Imortais escrita por kathe Daratrazanoff


Capítulo 1
Prólogo




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Inglaterra, 1889

Jonathan desceu as escadas da casa, apressado. Pegou pela sexta vez o mesmo pano velho do bolso do casaco e passou pelo rosto, tentando em vão eliminar o suor.

Viu Lady Cirsyvell em pé, encostada a uma parede da sala. A moça fitava atentamente o vaso de planta na mesinha de centro, mas assim que ele se aproximou ela o olhou, a raiva latente em seu olhar.

—E então? O que é tão urgente a ponto de precisar da minha presença logo tão cedo?

O sol mal havia aparecido pelo horizonte quando sir Jonathan mandou um telegrama requisitando a presença da jovem, alegando ser caso de vida ou morte. Dizia que se tratava de assuntos do interesse de ambos, e que se ela não cooperasse ele mandaria trazê-la a força.

—Sen... senhorita - ele gaguejou, forçou a gargante e continuou - Eu lamento muito pelo incômodo. Não a perturbaria tão cedo se não fosse tão importante e sinto por tudo isso.

—É claro que sente muito - ela debochou em tom de escárnio- Não tenho paciência pra isso, então vá direto ao ponto. Tenho mais o que fazer da minha vida.

Jonathan a observou, procurando maneiras de a enrolar. Precisava ganhar tempo, precisava de uns minutos a mais para elaborar uma desculpa.

Cirsyvell tinha uma estatura baixa, talvez 1,65 de altura. Os cabelos castanho mel estavam presos em um coque, exceto por alguns fios que escapavam. Fios esses que davam um toque a mais suave em seu rosto carrancudo. Usava um vestido turquesa longo esvoaçante e torcia as mãos uma na outra.

—Você me ouviu? Eu disse pra ir rápido - Ela cruzou os braços, esperando uma resposta.

Jonathan foi até o sofá e se sentou. A situação em que se encontrava era tão delicada, que se arrependeu amargamente de não ter ido viajar com sua noiva para o Caribe. Podia não gostar das conferências de moda que Cecília insistia tanto em ir, mas se tivesse ido não estaria ali, naquela posição.

—Não quer se sentar? Talvez eu possa pedir para prepararem um chá para a senhorita. -Se ofereceu. Não poderia domar a fera, mas quem sabe pudesse acalmá-la?

—Eu não quero chá nenhum. Eu só quero saber por que me chamou.

Essa era uma garota difícil de enrolar, pensou. Era decidida, persistente e uma bomba sempre prestes a explodir. Olhou mais uma vez pra ela, desculpas não iriam funcionar dessa vez. Resolve ir direto ao assunto, torcendo pra que sua franqueza contasse pontos a seu favor.

—Ele me pediu para lhe dar um recado.

Os olhos dela se arregalaram, e toda sua expressão mudou de irritada para surpresa.

—Ele... ele quem? - ela sussurrou.

Era bom ver a garota sem reação, pra variar. Se mostrava sempre tão controlada e fria, não era à toa que ganhou a fama de Rainha Impenetrável. Nada a abalava, nada conseguiria perturbá-la. Era muito raro vê-la sem palavras, e Jonathan desfrutou ao máximo a observando nesse estado.

—A senhorita sabe. Seu noivo. - explicou.

De repente, os olhos dela escureceram, e uma aura negra a cercou.

—Ele. Não é. Meu. Noivo! - a garota grunhiu, com raiva.

Droga, não era bom sinal isso acontecer, pensou. Não queria despertar a fera, seu chefe não iria gostar nem um pouco que fizesse isso.

—Perdão, senhorita. Só estou aqui como um mensageiro, e de acordo com os boatos...

Ela fez um gesto com a mão esquerda, e a língua de Jonathan pareceu grudar no céu da boca, típico. Se passaram longos minutos enquanto se encaravam, e pouco a pouco ela foi relaxando e a aura clareando.

— Sinto muito, não tive a intenção... Só não me interessa 
saber de fofoca, em especial essa. - Sia Cirsyvell se desculpou.

