanecesse calada, por pelo menos mais uns dias antes de pressioná-los.

Não fazia a menor ideia do por que disso.

Talvez fosse alguma dentro de mim que se recusava a querer acreditar que Landon, meu primeiro amigo ali naquele ambiente, na verdade não fosse um amigo e que Killian, fosse alguém completamente diferente do homem que eu aprendera a amar.

Toquei as pedrinhas de minha pulseira, brincando com a de Jones e Landon.

—Gostaria de treinar um pouco? – indagou.

—De verdade?

—Claro. Se não treinar você ficará enferrujada e aqui está uma espada novinha implorando para ser testada.

—Quanto ao meu ferimento?

Landon ficou de pé e estendeu a mão para mim.

—O que irei passar para você hoje é fácil. – ele procurou algo no bolso. – Aqui.

Observei o tapa- olho em sua mão, tentando entender como aquilo me ajudaria a treinar.

—Muito obrigada, Landon, mas minha visão está perfeita. Não preciso disso.

Ele fez uma cara estranha.

—Do que você está falando Emma? – quis saber.

—Hmm... O tapa- olho não é apenas usado para quem não tem um olho, ou é cego, sabe?

Landon começou a rir, colocando o, bendito tapa olho em mim.

—Essa não é a função dele.

—E qual é então tutor?

—Ele é usado para que um dos olhos fique adaptado a um ambiente mais escuros. Dessa forma se em uma luta, você sair de um lugar claro e cair no escuro, seus olhos irão se adaptar mais rápido e dessa forma...

—Eu conseguirei me defender. – completei, bloqueando um golpe dele. – Posso perguntar uma coisa? – instiguei, atacando de um modo horrível.

—Você sabe que pode Emma.

—O navio chama Jolly Rogers, mas vocês de fato têm a Jolly Rogers? Porque eu nunca vi a bandeira hasteada. Tirando aquela vez em meu condado, mas estava muito distante. E por que Jones chamou seu navio com o nome da bandeira? É meio confuso. A primeira vez que o ouvi dizendo Jolly Rogers, eu achei que fosse a bandeira e fiquei procurando ela, depois que fui entender que era o nome do navio.

Landon balançou a cabeça, como se não acreditasse na minha pergunta.

—Nós temos a Jolly Rogers, mas apenas a hasteamos quando estamos próximos do navio que iremos saquear. Foi Killian que a desenhou, cada pirata tem sua própria Jolly Rogers. – explicou, enquanto desferia golpes contra mim. – Acredito que ele colocou o nome do navio de Jolly Rogers na intenção de causar medo, assim como a bandeira causa quando a embarcação que será atacada percebe que somos piratas.

—Faz sentido.

—Nós temos duas Jolly Rogers. – continuou. – A preta com a caveira que você já deve ter ouvido falar, que é a mais conhecida, e a vermelha...

—Que é a original. – interrompi. – Sei disso porque os franceses se gabam que foram eles que criaram o nome da bandeira pirata. “Le Joli Rouge”, ou a linda vermelha. Para que vocês usam a vermelha afinal? – instiguei, erguendo a espada, pronta para desferir um golpe.

—A bandeira vermelha é hasteada quando a embarcação que seria saqueada foge, resistindo ao ataque. – Jones tirou a espada da minha mão por trás.  – Nós descemos à preta e trocamos pela vermelha, que significa que o navio será tomado a força. – concluiu. – O que raios você está fazendo pulando de um lado para o outro desse jeito, Emma?

—Eu estava treinando.

—Você está ferida, deveria estar em repouso...

—Irá começar a me tratar como uma boneca de porcelana, Killian? Não comece a agir como Graham que parecia que até o ar iria me quebrar. Eu sou mais forte do que pareço e Landon disse que se eu não treinar irei ficar enferrujada.

Landon concordou com a cabeça.

Killian respirou fundo.

—Você pode aguentar uma semana pelo menos sem treinar? Apenas descansando para que fique boa logo? – ele fez aquela cara que me lembrava, um cachorrinho e eu quis estapeá-lo por conta disso.

Respirei fundo, contrariada com o pedido.

—Tudo bem. Mas quero que me mostre as Jolly Rogers.

—Irei mostrar. Prometo.

