Em Meus Olhos escrita por Gabriel Golden Fox


Capítulo 6
Meta-humanos


Notas iniciais do capítulo

Música para escutar: Daughter - "Amsterdan"

DESCULPEM A LONGA DEMORA!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/505665/chapter/6

Naquela noite, eu não estava conseguindo dormir direito. Só consegui depois de ficar cansado de tanto tentar. Estava muito nervoso. Eu sou assim. Desespero-me antes de qualquer coisa dar errado. Ansiedade para que sei lá o que aconteça. Mas eu tinha que voltar para a escola e continuar minha vida... Eu poderia colocar a apalavra “normalmente” depois de “vida”, mas “normal” é um termo que não vou poder mais usar daqui pra frente, acredite. Mas fiz minha rotina: acordei, escovei meus dentes, tomei café da manhã, assisti televisão, almocei, tomei um banho, coloquei o uniforme da escola, conferi meu material, peguei meu cartão da condução e sai de casa.

Durante o almoço, minha mãe perguntou para mim:

– Quer mesmo ir? Depois de tudo aquilo?

– Por quê? Vai me mandar para alguma outra escola? – eu perguntei meio assustado.

– Estou apenas perguntando – ela disse – Se não quiser ir, eu entendo.

– Valeu mesmo, mãe. Mas aquilo já passou.

– Tomara, filho.

– Mãe... Não acha estranho eu ainda não ter sido preso pela polícia por ter feito... – eu falava, quando ela me interrompeu.

– Não acho que as leis tenham controle sobre a telecinese, ou muito menos na mutação. Ou muito menos em poderes paranormais – ela dizia sorrindo sarcasticamente.

Lá estava ele. O grande portão de alumínio. A entrada para um tipo de inferno estudantil. Eu sempre fui o primeiro a chegar. Gosto de chegar cedo. Mas nesse dia, eu preferi ser um dos últimos para que não fosse apedrejado por ninguém (se bem que poderia bloquear as pedras). E a maior parte dos alunos apareceu. Os alunos da minha escola faltam sempre que tiver uma desculpa esfarrapada como brecha.

– Lucas Candor? – alguém me chamou.

Quando alguém me chama pelo nome e o sobrenome, é porque algo de ruim pode acontecer comigo. Mas a essa altura, eu não sabia mais o que esperar do mundo.

– Lucas? É você? – a voz disse pela segunda vez. Foi ai que eu descobri que eu conhecia essa voz. Era da Analice. Ela estava muito surpresa em me ver.

– Oi. É... Bem, eu acho que sou eu – eu digo um pouco indeciso.

– Eu achei que você não fosse à escola hoje por causa, sabe, daquilo... - ela estava tímida. Isso não é muito normal dela.

– Bem, eu preciso seguir em frente... – eu continuo falando com ela enquanto entramos, sentindo uma sensação desagradável de estar sendo observado – Eu não sei o que aconteceu comigo ou o que foi aquilo.

Okay, eu sei que menti para ela, mas eu não tinha opção! Analice tem a cruel fama de fofoqueira. Não só como fala demais, como também ouve demais. Por exemplo, agora mesmo, ela me diz:

– Ouvi dizer que você deixou o George numa cadeira de rodas para sempre. Que ele não mexe ou sente nada da cintura para baixo.

– Então ele vai morrer virgem? – eu disse, com um certo tom de ironia.

– Que nada. Você acha mesmo que ele é virgem ainda? – Analice me olha com graça.

– Com certeza não! – eu digo.

Começamos a rir. Mas logo paro, porque os alunos não paravam de me olhar com medo ou desprezo. Eu oficialmente tenho medo de multidões. Estava com receio de que eles iram criar um motim em cima de mim, me bateriam até eu morrer. Mas isso não aconteceria, porque meus poderes se rebelariam novamente, matando mais pessoas. Aí a CIA e a SWAT iriam atrás de mim, mesmo eu sendo brasileiro porque os EUA adoram meter o dedo onde não deve, vou ficar com muita raiva, explodir os helicópteros e foder com o mundo de vez! Vou virar um monstro, me exilar do mundo e morrer sozinho... Nunca fui tão organizado mentalmente antes.

Entro na minha classe com muito mais medo que eu tinha no meu primeiro dia de aula... Na 4º série. Meu Deus do céu, por que eles não param de me olhar? Isso está começando a me fazer chorar! Beleza, eu matei um aluno e deixei outro numa cadeira de rodas, mas eu não quis fazer aquilo. O mais estranho é o olhar deles para mim. São olhares curiosos, às vezes vazios, com medo, com repulsa ou simplesmente passaram o olho em mim.

Tocou o sinal para a primeira aula. Os alunos demoram a entrar, mas se lembram que é aula de matemática, e também se lembram que Dona Peônia, nossa professora, é intensamente pontual e espera que os alunos sejam assim: cheguem na hora ou ficam do lado de fora e leva falta. Assim que ela passou o olho em mim, vendo meu olho violeta, ficou me encarando por um bom tempo. Não entendi aquilo, mas era como se ela soubesse de algo.

