Surviving to Hell escrita por Alexyana


Capítulo 33
Preto e branco


Notas iniciais do capítulo

Oi seres graciosos! Vocês estão bem? Como vão as férias?
Como é bom postar os capítulos pertinhos uns dos outros! Tô tão feliz.
Espero que gostem!
PS: O que acharam da capa nova? Tô em dúvida entre a antiga e essa.



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E então a neve e o frio preencheram cada espaço de nossas vidas. Deixando tudo ainda mais preto e branco que de costume, fazendo-me questionar se as cores haviam existido em algum momento, em algum lugar. Eu sei que sim, e é isso que mantém a esperança intacta dentro de mim.

Estamos nos mudando de casa em casa o inverno todo e nunca mais tive nada para chamar de casa. Nosso maior recorde em um lugar foi de uma semana, e ainda sim tivemos que sair às pressas quando pensei que finalmente poderíamos sossegar, como sempre. Somos verdadeiros nômades, destinados a andar sem rumo por tempo indeterminado.

E ainda têm os pesadelos. Não consigo passar nem uma noite sem tê-los; são como monstros que se arrastam até mim durante o sono, me fazendo acordar ofegante e nos piores dias, gritando. E apesar de nem papai nem Perseu terem dito algo sobre isso, eu sei que é o principal motivo das nossas mudanças.

— Você deveria parar. — A voz me faz pular na cadeira de madeira, assustando-me como só Perseu é capaz de fazer. Ele está parado na porta que faz conexão entre a sala e a cozinha da nossa recente moradia, sombrio como sempre.

Desde o suicídio do padrasto e a morte de aparentemente toda sua família, Perseu conseguiu fechar-se ainda mais. Ficou dias e dias sem pronunciar sequer uma palavra, e suas saídas ficaram frequentes. Ele sequer se dá ao trabalho de nos avisar quando vai sair — e se voltará —, me deixando preocupada e enraivecida esperando seu retorno.

— Se você parar com essas suas saídas, não precisarei te esperar — retruco, ambos sabendo o quanto o hábito um do outro nos irrita. Consigo vê-lo revirando os olhos, graças à luz escassa proveniente da vela em cima da mesa, e limito-me a arquear as sobrancelhas.

— Sabe que nada vai acontecer comigo lá fora — ele garante, colocando uma sacola, provavelmente de suprimentos, em cima da pia. — Não mais.

Acho que ele não queria de fato ter dito a última frase em voz alta, mas mesmo assim a ouvi. Ele nunca havia me dito o que realmente acontecera com ele, se algo havia mesmo acontecido. Porém, igual a Skyler, eu também achava que sim.

— Sabe, eu sou uma boa ouvinte — insinuo, sorrindo quando ele me olha de soslaio. Porém o desmancho quando vejo que ele não aderiu à brincadeira. — Você devia falar, Percy. Guardar as coisas só pra si acaba sufocando.

Não sei bem quando adquiri intimidade o suficiente com ele para chamá-lo pelo apelido. Talvez tenha sido em algum das centenas de treinos que tivemos durante todas essas semanas, ou simplesmente no nosso tempo juntos. Não havia assim tantas coisas para se fazer além de apanhar — apesar que agora eu bato muito bem também — e atirar em infectados, e o que sobrava era tempo livre cheio de tédio.

Ele leva mais tempo que o necessário guardando os enlatados e outras coisas que aparentemente são para comer, evitando me olhar. Porém eu permaneço no lugar, fitando-o zanzar pelos armários em silêncio.

Depois de um tempo ele finalmente cede, bufando.

— Eu deveria saber que Emma Walsh não desistiria tão facilmente. — Perseu desaba na cadeira à minha frente enquanto olha raivosamente para meu sorriso vitorioso.

— Desembucha — ordeno. Encosto minhas costas na cadeira em uma posição desleixada, semelhante à dele. Percy mostra resistência por mais alguns segundos antes de começar a falar:

— Foi muito antes de você chegar — começa, olhando para a noite através da janela. Ouço-o atentamente. — Eu não era exatamente esperto, e estava com raiva; tinha brigado com Andrew, e foi uma briga daquelas. Como sempre mamãe ficou do lado dele, e isso foi demais pra mim. Simplesmente sai sem rumo e fui descuidado. — Ele para durante um momento, fechando os olhos. Retorna a abrir após alguns segundos, e vejo raiva neles. — Eles me pegaram antes que eu pudesse fazer qualquer coisa.

— Quem? — atrevo-me a perguntar, agora debruçada sobre a mesa.

— Dois homens. — Perseu me olha e percebe que até agora eu não entendi o que de fato aconteceu. Então ele esclarece. — Eles me estupraram.