[...]

Conforme os dias iam passando, mais desanimados eu sentia os homens. A falta de comida já tiravam as forças, assim como a de água para beber. Os poucos marujos que sobraram começaram a ficar doentes e Jones me proibiu estritamente de ajudá-los.

Acompanhei o abandono dos homens, em uma ilha pequena e de pouca vegetação, como se fosse um pedaço de Terra esquecido por Deus. Ao passar por mim, Dante balançou a cabeça em uma negativa pesarosa, como se sentisse muito. Mas não por ele.

Por mim.

Treinava por alguns minutos com Landon no fim da tarde como de costume, antes de Killian me arrastar para longe, sempre arrumando uma desculpa. Eu sabia que ele estava incomodado com meu ferimento que não parecia estar disposto a começar a se curar.

No mês que se seguiu, comecei a perceber que Jones parecia mais ansioso que o normal. Às vezes ele chegava do nada quando eu estava na cabine arrumando-a e me abraçava, sem dizer nada. Ficava desse modo por longos minutos, o rosto escondido em meu pescoço e a respiração pesada. Killian costumava me apertar muito forte, e eu tinha a impressão de que fazia isso como se fosse uma constatação de que ainda estava ali.

Pela noite, deitávamos juntos, eu usava seu peito como travesseiro e conversávamos sobre nada em particular. Eu gostava de fazer isso, principalmente quando Killian se deitava ainda usando o gancho e eu podia segurá-lo, brincando com ele. No começo apenas ficávamos desse modo por pouco tempo, até que começamos a dividir a cama todas as noites.

Jones dormia melhor desse jeito de fato e eu me sentia tão protegida, de certa forma, quando ele me segurava como se tivesse medo que eu escapasse de seus braços a qualquer momento, que me pesava o coração ao lembrar-me dos registros estranhos em seu livro.

Eu não queria, não queria estar errada sobre ele. Tinha medo de saber o real significado daquelas datas, mas eu não sabia quanto tempo mais conseguiria dormir com a desconfiança que eu voltava a sentir dele entre nós.

Não poderia mais evitar a pergunta.

As perguntas.

Estava cansada de esperar Killian se sentir pronto para começar a falar.

E estava temerosa em perguntar.

Naquele dia eu estava sentada à sombra de uma árvore. Jones decidira atracar em uma ilha para que caçassem porcos selvagens ou os animais que encontrassem e fossem comestíveis. Alguns homens estavam na praia defumando e salgando algumas das carnes que foram caçadas e eu tinha perto de meus pés duas cestas cheias de frutas que havia encontrado na minha caçada.

Avistei Jones caminhando até mim, sem camisa e a barra da calça dobrada até os joelhos. Ele estava descalço, seus pés afundando na areia branca e macia.

Essa simples visão fez-me perder o fôlego e meu coração acelerar.

—Fada. – ele se inclinou me beijando rapidamente nos lábios e se jogou ao meu lado, observando meus achados. – Você teve uma boa caçada também, não?

—Sim. E elas estão docinhas. – mordi um pedaço da casca da manga, começando a descasca-la com os dentes. Eu sentia o suco da fruta escorrendo pelo meu braço. – Prove. – ofereci para Killian que aceitou rapidamente, enquanto eu me limpava.

—Quem diria que Emma Swan um dia iria descascar uma manga com os dentes? – comentou divertido, dando uma mordida.

Fiquei o observando comer.

—Emma Swan aprendeu a viver com simplicidade.

—Hmm, eu adoro Emma Swan simples. – murmurou. – É muito mais bonita do que com todos aqueles vestidos pesados. Principalmente quando usa meu camisão de dormir.

Olhei para os meus pés que estavam esbranquiçados, sentindo o sorriso querendo aparecer e todo meu interior se agitar como de costume quando Killian me elogiava.

—Eu não teria que usá-lo se você não tivesse jogado minha camisola ao mar.

—Ela era horrível, amor. – falou como se isso justificasse.

—Mas era minha. – retruquei.

Jones limpou a boca no braço e deitou a cabeça em meu ombro.

—Quando atracarmos em Nova Inglaterra, comprarei as melhores camisolas para você. E eu que irei escolhê-las. – avisou.