Havia se passado duas aulas, e a constante sensação de estar sendo vigiado. Até que tocou o sinal do recreio, para meio alívio. Ou pelo menos era o que eu pensava. Como eu disse antes, muitas vezes as cozinheiras da merenda acertam a mão com um prato delicioso. E hoje era o tal dia (Carne de panela com purê de batata e, claro, arroz com feijão: a melhor combinação já feita na face da terra). E é nesses dias que a fila aumenta muito. Então assim que tocou o sinal, fui correndo para o refeitório, que já tinha uma pequena fila formada por cinco pessoas. Não iria demorar muito para que o resto dos animais (os alunos, porque as escolas são como florestas) chegarem famintos e impacientes. E justamente junto com a chegada dos outros, Douglas, um moleque fanfarrão da classe da Thiago, resolve tentar furar a fila de forma descarada e que ninguém se manifestou para tirá-lo do lugar. Não deixei barato.

– Ei! Não vale furar a fila! – eu disse o barrando com o braço.

– Ah, garoto! Não fode! – ele falou me atropelando.

– Não, nem pense nisso – eu disse tentando tira-lo da fila.

– Não me empurre! – ele me disse ME EMPURRANDO com força. Lembrando que minha altura não me favorece muito.

Em poucos segundos, lá estávamos nós, brigando com empurrões ridículos de criancinhas de quarta série e atrapalhando a fila que já não estava muito organizada.

– AÍ! PAREM JÁ COM ESSA BADERNA! – uma das cozinheiras gritou batendo com uma colher de alumínio no caldeirão.

– Ele está furando fila! – eu gritei para ela.

– Não é verdade, eu estava aqui a um tempão! – Douglas gritou de volta.

Mas então, uma aluna que estava atrás de mim disse:

– O Lucas já estava aqui! Ele foi quem furou a fila!

– Você, garoto! Vai pro final da fila! – a moça ordenou.

Douglas, com uma cara emburrada que só aumentou sua feiúra, saiu bufando. Por fora, eu estava sério. Mas lá no fundo, eu queria esfregar que a justiça existe na cara dele. Ah, dá um tempo! Não vai me dizer que essa sensação de que está no controle de alguma coisa nunca passou por você? Aquela coisa de que finalmente alguma coisa deu certo para você, e que todos te aplaudiriam pra você.

Estava eu comendo meu prato em paz. Distraído com meus pensamentos avulsos, até que:

– Posso me sentar aqui com você? – uma voz disse.

Era a garota atrás de mim no refeitório. Só agora eu notei: Ela era nova na escola. Pele rosada, no tom claro certo. Logo cabelo castanho, lábios que parecem ter sido desenhados por Da Vinci e olhos verdes iguais esmeraldas brilhantes e reluzentes. Era linda de se ver, como uma estátua de mármore grega. Tão linda que eu nem me lembrei de parar de ficar encarando ela sem dar uma resposta a ponto dela repetir:

– Eu posso me sentar aqui? Se não tiver problema, é claro...

– Ah claro! Tudo bem – eu disse mais envergonhado que ela.

Ela deu um breve sorriso e se sentou na minha frente.

– Obrigado por me defender naquela hora. – eu disse de repente.

– Que nada. Não foi justo. Ele não é o único que queria comer.

– Olha só, você como novata não deveria começar seu primeiro dia dedurando alguém da escola. Quanto mais o Douglas, que tem a ficha suja... – eu disse, em tom irônico.

– Eu não tenho medo dele. Nem de ninguém...

Ela falou como se fosse imortal ou algo assim com um lindo sorriso. Sabe aquela sensação de que você quer passar o resto do dia com aquela pessoa que acabou de conhecer? É algo meio estranho.

– Sou Isabella.

– Lucas.

– Nossa! Então você é o famoso Lucas? – ela disse surpresa.

– Depende. Você tem medo de mim? – eu disse meio envergonhado (e eu achando que ela não fosse ficar sabendo...).

– Eu já disse, não tenho medo de ninguém. E além do mais, eu... Estou aqui justamente por sua causa. – ela disse cochichando no meu ouvido.

Minha epiderme arrepiou toda. Não só pela voz mansa e sexy que ela tinha, mas justamente pelas palavras que eu nunca achei que fosse ouvir.

– Como assim? – eu perguntei.

– Lucas, assim como você, eu também tenho poderes especiais. Eles só são diferentes dos seus.

Acho que nunca fiquei tão chocado como agora.

– Então você sabe o que somos? – eu disse.

– Sim. Somos meta-humanos.

– Que?

– Em outras palavras, somos mutantes. É tipo os X-Men. Mas nós temos os olhos coloridos. Já consegue fazer o olho esquerdo mudar de cor?

– Ai meu Deus! Sim! Quero dizer, eu o deixei azul ontem, mas...

Eu ia continuar falando, cada vez mais fascinado com o que ela dizia e eu tinha tantas perguntas para fazer. Mas eu me lembrei de uma coisa: Os dois olhos dela eram verdes.

