Tudo por Nico di Angelo escrita por Mariana Pimenta


Capítulo 27
Capítulo 27 (Final)


Notas iniciais do capítulo

Olá! Faz muito tempo que não posto, se ainda tiver alguém da época que eu ainda postava com alguma periodicidade, sinto muito fazê-los esperar.
Como eu coloquei nas notas da fic, me senti estranha de continuar com a história (mesmo que faltasse só um capítulo) quando o Nico começou a namorar o Will, pois ele finalmente conseguiu o que ele merecia, e escrever uma história em que ele seria supostamente bi pareceu muito batido e talvez preconceituoso, tentando empurrar nele algo que não é dele. Mas aqui é uma fanfic, não faz mal a ninguém e se não gostar da ideia, é só passar para a próxima, sem ressentimento.
A ideia desse capítulo ficou, sim, na minha cabeça por anos, ele ficou 3 anos com metade escrito e com o fim da saga PJ se aproximando, tomei coragem de acabar. Obrigada a todos que leram até aqui, em especial o pessoal que comentou, que me incentivou, recomendou e, se tiver aí, não desistiu de mim.
Uma última vez por aqui, boa leitura! ♥



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— Mariana, me espere!

— Bom, você não devia ser tão lerdo.

— Eu não sou lerdo. Você me largou dentro da boate. Podia ter me avisado que já estava saindo.

— Desculpe, não queria interromper vocês.

— Do que você está falando?

— Você estava se esfregando naquela garota!

— Não estava não! Eu estava recolhendo informações! Faz parte da missão!

— Mas seu pai não pediu para nós falarmos com ela. Pediu para nós falarmos com aquele cara que parece o Rei Midas. Com que eu estava falando.

— Espera aí. Você está... com ciúmes dela?

— Por que eu estaria com ciúmes dela?

— Você sabe muito bem por que.

Parei e olhei para trás, encarando-o.

— Não, não sei. Agora, vamos acabar logo com isso, porque eu preciso acordar cedo amanhã.

— Desde quando você precisa acordar cedo em um domingo?

— Eu tenho prova de física na segunda.

— E desde quando você estuda para uma prova?

— Nico, é prova de física. Eu preciso estudar porque as leis da física no nosso mundo não são as mesmas das do mundo do meu professor!

Sim, éramos eu e Nico. Hades havia nos mandado para uma missão para pegar uma alma que escapou dos Campos de Punição. Só que essa alma estava em algum lugar no esgoto de Denvan, e sendo protegida por algum monstro. Precisávamos entrar em uma boate, falar com um cara que conheceu o tal morto e perguntar sobre o tal monstro que ele conseguiu como guarda.

Com o passar do tempo, alguns monstros começaram a aparecer em Denvan. Eu descobri que de fato era a única semideusa na cidade, então não atraía muitos monstros. Mas como Nico começou a me visitar e passar o dia comigo quase todo dia, chamamos a atenção de alguns seres do Tártaro.

E agora estávamos andando pelas ruas escuras da cidade. Já era quase meia-noite. Já tinha umas três horas que Hades tinha dado a missão e estávamos demorando porque não podíamos viajar nas sombras, pois já o havíamos feito para sair de Los Angeles.

Seria pedir demais que o Senhor dos Mortos nos deixasse em Denvan?

— Mas, afinal, para onde estamos indo agora? Nós passamos por três bueiros e tenho certeza de que você notou isso. – disse ele, com uma corrente comprida na cintura que fazia barulho às vezes quando ele se mexia.

— Ainda não podemos ir lá. Precisamos de armas.

— O que me lembra que você não me contou qual é o monstro. Mas, se não estamos indo para o esgoto, para onde estamos indo?

Suspirei.

— Para minha casa. – disse, e apertei o passo.

.......

— Parece que você finalmente aprendeu a fechar a janela.

— Cale a boca.

Destranquei a porta de casa no maior silêncio que eu poderia. Madrasta e os diabinhos já estavam dormindo. Encostei a porta depois que eu e Nico passamos e subi a escada de dois em dois degraus.

— Feche a porta, e silêncio, por favor. Madrasta não pode saber que você está aqui nem o que estamos fazendo. – eu disse depois de entrar em meu quarto.

