Meus soluços não paravam e a dor que eu sentia em meu peito aumentava assim como o tom de voz de minha mãe.

Tampo meus ouvidos e me encolho no canto do quarto, chorando por tudo. Pelas palavras rudes que ela cuspiu em mim, pelo fato dela ter pegado minha câmera e despedaçado ela e pelos seus gritos vindos do outro cômodo. Nunca a vi gritar comigo assim. Ela nunca me olhou com tanta raiva.

A porta se abre com violência e ela surge como uma tempestade vestida em branco. Encolho-me mais, minhas costas doendo contra a parede.

Luke aparece atrás dela e segura seu braço com calma, o medo em seus olhos. Eu o conheço e sei o que ele teme. Não o que minha mãe fará fisicamente comigo, mas o que ela irá dizer.

–Aonde você foi?- ela pergunta com lágrimas nos olhos, cruzando os braços.

–Califórnia do Sul -minha voz mal sai como um sussurro.

–Califórnia...- sua voz está incrédula. Ela suspira e fecha os olhos- Quer saber? Não vou mais falar nada. Vou pensar em uma punição muito boa para você. Até lá, não quero ouvir sua voz.

E assim como ela entrou, ela sai do quarto.

Xx

Logo de manhã no outro dia, me visto e saio de casa, sem dizer uma palavra a ninguém. Encontro com Jace na cafeteria de uma livraria. Ele chega e no mesmo instante me abraça, me fazendo retornar ao choro compulsivo.

–Shhh, vai ficar tudo bem- ele sussurra, passando a mão em meu cabelo.

Paro de chorar e limpo as lágrimas, me sentando e respirando fundo. Tudo que menos preciso agora é pânico.

–O que ela vai fazer?

–Esse é o grande problema- digo com uma risadinha sem graça- Ela não me disse ainda.

–Só... Vamos ignorar o assunto, ok? Precisa de uma distração agora. E café da manhã.

Xx

Semanas passaram e eu não troco palavras mais com minha mãe. Claro que tentei, mas sem êxito. Luke é a única companhia que tenho nessa casa e ele me trata com cautela, como se qualquer dita errada eu iria me rebelar ou coisa do tipo. Estou vivendo em uma prisão, um inferno que eu mesma construí, acho que com a ilusão de que não seria tão ruim, mas sou ingênua.

–Clarissa.

A voz de minha mãe ecoa pelas paredes e dança até meus ouvidos. Engulo seco e fecho os olhos como se estivesse prestes a ouvir minha sentença de morte. Bem, talvez esteja.

Levanto-me e me arrasto até a sala, sem a menor ideia do que me espera lá. Sinto-me lidando com um dragão que se manteve em um sono profundo durante anos e acordou com raiva.

–Sente-se- obedeço, evitando seu olhar- Eu não quero ouvir nenhum protesto vindo de sua parte sobre o que eu e seu pai decidimos que é melhor depois de suas férias inusitadas em outro estado do país. Depois do meu casamento, daqui a dois meses, você irá se mudar para uma escola em outro estado. Em Los Angeles, seu pai conseguiu achar um internato maravilhoso e nos finais de semana irá para a casa dele. Isso irá seguir assim por seis meses.

Sinto-me quebrada, devastada por seu castigo, mas sabendo que eu o mereço. As lágrimas escorrem livremente por meu rosto e caem em meu colo. Não vou olhar para ela. Não suporto o olhar que recebo.

–Sua transferência já está sendo feita e suas coisas serão despachadas em breve. Irá embarcar no dia seguinte do meu casamento, então eu não irei para a lua de mel ate lá. E não se atreva a fugir, encare isso. Entendido?

Como resposta, ergo minha cabeça e limpo as lágrimas, levantando do sofá e indo ate meu quarto, pronta para cair na cama e chorar durante horas enquanto as conseqüências de meus atos caem sobre mim como facas muito bem afiadas.

Mas eu não me arrependo.

Dois meses depois.