– Espere m pouco. Seus olhos não são diferentes. São iguais.

– Muitos meses treinando, meu caro. Eu me concentrei o suficiente para que meus olhos ficassem da mesma cor. Se eu me desconcentrar um segundo se quer ou se minhas emoções ficar muito fortes, meu olho fica azul.

– Ah... E o que você faz? – eu perguntei muito curioso, sem conseguir evitar mostrar em meu rosto.

Ela dá um sorriso, meio nervosa e meio empolgada. Meu Deus, o que tem nessa garota, afinal?

– Pode não parecer, mas eu tenho super força, super velocidade e posso projetar rajas de energia pelas mãos. Além do mais, sou acrobata e artista marcial.

Isabella falava tudo aquilo com humildade, como se aquela combinação fosse normal. Eu fiquei boquiaberto. Ela era muita areia para o meu caminhão! Mas já que estávamos falando de poderes, eu disse:

– Bem, eu tenho...

– Telecinese, manipulação de campos cinéticos, super-regeneração, capacidade de vôo super-sônico, agilidade sobre-humana e... Acho que estou esquecendo alguma coisa.

– Está sim... DA PARTE EM QUE EU NÃO SABIA DE NADA DISSO! – eu disse cerrando os dentes, para não gritar.

– Jura? Deveria saber, já que você é o único mutante de olho violeta.

– Isso tem algum significado? Eu estou destinado pra alguma profecia bizarra? – eu disse.

– Não que eu saiba. Passei meus últimos anos procurando por respostas. E é por isso mesmo que eu estou aqui. Seu pai me disse para que eu encontrasse você aqui. Ele quer montar uma equipe de jovens com dons especiais.

– Uma liga de super-heróis? Isso é tão clichê! – eu disse, meio menosprezando a idéia.

– Pois é, mas ele está disposto a fazer isso. E a primeira pessoa que ele pediu para que eu fosse atrás é você e mais um garoto desta cidade.

Confesso, a idéia me animou um pouco, mas isso foi bom demais para acreditar. Imagine: várias pessoas com talentos sobre-humanos como você reunidas para um propósito. É o sonho de qualquer garoto geek do mundo. Isabella me analisava com os olhos, como se lesse a minha mente. Aquilo me assustou por um segundo.

– Como eu posso ter certeza do que você está falando? – eu perguntei.

Ela então fechou os olhos, respirou fundo, abriu novamente e eu pude ver que seu olho esquerdo ficou azul. Era um azul celeste, fazendo com que o verde realçasse sua beleza. Acho que eu estava apaixonado.

– Eu sou uma meta-humana, assim como você, Lucas.

– Tudo bem, mas aonde podemos encontrar o meu pai?

– Não esquente com isso – ela disse sorrindo maliciosamente – Vamos dar o fora daqui já. Vai acontecer um apagão pelo bairro. Os alunos correrão para pegar seus materiais, e assim que você sair da sala, eu vou te pegar. Entendeu?

Já vem acontecendo alguns apagões pelo bairro da escola e isso tem irritado muita gente, pois os aparelhos dos moradores acabaram queimando de tanta queda de luz. Quando isso acontece os alunos vão apressados para casa, já que não tem condições de ter aulas no escuro.

– Ah, tudo bem. Se você conseguir me achar – eu disse.

– Sou olho lhe fornece visão noturna. Achei que soubesse disso.

– Ai, na boa! Não vejo a hora de poder descobrir tudo que eu posso fazer, porque sinceramente não aguento mais ser o último a ficar sabendo de tudo!

E de repente, tudo ficou escuro. BANG! Alguma coisa me pegou pelo braço com muita força, que bateu uma tremenda dor no ombro, e quando eu me dei conta, estava na minha sala. Estava tão escuro que eu não sabia o que estava acontecendo. Eram alunos gritando e comemorando com a queda de luz, e com os seus celulares ligados par iluminarem o caminho. Mas isso eu só notei depois que cheguei. As carteiras eram arrastadas com força e pressa pelos alunos doidos para irem embora. Logo deduzi que foi Isabella que me levou para lá. E estava certo. Eu não consegui ver nada, só um veloz vulto arrumando meu material, que jogou a mochila em mim, nem esperou eu colocá-la corretamente no ombro e, novamente, me pegou pelo braço e me levou para fora da escola e, finalmente, para o terminal dos ônibus! Aquele vai e vem todo me deixou enjoado e eu acabei vomitando assim que cheguei lá. Isabella estava logo atrás de mim.

– Não precisa ficar envergonhado. Ninguém aguenta na primeira vez.

– Nossa! Mas o que foi isso?

– Eu e minha super-velocidade. Desculpe, era pro apagão acontecer bem depois, mas era eu te pegar assim que a luz caísse.

– Bem, acho que você executou sua missão brilhantemente. E agora? O que acontece? – eu disse me recompondo.

– Isso!

Assim que ela disse isso, sinto outro vulto atrás de mim. Eu ia virar para ver quem era, mas não adiantou. Braços fortes me pegaram pela barriga e eu sumi dali. Simples assim...


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!