Regis um menino no espaço escrita por Celso Innocente


Capítulo 8
Anéis do Universo.




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Seguimos abraçados ao refeitório, que ficava vizinho ao banheiro, porém, com a porta do outro lado do corredor. Ao entrar, notei que era enorme e muito bem montado: em cada canto, havia um aparelho de tevê de suas cinquenta polegadas; em uma das paredes, um enorme armário; próximo ao centro, duas compridas mesas de aço, rodeadas de cadeiras estofadas, em cor branca; o centro era vago e ao fundo, havia a cozinha, separada por paredes de acrílico azul transparente.

O senhor Frene ligou um dos televisores, que pratica-mente igual ao da emissora de onde viemos, com as mesmas qualidades de imagem e áudio; então fomos à mesa: ele apertou um botão de um aparelhinho que estava sobre a mesa e em seguida, entrou Leandra, que se aproximou, cumprimentando-nos:

— Olá senhor Frene! Olá Regis! Como estão?

— Vocês já se conhecem? — Perguntou o homem.

— E como já! Não é mesmo Regis?

— Foi ela quem me ensinou a tomar banho!

— Você é fogo mesmo, garoto! — Afirmou senhor Frene.

— Eu fogo? Fogo é ela!

— Um momento que eu vou trazer suas refeições! — Alegou Leandra e se retirou.

— Quem é ela, senhor Frene? — Perguntei.

— Se chama Leandra!

— Eu já sei o nome! Quero saber o que ela é do senhor?

— Mora aqui conosco e cuida de nossa cozinha.

— Conosco! Quantas pessoas vivem aqui?

— Apenas dez!

— Eu só vi quatro!

— Devagar você conhecerá a todos!

Leandra retornou com uma bandeja de aço, com dois pratos cheios de alimentos à base de legumes e dois copos, também em aço, com um suco roxo. Serviu-nos e o cheiro estava bom.

— Que comida é essa? — Perguntei indiferente.

— À moda da casa! — Insinuou ela. — Coma, você vai gostar.

Passamos a nos alimentar. Realmente, o sabor era bom: tinha gosto de milho cozido, maionese caseira e polenta. O suco tinha gosto de vinho de jabuticaba.

— Não tem carne? — Especulei.

— Não temos vítimas! — Riu o senhor Frene.

— Sorte dos animais! — Insinuei sério.

— Mas temos carne à base de vegetais. — Insinuou Leandra. — Não hoje!

Enquanto comia, me lembrei de algo que me deixava intrigado; então resolvi perguntar:

— Na televisão, não tinha microfones pra gente falar, nem pessoas controlando as câmeras. Como é que pode ser?

— Simples: os microfones são embutidos nas poltronas e as câmeras são controladas a distância por computador.

— E as pessoas no auditório? Elas também falavam e nunca, dois falavam ao mesmo tempo. Como pode ser?

— Já não te falei que nosso sistema é muito superior ao de vocês! — Riu ele zombeteiro.

— Eu sei! Mas queria entender como se faz! O senhor pode explicar?

— Posso não! Devo! É simples: em cada poltrona do auditório, também possui um microfone embutido. Possui também, uma luzinha verde e um botão. Quando um dos convidados quer interferir falando alguma coisa, aperta o botão, fazendo ascender uma luzinha azul, na sala de controle. Ao chegar à vez daquele que pediu a palavra, o computador liga o microfone e a luzinha verde da poltrona. Através dessa luz, o convidado sabe que chegou sua vez... Conseguiu entender?

— Engenhoso!

— E bem simples!

De repente, a televisão chamou nossa atenção, mostrando um filme, tirado de diversas partes de minha vida: era sorrindo, correndo, brincando, estudando e até chorando. Imagens e som, tão reais, que não se pareciam com cenas gravadas há muitos anos. Era como se estivéssemos mesmo, diante de uma janela, vendo ao vivo, o que acontecia comigo pelo passar de minha existência, Enquanto um narrador ia comentando:

“Esperamos centenas de anos, por uma pessoa que pudesse nos mostrar o poder do amor puro e a simplicidade infantil. Esta espera valeu à pena: Há quatorze anos, na Terra, a cento e dezesseis anos luz de distância, foi escolhida a criança que seria o nosso símbolo de paz e esperança, o nosso puro amor, a nossa simplicidade de vida. Agora, três bilhões e meio de corações, se unem no mesmo amor e mesma voz:” “Bem vindo seja você, querido filho de coração, Regis”.