— Bom, nem eu sei o que estamos fazendo.

— Já vai descobrir. Pode pegar a lâmpada fluorescente debaixo da escrivaninha?

Nico ficou confuso por alguns segundos, mas fez como pedi, enquanto eu abria a janela do quarto, estava ficando abafado. Assim que ele me entregou a lâmpada, que funcionava à bateria, liguei-a, e ela iluminou-se com uma luz roxa.

— Isso é luz negra? – Nico perguntou.

— Exatamente. – respondi indo em direção aos armários – Por isso não podemos ligar a luz.

Um dos armários era apenas um espaço com uma pequena coluna de gavetas embaixo. Abri a última gaveta, que tinha o dobro do tamanho das outras e estava aparentemente vazia, e direcionei a luz para os cantos. Assim que pude ver meus desenhos, desliguei a lâmpada e retirei o fundo falso.

— Hã, o que você está fazendo? – Nico estava atrás de mim, olhando por cima do meu ombro.

Virei-me para ele apenas após tirar as duas caixas da gaveta e ir em direção à cama.

— Bom, eu precisava de um lugar para esconder isso, então juntei duas gavetas em uma só, fiz um fundo falso, para o caso de alguém vir bisbilhotar minhas coisas, e escrevi em runas nos cantos para saber onde devo puxar. Usei tinta neon, do tipo que só pode ser vista com luz negra. – coloquei as caixas em cima da cama e passei as mãos nelas. Eram idênticas, num tom vinho e detalhes em prata, arabescos simples que pareciam galhos de árvore, e uma caveira bem no centro – Se Quíron descobrir que tenho isso, estou morta.

— Hã, primeiro, por que você simplesmente não fez um fecho e comprou um cadeado?

— Você está falando com a garota que, com 12 anos, atravessou a costa leste dos Estados Unidos a pé para chegar ao acampamento porque achou que de avião seria muito fácil. Gosto de complicar um pouco. Fora que seria uma boa oportunidade de aprender. Além disso, desse modo é mais seguro.

— Não sei por que estou surpreso. Segundo, o que tem aí?

Abri os fechos de metal e expus minha possível sentença de morte. Pequenas facas e adagas, lâminas de tiro ao alvo, tubo de ensaios com líquidos estranhos, em sua maioria esverdeados, suprimentos de sobrevivência.

Virei as palmas da mão para cima, gesticulando para as caixas.

— Isso.

Nico se aproximou da beirada da cama e examinou o conteúdo, com os olhos arregalados. O líquido esverdeado nos tubos de ensaio chamou muito à atenção do filho de Hades.

— Você tem um estoque de fogo grego dentro da sua casa?! – sua voz se elevou um pouco.

— Fale baixo! – eu sussurrei, e olhei rápido para trás por impulso.

— Se você derrubar um frasco no chão, adeus quarto. Se derrubar a caixa toda, o quarteirão inteiro pode ir pelos ares!

— Você acha que eu não sei disso? Por que você acha que eu me dei o trabalho de esconder essas coisas tão bem?

— Mas por que... e como...

— Comprei com os filhos de Hermes, no acampamento. Nunca se sabe quando vai precisar.

Nico ainda olhava chocado para o conteúdo das caixas, mas apenas balançou a cabeça, aceitando.

— O seu conceito de segurança é um pouco deturpado. Só... pegue o que você acha que vai precisar. Não temos muito tempo.

— Certo. Só olhe se está tudo bem no corredor e na rua.

Peguei dois frascos de fogo grego e prendi ao cinto. Um cinto cheio de bolsos era realmente útil nessas situações. Além disso, eu me sentia o Batman.

Enquanto eu escolhia minhas armas com cuidado, Nico examinava a rua, de costas para mim. Sua sombra no chão ao meu lado era a única denúncia de sua presença, pois sua respiração era silenciosa, o que fazia com que muitas vezes, em reuniões ou lugares públicos, as pessoas esquecessem que ele estava ali. Mas eu já havia acostumado.

A sombra se moveu, indiciando que ele havia se virado. Voltei a mexer na caixa.

— Mari, eu precisava conversar uma coisa com você, e eu sei que essa é a pior hora possível pra falar, mas eu queria resolver isso logo.

