A Dama da Névoa escrita por Karina Saori


Capítulo 4
Você não está sozinha


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura *3*



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Pelo susto, não consegui sequer gritar. Fui puxada para dentro do quarto e caí de bunda no chão. Ouvi o ranger da porta se fechando, tornando a luz do corredor em apenas uma linha projetada no piso até deixar o quarto imergido na escuridão. Meu coração estava pulsando desesperadamente e, por mais estranho que pareça, eu esquecia de respirar.

Quando soltei o ar preso em meu peito, ouvi um suspiro junto com o meu. Meu corpo começou a tremer e prendi novamente a respiração. Minutos atrás, meu tio estava roncando, mas agora, o quarto estava silencioso até demais. Em minhas costas, ouvi uma risada abafada; apertei os olhos e não tive coragem de olhar para trás. Só abracei as pernas e esperei aquilo passar. Eu poderia simplesmente chamar a minha tia, mas... Não sei porquê, eu não conseguia me mexer dali. Em um segundo, senti uma palma cobrindo todo o meu rosto, pressionando o meu nariz e apertando os dedos gradativamente. Tentei gritar, mas aquela mão tampara a minha boca; tentei tirá-la do meu rosto, mas eu apenas arranhava a minha própria pele. Até que me empurrou e caí para trás, gritando desesperadamente.

Meu tio acendeu o abajur, me encontrando deitada no chão, com rosto todo arranhado.

— Lina?! O que aconteceu aqui?! Dirce, venha cá, rápido!

Ouvi a minha tia correndo até meu quarto, com seu andar pesado.

— Virgem Maria, Lina! O que estava fazendo aqui? — olhou para o meu rosto — Meu Deus, o que aconteceu dessa vez?

Os dois estavam agachados em minha frente. Minha tia passava a ponta do dedo nas marcas de unha com um rosto franzido. Contei a eles o que havia acontecido e me escutaram silenciosamente, apenas concordando com a cabeça e com olhos de preocupação.

— Lina, vá tomar um banho, troque de roupa e trate dessas feridas. Vou acender um incenso.

Fiz o que ela pediu. Depois do banho, olhei o meu reflexo no espelho e tudo que vi foi uma garota com olheiras profundas, olhos azuis acinzentados e um rosto branquelo, todo arranhado e com umas marcas ovais e roxas na testa. Marcas de dedos.

Saí do banheiro e encontrei minha tia passando incenso pela casa toda, enquanto murmurava algo. Meu tio estava no corredor e, assim que me viu, veio até a mim e inclinou o corpo esguio.

— Minha querida, você está bem?

— Estou, tio, obrigada...

— Não precisa bancar a forte, minha filha... Eu e sua tia estamos com você... Não precisa sofrer sozinha...

Tocou em meu ombro, me encarou com aqueles olhos grandes e castanhos; logo soltou um sorriso aconchegante. Sua voz era tão aveludada e acolhedora que eu o abracei e desabei a chorar.

— Eu não sei o que está acontecendo, tio... Por que tá acontecendo isso comigo?

Ele deu leves tapinhas na minha cabeça.

— Tudo vai passar, minha querida... E até lá, eu e sua tia estaremos sempre com você. Também conte com seus amigos, porque eles te amam, assim como nós. Agora vá para o quarto de sua tia, ela já passou incenso nos cantos das paredes de toda a casa.

— Mas e o senhor, tio? O senhor que dormirá em meu quarto...

— Eu ficarei bem... Tem incensos em seu quarto, também. Pode dormir sossegada e feliz, porque amanhã será um novo dia com aquele friozinho que você tanto gosta. E vamos rezar para nevar.

Abraçou-me de novo e deu um beijo em minha testa, voltando para o meu quarto enquanto esboçava um sorriso carinhoso para mim.

Fui até minha tia, que já estava de joelhos na cama, sentada nos próprios pés e com os olhos fechados, novamente murmurando algo que eu não conseguia compreender. Não quis interromper, mas ela abriu os olhos quando entrei no quarto, fazendo barulho no assoalho de madeira.

— Ah, você já terminou. Venha, vamos nos deitar... Agora está tudo bem.

Não tenho vergonha de falar que dormi abraçada com a minha tia. Quando deitei, ela me envolveu em seus braços e rezou em forma de uma música. Senti-me protegida de qualquer mal.

Acordei às seis e meia da manhã com a voz firme da dona Dirce e um chacoalhado leve no meu braço.

— Mocinha, acorde. Você tem escola hoje...

Cocei o olho pra dissipar o sono, quando lembrei o que aconteceu na noite passada ao arder as feridas em minhas pálpebras. Fui até o banheiro e vi que as marcas de dedos haviam sumido.

Quando eu estava terminando de me arrumar, a campainha tocou às sete horas.

— Lina! Desce que o Rafael está aqui!

Rafael? O que ele está fazendo aqui?