Eu não sou uma criança chorona e terei que encarar as conseqüências do que fiz.

A relação com minha mãe melhorou depois de um tempo. Não terei muito tempo com ela e por isso forcei até que voltamos nos falar. Depois das aulas eu passo o tempo com Jace em seu apartamento. Quando eu contei a minha punição, ele contou que pretende ir para outro estado no meio do ano, por causa da faculdade. E a única coisa que senti por ele for pura felicidade.

Simon e eu nos tornamos mega melhores amigos. Preciso aproveitar o tempo com ele.

–Vamos logo Clary!- minha mãe diz impaciente enquanto eu tento colocar o sapato.

–Não é minha culpa que você deixou para ver o vestido por ultimo!- saio correndo.

Nos apressamos até chegar na loja. Serei a única a julgar o vestido da minha mãe além dela e temos dois dias. Ela já comprou o vestido, com minha ajuda, e é extremamente lindo, mas precisa revisar para evitar imprevistos.

A prova do vestido ocorre tudo bem e depois disso, ela me libera para ir ver filme com Izzy. Preciso consolar a amiga “durona” que está inconsolável com minha noticia de partida. Afinal, ela irá me perder e a Jace também.

Quando ela abre a porta, vejo sua cara de emburrada e dou risada.

–Por que tão séria?- entro e vou para a sala de estar.

–Não venha com essa conversa.

–Bom- decido provocá-la- Você sabe que irei embora logo. Daqui a dois dias você estará livre de Clarissa Fray. E eu quero que você chore muito, ok?

–Só não mando você ir se foder por que sou muito educada. Brincadeirinha, vai se foder- ela diz com um sorriso falso no rosto, me fazendo rir.

Xx

Os últimos dois dias eu tentei passar o máximo de tempo com as pessoas que sentirei falta. Simon e eu fizemos maratona de filmes e séries que gostamos, comprei roupas com Izzy e passei horas sentada no quarto de Jace, ouvindo seus discos de vinil e ele falar sobre as bandas. E também com minha mãe e Luke.

Sei que ela está me mandando para longe mas não porque ela quer se livrar de mim, e sim por que eu não gosto de Los Angeles e isso é a maneira de eu “aprender”. Acho que cresci bastante. Se fosse alguns meses atrás eu iria fazer um drama desnecessário e agir como mimada.

Calço os saltos altos e olho no espelho, suspirando. Passo a mão pelo meu cabelo com cuidado para não desfazer o penteado e saio do quarto, indo para o outro lado do corredor, onde uma massa de mulheres apressadas arrumam minha mãe.

Depois que elas terminam, deixam-nos a sós. Ela me olha e eu sorrio.

–Você está linda Clary.

–Você também, mesmo de roupão- ela sorri e se levanta, fechando a porta.

A ajudo a colocar o vestido e as jóias e depois paramos na frente do espelho, encarando o reflexo a nossa frente. Ela está linda. E eu não estou nada mal.

Percebo seus olhos se enchendo de lágrimas e dou risada e abraço a minha mãe vestida de noiva.

–Não chore ou irá estragar a maquiagem!

–Tudo bem, tudo bem. Temos um casamento para ir.

Xx

A cerimônia foi muito bonita e a festa começou em dez minutos e já parece que estão festejando há horas.

Jace fica parado ao meu lado, sem falar nada e isso começa a me incomodar. É meu ultimo dia aqui e não quero ter como lembrança ficar parada na festa de casamento da minha mãe com meu namorado ao meu lado sem falar nada.

–Ei Jace- viro para ele com um sorriso travesso dançando em meus lábios-Não quero passar minha ultima noite aqui parada, então é melhor você me acompanhar até a pista de dança.

Ele sorri e vai comigo dançar. Encontramos Simon e Izzy e todos nós ficamos dançando. Eu e Simon às vezes dançávamos de um jeito estranho, como sempre fazemos.

