Álcool, Shirley e rock n' roll escrita por AnaMM


Capítulo 6
Ruas de Pedra


Notas iniciais do capítulo

UFA! Consegui! Passei dias de um lado pro outro com esse capítulo, mas aqui está, espero que agrade.

Meus agradecimentos à Xará Raquel, que alegrou minha noite elogiando a fic



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Conduzido pela loira, Felipe se deixou levar. Estava exausto, sem controle sobre suas ações, e Shirley o estonteava. Tentava repetir para si que era errado, que a garota não prestava, que deveria se afastar, fugir. E, a cada vez que tentava fugir, era empurrado por seu próprio desejo. Não era um beijo de ataque, de provocação, como os outros. Era lento, aos poucos, ainda assim urgente. Shirley parecia hesitar e querer seduzi-lo ao mesmo tempo. Como se fosse preciso muito, pensou. Com aquele corpo, aqueles lábios, beijando-o daquele jeito, Felipe sabia que estava entregue antes mesmo que a loira tentasse. Estavam sozinhos, podia fazer o que quisesse. Por algum instinto pervertido, não se importava com estar beijando a mesma miss que ainda naquele dia havia beijado o namorado de Helena. Queria ser envenenado por Shirley, fosse ela a cobra que imaginava. Pouco lhe preocupava, naquele momento, tendo-a em seus braços, que fosse jogado de lado no dia seguinte, ou usado e jogado fora. Estava acostumado com o lixo, era onde a família parecia não se importar em deixá-lo. Ignorou o último fio de racionalidade que o enfrentava e rompeu a passividade que tomava conta de suas ações. Enlaçou os braços ao redor da garota com mais força, intensificando o beijo ainda mais.

Shirley se afastou bruscamente ao estilhaçar de um vidro. Gritos soavam do bar, cortando o silêncio da noite. Avistou a garrafa de Felipe ao seu lado, vazia. Sentiu o álcool decorrente do beijo se infiltrar em sua boca, o irmão de Helena a observando confuso.

Você tá bem?

As risadas alteradas, o odor de bebida por toda parte e os gritos indecifráveis de dois homens brigando no bar tomaram seus sentidos. Sentiu a cidade a sua volta rodar, um borrão preenchido por vozes e ruídos. Havia saído de casa para fugir de seus problemas, de seu pai alcoólatra, principalmente, não para acabar às escadas de um bar beijando alguém que, com uma garrafa a mais, ficaria tão bêbado quanto Viriato. Fugiu. Não podia ficar mais um segundo perto de Felipe. As ruas a afunilavam conforme passava, e os berros sumiam. Desviou-se do bar onde sabia que estaria o pai, ou melhor, Viriato. Por vezes desejara que fosse adotada, talvez filha de outro homem. Sua realidade em casa era cruel, fria. A cada passo que dava para longe do estabelecimento, a cada casa pela qual passava, os gritos de Viriato a atordoavam. Primeiro os gritos, as brigas verbais, e logo estava apanhando novamente. Odiava-o cegamente. Que espécie de homem trataria a própria filha daquele jeito?

A escuridão da noite escondia suas lágrimas. Era sua sina. Primeiro o pai, depois Felipe... Sentia que o amigo se afastava ao longo dos anos, por algum motivo, porém não a incomodava. O aparente ciúme que o garoto apresentava sempre que Laerte aparecia a lisonjeavam. De certa forma, tranquilizava-a saber que Felipe tinha olhos apenas para sua melhor amiga e suas irmãs, que se irritava ao ver a garota correndo atrás de outro. Não era mais tão divertido quando Felipe começou a se afastar. Olhava em seus olhos e não via a confiança ou o carinho de antes. O nerd a tratava com mais frieza a cada dia, principalmente quando a via visitar Helena. Parou de se importar conforme a intimidade de Felipe com o álcool começava a vir à tona em festas de amigos ou celebrações do colégio. Divertia-se com o garoto na infância, ajudando-o a roubar a taça de vinho do padre e o observando beber travessamente o líquido roxo. À época, não entendia a ligação entre a bebida do padre e o estado de seu pai. Alguns anos depois, agradeceu a incômoda distância de seu melhor amigo. Por mais que lhe doesse vê-lo trilhando o mesmo caminho que Viriato, concentrava-se em como haviam brigado antes, em como não perdia nada. Observou o ex melhor amigo de longe com um aperto no peito por anos até anestesiar o sentimento com irritação, com raiva. Felipe agora vivia solitário, com a companhia apenas das irmãs, perdido em outra realidade. Os estudos eram sua distração, o álcool era seu hobby, e Shirley... Provavelmente apenas uma lembrança. Não precisava mais dele, havia arranjado um novo grupo, formado apenas por bajuladores de sua riqueza, e um namorado ao qual, dizia-se a loira, Felipe jamais chegaria aos pés.