— Fala o que é. – Droga. Será que fui muito grossa? Fingi mexer com as lâminas de tiro.

— Lembra na época que a gente se conheceu, na primeira vez que vim aqui?

— Lembro.

— Que você tinha aquele caderno que você usou para anotar informações e...

— Sim. – olhei rapidamente para a escrivaninha, do outro lado da cama. O caderno ainda estava guardado lá. Não mencione a última página. Isso de novo não.

— E... você usou a última página para escrever uma carta para mim, me dizendo como você se sentia...

Nico deve ter sentido que eu estava incomodada, pois não terminou a frase. Abaixei a cabeça levemente e fechei os olhos.

— Sim?

Ele se demorou um pouco para continuar.

— Eu queria saber se mudou alguma coisa.

Ficamos parados sem dizer nada por um tempo, até que soltei uma risada fraca.

— Você quer que eu fale sobre meus sentimentos agora? Justo agora que temos uma missão? – era uma tentativa de escapar do assunto, mas eu realmente estava surpresa dele ter escolhido aquele momento.

— Só quero saber se você ainda se sente daquele modo.

Coloquei minhas armas no chão e fechei as caixas.

— Não vejo motivo para falar sobre isso. Eu disse que você não precisava se preocupar. – guardei as caixas na gaveta.

— Por que eu precisaria me preocupar com isso?

— Porque você não... – virei-me para ele. A luz que vinha de fora iluminava seu rosto de lado. – A gente não... – tentei fazer gestos com as mãos para me expressar, mas nada ajudava. Você não sente isso por mim. Era o que eu queria dizer. E você não quer me ver machucada.

— Mari, muita coisa pode mudar em 4 anos. – Nico se aproximou de mim e sentou-se no chão comigo, bem na minha frente.

— Então você... – gosta de mim? Acho que consegui deixar subentendido.

— É, eu não sei bem. Sei lá, estou meio confuso.

— Desde quando... quer dizer, você...

— Tem um tempo... que eu queria conversar com você sobre isso.

Quanto tempo?

Nico não respondeu. Senti a raiva crescer dentro de mim. Acabei de arrumar a gaveta e levantei-me para pegar minhas armas.

— Você é inacreditável. – joguei as armas em cima da cama e comecei a organizá-las.

— O que foi? – ele se levantou e continuou me encarando.

— Por que só hoje, Nico? Francamente, você sempre soube que eu gostava de você. Desde que nos conhecemos, você já sabia disso. – virei-me para ele – Desde o dia em que você leu aquele caderno eu venho tentando apagar esse sentimento, dia após dia olhando para você e me lembrando que eu não deveria gostar de você. E você esperou até hoje, anos depois, e no meio de uma missão, para falar sobre isso?

— Eu estou a muito tempo tentando falar sobre isso. Era para termos falado sobre isso no dia do caderno. – minha expressão de surpresa quase o fez parar, mas ele ergueu um dedo, pedindo para eu esperar – Por isso eu sempre disse que você não tinha que se preocupar com isso. Mesmo se eu não sentisse nada, não me importaria, só se isso estivesse te machucando. Eu nunca pedi para você parar de gostar de mim.

— Então por que diabos você não falou nada naquele dia? Podia ter dito que eu não precisava...

— Porque eu achei... – ele respirou fundo, fechando os olhos e deixando a cabeça cair por um instante – Porque eu achei que era isso que você queria. Você tinha outros motivos para não querer gostar de mim. Achei que seria melhor para você.

Levei mais um momento para processar a ideia e escolher as palavras.

— Então... você mentiu pra mim achando que estava fazendo o melhor pra mim.

— É, eu...

— Você mentiu pra mim achando que era isso que eu queria.

— Não, quer dizer, eu...

— Você mentiu pra mim porque achava que eu queria que você não gostasse de mim.

— Mari...

Sentei-me na cama, balançando a cabeça. Fechei os olhos no momento em que Nico se colocou na minha frente.

— Você não entendeu. Você não entendeu o que eu quis dizer naquele dia. – levantei o olhar para ele. Sua expressão era de preocupação – Eu não queria gostar de você por várias razões. Mas a principal era por que eu achava que você não podia gostar de mim. De que adiantaria alimentar um sentimento que não seria recíproco? Desde que aquele... idiota do Cupido disse que eu estava apaixonada por você eu venho tentando mudar isso. E você chega agora e diz que não é nada disso...

