Jogos Vorazes - Peeta Mellark escrita por Nicoly Faustino


Capítulo 38
Parte 38




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Ainda estou tentando entender o que está acontecendo, quando um som metálico irrompe de fora da caverna. Ficamos paralisados. Katniss com o arco em mãos. E eu, sem saber o que fazer, apenas tentando não demonstrar meu medo. Depois de alguns minutos, não ouvimos mais barulho algum, então eu decido espiar entre as pedras para ver o que provocou o som. Para minha surpresa, mais uma aliás, pois ainda me sinto um pouco desnorteado devido a nosso beijo interrompido, o que se encontra lá fora, na chuva, e que provavelmente provocou o barulho, é um paraquedas. Na nossa atual situação, isso é uma dádiva.

Não consigo sufocar um grito de felicidade que sobe por minha garganta, antes mesmo de saber o que há lá dentro.

Estendo o braço por entre as fendas e consigo agarra-lo. Dourado, brilhante, amarrado a uma cesta. Entrego-o para Katniss que abre imediatamente revelando algo que nos deixa embasbacados.

Nos mandaram um verdadeiro banquete. Pães, queijo de cabra, maçãs, e um ensopado de cordeiro com arroz. O prato que Katniss disse ser a coisa mais impressionante da capital nas entrevistas.

— Acho que Haymitch finalmente ficou cansado de nos observar morrer de fome – digo, sem conseguir tirar um sorriso enorme do rosto.

— Também acho — Katniss responde, com um sorriso igual ao meu.

Minha vontade inicial, é atacar aquela cesta até não sobrar uma migalha de pão, um restinho que for de cozido. Katniss parece pensar a mesma coisa, pelo jeito como está olhando nossa abundancia. Mas apesar da fome avassaladora, temos que ser sensatos.

— É melhor irmos com calma nesse cozido. Lembra-se da primeira noite no trem? A comida farta quase me deixou doente e eu não estava nem mesmo morrendo de fome, então.

— Você está certo. E eu poderia simplesmente comer o negócio todo! — ela diz, soando arrependida.

Comemos apenas um pouco de cada coisa, da maneira mais civilizada possível, pois fizeram questão de mandar até pratos e talheres. Mesmo assim, terminamos de comer como num piscar de olhos. Ainda não estou satisfeito.

— Eu quero mais – Katniss dispara, como se lesse meus pensamentos.

— Eu também. Te digo uma coisa. Esperamos uma hora, se continuar desse jeito, então nós nos servimos de novo — digo, ignorando os protestos do meu corpo, por mais.

— Está certo. Vai ser uma longa hora.

— Talvez não tanto.

Agora que aquela fome terrível passou, eu daria tudo para voltar ao momento em que fomos interrompidos.

– O que foi que você estava dizendo logo antes da comida chegar? Algo sobre mim... nenhuma competição... melhor coisa que já aconteceu com você... – comento.

— Eu não me lembro dessa última parte — ela diz, e seu rosto ruboriza.

— Ah, está certo. Isso era o que eu estava pensando — digo, sorrindo. Percebo que está extremamente frio. — Chega mais, eu estou congelando.

Entro no saco de dormir, e a abraço. Sua cabeça apoiada em meu ombro. Uma posição na qual eu sinto que estou a protegendo.

— Então, desde que tínhamos cinco anos, você nunca nem notou outras garotas? — ela pergunta, curiosa.

— Não, eu notei quase todas as garotas – admito. - Mas nenhuma delas deixou uma impressão duradoura, só você.

— Tenho certeza de que seus pais ficariam animados, você gostando de uma garota da Costura.

— Dificilmente. Mas eu não poderia me importar menos. De qualquer forma, se voltarmos, você não será uma garota da Costura, você será uma garota da Vila dos Vitoriosos.

Penso sobre isso por um tempo. A diferença eterna que esses jogos farão em nossa vida. Pela primeira vez, desde que cheguei aqui, penso em minha família. Como me receberão? Como passarão a me tratar? Como estão se sentindo me vendo aqui? Como se sentiram, vendo eu me tornar um assassino?

— Mas então o nosso único vizinho será Haymitch! - Katniss diz, interrompendo meus pensamentos.

— Ah, isso vai ser bom — digo, apertando meus braços ao seu redor. — Você, eu e Haymitch. Muito acolhedor. Piqueniques, aniversários, longas noites de inverno ao redor da fogueira recontando velhos contos dos Jogos Vorazes.

