— Tem certeza que é uma boa ideia? — Perseu questiona enquanto nos aproximamos, ainda entre as árvores, dos portões. Dentre nós três, ele claramente é o menos a favor de estarmos aqui dando uma olhadinha.

— Vamos descobrir isso agora — papai sussurra no momento em que uma arma é destravada atrás de nós.

Viramo-nos lentamente com as mãos para cima. Um homem alto e com cabelos loiros está com a arma apontada para nós. Assusto-me quando vejo que em seu outro braço há uma espécie de faca no lugar da mão.

— Merle?! — Shane pergunta, incrédulo. O tal Merle também parece estar compartilhando do mesmo sentimento.

— Porra, é você mesmo, Shane? — o homem pragueja. Noto que apesar do reconhecimento ele não abaixou a arma. — Cadê o resto do grupinho traidor?

Olho surpresa para ele, perguntando-me como ele conhece o grupo e por que o denomina de “traidor”. Não lembro-me de tê-lo visto em nenhum momento, apesar de haver algo familiar nele.

— A gente se separou há alguns meses — papai responde, ressentido.

— Oh, eles te abandonaram também? — Merle sorri, finalmente abaixando a arma. Ele olha para sua mão amputada quando acrescenta: — Parece que estamos no mesmo barco, então.

Shane permanece em silêncio, e continuo estranhando a situação. Perseu parece estar ainda mais confuso que eu, mas ninguém além de mim notaria isso. Meses de prática garantem enxergar algo além das feições não-estou-nem-aí-pra-nada.

— Quem são esses ai? — o homem questiona, apontando a mão aterrorizante em minha direção e na de Percy.

— Esse é Perseu, um amigo — papai diz. Ele parece desgostoso quando me apresenta. — E essa é Emma, minha filha.

— Filha, é? — Merle questiona surpreso, arqueando as sobrancelhas ao encarar-me. Mexo-me desconfortável com seu olhar. — Com certeza ela puxou a mãe.

— Você mora aqui? — Shane muda de assunto tentando esconder seu incomodo, olhando para os portões atrás de nós. — Parece um bom lugar.

— E é — Merle responde. — Que falta de educação a minha! Vocês gostariam de entrar e tomar um chá?

Rio da sua piada e Perseu me lança um olhar mal-humorado, deixando claro que ele não gosta de Merle.

— Está falando sério? — papai questiona.

— Claro! Estamos precisando de homens que saibam atirar — o homem confirma, já iniciando a caminhada para fora da mata. Ele olha para mim e para a arma em meu coldre. — E garotinhas.

Cerro os olhos em sua direção, e Merle limita-se a sorrir maroto e retoma a caminhada enquanto o seguimos até os portões de Woodbury.

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Tudo o que eu tinha imaginado que haveria atrás dos enormes portões com certeza não chega nem aos pés do que realmente há. O que mais me choca é a semelhança absurda com uma cidade real: as casas, as ruas, a praça e até as crianças brincando. Parece tudo tão normal!

— Nossa! — murmuro maravilhada.

— É — papai concorda, olhando ao redor.

Ouço o barulho dos portões sendo fechados atrás de nós enquanto vejo algumas pessoas caminhando pela rua. Sinto a inveja se apossar dentro de mim ao vê-los andando tão despreocupados e limpos, como se estivessem em um mundo normal. Há quanto tempo não ando por aí com tanta segurança?

— Vocês precisam deixar suas armas aqui. — Merle indica um dos comércios, onde consigo ver um homem atrás do balcão e várias armas.

— E se a gente não quiser? — Perseu questiona friamente.

— Vocês não têm essa opção, garoto — Merle retribui o olhar ao meu amigo, que não parece nada feliz com a resposta.

Shane lança um olhar de alerta para Percy, que revira os olhos contrariado. Porém ele escolhe, sabiamente, ficar em silêncio e andar até o depósito de armas conosco.