O filho de Hades empurrou meus utensílios de guerra para o lado e se sentou próximo de mim. Não virei o rosto, mas ele me encarava.

— Desculpa. Eu sei que eu pisei feio na bola, devia ter te contado. Mas eu pensei que era o melhor pra você... e pra gente.

Olhei para trás, para as armas que escolhi. Já havíamos perdido muito tempo com essa discussão. Era esse tipo de distração que eu queria evitar.

— Ei... – Nico começou, mas logo foi cortado pelo meu movimento repentino. Levantei-me e voltei a organizar as armas, colocando-as no cinto.

— Temos que completar a missão, não temos muito tempo.

— Mari...

— Nico, – ergui o olhar para ele e fiz esforço para manter a voz firme – depois. Por favor. – falei cada frase pausadamente – Agora não é uma boa hora para falarmos disso.

Ele apenas aceitou silenciosamente e me ajudou a acabar de arrumar tudo.

Saímos da minha casa e não nos encaramos até chegarmos ao bueiro por onde entraríamos nos esgotos. Trocamos poucas palavras, só para ter certeza se aquele era o lugar que estava em obras, então o caminho debaixo do asfalto devia estar mais limpo.

Definitivamente os esgotos não eram só um túnel com um filete de água no meio, como vemos nos filmes, e o cheiro era pior do que eu imaginava. Fui a primeira a descer, e quando meus tênis bateram na água suja e o odor pútrido invadiu minhas narinas segurei um xingamento aos deuses. Nico veio logo depois, soltando um som de nojo.

— Se seu pai não fosse um deus, ia fazê-lo pagar por isso.

— Tudo bem. Também estou odiando-o nesse momento.

— Ok. O falso Rei Midas disse que ele deveria estar perto do parque do centro. Só temos que tomar cuidado para não destruir nada lá em cima.

O filho de Hades apenas assentiu e começamos a andar. Tentei não prestar atenção nos ruídos dos ratos enquanto tentávamos achar uma direção. Mentalizei um mapa da cidade e fui na frente como guia. Nico estava mais acostumado com lugares sombrio, além de ter estado no Tártaro, então deveria estar mais tranquilo, mas estava concentrado em sua tarefa de olhar para todos os lados a cada dois passos.

— Estou com um mal pressentimento.

— Normal em missões mortais.

— Como esse cara conseguiu um monstro para protegê-lo? Quem ele acha que é? Cronos?

— O cara na boate disse que ele via através da névoa, mexeu com alguns seres do Tártaro, deve ter feito algum tipo de acordo com algum titã. Vai saber o que os mortais estão fazendo hoje em dia.

Andamos por mais uns 100 metros em silêncio antes de ouvir algo suspeito. O som de lâminas sobre pedras e metais se batendo ecoava pelos túneis. Seguimos o som, que nos levou para uma câmara mais aberta, onde vários outros túneis se encontravam. Um rosnado obrigou-nos a nos escondermos em uma das aberturas dos túneis. O monstro tinha um rosto humano, mas o corpo era de um leão, com grandes patas alaranjadas e uma cauda que parecia de metal com espinhos na ponta.

— Achei que traria boas lembranças do seu primeiro monstro. – dei de ombros virando-me para Nico – Annabeth me contou que vocês enfrentaram um manticore quando se conheceram.

— “Poder de ataque 3000 e mais 5 para arremessos de salvamento.” – Nico pareceu sorrir para alguma piada interna e franzi a testa, sem entender. Ele me encarou – Foi a primeira coisa que eu disse quando o vi. Deuses, faz tanto tempo...

— Você viu um bicho desse tamanho e pensou em Mitomagia?

— Ei, eu era criança! Tinha uns 10 ou 11 anos.

— Enfim, vamos matar esse monstro, capturar essa alma e sair logo daqui.

— De acordo.

Analisamos a situação. Nosso fugitivo era uma figura fantasmagórica que estava com uma espada de bronze celestial e o manticore parecia apreensivo por isso, rodava em círculo olhando para os túneis e para o homem a poucos metros de distância.