— Eu te disse, ele me odeia! — Katniss diz, enquanto nós dois damos risada.

— Só às vezes. Quando ele está sóbrio, nunca o ouvi dizer uma coisa negativa sobre você.

— Ele nunca está sóbrio! — ela protesta.

— Está certo. Em quem estou pensando? Ah, sei. É Cinna quem gosta de você – digo, como se estivesse com ciúmes. Talvez eu tenha mesmo. - Mas isso é principalmente porque você não tentou fugir quando ele botou fogo em você. Por outro lado, Haymitch... bem, se eu fosse você, eu evitaria Haymitch completamente. Ele te odeia.

— Eu pensei que você tinha dito que eu era a sua favorita.

— Ele me odeia mais — digo. — Eu não acho que as pessoas, de um modo geral, sejam suas coisas favoritas.

Começo a pensar em Haymitch agora. E sinto uma enorme gratidão para com ele. Se eu pensasse do mesmo modo que Katniss, sobre ter uma dívida com alguém que te faz algo bom, Haymitch seria o primeiro da minha lista. Apesar da bebida, de seu jeito “diferente” de ser, ele cumpriu o que prometeu. Ele ajudou, a manter Katniss viva.

Olho para ela, que parece estar pensando em algo sério, pela sua expressão.

— Como você acha que ele fez isso? – ela dispara.

— Quem? Fez o quê? – pergunto, confuso.

— Haymitch. Como você acha que ele ganhou os Jogos?

Silêncio.

Eu nunca havia pensado nisso. Mas pelo rumo que ele deu a sua vida, não deve ter sido de uma maneira muito “nobre”. Não há como ganhar esses jogos, sem lambuzar as próprias mãos, com sangue totalmente inocente. Haymitch pode não ser muito forte, galã, corajoso. Mas uma coisa eu sei que ele é.

— Ele foi mais esperto que os outros — constato, mais para mim mesmo.

Sinto que nossa conversa chegou ao fim. Mas em minha mente há um turbilhão de pensamentos. Em pensar que meu destino pode ser o mesmo que o de Haymitch... Não quero pensar sobre isso, não agora. A fome volta, como se eu estivesse sem comer a dias. Katniss me olha, e não precisamos trocar uma palavra para decidir que é hora de comer novamente.

Ela começa a servir pequenas porções de cada coisa, em nossos pratos, quando a música, o hino de Panem, começa a tocar. Olho por entre as frestas das pedras, para ver se houve mortes hoje. Então, em meio a chuva que cai torrencialmente, eu vejo um rosto. Engulo em seco. Eu deveria estar feliz, e estaria. Se não tivesse uma dívida com essa pessoa. Uma dívida que nem se trata de mim. Se trata de Katniss.

— Não haverá nada para ver hoje à noite — ela diz, inocentemente. — Nada aconteceu, ou nós teríamos ouvido um canhão.

Será difícil contar isso para ela.

— Katniss — digo calmamente.

— O quê? Devemos dividir outro rolinho, também? — ela pergunta, interessada apenas em comer logo.

— Katniss — repito.

— Eu vou dividir um. Mas vou poupar o queijo para amanhã.

Olho fixamente para ela.

— O quê?

— Thresh está morto — digo, e minha voz falha.

— Ele não pode estar – ela diz, espantada.

— Eles devem ter disparado o canhão durante algum trovão e nós perdemos.

— Você tem certeza? Quer dizer, está chovendo canivetes lá fora. Eu não sei como você consegue ver alguma coisa.

Ela se espreme ao meu lado, e olha por uma fresta. A música acaba, e Katniss desmorona.

Eu nunca vou entender completamente, essa coisa de ter uma dívida com uma pessoa. Mas hoje, agora, eu pude entender ao menos um pouco isso. Porque mesmo que a morte de Thresh, na teoria seja algo bom para nós, na pratica me deixou arrasado. Se eu tivesse a oportunidade de mata-lo, eu o deixaria viver, pelo que ele fez por Katniss. Eu pagaria minha dívida. Olho para Katniss. É visível o quanto ela ficou abalada com isso. Ficamos os dois, assim, no chão, sem saber o que fazer, o que dizer, sem saber ao menos como disfarçar a nossa dor. Dois tributos, que deveriam comemorar a morte de um adversário, tentando não chorar. Esses jogos ficarão na história, não pelo fato de ter dois vencedores, caso eu e Katniss consigamos vencer. Mas pelo fato de haver mais sentimentos envolvidos, do que apenas crueldade, e desespero pela sobrevivência.


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