—Não há necessidades. Tenho um pouco de dinheiro do saque daquela vez.

Ele estalou a língua em reprovação.

—É meu dever lhe comprar coisas boas para vestir. Você cuida de mim e eu cuido de você, certo? Assim são os casais de verdade.

Abri um sorriso amarelo.

—Falta muito para zarparmos?

Killian suspirou.

—Os homens irão defumar e salgar as carnes, então, podemos continuar... Mas enquanto eles fazem isso, gostaria de dar um passeio comigo?

Sorri aceitando sua mão.

—Eu adoraria senhor.

Jones entrelaçou nossos dedos e se embrenhou na floresta. Em determinado momento ele pegou uma folha, que lembrava mato e começou a descasca-lo.

—Meu irmão e eu brincávamos muito com isso quando criança. – contou ao perceber meu olhar instigador.

—Isso é um mato, Killian.

—Sim, mas pode ser um excelente apito para se irritar os vizinhos. – falou com um sorriso travesso, levando o mato à boca e assoprando, fazendo um som estridente sair. – Para você.

Peguei o apito com cuidado.

—Muito obrigada, agora sei como irritá-lo.

Ele riu, voltando a segurar em minha mão, guiando-me para algum lugar que tinha em mente e que parecia querer chegar logo.

E eu entendi o motivo assim que paramos.

Uma cachoeira, não muito alta, mas de deixar com a boca aberta, com todas as cores ao redor e a forma que as pedras estavam espalhadas. A água de um tom de verde claro permitia se enxergar o fundo.

—Aqui é lindo.

—Sabia que iria gostar. Quer entrar? – perguntou.

—Vontade não me falta, mas acho melhor não.

—Irei pedir para que os homens venham encher um barril para que você possa tomar banho mais tarde. – disse sem tirar os olhos da queda d’água.

—Um banho é tudo o que eu preciso.

—Eu também. – concordou contemplativo. – E acho que irei fazer isso agora.

—O que?! – guinchei olhando para ele e já o encontrando se livrando da calça. – Não se atreva a tirar a roupa intim... Killian! – gritei, sentindo meu rosto se afoguear ao encontra-lo nu em minha frente.

Tudo o que eu menos precisava era vê-lo daquela forma novamente.

Virei-me de costas, escutando a gargalhada de Jones, se divertindo com meu embaraço.

—Pode olhar amor.

—Não, muito obrigada.

—Por favor, Swan. Você não deveria se sentir tão incomodada com a nudez, afinal no começo da criação todos andávamos como viemos ao mundo.

—Bem, mas eu me sinto incomodada. Então vista se ou entre naquela maldita água logo!

Escutei sua risada se afastando, então o barulho de água sendo espalhada. Virei lentamente, encontrando-o me olhando com um sorriso maroto no rosto, para então mergulhar e começar a nadar de um lado para o outro.

—A água está ótima, amor. Venha. – chamou.

—Aproveite sozinho, eu estarei aqui lhe esperando.

Killian passou a mão no cabelo para tirá-lo da testa e deu de ombros, voltando a dar braçadas. Fiquei fitando seus braços e suas costas, tentando não descer o olhar para o resto de seu corpo e falhei miseravelmente.

Da onde eu me encontrava não dava para ver muita coisa, porém foi o suficiente para fazer algo dentro de mim, começar a despertar e as cenas imaginadas que eu tanto lutava em manter afastadas, juntamente com as lembranças dos toques de Jones naquela noite no meu quarto, me tomassem, em um claro sinal que não queriam ser banidas novamente.

Forcei minhas pernas a se afastarem, voltando pelo caminho pelo qual viemos. Levei o apito de Jones à boca e assoprei, fazendo o som estridente preencher o ambiente. Sentei-me na raiz de uma árvore para espera-lo, tentando fazer algum som agradável sair daquele pedaço de mato.

Um pouco mais de meia hora depois, escutei seus passos e me coloquei de pé, vendo sua calça se grudar as suas pernas molhada. Killian me ofereceu seu braço sem dizer nada e foi assim o trajeto todo.

Ele não parecia mais animado como antes, algo estava o incomodando.