Jonathan pegou o pano novamente, pasmo. Primeiro, a fazia ficar sem palavras. Depois, quase a descontrola e ainda recebeu um pedido de desculpas, mas a que preço? Essa garota o tirava do sério, e podia se meter em muitos problemas por causa dela.

Era surpreendente como uma menina aparentava ser frágil e sensível, quando na verdade era tão forte e perspicaz.

—Quer saber? Eu vou embora. - ela declarou, lhe dando as costas.

A moça se dirigiu a passos firmes em direção a porta,  e desespero tomou conta de Jonathan. Ele tinha ordens explícitas para não deixá-la sair, e ela não iria.

—Creio que isso não seja uma boa ideia, milady. Como eu disse, só desejo lhe dar uma mensagem.

Ela parou na porta e forçou a maçaneta com a mão. A maçaneta sequer se movia.

—Você trancou a porta!- Sia o acusou, furiosa.

Ela lhe lançou um olhar de puro veneno, e isso não iria acabar bem. Se ao menos tivesse escutado Cecília...

— Eu não tive escolha, ele me mataria. - se justificou, tentando pensar. - Além do mais, ele só deseja uma conversa com você.

—Uma conversa? - Ela gritou, o ódio declarado em sua voz. - Você disse que tinha uma mensagem pra mim. Agora é uma conversa? O que vai fazer agora, me levar até ele? Seu grandissíssimo mentiroso!

Os cabelos de Sia começaram a se mexer, como se estivessem numa ventania. O vaso de plantas levitou, e o olhar assassino dela o deixou sem saída.

— Eu não menti, Sia, é realmente um caso de vida ou morte. Da minha vida e de uma morte que não desejo tão cedo! - O vaso parou de subir e ficou estático no ar. Sia parecia pensativa, como se considerando a questão. -Não vou te sequestrar, nem eu nem ele. Uma conversa, isso é tudo. Eu prometo, Sia, e juro diante de Cecília. Você sabe que eu jamais usaria o nome dela em vão!

Sia estava em estado de choque, refletindo, quando a compreensão passou pelo seu rosto.

—Ele está vindo... -sussurrou, baixinho. – Me deixa sair daqui, por favor!

Medo exalava por todo o corpo pequenino. Por um momento chegou a ter pena dela, tão vulnerável e inocente. Porém, aparências enganavam. Não podia dar o braço a torcer, não quando faltava tão pouco.

Antes que pudesse dizer algo, a porta se abrindo os interrompeu.

Um homem alto, de sobretudo preto e chapéu apareceu, observando atentamente a menina.

—Senhor... - Jonathan fez uma reverência enquanto o homem se aproximava de uma Sia imóvel.

Com a sensação de dever cumprido, Jonathan andou apressado até a porta e olhou para o céu. Estava livre, finalmente, e poderia fazer o que bem entendesse.

As rua se encontravam vazias, e apenas um cocheiro se mostrava a vista. Queria ir o mais longe possível daquele lugar, mas o bom humor era tanto que até pensou em passar na cafeteria.

Começou a atravessar a rua, porém, sons de gritos o fizeram parar.

—Fique longe de mim, eu não quero que me toque!

Pensou em suas opções. Bane não a machucaria, certo? Ele disse que queria apenas uma conversa, nada mais. Mas e se fosse mentira? E se acontecesse algo a jovem? Mesmo que não fosse com a cara dela sabia que era boa pessoa, e não queria a consciência pesada caso algo desse errado.

Os gritos cessaram, e impelido por uma força maior deu meia volta pra ver o que se passava ali dentro.

Abriu a porta de relance e a fechou, consternado. Tinha visto Sia Cirsyvell sentada no colo de Bane, chorando. As mãos dele ao redor de sua cintura, as dela ao redor de seu pescoço , a cabeça apoiada em seu peito.

Enquanto se apressava pelas ruas, seus pensamentos se voltavam para os dois e a cena íntima que acabara de ver. Jonathan balançou a cabeça, se forçando a deixar a questão por esquecido. Não era complicado chegar a conclusão de que nunca os entenderia.


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