A escultura de Falcon. escrita por Janice Nagell


Capítulo 2
Capítulo 2


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura.



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CAPÍTULO DOIS.

"(...)Nessas feições tão cheias de serenidade,

nesses traços tão calmos e eloqüentes,

o sorriso que vence e a tez que se enrubesce

dizem apenas de um passado de bondade:

de uma alma cuja paz com todos transparece,

de um coração de amores inocentes."

[Byron]

Naquela noite grudei os olhos, não descansara. A manhã pois, debruçou-se sobre a terra, o vinho ainda me inflamava, havia tombado no divã e levantei á custo; Minhas pernas m’o traiam—Saí. Os redores eram só campos, sentei-me no erval para soprar meu fumo, a aguardente ainda apertava a garganta, contudo, eu curava vícios com vícios.

Não mui longe, dentre anéis de fumaça que eu desenhava no ar, vi o plectro do mestre. Ao lado duma árvore, ponta dos pés, a tirar dos galhos os romãs e cerejas maduros. Inda vestia o mesmo traje branco em que o vira antes, um pássaro alvo e gracioso, jogando os frutos á cesta que grudava ao colo ebúrneo. Legolas era uma daquelas esculturas que os bardos amariam com louvor. Colhia-os com esmero, inibido, como se os surrupiassem. Levou um dos dedos embebidos do sumo carmim aos lábios, e pintou-os com o sangue das cerejas.

—Bom dia. Lho disse. Ele parou, tremeu e deixou cair o fruto ao chão, como se apanhado no ato. —É época de romãs.

—Sim, estou colhendo-os para o mestre.

—Ora, por quê não vai juntar se á ele? De certo o espera na mesa.

Sacudiu a barra da veste e os cabelos cobriram-lhe a tez reclusa como uma cortina d’alva.

—Ele não gosta de m’o ver comendo.

Entendi e deixei-o a só, para alimentar-se enquanto o pôde. Falcon pertencia à escola dos extremos artistas que cultuam o belo, desprezavam as necessidades do corpo, pois criam que estas diminuíam a apoteose das musas. Embora eu, mui sincero, não concebesse como se podia repudiar quando aquela boca abria-se revelando os dentes de pérola para cravá-los num sucoso fruto; Quando o fervor da satisfação lustrava de cores o rosto etéreo e a saliva orvalhava os lábios como a chuva aos rosais.

O pintor convocou-me para dentro, fui ter com ele os estudos de anatomia. Estávamos na sala do grande arco, Falcon vaporava entre os textos e pirogravuras. Afora o céu estava desabando em água, um trovão rasgou-o de prata e alongou-se na janela, obstante, o mestre cachimbava o narguilé.

Ouvi um tilintar no soalho, pequenos clanques de pés ensopados. Por certo era o encanto que de manhã eu vi na campina; Todavia, estava radiante, ao que inda fosse possível. A chuva molhara toda a indumentária casta, a água grudou-a ao corpo formando um véu flácido, que por vez, demarcava cada curva divina. Os cabelos umidíssimos gotejavam pelas costas e as faces risonhas, os olhos salientavam-se como dois seixos d’azeviche. —Eu vislumbrara a imagem do desejo.

Levava a mesma cesta ao colo, em cujo palor jazia uma dália sozinha. A flor pinchava sempre que aquele anjo dava um suspiro.

—Vede, trouxe-lhe romãs da estação. — contente, anunciou ao velho. Postou a cesta na mesa de escrituras, debruçou-se nos joelhos de Falcon e tomou-lhe o narguilé, fumando-o com destreza. Os espirais vieram dissipar-se em minha fronte, inebriando-me por feitiço. Ele riu-se, juntando o nariz ás cãs do homem.

—Criança, vá trocar-se. — respondeu o pintor jocoso, afastando-lhe.

Legolas deixou-nos, torcendo o pé das vestes e traçando poças pelo chão, tal qual pândega musa numa estrada cristalina.

—A beleza élfica: Eis algo á que nunca me acostumarei. — declarou Falcon, voltando ás escrituras em que baixava a face. —Estou ficando velho, gasto. A força e o vigor já me abandonam. —arfou inanido. —Ele contudo, está cada vez mais lindo. Eu o amo, como o mar ama a Lua que o pratea. Isto inda será minha destruição. —pareceu-me cansado, então largou um nostálgico riso.

Sentamo-nos na sala á noite, batíamos as taças de vinho novamente como dois convivas. Mestre Falcon estava proferindo as velhas oralidades, Legolas enredou-se conosco para ouvi-las. Por sobre o habitual vestido, trajava agora um manto branco de inverno; As plumas fofas vinham acomodar-se ás laterais do rosto plácido. Como noutras horas, as melenas estavam úmidas, entretanto, á medida que secavam no frescor volviam á ser rio d’argento.

Logo o pintor já estava a cabecear de ébrio, deitou as faces rubras de carraspana sobre a mesa e cochilou. Legolas acendeu uma lamparina e levou o vetusto abraçado consigo pelos corredores, antes dirigiu-me uma escusa: —É um sonhador, a alma inda cheira á vime novo. —sorriu brando.

Depois foi ao meu quarto entregar-me cobertas com as honras do anfitrião. Esperei-o sair —fui á adega do cômodo de Falcon, pois queria findar com mais uma garrafa de vinho para recolher. Ouvi um dedilhar de harpa, seguiu-se um canto ameno feito clarins de prata. —Movi-me na surdina. Espreitei pela porta o velho homem reclinado sobre o macio colo de sua musa, Legolas cantava-lhe as elegias de seu povo para remetê-lo ao tranquilo sono. Luzia num facho, nada suplantaria aquela formosura; De repente a visão de Arwen empalidecia no desvão de minha memória. Pude ver, porquanto o mestre adormecia recostado á pele láctea, um aljôfar trepidar-lhe no devoto olho.


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Notas finais do capítulo

Mo desculpem, é que estava a ouvir esta música.
http://www.youtube.com/watch?v=8h3h-BHx79o

Deve explicar certas coisas..



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