Em Família escrita por Aline Herondale


Capítulo 6
Achado que Consola


Notas iniciais do capítulo

Mais um pouco de mistérios para vocês.
Espero que gostem! rs



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Mesmo após ter lido três livros de temas sobre enterro e luto, não encontrei explicação para o fato do meu tio ter matado minha babá.

E após ver, à contragosto, minha mãe partir para um “passeio” com meu tio, cheguei a conclusão de que o melhor momento para procurar saber mais da vida de Charlie era agora. Ele, é claro, não iria ir contra um pedido de minha mãe para que a leva-se num passeio. Não enquanto quisesse ser nosso agregado.

Então parei o ato que estava tocando no piano e caminhei até o quarto do meu tio.

Charlie havia ficado com o quarto mais isolado da casa – era preciso subir uma escada que parecia que me levaria para alguma casa de favela. Mas eu sabia por que ele havia ficado ali: era o único quarto que mais parecia uma pequena casa, com televisão, frigobar, ar condicionado e contendo espaço até para um closet e um jogo de cadeiras. Instalávamos, ali, as pessoas que passariam um tempo longo conosco, pois tinha a medida certa de privacidade e conforto.

O quarto estava perfeitamente organizado, com a cama arrumada, livros sobre a estante, sapatos ao lado da lareira e afim. Já havia chegado à conclusão de que não encontraria nada interessante para bisbilhotar quando vi uma mala de mão, de couro marrom, ao pé da cama. Agachei-me e a abri.

Havia um livro grosso, óculos idênticos aos que meu pai usava, um estojo quadrado de couro de cobra – contendo passaporte, um mapa de Nova York, um porta cartão cheios com cartões de lugares aleatórios – e o fundo da mala coberto por um pano escuro. Puxei-o e por um momento perdi o ar.

Lá, sendo encoberto por aquele tecido preto, estava um presente. O presente. A mesma caixa de sapatos branca, envolta pela fita amarela, que eu ganhava todo ano e que recentemente havia descoberto ser dada pela minha babá – que agora estava morta.

Retirei-a dali com cuidado e a sacudi perto do ouvido, me lembrando da manhã do meu aniversário em que havia feito esse mesmo movimento, e escutei um peso bater contra as paredes de papelão. Definitivamente ali dentro não havia apenas uma chave, como no último, e uma senti uma urgência crescer dentro de mim. Eu precisava abrir para descobrir o que tinha no interior. E o mais importante: porque raios ele estava com o meu presente?

Nesse segundo senti minhas juntas congelarem e um arrepiou percorreu toda minha espinha quando escutei a voz da minha mãe gritar pelo meu nome. Eles haviam voltado. Droga! Eu sequer os escutara estacionar o carro.

Ela chamou mais uma vez e precisei guardar às pressas o presente e tudo que havia tirado do interior da mala; irritada. Ainda voltaria para descobrir o que o presente guardava.

Desci as escadas depressa e encontrei minha mãe na cozinha, apoiada na bancada da pia. Ela tinha uma taça de vinho nas mãos e um olhar malicioso direcionado para um ponto à sua frente. Me aproximei franzindo o cenho.

– Tem um aroma bem maduro. Escolheu um bom ano. – Disse ao me ver chegar. Mas não falava comigo.

– Pois eu achei muito jovem. Muito tanino. Não estava pronto para ser aberto. – Escutei a voz de Charlie vir da minha direita e não precisei virar o rosto para saber que ele estava parado no meio do corredor, entre as duas divisões da cozinha, de onde conseguia me ver perfeitamente.

– Deveria ter ido conosco, Evie. Ah, o capô conversível, o vento... Foi tão bom. Paramos e o tio Charlie trouxe sorvete para você. – Ela gesticulou com a mão que segurava a taça.

– Um de chocolate e um de baunilha. Eu escolhi certo? – Ele perguntou me olhando fixamente. Não sorriu dessa vez.

Pensei antes de responder rispidamente, cruzando os braços: - Eu gosto do misto.

– Ora, você mesma pode misturar, sua preguiçosa. – Minha mãe falou rindo. Bebeu mais um gole do vinho e perguntou olhando para os lados: - Aonde está a Senhora Deville?

– Ainda não chegou. –Menti mais uma vez. Quantas vezes mais teria que fazer aquilo até ela notar a completa ausência da nossa governanta?

– O quê? O que faremos agora? – Lena perguntou forçando um espanto. – Eu não sei cozinhar. – Ela disse olhando para Charlie, pendendo a cabeça para o lado, jogando charme. Pena meu tio não ter visto já que tirava os sorvetes da sacola plástica.

Que lástima.

– Eu sei cozinhar. Um pouco. – Ele levantou a cabeça e disse rapidamente.

Não pude evitar de lançar-lhe um olhar de raiva – éramos os únicos que sabiam do verdadeiro paradeiro da Senhora Deville. O que ele teria feito com o corpo?

– Não, não precisa fazer isso. – Disse Lena.

– Adoraria. – Charlie insistiu. Ela não conseguiria resistir àqueles olhos azuis.

Pelo canto do olho a vi lhe lançar um sorriso maliciosamente e dizer com a voz presunçosa: - Charlie, você não existe, sabia?

Então seu sorriso característico brotou no rosto e ele, finalmente, se virou para mim. Sustentei nosso olhar até que ele pediu: - Evie, pode levar o sorvete pro freezzer?

Não respondi. Apenas fiquei ali, parada, observando seu sorriso crescer no rosto a cada segundo. Me senti como se fosse seu brinquedinho e odiei a sensação. Minha mãe se pronunciou, quebrando o silêncio e chamando minha atenção.

– Faça o que seu tio mandou.

Suspirou e peguei os potes coloridos, postos ao lado do meu tio – que tirava mais alimentos de dentro de sacolas plásticas. Abri a porta que levava ao nosso freezer subterrâneo e antes dela fechar-se por completo ouvi um uníssono “Obrigado, Evie.” de ambos.


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Notas finais do capítulo

Eai, vcs já tem ideia ou hipóteses de como será o desenrolar da história?
NÃO DEIXEM DE COMENTAR!
XOXO