Foi no meio da noite que fui acordado com um empurrão e senti, no escuro, alguém me desprendendo da cadeira.

“Olha a merda na qual você se meteu” resmungou a voz, fui puxado da cadeira mas minhas pernas falharam e caí no chão, ouvi um suspiro na escuridão e a iluminação repentina me cegou “James, levanta, temos que dar o fora aqui”. Natasha se agachou após acender a luz e encostou a mão na minha testa “Você está quente”. Ela tirou de uma maleta ao seu lado um pano e se virou para uma pia para encharcá-lo.

Agora eu posso ver mais claramente a sala ao meu redor, o espelho continua coberto no fundo do lugar que eu pensava ser uma cela mas era, na verdade, uma espécie de bunker pequeno e cinza. Infiltrações marcavam as paredes que eram adornadas somente por bancadas vermelhas cobertas de ferramentas e poeira como a qual Natasha estava molhando o pano. Ela estava me tirando daquele lugar mas estranhamente eu não queria ir. Cada pedaço dolorido do meu corpo implorava para que eu ficasse, assim como uma voz fundo da minha cabeça. Ela sussurrava sobre como eu não tinha um caminho para seguir ou alguém para me ajudar, eu devia aceitar a proposta de Fury e caçar os ratos da H.Y.D.R.A e, à medida que eu percebia minha solidão, essa opção ficava mais tentadora. Por um breve segundo pensei em Steve, mas rapidamente me lembrei da conversa com Fury mais cedo.

“Ele me quer morto” eu disse, me apoiando na cadeira para ficar em pé mas a dor que subiu dos dedos quebrados do meu pé me fez tremer e voltar a sentar “O Steve está me procurando, eu não quero lutar com ele”. O barulho de água corrente de pia cessou imediatamente. Natasha agora me olha do outro lado da sala como se eu tivesse dito algo absurdo, mas essa é a verdade, eu só demorei tempo demais para vê-la. Ela se aproximou de mim rapidamente, comprimindo o pano úmido e frio contra a minha testa.

“O que ele fez com você?” ela sussurrou, analisando meu corpo coberto de machucados, se demorando mais na visão dos meus dedos dos pés cobertos por crostas de sangue seco aonde Fury os tinha quebrado, arrebentando a pele. Afastei o pano molhado com meu braço esquerdo e segurei a mão dela até ela desistir de tentar voltar a comprimi-lo, ela o joga no chão, bufando, e me olha nos olhos “Eu não reconheço esses olhos, James” claramente ela está assustada “E parece que você não me reconhece mais também... O que ele te disse?” eu desviei os olhos dela, então é isso, é quando eu sei quem eu sou que não me reconhecem? Diante do silêncio ela continuou “Nick não agiu sozinho para te trazer para cá, você tem sorte de ele ter pedido ajuda para um cara que me devia uma. Por favor, vamos continuar essa conversa lá fora”. Ela levantou e esticou a mão para me ajudar. A brisa vinda da porta aberta me chamava para a noite e eu não aguento mais ficar naquele inferno.

“Você fala o que você tem que falar, e você vai embora” eu devia isso a ela pelo menos.

Subi a escada de concreto com dificuldade e logo senti o cheiro de maresia que vinha do porto logo à frente. Passamos por alguns containers e atravessamos um pouco do mato que os cercava até chegarmos numa base de concreto para guindaste abandonada e nela sentarmos. Ficamos longos minutos em silêncio até que eu tomasse coragem para dizer para ela.

“Eu não vou voltar, não tem mais nenhuma chance de que ele me olhe com os mesmos olhos de novo” ela estava prestes a protestar quando eu fiz um sinal para que me deixasse terminar “Eu queria não ter feito nada do que eu fiz, Natasha, e o único modo de... não sei, concertar um pouco disso é indo atrás dos integrantes da H.Y.D.R.A. que faltam. Depois disso terminar, eu me entrego ao que restou da S.H.I.E.L.D.” com certeza eles querem a minha cabeça numa estaca. Senti o ódio dela em seus olhos.

“Você tem razão, Steve está te procurando, há dias ele não dorme, ele mal come também de tão preocupado que ele está em te achar... para te salvar, James” ela coloca a mão no meu ombro “James, você é tudo pra ele, ele nunca poderia te olhar diferente do que ele sempre sonhou, é como se você fosse a merda do herói dele”.

Ela só pode estar mentindo.