— Se um de nós pudesse distraí-los enquanto o outro ataca, poderíamos acabar rápido. Mas não tem como sairmos daqui sem sermos vistos. – murmurei passando os olhos pelos túneis em volta da câmara.

— Tenho uma ideia, e você não vai gostar muito.

— O que é? – perguntei encarando-o.

— Me dê um dos frascos de fogo grego. – peguei o frasco com líquido esverdeado com cuidado e o entreguei – Você os distrai e eu te cubro. Se puder, desarme o morto. Ele é só uma imagem, não pode atingi-lo, mas aquela lâmina pode nos matar.

— E você vai ficar com a diversão de matar o monstro e mandar o defunto de volta. – dei de ombros – Não é bem a definição de “não gostar muito”.

— Não é disso que eu estava falando. Só confie em mim. E cuido com os espinhos venenosos do manticore. Te vejo na câmara. – dito isso, ele se afastou no escuro do túnel.

— Nico? – tateei o espaço à minha frente, mas ele havia desaparecido. O idiota viajou nas sombras? Pensei. Ai, droga!

Não pensei muito. Não sabia onde Nico estava, mas confiava nele. Então, me atirei na câmara iluminada. O homem se espantou e parou de brandir a lâmina para o monstro, que também virou o rosto humano e felino para minha repentina aparição.

— Oi! Foi aqui que pediram mais uma passagem só de ida para o Mundo Inferior? – brinquei, procurando Nico. Onde ele está?

No momento em que virei novamente para meus adversários, o morto fez um movimento com a espada apontando para mim e o manticore avançou ao mesmo tempo em que lançava espinhos venenosos pela cauda. Desviei, mas um atingiu meu braço de raspão. Nem senti a dor imediatamente por causa da adrenalina e do que aconteceu rapidamente em seguida: com o monstro a uns dois metros de mim, uma explosão verde o atingiu do lado esquerdo, a câmara sacudiu e ele cambaleou para o lado. Nico surgiu pulando de uma das plataformas acima de nós, brandindo a espada, e cortou a cauda do manticore, que já estava se reerguendo. O monstro tentou cortar Nico, mas sua pata fora atingida e já estava se desfazendo em areia. Vendo que meu companheiro podia dar conta daquilo, virei-me para o fantasma que apontava a espada para mim.

Meu braço começou a pinicar, mas tentei me manter firme quando o homem me atacou. Ele era lento e se eu não tivesse sido atingida teria desarmado-o mais rápido. Era um ser incorpóreo, não adiantava bater nele e faze-lo largar a arma. No fim, consegui jogar sua lâmina longe. Apontei meu facão para ele e, por força do hábito minha e dele, provavelmente, ele ergueu os braços rapidamente, mostrando rendição. Levou dois segundos para nos lembrarmos de que ele estava morto, então aquilo não fazia sentido.

Ele fez menção de fugir, mas Nico puxou as correntes entregues pelo pai, que tinham encantamentos do Mundo Inferior e poderiam segurar espíritos, e as lançou num estilo velho-oeste cyberpunk. O fantasma ficou enrolado nela e caiu de cara no chão. O filho de Hades não perdeu tempo ao se agachar, espalmar as mãos na superfície de pedra úmida que era o chão e abrir um buraco que engoliu nosso inimigo direto para onde ele nunca deveria ter saído.

Nico esfregou as duas mãos como se tirasse poeira.

— É, até que não foi tão difícil.

Dei um soco em seu braço e ele praguejou, me olhando feio.

— Você sabe que tem que tomar cuidado com viagens nas sombras desnecessárias, ainda mais em um período de tempo tão curto! Desde o incidente com a Atena Partenos você sabe que nunca mais foi o mesmo. – ralhei.

— E você deveria treinar mais seus desvios. Deixe-me ver seu machucado. – ele puxou meu braço com o corte e o examinou rapidamente – Não parece nada demais. O veneno não pegou. Um curativo normal resolve. 

Puxei o braço de volta e encarei o garoto na minha frente. Os cabelos estavam mais molhados, mas não saberia dizer se era de suor ou de água de esgoto mesmo.

— Você não deveria usar seus poderes assim. Duas viagens na sombra com poucas horas de diferença e uma passagem para o Mundo Inferior podem ser muito.

