Era meu primeiro dia de trabalho. Eu estava no trem a espera da chegada no Distrito 12, onde seria meu primeiro ponto de parada.

Nunca quis, realmente, trabalhar para a Capital, principalmente com algo que envolvesse os Jogos Vorazes. Sempre evitei ao máximo assistir aquele show de horrores, jovens sendo obrigados a se matarem para sobreviver, aquele... "Concentração Effie, concentração" penso, tentando controlar minha respiração.

Mas minha opinião não contava mais. Ali estava eu, indo em direção aos Distritos para acompanhar os pobres tributos a caminho da morte.

Retoco rapidamente a maquiagem e solto um longo suspiro. O trem para, dou um sorriso assim que vejo as portas duplas se abrirem.

Primeiro entram os tributos. Uma menina de apenas 12 anos em lágrimas, e um garoto de 16 anos, que consola a menor. Meu coração aperta e meus olhos se enchem de água a cada soluço que a garota solta. "Postura Effie" me repreendo mentalmente "exale confiança."

E por último, ele entra.

Os cabelos loiros bagunçados, o corpo definido e musculoso, o rosto um pouco abatido pela bebida e pelo sono. Era tão... lindo.

Sinto meu rosto corar. Eu conhecia seu nome: Haymitch Abernathy. Ele era incrível. Percebo que ainda estou o encarando, coro e desvio o olhar.

- Olá queridos - falo, tentando controlar meu sotaque forte da Capital - Bem vindo. Eu sou Effie e vou acompanhar vocês nessa viajem.

- Effie? - diz Haymitch, que me encara mais tempo do que devia - Você é nova por aqui?

- Sim. Hoje é meu primeiro dia - respondo.

Haymitch me olha de cima a baixo, como se me examinasse. Me mexi desconfortável com seu olhar e sorriso malicioso.

- Por que não vamos para o vagão refeitório? - pergunto, constrangida - Vamos lanchar algo?

Todos assentiram e caminhamos em silêncio até lá. A comida estava na mesa, observei os dois tributos devorarem tudo o que podem, sem nem examinar ou olhar. Só pegavam e engoliam.

Pela primeira vez na vida, não me sentia incomodada com os maus modos. Eles precisavam aproveitar a viagem, se sentirem bem.

- Meu nome é Haymitch - diz o mentor, quebrando o silêncio e bebendo algo que eu não conhecia. Talvez uma bebida alcoólica.

- Ah, sim. Eu conheço você - falo, tentando não ficar vermelha - Haymitch Albernathy. O único vitorioso do Distrito 12.

Olho para as crianças, elas ficaram mais tensas ao ouvir "o único vitorioso". Tento consertar esse meu erro.

- Bem Haymitch, quem sabe teremos mais um vencedor de seu Distrito.

Então percebo que, novamente, falei idiotice. Um vencedor. Apenas um. Isso mesmo Effie, lembre esses jovens que só um deles vai sair vivo. Parabéns Trinket, você acaba de destruir seu primeiro dia.

- Iniciantes - murmura Haymitch, em um riso disfarçado - pelo menos são realistas.

Ele se levanta, pega uma garrafa com bebida e sai, sem dizer mais nenhuma palavra.

Limpo a garganta, tentando ignorar o comentário anterior. Dou o sorriso mais doce e confiante que posso para os dois tributos.

- Querem mais alguma coisa? - pergunto.

Eles recusam, se levantam e saem. Quando estou finalmente sozinha, desabo no assento e solto um longo suspiro. Por algum motivo, eu estava com uma sensação ruim no estômago. Por que me sentia tão mal?

- Quer dizer que você é novata por aqui? - pergunta Haymitch, que está sentado na minha frente.

Dou um pulo da cadeira, não tinha visto ele chegar.

- Sim - respondo, tentando manter a postura.

- Você deve se sentir péssima - ele cospe as palavras.

- Por que me sentiria assim?

- Ver essas crianças e saber que, em alguns dias, elas podem estar mortas - responde - Eu já participei disso, Effie. A Capital destruiu minha vida porque me tornei um símbolo para os Distritos. E podem fazer o mesmo com esses adolescentes. Vão arrancar pedaços deles, saindo vivos ou não.

Nesse instante, os dois tributos entram no vagão. Me levanto, e forço um sorriso. Não consigo disfarçar meu corpo tremulo.

- Vou deixar vocês sozinhos - digo - boa sorte.

Antes de sair, a mão de Haymitch prende meu pulso. Sinto um arrepio e meu coração acelera. Ele aproxima a boca de meu ouvido.

- Aqueles que me fizeram de símbolo e lutaram estão voltando. Eles ressurgiram e ninguém pode negar isso. Só precisamos de uma faísca e todos vão se queimar. Esse pesadelo vai acabar. Não quero que se queime Effie - ele sussurra.

Haymitch solta meu pulso lentamente. Tinha algo em sua voz e um brilho diferente em seus olhos que deixava aquilo muito estranho.

Vou para meu quarto e me tranco, me olho no espelho. O que ele quis dizer? Então, meus olhos ganham o mesmo brilho dos deles.

O eles que Haymitch se referia estão surgindo das sombras, das cinzas. Aquelas frases que Haymitch me disse eram avisos, um alerta. Ele não queria que eu me machucasse quando eles voltassem.

Eles: Os rebeldes