“Não. Fury disse...”

“Foda-se o que o Fury disse, ele quer você para ser o hitman privado dele, ele não quer justiça, Barnes, ele quer vingança. Ele quer te soltar no mundo com a certeza de que você não vai atrás do Steve e por isso ele encheu a sua cabeça de besteira, escuta o que eu estou te dizendo” Natasha é uma boa mentirosa, mas eu ainda me lembro dos pequenos sinais no canto direito da boca que ela dava quando mentia. Ou ela melhorou nisso ou novamente tudo de que eu tinha certeza ia ser tomado de mim. Eu senti meu rosto esquentando e lágrimas rolando pela minha bochecha, molhando meus lábios, eu não posso quebrar de novo. Ela me segura pelos ombros “Para de tentar compensar por algo que você não fez, me olha, James. Não. Era. Você.” Eu gostaria de ter a convicção dela, mas agora está tudo rachando novamente.

“Por favor...” eu suspiro enquanto enterro meu rosto em minhas mãos “Você quer me dizer que merda está acontecendo? Dessa vez de verdade, porque eu não aguento mais pessoas mexendo com a minha cabeça” agora a tristeza se misturou com o ódio, fervendo em minhas veias e a próxima coisa que percebi é que estava de pé ignorando a dor que perfurava meus dedos e enterrando meu braço no concreto. O impacto fez voar lascas de concreto para todo o lado e quando a poeira abaixou, não sei se tremia de raiva ou dor. Natasha tirou um pouco de pó do meu cabelo e me puxou de volta para o banco, eu desmoronei ali mesmo, deixando que lágrimas de um milhão de emoções diferente fluíssem. Eu só penso uma coisa no momento, ele está me buscando.

Depois um tempo chorando em seu ombro, eu ergui os olhos para Natasha. O amanhecer já despontava no horizonte e cobria o mar calmo com sua luz. O vento frio da manhã batia em meu rosto suavemente, os cabelos dela voavam e sua cor se misturava com a cor avermelhada das nuvens.

“Você tinha deixado um arquivo na minha mala, como sabia que eu ia atrás dele?” minha voz rouca saiu com dificuldade. Meus pensamentos não rodavam mais em um turbilhão, mas ainda estava com medo.

“Do mesmo jeito que eu sei que você vai agora” ela me olhou longamente. Sim, talvez seja quem eu sou, quem eu sou de verdade, agora.

“Mesmo se ele me perdoar, a S.H.I.E.L.D. vai acabar me matando” eu sei disso, eu matei muita gente... Desencosto a cabeça do ombro dela e volto a olhar para o mar sem um foco definido.

“Eles não vão te punir pelo crime dos outros, Steve ajudou a fundar a S.H.I.E.L.D., ele não ajudaria a criar algo que opera dessa forma, você é um homem bom, ele vão ver isso. Além disso eles estão fragilizados, talvez até te admitam para trabalhar pra eles” ela sorriu. Isso realmente me surpreenderia. O Sol já começava a nos iluminar, mesmo que fraco, seu calor era agradável. Penso sobre o que ela disse sobre eu ser um homem bom, certamente eu fui, 90 anos atrás, mas não sei agora. Será que eu ainda me lembro de como é ser bom? Há muito tempo já não luto pelos ideais certos, há muito tempo não tenho um amigo para me guiar. “Devemos ir, Fury não vai demorar para chegar.” Eu concordo com a cabeça. Então me vem uma ideia à mente, uma ideia impraticável, estúpida, perigosa, mas eu preciso testá-la.

“Natasha” eu me ponho de pé com dificuldade “Eu tenho uma coisa para fazer antes, você pode me dar o endereço do Steve?” ela me olhou por um momento e depois, com relutância, escreveu num pedaço de papel.

“James, o que você vai fazer?” ela me pergunta antes de me entregar o endereço.

“Eu preciso saber quem eu sou” estico a mão para pegar o papel “Por favor”. Ela vira os olhos e me entrega.

“Ele vai chegar em casa logo que escurecer” ela pegou sua maleta e se levantou “Por favor, esteja lá”.

“Estarei” confirmei.

Me dirigi à escadaria que levava para o bunker subterrâneo aonde Nick me manteve. É hora de eu entender essa última coisa, encaixar essa última peça. No escuro da cela, peguei um pedaço de cano que acumulava poeira em cima de uma bancada e o assoprei. É hora de descobrir se sou vilão ou herói.