Choco-me com a palavra, não esperando que Perseu fosse ser tão claro. Franzo os lábios, sentido a compaixão e a empatia apossar-se de mim enquanto levo minha mão até a dele, do outro lado da mesa, segurando-a fortemente.

— Está tudo bem, Emma — diz, apertando minha mão levemente antes de soltá-la. — Eu tive minha pequena vingança.

— Oh... — murmuro desnorteada pelas recentes confissões. — O que você fez?

— Atirei no pneu do carro deles. — O pequeno sorriso em seu rosto bonito faz um arrepio descer pela minha espinha. — Bateram em uma árvore e morreram, como o merecido.

Demoro alguns segundos para conectar os fatos, e quando o faço, é quase como se uma enorme lâmpada se acendesse em minha mente. Lembranças do dia em que entrei no carro com Carl, há tanto tempo atrás, invadem minha mente imediatamente:

...Olho para dentro do carro e vejo que há um homem desacordado no banco do motorista. Sua cabeça está amassada ao molde do volante, e isso com certeza quer dizer que ele está morto.

Desvio o olhar dessa cena horrível e acabo focando no grande buraco no vidro do passageiro. Assusto-me quando vejo um corpo no chão um pouco mais além do carro. O impacto fez com que o homem fosse lançado para fora do automóvel, já que provavelmente estava sem cinto.

— Há tiros nos pneus — Rick nota observando-os, agora murchos devido aos tiros.

— Alguém queria que eles morressem — Glenn completa.

 

 

— Ai, meu Deus!

— Sabia que isso seria demais para você — Perseu sussurra amargurado.

— Não é isso! Bem, quer dizer, o que aconteceu foi algo realmente horrível, e o que você fez também, mas estou chocada porque acabei de descobrir que você matou seus malfeitores e os atropeladores da mamãe! — vomito todas informações rápido demais, levantando-me enquanto o faço. — Eu não tenho certeza, mas quais as chances? Absolutamente são os mesmo caras. Tipo, não dá pra ter mais de dois caras mortos em um carro graças à um tiro nos pneus em um raio de alguns quilômetros e no apocalipse zumbi...

— Você está fazendo aquilo de novo, de cuspir tudo na minha frente sem fazer questão que eu realmente entenda — Perseu informa, confuso.

— Desculpe — peço, parando de andar. Olho para seus olhos escuros, sentindo que finalmente entendo-o de verdade. — É que acabei de descobrir algo realmente revelador.

— Que matei os alguma coisa da sua mãe? — questiona, tentando entender.

— Atropeladores — esclareço. — E que você tem verdadeiros motivos pra ser tão emo.

— Sua mãe foi atropelada no apocalipse?! — Percy pergunta surpreso, ignorando minha última frase.

Antes que eu possa responder, somos interrompidos por um papai recém acordado e não tão bem humorado assim.

— Mas que porra acham que estão fazendo acordados a essa hora? — Shane pergunta, sem se dar ao trabalho de dar boas-vindas à Perseu. Encolho levemente os ombros, sabendo que uma bronca é tudo que eu menos quero agora.

Olho para Percy, e está claro no seu olhar que isso que aconteceu é um segredo nosso. Então apenas limito-me a olhar para papai inocentemente.

— Estamos apenas conversando — digo. Shane arqueira uma sobrancelha em nossa direção.

— Ótimo — papai fala, e não parece que é tão bom assim. Ele vem até mim e deposita um beijo no topo da minha cabeça antes de sair da cozinha. — Boa noite, garoto. Vão dormir logo.

— Boa noite — Perseu responde antes de virar-se em minha direção, ameaçador. — É melhor que você mantenha essa sua boca fechada, garota.

Finjo uma careta ofendida, no fundo feliz por ele ter confiado em mim para contar. Por fim sorrio, e ele retribui com seu típico sorriso de garoto mau.

— Não é como se você fosse fazer algo à mim, não é mesmo? — pergunto convencida. Antes que ele possa me afastar, abraço-o. Seu corpo se retrai com minha demonstração inesperada de afeto, porém rapidamente sinto Percy relaxar junto a mim.

— Não, Emma — ele responde, me envolvendo em seus braços. — Mas é melhor tomar cuidado — acrescenta maroto.

Começo a rir, e sinto seu peito vibrar em uma risada real, de um garoto bom. Permito-me o luxo de me sentir segura e alegre por tê-lo ao meu lado durante esse momento, antes que ele acabe.

—--------------- ↜ ↝ -----------------

Desperto suada e gritando, como sempre. Demoro alguns segundos para perceber que é só mais um pesadelo, e que mamãe não se matou de verdade. Papai invade o quarto com as feições preocupadas, mesmo sabendo o que vai encontrar. Ele tem feito isso quase todas as noites, com exceção das que ele está cansado demais e Percy vem em seu lugar.