Quando chegamos à praia, Jones deixou-me onde eu estava antes e saiu em direção onde Landon se encontrava. Ele disse alguma coisa que o fez se virar, me encarando, e desviando o olhar rapidamente ao encontrar meu. Os dois saíram rapidamente em direção ao navio, o que fez os homens, pararem suas tarefas e me fitarem de uma forma estranha.

Um olhar quase semelhante ao que Dante lançara-me um mês atrás, antes de ser abandonado.

Senti meu coração se apertando, mas permaneci no mesmo lugar, esperando para zarparmos.

[...]

Entrei na cabine de Killian, já o encontrando devidamente vestido. Ele abriu um sorriso ao ver-me e puxou-me para um abraço, sua mão descendo por minhas costas.

Afastei o rosto quando ele tentou me beijar e vi sua expressão se fechar.

—O que aconteceu, Jones?

—Eu é que devo perguntar.

—Não banque o espertinho. O que aconteceu hoje mais cedo? Por que você saiu correndo com Landon para o navio daquele modo? O que o deixou incomodado? Fiz alguma coisa que o ofendeu?

Seus olhos se arregalaram e ele negou com a cabeça, afagando meu rosto.

—Não amor, de jeito nenhum. Você nunca faz nada para me ofender. Não tinha nada a ver com você, Swan. Acontece que eu lembrei que talvez, o que tenho guardado não dê para pagar os consertos necessários no navio e não estamos em condição de tentar pilhar.

Escrutinei seu rosto com atenção.

—Você está mentindo. O que está lhe incomodando Jones?

—Nada, nada fada. Não se preocupe com isso, é assunto meu. O que acha de seu banho agora?

Aquiesci, afastando-me dele.

—Seria ótimo. E gostaria de poder dormir se possível, o dia de hoje me deixou muito cansada.

—Estarei aqui. – garantiu.

—Gostaria de dormir sozinha hoje, se não se importa.

Jones abriu um mínimo sorriso, parecendo triste e cravou seus olhos nos meus.

Azul no verde.

—Não me peça isso, por favor. – suplicou.

—Bem... Eu estou pedindo. Posso dormir em meu bote ou no sofá como antes.

Killian balançou a cabeça negativamente.

—Não. Eu insisto que use a cama. Ficará mais confortável.

—Quanto a você?

—Ficarei aqui, cuidando seu sono... Vou pedir para encherem a banheira para que se banhe. – informou, saindo depressa.

Fique no canto da cabine para que não atrapalhasse os homens que preparavam o meu banho. Quando a banheira já estava cheia, eles fizeram uma pequena reverência e se retiraram. Tratei de trancar a porta.

Tirei a roupa que estava pesada de areia e desenrolei a faixa, fazendo uma careta ao ver o ferimento.  Entrei na banheira, fechando os olhos com força ao me sentar e sentir a ardência em meu machucado. Rapidamente a água assumiu uma cor meio enferrujada de sangue. Não me demorei muito no banho e logo já estava secando-me, refazendo o curativo em meu quadril.

Uma batida na porta fez-me passar o camisão de Jones rapidamente pela cabeça e me adiantar para abri-la, encontrando o próprio do outro lado.

Indiquei que entrasse e me ajeitei na cama.

—Achei que não fossemos navegar durante a noite. – comentei apenas para quebrar o silêncio.

—Hoje vai ser diferente, já que não navegamos durante o dia. Posso me sentar com você?

Abri um espaço na cama.

—Claro.

Killian andou até uma caixinha e retirou meu pente de dentro, vindo se sentar ao meu lado. Peguei- o se sua mão e comecei a desembaraçar o cabelo, sentindo seu olhar sobre mim.

Quando terminei de pentear-me, Jones se esticou ao meu lado, fazendo-me deitar e me abraçando.

—Você vai acabar ficando aqui, não vai? – murmurei de encontro ao seu peito.

—Apenas até que durma. Depois disso eu deixo-a sozinha na cama.

Suspirei sabendo que ele não faria isso, mas não estava com disposição para brigar por um motivo tão bobo. Eu estava com a minha cabeça dando voltas sem chegar a lugar algum e enquanto ouvia o cantarolar, rouco de Jones prometi a mim mesma que não passaria do dia seguinte.

Eu perguntaria sobre os registros, sobre seu baú e dessa vez eu exigiria respostas.