Aquele filme; aquela homenagem me deixou muito emocionado, com algumas lágrimas diferentes da que vinha tendo até então. Aquilo, me fez confiar um pouco mais, naqueles humanos, que são meus irmãos e faziam papel de meus pais, em outro mundo, de tal forma, semelhante ao meu.

Terminado o jantar, fomos juntos à sala de computa-ção, a qual na Terra receberia o nome de CPD (centro de processamento armazenado). Assim que a porta se abriu, entrei correndo, sentei na poltrona e comecei a falar:

— A televisão falou coisa errada lá no refeitório. — Insinuei.

— Como assim?

— Ela falou que a Terra está a cento e dezesseis anos luz de distância daqui! Tony ou Rud... Não sei qual dos dois, me disse que são oitenta e sete.

— Ambos estão corretos! — Confirmou o senhor Frene. — Oitenta e sete anos luz terráqueos!... Se calcu-larmos sobre nosso ano susteriano, chegaremos a cento e dezesseis anos e sessenta dias! Aproximadamente!

— O senhor sabe tudo sobre o espaço?

— Um pouquinho! — Riu ele. — Estudo sobre isto desde que tinha a sua idade!

— Verdade?

— Com certeza!

— Cinco mil anos?

— Pois é! Só que me dediquei realmente a isso, a partir de quando decidimos trazer você pra cá! Nessa época, assim que construímos nosso sistema de comunicação com seu sistema, me dediquei de vez em conhecer sua Terra.

— Já que é assim, é verdade que em Saturno existem anéis?

— Saturno, ou Júpiter?

— Saturno!... — Fiz cara de certeza. — Está no meu livro de ciências!

— Não seria Netuno? Quem sabe Urano!

— Não senhor! — Neguei convicto. — É Saturno!

— Pra falar a verdade garoto, quase todos os planetas do Universo, possuem anéis. Os anéis de Saturno foram descobertos pelos terráqueos a mais de trezentos anos, formado em várias camadas, são na verdade blocos de gelos, que viajando na órbita do tal planeta formam o belíssimo anel. Mas em outra camada, é criada por nuvem de poeira ou mesmo água congelada que é jogada na órbita por um de seus satélites naturais, como se fosse um grande jato de nitrogênio. Os terráqueos dizem ter sete anéis, mas na verdade existem outros. Porém, como brinquei, Netuno, Júpiter, Urano e até Plutão, possuem anéis.

— Meu livro não fala nada sobre anéis em outros planetas do Sol!

— Mas com certeza existem! Seus livros ainda irão desvendar isto! Primeiro seus astrônomos precisam descobrir.

— Essa conversa me deixa tonto!

— O Universo é muito complexo. Mesmo a gente estudando sobre ele durante centenas de anos, é impossível aprendermos muito.

— Ufa!

— Na verdade, quase todos os sistemas estelares, galácticos, planetários... Como giram em grande velocidade no Universo, possuem ligados a sí, anéis. Seu Sol, por exemplo, tem pelo menos nove anéis, que são a rota de seus planetas, que viajam graciosamente e perfeitamente sem se deslocar de sua órbita. Caso se deslocasse, seria um tremendo caos no sistema, que se minimizados bilhões de vezes na tela de um televisor, seria algo muito belo de se ver. Imagine as engrenagens de um grande relógio cósmico.

Realmente aquela conversa me deixava confuso. Mas eu gostava dela.

— Alem do mais, o Sol, tem outros anéis ainda mais interessante. Já viu falar em cinturão de Kuiper... nuvem de oort? Cinturão de asteroides?

— Vixi!