— Você está me subestimando, e bastante.

— Só porque me preocupo com você.

Ficamos um momento em silêncio examinando a câmara e escutando o barulho de água corrente acima de nós.

— Não é o mesmo som que os túneis têm. – observou Nico – Por que será?

— Estamos debaixo do parque, provavelmente perto do lago. – eu disse, olhando para cima e fazendo novamente o mapa mental da cidade.

— O lago. – ele repetiu e me encarou colocando as mãos nos bolsos – Já tem mais de um ano daquele dia, né?

Já havíamos ido ao parque outras vezes depois daquele meu aniversário, mas só assenti, compreendendo onde ele queria chegar.

— Podemos falar sobre aquilo agora? – ele perguntou se aproximando de mim e pegando minhas mãos. O toque me deixou nervosa de um jeito que eu não ficava havia algum tempo.

— Você pode esperar pelo menos nós sairmos do esgoto? – indaguei, inclinando a cabeça para ele – Estamos ensopados, fedendo, você precisa avisar seu pai que nós já conseguimos...

Ele me cortou pressionando seus lábios contra os meus. Fechei os olhos e ele ficou nessa posição por alguns segundos, até que segurou meu queixo com o polegar e disse:

— Você pensa demais.

Acho que essa é uma das piores declarações que você pode fazer para uma filha de Atena, ainda mais quando você diz isso depois de beija-la e simplesmente se afasta por entre os túneis de um esgoto, como se nada tivesse importância. Andei rápido para alcança-lo e me coloquei ao seu lado já apontando um dedo para seu rosto.

— Não pense que não estou mais com raiva de você por não ter me falado do plano direito.

— Passa rápido. – ele deu de ombros com um sorrisinho – Você nunca consegue ficar com raiva de mim por muito tempo.

Corei um pouco.

— Você me conhece bem demais.

.......

Levantei-me na manhã seguinte com um pouco mais de animação que o normal. O sol parecia mais quente, mais caloroso, as poucas pessoas que passavam na rua pareciam mais felizes, as árvores estavam mais verdes. E eu sabia que o motivo da minha felicidade era um semideus de roupas escuras e sobrenome italiano.

Lembrei-me da resolução da noite passada. Nico fez questão de passar na minha casa para me ajudar a fazer o curativo no meu braço. Depois, nos encaramos e ficamos um pouco envergonhados de nós mesmos, então apenas nos abraçamos e nos despedimos. Só depois que ele pulou da janela do meu quarto que percebi que ele ia fazer uma terceira viagem nas sombras em uma única noite. Primeiro, me amaldiçoei por não ter evitado isso. Segundo, perguntei-me como poderia evitar. Convidando-o a dormir na minha casa? Senti o ambiente esquentar só de pensar. Mas afinal, por que eu me sentia assim? E o que, em nome dos deuses, nós éramos agora? Não havíamos nos declarado oficialmente, nenhum pedido de namoro havia sido feito, mas parecia que nós finalmente entendíamos nossos sentimentos, e eles não eram ruins. Finalmente, as coisas pareciam fazer sentido entre nós, mais do que já faziam antes.

Desci as escadas para tomar café, rindo como uma idiota. Será que nós nos veríamos hoje? Ou seria como da última vez que nos beijamos, em que ele não veio no dia seguinte e depois fingiu que nada tinha acontecido? Não, dessa vez era diferente. Nossos sentimentos estavam em sincronia e nós dois sabíamos disso. Passávamos muito tempo juntos, não éramos mais crianças e não precisávamos esconder o que sentíamos. Na verdade, acho que nunca precisamos. Mas agora eu tinha certeza que as coisas iam ser diferentes daqui para frente.

Saí da cozinha alguns minutos mais tarde e assim que atravessei a porta vi que havia alguém perto do sofá da sala, uma figura branca e larga. Madrasta e os pestinhas ainda estavam dormindo, com certeza. Num impulso, puxei uma adaga pequena que escondia no móvel perto da mesa de jantar e apontei para a pessoa a minha frente – sim, eu escondi algumas armas pela casa, pois nunca se sabe, por exemplo, quando um estranho possivelmente do mundo divino vai invadir.