Com essa decisão tomada, foram necessárias apenas algumas palavras melodiosas para que eu adormecesse.

Acordei no meio da noite sentindo minha garganta seca de sede. Passei a mão no lado de Killian e o encontrei vazio, gelado, como se ele não estivesse deitado fazia algum tempo.

Sabia que estava noite pela forma que a cabine estava mal iluminada, mas uma luz alaranjada e dançante me chamou atenção.

Uma vela acesa, contudo Jones não estava ali.

Levantei-me com cuidado e andei até a mesa para pegar um copo d’água, quando eu reparei no baú aberto ali em cima e seu conteúdo.

Foi instantânea a forma que minha respiração pareceu ficar presa na garganta e como à sede passou. Olhei para o cofre, encontrando-o escancarado.

Aquele era mesmo o baú.

Olhei para porta por cima do ombro, encontrando-a fechada.

Forcei o ar a sair, para que eu pudesse respirar fundo. A julgar pela vela acesa, Killian iria retornar logo para a cabine, o que me deixava sem muito tempo para descobrir o que tinha de tão ruim preso naquele baú de madeira barata.

Com a mão tremendo, peguei o primeiro papel e o abri, meu peito subindo e descendo rapidamente.

Carga: Emma Swan, 18 anos.

Filha do governador de Merseyside, Henry Mills. Tem o costume de frequentar a igreja todos os domingos pela manhã. Caminha todo dia perto das cinco horas com sua aia, uma senhora de idade ou então com um oficial, de quem parece ser amiga. Aparentemente uma garota como as outras damas de sua sociedade, fútil em demasia e comum para se despertar o interesse de alguém a ponto de se necessitar dos meus serviços.

Instruções imitidas pelo contratante até o momento para que eu vigie e anote todos os seus hábitos.

Nada poderia ser mais tedioso que isso.

Pisquei algumas vezes para o papel, sentindo os olhos ardendo e meu coração parecia encolher como se recusasse a acreditar naquelas palavras.

Aquela era a caligrafia de Jones falando sobre uma mercadoria.

Que era... Eu?

Fútil em demasia e comum para se despertar o interesse de alguém a ponto de se necessitar dos seus serviços?

Meu coração começou a bater mais devagar, como se tivesse perdido a força para fazer o que deveria ao aceitar a verdade. Em aceitar que o que estava ali, era muito pior do que todas as coisas que havia imaginado.

Se havia um contratante e eu era uma carga...

Eu sou um trabalho.

Isso explicava as datas em seu livro de registro. O motivo que ele estava em meu condado dois meses antes do ataque.

O porquê ele aceitou me ajudar tão depressa, mesmo que eu não tivesse um plano.

Deixei a folha que segurava de lado e peguei a próxima, encontrando uma lista detalhada de todos os lugares que visitara. Com quem conversava e minhas caminhadas. Minha pacata vida anotada ali.

Fui para próxima folha, ignorando a forma que meus olhos pinicavam com as lágrimas que queriam surgir. Esse era um retrato meu, com destaque para o colar vermelho que ganhara de minha mãe.

Pressionei os lábios com força para evitar que eles tremessem ao tirar os envelopes de dentro do baú.

“Olá, capitão Jones. Acredito que com essa primeira carta seu trabalho de fato se inicia. Estamos muitos satisfeitos com seu desempenho até o presente momento, entretanto acredito que esteja ansiando por algo mais... Excitante.

Muito bem, preste atenção, pois o senhor terá um mês para arquitetar tudo. Sua tripulação irá realizar uma invasão ao condado no dia 27 de janeiro. O que pedimos é um saque digno de piratas, enquanto seus homens destroem, você irá ir atrás da senhorita Swan. Isso tem de ser feito no momento em que ela estará voltando da missa, ou seja, logo pela manhã. Essa é a hora que ela se encontrará vulnerável.

O senhor irá roubar o colar de rubi que ela sempre usa. Poderá pegar outras coisas, contudo o colar é o que realmente importa.

Feito isso, o senhor pedirá para seus homens se retirarem em direção à Espanha. Quanto ao capitão, terá que ficar um dia mais. Lembra-se da carta que lhe dei? Faça-a chegar às mãos da senhorita Swan e parta imediatamente para encontrar seus companheiros.