— O cinturão de kuiper não deixa de ser um anel, que fica na órbita externa de seu sistema solar. Está repleto de meteoros gigantes, circundando o Sol. É ali que se formam os cometas. Já na órbita interna, existe o cinturão de asteroides. É daí que saem os meteoros mais perigosos, depois de se chocarem em espetaculares colisões entre si. Foi daí que saiu o grande meteoro que há sessenta e cinco milhões de anos, extinguiu seus bonitos e vorazes dinossauros. Você já ouviu falar na bomba atômica que devastou Hiroshima no Japão?

Acenei que sim.

— O meteoro que atingiu o México, extinguindo os dinossauros, tinha o poder em te-ene-te (TNT), equivalente a uma bomba de Hiroshima, se detonando a cada dois segundos por cento e quarenta anos terráqueos. A nuvem de poeira no espaço escureceu o planeta durante muitos meses, extinguindo a maioria dos seres vivos.

— Que pena! — Me entristeci.

— Que ótimo! — Riu ele. — Graças a extinção dos dinossauros, os seres humanos puderam dominar a Terra! Se tais répteis gigantes ainda existissem, com certeza vocês não estariam lá!

Só balancei os ombros, como fazia quando não tinha o que dizer.

— A Terra também tem anéis! — Insinuou ele, rindo.

— Nunca ninguém falou isso!

— Mas tem! Suster também tem! Só que são anéis artificiais, criado a partir das centenas de satélites posicionados na órbita planetária. No caso da Terra, eles estão em uma órbita chamada Geoestacionária, ou gel-sincrônico, localizada a trinta e seis mil quilômetros no espaço. A maioria deles são satélites de comunicação e localização. Eu por exemplo, tenho três desses caras, em posição tal, um pouco acima dos seus; cinquenta mil quilómetros, que consigo ver todo seu planeta em tempo real. Além deles, tenho mais um, considerado por vocês de baixa órbita, que fica a quinhentos quilômetros de altura e está apontado pra sua vida.

— É com ele que o senhor me observava durante todo o tempo, por essa máquina, aqui, tão longe.

— Exatamente! — Afirmou ele.

— Diga uma coisa: O senhor me observava, mesmo quando eu estava no banho?

— Que pergunta! Claro que sim!

— E ainda diz que me ama! — Exclamei aborrecido.

— Está com vergonha de que? De eu ter visto você fazendo algo que não devia?

— Não faço o que não devia! — Neguei indiferente.

— Sei que não!

Calei-me, baixando a cabeça. Depois resolvi perguntar:

— E tudo o que o senhor via, mostrava a todos?

— O que você acha?

— O senhor deveria me respeitar!

— Sua privacidade, você quer insinuar!

Nada disse. Ele, de pé, passou as mãos em meu ombro e disse:

— Tudo o que está gravado aqui nesta máquina, só é vista por outros, se eu autorizar!

— E?

— Daqui só saem imagens selecionadas! Aquelas que você viu na tevê, por exemplo, fui eu quem selecionei. Eu jamais divulgaria imagens suas, que lhe deixasse constrangido, pode acreditar!

— Mas tem coisas que nem o senhor deveria ver!

— O que, por exemplo?

— Se o banheiro tem portas e fechadura, é pras pessoas ficarem sozinhas! Não ligue mais isso! Eu não quero mais ver!

— Calma! — Pediu ele. — O que vou lhe mostrar não tem motivos pra vergonha!

E ligou a máquina: era noite e eu dormia. Na época, ainda morava no sítio, tinha apenas sete anos e estava doente, com muita febre. Chamei mamãe e apareceu papai, que, usando uma lamparina, pois nossa casa não existia luz elétrica, me descobriu e tirou minha camisa. Ao ver meu corpo suado, ordenou que levantasse e me despisse por completo. Embora, com muito frio, obedeci a sua ordem; meu corpo, nem sei por que, na virilha, estava repleto de espumas, como se tivesse tomado banho e esquecido de me enxaguar e secar. Ou pior! Como se tivesse usado o creme de barbear de papai, nestas partes. Não sei o porquê, mas era algo que me provocava tal febre. Naquela mesma tarde, estive brincando com outros amiguinhos e meus irmãos, no rio todo de pedra que corta o sítio e como a água era muito gelada, talvez tivesse provocado tal situação.

— O que há comigo papai? — Perguntei assustado.

— É apenas uma febre alta! Vai passar!

— Não vou morrer?