$-

Felipe andava pelas ruas atordoado, tentando entender o que acontecera no bar. Por que ficara tão incomodado ao vê-la partir? Não sentia nada por Shirley, nada. Atração física, obviamente, e nada além. Ainda assim, não conseguia ignorar os beijos, a pele macia da loira sob seus dedos, o gemido ao sentir a língua de Felipe na sua. Lembrava-se de perceber um brilho desafiante no olhar da antiga amiga, como se o visse como uma presa. Era o mesmo olhar que a melhor amiga de infância lhe lançava ao tentar coagi-lo. Riu ao perceber que Shirley jamais havia prestado. Com a lembrança, um flash que pensava haver esquecido lhe retornou à mente: seu primeiro beijo. De certa forma, o olhar que recebera às escadas do bar, de uma Shirley que parecia hesitante e, ao mesmo tempo, provocadora, lembrava-lhe o olhar inocentemente sedutor de uma mesma Shirley aos 10 anos querendo competir com as amigas. Seria a primeira da classe a beijar um menino. Lembrava-se da antiga melhor amiga correndo para fora do túnel da pracinha para espalhar entre os amigos que havia beijado. Alguns anos depois, voltavam a se beijar, agora como adolescentes, e Shirley jamais teria coragem de admitir que o beijara de novo, e várias vezes. Desfilaria com o namorado pela cidade, desdenhando Felipe como costumava fazer há alguns anos, e nenhuma alma saberia que os antigos amigos inseparáveis agora se beijavam ardentemente pelos cantos da pequena cidade de Goiás. Ainda assim, guardava para si a lembrança do olhar de Shirley, tentando entender o que significava a doçura distante, quase imperceptível para quem não a conhecesse tão bem, que vira em seu olhar, em sua aproximação aos poucos, em seu toque. Talvez sua amiga de infância não estivesse tão distante, talvez bastasse que alguém tentasse buscá-la, trazê-la de volta à superfície. Não havia percebido a falta que lhe fazia a Shirley que conhecera até reencontrá-la em uma madrugada fria, à sombra de paredes mudas. Seria um segredo que guardaria para si, um olhar que sabia ser apenas seu.

Continuava a vagar em direção a sua casa por caminhos tortos e voltas desnecessárias. Precisava de cada segundo para guardar aquela noite eterna em seus pensamentos, ao mesmo tempo em que lutava contra o sorriso bobo que temia em cortar seu rosto. Sua consciência tentava vencê-lo, lembrar-lhe de quem Shirley havia se tornado. De seu jeito esnobe e sem caráter, que tentava roubar o namorado de Helena a todo custo, do depoimento de sua irmã lhe contando que pensava havê-la visto ainda menina sorrindo ao vê-la se afogar, que havia ignorado por anos até vê-la com Laerte. Shirley era uma cobra, na qual era impossível confiar. Seus sentimentos haviam sido enterrados e só lhe restavam a dor pelo pai, o ciúme de Helena e a obsessão por Laerte. Considerava-o patético, ria de Felipe como se fosse um palhaço. Precisava lutar contra a esperança de ter a antiga Shirley de volta, de ver humanidade na garota novamente. Precisava esquecê-la, odiá-la como nos últimos dias. Precisava... Precisava urgentemente de uma bebida.

$-

Então é assim agora? Laerte cobrou irritado. Na primeira briga você sai à noite de mãos dadas com o meu melhor amigo?

Você não beijou a Shirley? Minha vez. Helena respondeu como se fosse óbvio.

Eu não beijei a Shirley! Agora você...

Eu não fiz nada, meu amor, em respeito ao Virgílio, que preza muito a sua amizade, mas tive vontade. Provocou.

Constrangido, Virgílio tentava falar com Laerte, chamar sua atenção, em vão.

Você é minha namorada!

Devia ter pensado nisso antes de se deixar levar por aquela lá!

Eu não me deixei levar! Laerte se alterou.

Ah, não? Pobre Laerte, agarrado à força?

SIM!

Me poupe, que de inocente você não tem nada!

Como se você tivesse! Eu não fiz nada, agora você... Desdenhou.

Leninha, o Felipe viu a cena e garantiu que não tinha rolado nada, mesmo.

Leninha?! Pra você é Helena! Repete comigo: He-le-na!

Laerte, não aconteceu nada entre a gente. Eu e a Leninha, quer dizer... Virgílio tentou explicar.

Você está adorando, imagino. Laerte riu. Leninha pra cá, Leninha pra lá... Finge que me defende, mas tá louco pra ir pra cama com ela!

Cala a boca, Laerte! Helena gritou abismada.

E ela anda tão vadia que vai aceitar em um instante!

O escultor não respondeu por si. Ao ver o choque estampado no rosto ofendido de Helena, desferiu contra o melhor amigo seu melhor golpe, sendo respondido com agressividade. Tentou imobilizá-lo, em vão. Laerte estava incontrolável novamente, atacando o amigo sem dó.

$-

Para, Laerte! Era a voz de sua irmã.

Felipe seguiu a direção do grito, vendo Laerte e Virgílio brigando violentamente no meio da rua e Helena tentando apartá-los. Mais gritos, um tapa desferido cegamente, o choro de sua irmã.

HELENA!


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado, muito obrigada pelo apoio de sempre, e comentários aqui embaixo /



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