Aguarde para mais informações que serão recebidas em breve.”

Precisei segurar na lateral da mesa com força, permitindo que algumas lágrimas que pesavam em meus olhos escapassem.

Tudo foi armado. Um teatro onde apenas eu não sabia as falas.

Um teatro que eu participava e não fazia ideia.

Que eu ajudei a montar, sem saber que era uma peça.

A carta. A carta de minha mãe, aquela que havia me dado esperanças era forjada e ele quem mandou entregar.

Um soluço alto escapou de meus lábios enquanto eu me forçava a ir para a próxima.

“Muito bem capitão! A primeira fase foi realizada de um modo incrível! Agora preste atenção: não os mandamos para a Espanha de férias. Haverá um baile no castelo de verão do rei. Senhorita Swan já terá saído do período de luto e irá comparecer. Não, o senhor não irá sequestrá-la, isso não será necessário de forma alguma, a carta que lhe entregou já a convenceu a fugir de casa.

Sua tarefa nessa segunda parte, é que garanta que seja em seu navio que ela irá parar. Garanto-lhe que Emma Swan irá tentar entrar disfarçada de homem, e peço que não a desmascare de imediato. Saberá quando fazê-lo no tempo certo, tenho certeza e quando acontecer, tudo o que tem a fazer é aceitar ajuda-la a encontrar sua amada mamãe.

Sugiro que visite o rei da Espanha no dia do baile, ele pode ter assuntos a tratar com um pirata.

Não nos decepcione, capitão. Receberá a próxima instrução assim que concluir esta.”

Não me permiti refletir no que havia lido e no fato de que quem mandava aquelas cartas, quem fosse o contratante, parecia conhecer todos os meus passos e inclusive minha forma de pensar.

Se eu parasse agora para tentar entender algo, não conseguiria ir em frente.

Tirei a terceira carta do envelope com certa violência.

“Parabéns capitão Jones! Estamos impressionados que tenha se saído bem na etapa anterior, parece que realmente contratamos o homem certo.

Agora aposto que quer saber qual o próximo passo, muito bem: saiba que o senhor precisará ser um pouco paciente para essa. A garota deverá permanecer em seu navio durante um ano, talvez um pouco mais. Nesse tempo quero que ensine para ela como sobreviver por si só, de como o mundo deve ser, mas sem de fato corromper sua bondosa alma. Sei que senhorita Swan pode ser incrivelmente ignorante, a ponto de ser idiota e causar pena, mas precisamos que ela permaneça boa.

Acha que o senhor e seus homens conseguem fazer tal coisa?

A segunda parte dessa fase, é que deve ganhar a confiança dela, a ponto de que Emma Swan se ofereça para entrar na Ilha da Névoa ou Ilha do Pesadelo. É ela que eu quero lá, e não você ou qualquer um de seus homens. Essa ilha é perigosa. No verso desse papel estão às coordenadas para que chegue até o destino.

Ah, antes que me esqueça. Está permitido a usá-la como uma distração, se assim desejar, desde que não corrompa a alma e o coração dela. Acredito que um homem como o senhor precise de um divertimento, contudo acredito que ela não seja divertida a esse ponto para você.

Falamos- nos dentro de um ano. Esperamos que consiga.”

Deixei o papel cair na mesa sentindo-me mais machucado do que nunca. Quase ao ponto de estar quebrada. Killian mentira para mim o tempo todo. Eu era apenas um divertimento enquanto o trabalho tinha que ser, executado e ele sentia-se entediado. Aparentemente mesmo não sendo seu tipo, eu servia.

Todas aquelas palavras, as promessas...

Uma diversão que seria descartada em breve.

Era sobre isso que Dante tentara alertar-me.

Tampei a boca para abafar o lamento, pensando que Landon, meu amigo Landon, estava envolvido naquilo. Eles trabalharam junto para que eu parasse ali, alguém que me conhecia bem demais para saber meus pensamentos, junto com homens que não se importavam em tirar uma mulher de casa.

Um trabalho.

Eu sou um maldito trabalho.

Eu era o trabalho que eles não precisariam pilhar pelo resto da vida.

Confiei neles, para tudo ser mais uma mentira em minha vida!