— Por que não podemos ficar com elas? — papai pergunta, mais educado do que Perseu anteriormente fora. Ele coloca sua arma e suas balas em cima do balcão.

— Não irão precisar delas aqui.

Perseu e eu nos encaminhamos para fazer o mesmo que papai. Quando estou prestes a tirar a faca do cós da calça, a mão de Percy impede-me. Olho surpresa para ele, que apenas retribui o olhar deixando claro o que deseja. Encaro rapidamente o homem atrás do balcão, que está distraído conversando com Merle.

— É melhor que eu não me arrependa disso — sussurro para Perseu enquanto devolvo a faca discretamente ao seu lugar, tornando-se invisível graças à minha blusa comprida.

— O Governador deve estar ansioso para conhecer vocês — Merle anuncia quando saímos do depósito de armas. Sinto-me desconfortável por não ter colocado minha faca lá, porém novamente cruzo o olhar com Percy e imediatamente sei que foi a escolha certa. — Ele irá levá-los para sua nova casa.

— Casa?! — pergunto surpresa.

— É, recentemente conseguimos limpar mais um lado da cidade — uma nova voz diz. Olho para trás e vejo um homem de cabelos castanhos e bem-vestido caminhando em nossa direção. Ele é alguém que eu consideraria charmoso. — Olá! Todos aqui me chamam de Governador.

Ele oferece a mão para papai, que a aperta rapidamente.

— Eu sou Shane — meu pai nos apresenta pela segunda vez no dia. — Esse é Perseu e essa é minha filha, Emma.

— É difícil criar os filhos nesse mundo. Admiro-o por conseguir criar a sua tão bem. — Governador sorri simpático em minha direção, e retribuo o sorriso.

— Você também tem filhos? — papai pergunta.

— Não mais. — Um silêncio desconfortável reina por alguns segundos antes que Merle interrompa:

— Devem estar precisando de mim para preparar a próxima busca — ele rapidamente vai embora, sem olhar para trás ou se despedir.

— Bem, vou levá-los até o local onde ficarão — Governador diz, iniciando a caminhada pela calçada em direção ao norte.

Seguimos ele enquanto ouvimos suas explicações sobre como funciona o lugar. Depois de alguns minutos de falação desligo-me do que estão falando e passo a observar distraída o mundo ao meu redor. Ainda não consigo acreditar que finalmente conseguimos encontrar um lugar seguro novamente, onde não precisamos carregar armas — bem, não todas — nem olhar para os lados em alerta toda hora. Parece bom demais para ser verdade.

Depois de uma caminhada relativamente longa paramos em frente à um pequeno prédio com tijolos a mostra. Sorrio ao ver um gato cinza e branco sentado na frente da porta, e agacho-me para acariciá-lo.

— Ele tem dono? — pergunto, levantando a cabeça para olhar o Governador.

— Não, pode ficar com ele se quiser — responde. Sorrio ainda mais abertamente, sentindo o pequeno animal esfregar-se ao redor das minhas pernas. — Bem, aqui estão as chaves. Apartamento 8. Estou aqui para o que precisarem.

Shane pega as chaves e agradece ao homem mais uma vez antes dele partir de volta para os portões.

— Bem, parece que essa é nossa casa agora — papai suspira, olhando para a construção simpática. — Espero que dure mais que uma semana.

— Ótimo, odeio apartamentos — Perseu resmunga, passando pela porta de entrada e sumindo dentro do prédio.

— Posso levá-lo para dentro? — pergunto para papai, usando minha feição mais fofa. Aproveito e seguro o gato ao lado do meu rosto para um maior apelo emocional.

— Você sempre quis um gato mesmo. — Sorrio, sentindo-me verdadeiramente feliz pela primeira vez em muitos meses. Shane também sorri, e subimos juntos as escadas em direção à nossa nova casa.

So glad we've almost made it
So sad they had to fade it
Everybody wants to rule the world