Estava dormindo tranquilamente quando ouvi um grito vindo do quarto ao lado. O grito e o quarto pertenciam a Haymitch. Corro pelos corredores, sem me importar com o frio. Alcanço a porta destrancada de seu quarto e abro, sem hesitar.

Me deparo com a imagem de Haymitch gritando de um jeito perturbador, segurando uma faca e balançando ela no ar, como se quisesse acertar algo invisível.

– Haymitch! Largue isso agora! - grito, ele não me escuta - Pare já com isso ou tiro essa faca de você a força! - berro, firme e muito alto. Até eu me assusto com meu tom de voz.

Ele deixa a faca cair no chão, como se acordasse de uma transe, desaba de joelhos e começa a chorar. Vou até ele e sento ao seu lado, automaticamente, Haymitch descansa a cabeça no meu colo, se encolhendo como uma criança.

– Eles voltaram - diz, no meio de soluços - os bestantes, os pássaros, o canhão, a morte dela... socorro.

Acabo me lembrando da menina que acompanhou Haymitch nos Jogos, a Maysilee. Os dois se aliaram e ela teve uma morte horrível. Me lembro da imagem dela, sendo destroçada pelos malditos pássaros... balanço a cabeça, tentando afastar esses pensamentos.

– Haymitch, eu... - não sabia como completar a frase, sem perceber, já estava fazendo carinho em seus cabelos - você não tinha obrigação de salvar Maysille. Não poderia ter impedido, se não morreria.

– Mesmo assim, eu pouparia a vida dela.

Haymitch parecia ser tão amargo que nunca imaginei que ele pudesse sentir algo. No entanto, ali estava ele, deitado no chão e chorando. E quem sou eu para julgar? Foi uma morte terrível e ele era próximo de Maysille.

– Ei, olha para mim - digo, ele vira o rosto para me encarar - você não era obrigado a nada, ela se foi e isso não vai mudar. Você tem a chance de acabar com os Jogos, pode honrar a morte dela. Não foi você que me disse que eles, os rebeldes, estão voltando? Ela sentiria orgulho se soubesse disso e te apoiaria. Você não podia fazer nada.

Ficamos um tempo calados, Haymitch chorando como se aquilo que aconteceu com sua aliada fosse sua culpa, e eu fazendo carinho em seu rosto. Não conseguia parar de notar em como parecia diferente quando não estava bêbado. Parecia até... normal.

Ajudo ele a se levantar, ficamos nos encarando por um tempo, constrangidos. Então, Haymitch faz algo que me surpreende, ele se aproxima e me abraça, soluçando alto.

– Quer que eu fique aqui? - pergunto delicadamente - fique com você essa noite?

– Só um pouco. Só nessa noite.

Não consigo deixar de rir, mesmo em toda aquela situação, Haymitch não deixava de ser birrento. Acredite, eu já tinha ouvido e visto muito coisa sobre ele, sabia o quanto podia ser insistente, arrogante e infantil.

Haymitch se deita na cama, eu me sento numa cadeira, ele segura minha mão e fecha os olhos, ainda tremendo por causa do choro. Adormece rápido e eu fico olhando seu rosto, ele é tão bonito. Poderia ficar ali para sempre e... "Effie Trinkt! Você está apaixonada por Haymitch? Vocês se conheceram hoje!" penso, surpresa comigo mesma.

Acabei dormindo também. Só acordei de madrugada, me levantei cuidadosamente e beijei lentamente a testa do mentor do Distrito 12. Sorri e tentei fazer pouco barulho.

Volto para o meu quarto e me deito na cama, meus sonhos foram tão calmos e doces aquela noite... o cheiro de bebida está nas minhas roupas e no meu nariz. E eu me sentia bem, como se fosse o melhor aroma do mundo.