Percebi um envelope aberto no canto da mesa junto com um caderno pequeno com capa de couro e estiquei-me para pegá-los. Ao seu lado estava um saco grande e pesado, e quando o cutuquei, as moedas tilintaram lá dentro.

Afastei a mão, sentindo-me enojada com o dinheiro.

Aquelas cartas.

Enojada comigo mesmo por ter sido tão tola.

Abri primeiro a carta que parecia não ter sido aberta há tanto tempo.

“Congratulações capitão. Temos que confessar que estamos surpresos como conseguiu manter tudo isso e de forma incrível. De fato sua fama lhe faz jus.

Para sua felicidade, informamos que chegou o momento de terminar seu trabalho. Estamos a lhe mandar um adiantamento pelo ótimo desempenho. Nós chegamos a acreditar em tudo o que acompanhamos. Garanto-lhe que fora um divertimento para o senhor e para nós. Que belíssima atuação, capitão Jones.

Traga a senhorita Swan para Gotland até o solstício de inverno. Feito isso se encontrará livre dela e com todo o pagamento que fora combinado.

E por seu excelente trabalho, pedimos para que, fiquei atento para uma possível recompensa.

Esperamos vê-lo em breve.”

Devolvi a carta para o envelope, com uma calma surpreendente. Era como se eu estivesse entorpecida demais com a dor que eu sentia, com a confusão e tristeza que tomava conta de meu peito.

Eu simplesmente havia parado de chorar e agora fitava aquelas palavras sem conseguir esboçar uma reação. Sem saber como agir com aquela descoberta.

Escolhi uma página aleatória do caderno, deparando-me novamente com a letra de Jones.

Assim como dizia as cartas, de fato a garota da vez é um poço de ignorância que chega a dar pena, contudo não irei mentir que chega a ser engraçada. Gosto de passar o tempo constrangendo-a e insinuando coisas que sei que não entende. A parte ruim de eu fazer tal coisa, é que ela se acha no direito de me questionar. É de fato uma garota mimada, fútil, irritante e intrometida, que por várias vezes, considero enfiar meu gancho em sua garganta para ver se cala a boca. A ideia é muito, muito agradável...”

Soltei o caderno, fazendo-o cair com um baque na mesa, olhando-o horrorizada com as poucas linhas que havia lido nele.

Toquei minha garganta e imaginei quantas vezes eu estive perto de ser morta enquanto pensava estar ajudando-o.

Enquanto achava que fazia alguma diferença em sua vida.

“Killian é um ótimo ator” Bae dissera uma vez, e eu deveria tê-lo ouvido. Ele o conhecia melhor do que eu. Sabia do que estava falando.

Percebi que estava chorando novamente quando as lagrimas caíram em gotas pesadas no papel.

Não deveria ter acreditado em suas palavras e nem sorrisos.

Não deveria ter me permitido a amá-lo. Nunca deveria ter oferecido minha amizade e nem me aproximado.

Tola.

Quantas vezes ele deve ter rido de mim junto com seus companheiros?

Jones era como o ambiente em que ele vivia.

Traiçoeiro, apenas esperando o momento para destruir tudo e se divertir com o estrago causado.

Eu deveria ter percebido. Deveria ter prestado mais atenção aos sinais...

—Emma?


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Notas finais do capítulo

Bem... O que acharam do capítulo? Continuarão acompanhando ou eu consegui estragar com tudo? Mas espero que tenham gostado dele, tanto quanto eu gostei quando terminei a última revisão. Creio que esse foi um dos capítulos que mais fiquei ansiosa para mostrar para vocês.

Muito obrigada novamente a BelaMills pela recomendação. Como sempre digo É uma surpresa maravilhosa abrir aqui e achar uma recomendação. Eu fico muito contente quando isso acontece.

Acredito que nas próximas duas semanas eu consiga manter as atualizações no ritmo normal, mas se caso ocorra atrasos, minhas aulas na faculdade já começaram e eu tenho um bom motivo. Mas sempre irei avisá-los pelo twitter @ldytreacherous.

Acho que já disse tudo o que tinha para falar. Espero que tenham gostado do capítulo, estou muito ansiosa mesmo para saber o que acharam.

Beijos.