Ele estava de costas examinando o ambiente. Quando vi as asas brancas segurei um xingamento, ainda surpresa com a aparição divina do deus. Vestia a túnica branca com calça jeans e o arco e flecha no ombro, como se não tivesse se passado nem um único dia de nosso último encontro. Continuei congelada mesmo quando ele se virou e me encarou com aqueles olhos vermelhos.

— Olá, Mariana. Há quanto tempo. Os anos passaram rápido. – ele mostrou um sorriso cínico.

— Cupido. – finalmente abaixei a lâmina, mais por respeito do que por me sentir segura – O que está fazendo aqui?

— Vim parabeniza-la, e vou pedir que fale com o senhor di Angelo por mim. Creio que ele detestaria minha presença tanto quanto você.

— Me parabenizar?

— Não apenas você, vocês dois! Finalmente deixaram seus sentimentos guia-los. – ele examinou a ponta de uma flecha – Parece que meu trabalho aqui está feito.

— Então eu o agradeço pelos seus serviços. – ergui as sobrancelhas com a ironia – Acredito que há outros semideuses e mortais para servir de alvos para suas flechas, então...

— Acho que já lhe disseram que não é muito prudente falar com um deus dessa maneira. – ele parecia apenas comentar, mas seus olhos pareciam faiscar.

— Nunca tive medo de você. – continuei encarando, apesar de sentir que talvez fosse bom tentar não passar dos limites.

— Não. – ele sorriu levemente – Você tem medo de si mesma.

Senti minha expressão desmanchar e franzi o cenho.

— Você tem medo de fazer algo errado, estragar tudo e ser um empecilho na vida das pessoas que ama. – ele continuou – Por isso não se deixa levar. Sempre presa dentro da sua própria mente. – ele fez uma pausa e se aproximou um pouco – Mas agora você está livre. O último passo para se livrar de suas amarras mentais foi dado.

— Desde que não seja um passo dado direto para o abismo... – revirei os olhos.

— Isso eu não sei. Daqui em diante, é unicamente com você. – Cupido começou a se afastar novamente – 16 anos é uma idade comum para heróis morrerem, mas sabe, Mariana... acho que no seu caso foi outra coisa que morreu em você. E fico muito satisfeito com isso.

O deus do amor colocou os braços para trás e pareceu rodopiar no lugar antes de desaparecer, engolido pelo ar, deixando uma pequena pena branca no lugar onde estava segundos antes.

Abaixei-me e peguei a pena, girando-a entre os dedos. Então era isso. Eu estava livre. Livre daquele anjo maníaco e dos meus sentimentos encarceradores. O dia voltou a parecer feliz, porém agora com mais motivos para isso.

A campainha tocou, tirando-me de meus devaneios. Dei alguns passos, abri a porta e encarei aqueles olhos escuros que eu tanto amava.

— Oi. – disse Nico, parecendo sem graça.

— Oi. – disse eu, nervosa. Pisquei algumas vezes para me lembrar como formar uma frase com sentido – Eu lhe disse que tinha que estudar hoje. – o garoto mal chegou e eu já estava enxotando-o para fora? Muito bom, Mariana, muito bom. “Daqui para frente, é unicamente com você”.

— Eu sei. – ele sorriu – Mas eu poderia te ajudar. Ou... – ele mexeu os ombros, balançou a cabeça e suspirou – Só quero passar o dia com você.

Sorri, assentindo. Nós dois estávamos rendidos.

— Eu também.

Pela primeira vez, quem puxou para o beijo fui eu. Soltei a pena no chão, pois o único anjo de quem eu precisava estava naquele momento em meus braços. E eu faria de tudo para mantê-lo ali comigo. Sim, eu faria tudo por Nico di Angelo.


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Notas finais do capítulo

Então, o que acharam? Comentem!
Novamente, muito obrigada por tudo! Essa é uma história da qual tenho muito orgulho e estou muito feliz de finaliza-la do jeitinho que sempre pensei! Agradeço a todos que leram e espero encontrá-los em alguma outra história minha, nos comentários, nas suas próprias histórias, qualquer lugar. Podem mandar mensagem privada para mim se tiver algo a dizer.
Muito, muito obrigada a todos que passaram por aqui.
Beijos e até a próxima!
Mariana Pimenta



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