Quando uma música lenta começa a tocar, descanso minha cabeça no peito de Jace enquanto dançamos. A tristeza começa a tomar conta de mim aos poucos, meu subconsciente sabendo que não dançarei com ele assim por certo tempo.

Xx

Acordo cedo, com o despertador martelando em meus tímpanos. Tateio embaixo do travesseiro e acho o celular, desligando o alarme. Minha cabeça lateja porque bebi um pouco além da conta ontem, mas não ao ponto de ficar bêbada. Resmungo e afundo a cara no travesseiro macio.

Quando decido que estou pronta para levantar, coloco um blusa e vou até a cozinha. São uma e meia da tarde, mas mesmo assim tomo café da manhã com minha mãe e Luke. Na verdade, um banquete.

Passei algum tempo revendo se eu esquecia alguma coisa, então fui à casa de Izzy que não iria poder ir até o aeroporto e depois visitar Magnus. Então minha mãe me liga e eu volto para casa.

Jace já está sentado no sofá quando chego e percebo o clima tenso entre ele e minha mãe, mas apenas o cumprimento e vou me arrumar para ir até o outro lado do país.

Em uma hora consigo tirar o resto de maquiagem da noite passada, os nós escondidos no cabelo e colocar minha calça jeans, moletom de Star Trek e tênis. Prendo meu cabelo e não passo maquiagem para evitar estragos.

Pegamos minhas coisas e vamos para o aeroporto.

Xx

Vou carro de Jace e para melhorar o ambiente, toca Lead Out Of The Dark, de um de seus CDs.

Sinto-me adormecida o tempo todo, até chegar à temida hora do embarque.

O primeiro que abraço é Simon e seguro as lágrimas o máximo que consigo, mordendo meu lábio inferior. Ele dá tapinhas em minhas costas, tentando me encorajar.

–Calma. Iremos ver Era de Ultron juntos ainda, esqueceu?- dou uma risadinha e bagunço seu cabelo.

Luke me diz que seis meses passam rápido e espero que ele tenha razão. Não vejo a hora de voltar a Nova York e nem mesmo sai daqui.

Abraço minha mãe e ela começa a chorar, pedindo desculpas. Mas sei que a errada da história sou eu, então falsificando um sorriso e falando palavras como: está tudo bem a culpa não é sua, ela se acalma um pouco, mas volta a chorar quando Luke a abraça.

E finalmente, a hora final. Jace Herondale está parado a minha frente e quando ele abre os braços, sou atraída para eles como parte de um ímã.

Abraço ele o mais forte que consigo e não consigo segurar as lágrimas. Tento memorizar seu cheiro, a textura de sua pele, o ritmo de suas batidas cardíacas e as mudanças no tom de sua voz. Não vou me iludir e muito menos ele. Não nos veremos por um bom tempo e isso faz meu coração doer.

–Eu te prometo- ele funga e sinto suas lágrimas em minha camiseta. O som de sua voz embargada pelo choro só faz isso quinhentas vezes pior- Que nos veremos no futuro e que meu amor por você não vai diminuir. Eu vou te esperar. E eu te prometo que de um jeito ou de outro, eu irei te ver. Nenhuma distancia irá me manter longe de você. Nada irá- seus braços se apertam ao redor de mim e eu volto a soluçar. Ele levanta minha cabeça, limpa minhas lágrimas e dá um sorriso. Eu nunca vi Jace chorando e gostaria nunca ter visto, pois sinto que isso quebrou meu coração já partido- Eu te amo.

Seu sorriso é cheio de dor. Ele passa os polegares pelo meu rosto e eu suspiro. Seus olhos amarelados analisam meu rosto com paciência e uma lágrima desce seu rosto novamente. Conforme ele puxa meu rosto para o seu, fico na ponta dos pés e nos beijamos lenta e apaixonadamente. Silenciosamente, sabemos que isso é nossa maneira de dizer um até logo e boa noite.

E essa é a ultima vez que meus lábios tocam os de Jace Herondale.