— Oi, Lina, vamos juntos para a esc... O que aconteceu com o seu rosto?!

Entrou em casa apressadamente quando me viu descendo as escadas. Segurou meu rosto com as duas mãos, com medo de passar o dedo nas feridas e arregalou os olhos com uma expressão preocupada. Eu nunca tinha reparado em seu rosto, mas Rafael era bonito... Com esse cabelinho castanho escuro e encaracolado.

— Não aconteceu nada... Tive um pesadelo ontem à noite e deu nisso. Mas chega de conversa, vamos logo, senão nos atrasaremos.

Puxei sua mão e me dirigi para porta, despedindo dos meus tios. Olhei para o meu tio e ele negou com a cabeça.

"Fale a verdade", foi o que seus olhos me disseram. Mas eu não queria envolver ele nessa história... Um dia eu contaria.

Quando saímos de casa, soltei a mão de Rafael. Aliás, só a segurei para sairmos logo. Ele pegou minha mão e a segurou com força.

— Agora vamos andar de mãos dadas... Você quem começou.

— Para de ser idiota, Rafael... Solta!

Ele olhou pra minha cara e riu debochadamente. Desisti e fomos assim para a escola. Obviamente, quando chegamos, Olivia veio me encher o saco.

— Eu sabia que vocês se amavam. Brigam tanto que só podia dar em amor e... Lina do céu, o que houve contigo?

Dei a mesma explicação, mas pelo seu olhar, ela não engoliu a minha desculpa.

A aula finalmente acabou. Não aguentava mais todo mundo me perguntando o que tinha acontecido com o meu rosto.

— Ei, vamos na montanha de novo? Preciso falar com você. Aliás... Você precisa. Quero que me fale a verdade.

— Falar a verdade? Sobre o quê?

Ele passou delicadamente o dedo em uma das feridas em meu rosto. Fechei o olho pela ardência e pude entender o que ele quis dizer. Apenas concordei e voltamos para aquela mini montanha que ficava perto de casa.

Sentamos na grama molhada e eu lhe disse absolutamente tudo o que havia acontecido nesses dias.

— Isso que você está me dizendo... É verdade?

— Lógico que é verdade, idiota. Eu não inventaria uma história dessas.

Ele colocou a mão no queixo, tentando entender tudo o que havia acontecido. Encarou-me com uma pontada de pavor e me abraçou novamente, encostando seu queixo em meu ombro.

— Eu não sei o que está acontecendo, mas... qualquer coisa, eu estou aqui, tá? Pode contar comigo para qualquer coisa que você precisar.

— Obrigada...

E ficamos assim... Ele me abraçando e eu sem saber o que fazer. Desconfortável com a situação, inventei alguma desculpa para poder ir embora.

— Rafael, preciso ir pra casa... Prometi pra minha tia que eu ia ajudá-la a fazer a faxina...

Dei leves tapinhas em seu braço, indicando para que ele o retirasse. Ele se afastou lentamente e deixou seu rosto bem perto do meu. E então, aproximou-se ainda mais, olhando fixamente para minha boca. Afastei seu rosto com a mão e ele ficou me observando entre meus dedos. Sorri forçadamente, levantei e me despedi. Agradeci enquanto descia a montanha e ele chamava meu nome, mas fingi que não escutei e voltei para casa.

— Lina, você e o Rafael estão namorando?

Dona Dirce me perguntou assim que eu cheguei em casa. Provavelmente ela estava nos vendo pela janela.

— É lógico que não, tia.

— Se estão namorando, por que não o deixou beijá-la?

— Nós não estamos namorando, tia!

Ela só deu risada, praticamente ignorando a palavra “não”. Suspirei.

— Mudando de assunto... Tia, você nunca fez nada a respeito das sombras que a senhora sempre viu pela casa?

— Já tentei de tudo, mas eles nunca saíram do lugar. Já até chamei pessoas de fora... Nenhum conseguiu resolver o problema. Mas estas sombras nunca sequer se moveram, só ficam paradas nos cantos das paredes... Nesses meus 57 anos, foi a primeira vez que as vi em outro lugar. Aquelas sombras claras também foram novidade.

— Como assim sombras claras?

— Depende muito da religião, mas a minha diz que sombras claras são almas de pessoas de bom coração.

Nesse momento lembrei do começo do meu sonho, onde supostamente meus pais me chamavam. Pensar que poderiam ser eles me trouxe uma leve sensação de conforto.

— Tia, quero dormir no meu quarto hoje.

— Tem certeza? Não é incômodo algum você dormir comigo...

— Não, tudo bem... Eu só quero testar uma coisa.


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Notas finais do capítulo

Não sei porquê, mas imagino o Rafael como o Fabio Audi, mas com os olhos verdes: http://iv1.lisimg.com/image/5602094/600full-fabio-audi.jpg

Obrigada por ler *-*