— Claro que não! — Riu ele. — Você ainda tem muita arte pra fazer! Vá tomar um banho morno, pra baixar a febre!

— Por que estas espumas?

— Não sei bem o que é! — Negou papai meio confuso. — Talvez devido algum tipo de lodo ou ovos de sapos, por vocês terem brincado no riozinho! Quando forem lá brincar de correr, não devem ficar sem roupa. Amanhã você estará bem!

No sítio, a gente costumava brincar ou nadar nos rios, sem roupas mesmo. Hoje eu tenho vergonha, mas naquele tempo achava natural.

Embora meio preguiçoso, segui ao banho morno, preparado em uma bacia por mamãe. Porem, ao contrário de sempre, tomei um banho bem rápido, me fazendo inclusive me sentir melhor. Enxuguei-me, voltando ao quarto para me vestir; porem, papai me pediu que fosse deitar e dormir assim, pelado, já que eu era apenas um menininho e seria melhor, para que as roupas não atrapalhassem meu restabelecimento. Tímido como sempre fui, obedeci contrariado e ele retornou a seu quarto. Poucos minutos depois, tornei a me levantar e me vestir.

— Eu estava doente! — Insinuei.

— Naquela noite, eu sofri com você! — O Alegou — Enquanto você dormia, eu te observei a noite toda!

Consegui dar um leve sorriso, enquanto ele adiantava a gravação.

— Engraçado é você ter ficado tímido em dormir sem roupa debaixo da coberta, mas não ficar tímido em correr dentro do rio sem roupa.

Dei de ombros como a dizer: “Também não sei”.

— Você se lembra da menina sua vizinha? — Perguntou-me.

— Qual?

— Aquela com qual você tem costume de brincar de casinha!

— A Regina?

— Ela mesma!

— Não acredito que fiz coisa errada! Com ela eu brinco de casinha...

— Você o papai, ela a mamãe... — Me Interrompeu.

— Sim! Mas nada do que não devia!

Ligou a máquina: estava há pouco tempo passado. Já estava com nove anos e estava sozinho em casa; era começo de noite e Regina, poucos meses mais nova do que eu, morena e muito bonita, chegou e começamos a conversar. Resolvi convidá-la a brincar de algo diferente: iríamos brincar de médicos. Ela aceitou prontamente e disse que seria a médica e teria que me examinar. Pediu que eu tirasse a roupa, ficando apenas de cueca e deitasse na cama de meus pais, então forçou as pálpebras de meus olhos, examinando-os; depois, fazendo uso de uma caixa de fósforos, como se fosse otoscópio (um aparelho de luz concentrado e uma lente de aumento), examinou meus dois ouvidos; pediu que abrisse bem a boca, mostrando a língua; depois segurando meu pulso direito, olhava para seu próprio pulso, como se acompanhasse minhas pulsações através de um relógio imaginário...

— Desligue isso! — Pedi apressado.

— Por quê? Algo errado?

— Desligue já! — Gritei ofegante.

Ele desligou a máquina, caçoando.

— Parece que você conseguiu! Não?!

— Não fizemos nada de errado! — Neguei, com a voz cortada.

— Lógico que não, Regis! — Disse-me ele sem brincadeiras.

Eu estava tímido.

— Houve outras vezes, até pior do que isto! — Disse ele.

— Nunca houve nada, além disso!

— Você sabe o que houve e eu sei!

— O senhor nunca mostrou estas imagens pra outros! Mostrou?

— Claro que não! Não precisa se preocupar! Nem se acanhar! — Riu ele. — Tudo coisa da vida dos terráqueos! Só acho você muito jovem pra isso!

— Apague estas coisas senhor Frene, por favor!

— Fique sossegado! Ninguém verá estas imagens!

— Nem o senhor é pra ver! — Neguei bravo.

— O que há?

— É pecado o senhor fazer isso comigo!

— Vamos dormir um pouco!

Foi boa idéia. Ainda chateado, com vergonha, segui para meu quarto.

Devido o calor e confiando que ninguém me visitaria de surpresa, vesti apenas um shortinho de pijama, sem camiseta e desta vez, lembrei de ligar o condicionador de ar. Então me deitei.


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