— Desculpe, pai — murmuro envergonhada, sentando-me na cama e notando que não dormi mais que algumas poucas horas. Pensei que depois do momento com Perseu eu teria um descanso, mas aparentemente estava enganada.

— Tudo bem, querida — Shane vem até mim e passa o braço afetuosamente ao redor dos meus ombros. Pensei que nunca seria capaz de perdoá-lo, mas isso também mudou. Foi algo difícil e demorado, porém aconteceu. Agora estamos mais próximos do que estivemos durante toda minha vida.

— Acho melhor a gente arrumar as coisas para sairmos — digo automaticamente, sabendo que gritos significam um adeus à nossa atual casa. Estava começando a gostar daqui.

Não sei o que exatamente desencadeou meus pesadelos. Talvez tenha sido o suicídio de Andrew. Ou a morte de Molly, ou a de Skyler... É uma lista bem grande. Às vezes me sinto quase confortada por ter uma forma de lembrar-me deles, uma forma de sofrer pela morte de todos.

— Certo — Shane concorda, preparando-se para sair do quarto. Porém algo o faz mudar de ideia, e ele se volta para mim novamente. — Você e o Perseu... Bem, vocês estão bem próximos ultimamente e...

— O quê?! Não! — interrompo assim que entendo o que ele dizer. — Não há nada entre nós, pai.

— Ah, que bom. — Ele parece verdadeiramente aliviado e rio disso. Porém sinto minhas bochechas corarem ao notar que meu pai está me perguntando isso. — É melhor eu falar pra ele que é hora de partir.

Antes que eu responda ele já se foi, me deixando sozinha. Novamente rio do que acabou de acontecer, perguntando-me se Perseu seria capaz de me ver como uma garota de verdade, com peitos e tudo o mais. Não que eles sejam lá muito grandes, penso tristemente, olhando para meu corpo enquanto troco de roupa.

— Não acredito que está mesmo pensando nisso, Emma — repreendo-me em voz alta. Decido parar de reparar nas minhas recentes mudanças corporais e apresso-me em pegar todos os meus pertences antes de abandonar o quarto.

—--------------- ↜ ↝ -----------------

— A gente está caminhando até o inferno, não é? Podem dizer, eu já tenho quase certeza — reclamo enquanto desvio de um cadáver congelado no chão. — Só não sabia que seria tão frio...

— Você é irritante pra porra! — Perseu constata infeliz atrás de mim.

Estamos andando há horas, e não encontramos nada seguro e/ou útil. Apenas nos deparamos com caminhantes gelados, alguns em grande número, porém nada tão preocupante. Um dos lados bons do inverno: lentidão extrema por parte dos mortos.

As vantagens param por ai.

— Não é a primeira vez que me dizem isso — digo indiferente.

Papai caminha à minha frente, sendo o primeiro da nossa pequena fila. Ele está em silêncio, sendo particularmente bom em ignorar meus comentários. Não me preocupo muito com isso, já que às vezes ele tem esses seus momentos ignore a Emma.

Porém, quando ele para de repente, saio do meu estado de torpor e desinteresse. Sinto Perseu parar logo atrás de mim, também em alerta. Vejo uma rua asfaltada um pouco mais à frente, e torço para estejamos invisíveis dentro da mata.

— Acho que estávamos caminhando para o que pode ser o céu — papai diz maravilhado, dando espaço para que possamos ver o que o fez parar.

Aproximo-me mais, e finalmente consigo ver: enormes portões, cercados de muros altos e com homens armados. Demoro alguns segundos para me ater ao último fato, de que há realmente pessoas vivas ainda, e que aparentemente estão protegendo uma cidade.

Olho para a placa na beira da estrada, há muito tempo destruída, mas ainda sou capaz de ler o que está escrito:

— Bem-vindos à Woodbury — pronuncio em voz alta olhando para Perseu e para papai.


Cause you're a hard soul to save
With an ocean in the way
But I'll get around it
I'll get around it


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Notas finais do capítulo

Tradução:
Porque você é uma alma difícil de salvar
Com um oceano no meio do caminho
Mas eu darei a volta
Eu darei a volta
(Over The Love — Florence And The Machine)

WOODBURY, PORRA! O que esperam a partir de agora? Pedidos? O que acharam do capítulo?

Pergunta de hoje: Uma qualidade em vocês?
Minha resposta: Que pergunta difícil! Acho que seria o fato de eu ser uma boa amiga. Quer dizer, dizem que eu sou. Não tenho certeza.

PS: Viram as fanarts lindas que eu postei no Tumblr? Se não, aqui está o link:
surviving-to-hell.tumblr.com
Obrigada, Amélia e Vicky, suas maravilhosas!

beijos